VIKINGS - 1
Visita relâmpago de quatro noites e cinco dias mal contados por causa da ida e da volta, só deu para visitar um pouco de Estocolmo e alguns – poucos – arredores.
Frio como já não nos lembrávamos desde que há uns anos fomos ao Canadá também em finais de Dezembro e primeiros dias de Janeiro. Mas se é mesmo para ver um país, há que o visitar na plenitude das respectivas características, não em situações adamadas, incaracterísticas.
E se desta vez os termómetros não mediram nada de escandaloso (-2, -4), o efeito vento, sim, estragou tudo dando sensações ao estilo dos -10 ou pior, o que para meu consumo é demais. Pior na cidade com o vento encanado pelas ruas do que no campo onde ele, afinal, parecia uma brisa perfeitamente suportável. Ao todo, só tivemos uns floquinhos de neve bem simpáticos que me fizeram lembrar o Augusto Gil e a sua «Balada…» dos «pezinhos de criança».
E foi nessas ventanias nocturnas – a noite põe-se pelas 3 da tarde – que me lembrei da «Miséria» de João de Deus quando vi alguns «sem abrigo» em pleno centro de Estocolmo:
Era já noite cerrada,
Diz o filho: "Oh minha mãe,
Debaixo daquela arcada
Passava-se a noite bem!"
Sim, «sem abrigo» lestianos pedintes mas também vikings. E foi por estes que perguntei porque dos outros já sabia a resposta, igual à de cá. Os «sem abrigo» vikings são alcoólatras ou, em menor número, vítimas de outras dependências. A ponto de até os guias turísticos se referirem «à dura relação dos suecos com o álcool». O que mais me espantou não foi a realidade que me referiram – tão semelhante ao que se passará por cá e por outras bandas – mas sim a franqueza com que nos falaram do tema, sem encapotamentos nem falsas justificações. E quando nos foram mostrar Sigtuna, tida pelo «berço» da Suécia, não perderam a oportunidade de nos mostrarem uma mansão agrária que está em vias de se transformar num grande polo de turismo (rural) mas que até há pouco era um centro de desintoxicação da alcoolémia. E à minha pergunta sobre se acabaram com esse trabalho de desintoxicação porque o problema diminuiu, logo me informaram que a razão não era a da diminuição do problema mas sim porque cerca de 97% dos «curados» regressava ao internamento não muito depois de um ano de terem tido «alta». Porquê, o tratamento era assim tão ineficaz? Sim, mas não só. Uma parte substancial dos «retornados» preferia viver naquele internato do que ter que enfrentar as agruras da vida cá fora, vida de que estavam, entretanto, completamente desadaptados. E como desadaptados, caíam novamente na dependência do álcool e tudo voltava ao início. E então? - perguntei eu. A resposta não se fez esperar: - Que se cuidem pois o Estado não pode continuar a suportá-los indefinidamente deitando dinheiro à rua. Sim, pareceu-me cruel. Mas eu sou latino, lamecha, não sou um frio viking.
E se, por cá, fizessemos o mesmo?
(continua)
Janeiro de 2019
Henrique Salles da Fonseca
(1JAN19-Mansão agrária, arredores de Estocolmo)