VIVER OU TRABALHAR?
PRIMEIRO ARGUMENTO
Calvino sacralizou o trabalho ao afirmar que só pelo trabalho se agrada a Deus. Trata-se de matéria de fé e, portanto, não se discute. Ou se crê e se é calvinista ou não se acredita no dogma assim definido e não se é calvinista.
Não muito depois (ou quase em simultâneo), foi Lutero que transformou este dogma em norma social com vista ao contributo para o bem comum. Ou seja, trabalhar muito e trabalhar mal, é uma desgraça social; não é a quantidade de trabalho que interessa mas sim a qualidade do trabalho a favor do bem comum. Mas esta orientação luterana não é um dogma, é uma norma ética.
Muito bem, daqui resulta que tanto calvinistas como luteranos vivem para trabalhar.
SEGUNDO ARGUMENTO
O luterano é directamente responsável perante Deus, não tem a intermediação sacerdotal (católica) proporcionada pela confissão. Mais: não paga bulas por putativa absolvição.
Sentido de responsabilidade que dá ao crente luterano a assumpção plena da missão sagrada de agradar a Deus e de tranquilizar a sua própria consciência, nomeadamente pelo contributo a favor do bem comum. Sim, a salvação consegue-se pelo agrado de Deus que se alcança pela fé e só pela fé, não pelas obras mundanas que o pecador faça para remissão dos pecados mas trabalhar para o bem comum ajuda à realização plena do luterano. Pecas? Não há quem te valha, estás perdido. Porta-te bem e não te esqueças de contribuir para o bem da sociedade em que te integras.
TERCEIRO ARGUMENTO
Já os gregos antigos se referiam ao mau feitio dos hiperbóreos, esses que viviam para lá das neves eternas…
Os rigores da invernia sugerem a clausura e desincentivam os folguedos, facilitam a introspecção e o estudo, não induzem a chalaça nem a leviandade; pelo contrário, a bonomia tem vida fácil nos climas amenos, nas idas à praia, na dança e noutras manifestações mais ou menos lúdicas e alacres.
Ou seja, o clima é importante na definição dos regimes de vida das populações.
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Tudo aponta, pois, para que os povos setentrionais enriqueçam em resultado do que produzem e vendem e que os meridionais empobreçam em resultado do que não produzem mas consomem.
Numa sociedade que produz, o consumo pode ser motor de desenvolvimento porque aumenta os mercados dos produtos produzidos; numa sociedade que pouco (ou nada) produz, o consumo é um incentivador das importações, do endividamento externo, da falência.
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E tanta conversa para quê, se nos teria bastado contar a fábula da cigarra e da formiga? É que, contado assim, tem fundamento filosófico.
Maio de 2018
Henrique Salles da Fonseca