VIAGEM DE FIM DE SEMANA – 4
Perguntou-me um amigo o que é que eu fui fazer ao Porto. Respondi-lhe que fui ao jardim da Celeste, giroflé, giroflá... Como se, para ir ao Porto, fosse necessário lá ir fazer alguma coisa. Mas sim, fui lá propalar umas «coisas» e buscar outras – disse eu. O quê? – perguntou. Coisas – respondi. O meu amigo estava a perder a paciência com tanto enigma e eu soube que aquele era o momento de «arrear os suspensórios». Coisas? - perguntou. Então, levantei a ponta do véu e disse-lhe que fui levar um paralítico e um rei e trouxe outro rei e um caixote com grilos. E a conversa ameaçava enfadar-se com o non sense dos grilos e a enigmática transacção real. OK! Se não queres contar, passamos para outra... E, então, contei...
Fui fazer uma palestra na Quinta da Bonjóia a convite duma Associação de que sou amigo e que, como eu, se dedica à lusofonia. A quinta é propriedade da Câmara do Porto que a herdou de um benemérito. Ali instalou uma Fundação com propósitos culturais para toda a cidade e sociais para a problemática população envolvente. A Associação minha amiga utiliza o magnífico auditório uma vez por mês para exteriorizar as suas actividades. E neste mês de Dezembro fui eu o convidado. Mas não falei de lusofonia e sim de lusofilia. Qué isso? - perguntou o meu amigo. Lusófono é aquele que fala português; lusófilo é aquele que gosta de Portugal. E eu dedico-me a trazer ao convívio com o Portugal pós colonial todos aqueles a quem chamo os «portugueses abandonados», ou seja, os descendentes daqueles que algures na História e algures no mundo foram administrados por nós e que ficaram nas suas terras após a nossa saída mais ou menos abrupta, defendendo os Valores que lhes legámos – religião, língua e genes – rodeados de hostilidade ou, no mínimo, por desdenhosa indiferença. E, nalguns casos, passados séculos da nossa saída, continuam a dizer-se portugueses manifestando sentimentos lusófilos tão sentidos como esse de quando Portugal ganha um jogo de futebol internacional virem para a rua desfraldando a nossa Bandeira aos gritos de Ganhámos!!! Sim, tanto a mim como aos meus amigos dessa Associação se nos faz um nó na garganta quando vemos tais manifestações de lusofilia. E rezo com fervor para que esses bravos não vejam um dos nossos temíveis telejornais e se lhes quebre o mito sobre aquele país distante cuja aura de grandeza o faz ser ainda maior que todos os sonhos por eles sonhados. E disto não têm as grandes potências materiais. Mas Portugal tem esta aura e eu – não propalando mentiras sobre um eldorado irreal – tudo faço para que ela não se desvaneça e digo aos abandonados que, afinal, há por cá quem se lembre deles e os queira confirmar na Lusitânia Armilar.
- Vou ter que me levantar para cantarmos o Hino Nacional – disse ele.
- Não – disse eu. Devo ser o pior cantor do nosso Hino.
- Porquê, não sabes a letra?
- Sei, sei! Mas treme-me o queixo e embarga-se-me a voz.
- E é nesse mundo que vives?
- Sim, é nesta utopia que vivo e, para mim, Portugal é um dogma.
- E, afinal, quem foi o paralítico e para que trouxeste um caixote com grilos?
- O paralítico era nascido em Odemira e governou metade do mundo.
- Como assim?
- Chamava-se Francisco Rodrigues, era Padre e em Goa foi Provincial do Oriente da Companhia de Jesus com jurisdição desde o Cabo da Boa Esperança até Nagasáki.
- E o caixote de grilos?
- Essa foi uma boca em sentido figurado para te aguçar o apetite.
- Mas eu não como grilos nem tenho apetite por eles.
- Tratou-se de trazer para casa a notícia sobre os frades grilos que deram o nome à Igreja de S. Lourenço, no Porto. Mas sobre isso falei numa crónica anterior. Vai lá ler.
- E disseste que levaste um rei para o Porto e que trouxeste outro de lá.
- Para lá levei a história do lisboeta Filipe de Brito e Nicote que foi Rei da Birmânia e do Porto trouxe a história de Carlos Alberto de Sabóia que foi Rei da Sardenha e que, para minha grande vergonha, tinha por ter sido algum actor de vaudeville. Mas sobre este também já falei noutra crónica anterior. Vai lá ler.
- Sim, sim, irei de certeza. Estou a gostar da conversa. E os teus ouvintes gostaram da palestra?
- Bateram palmas porque gostam do tema. Se gostaram da minha palestra, não sei. Mas como me convidaram para lá voltar em Fevereiro...
- Olha: vou ter que sair para ir buscar a minha mulher ao cabeleireiro. Vamos ter que continuar a falar destas coisas.
- OK, quando quiseres. Inté!
FIM
Dezembro de 2016
Henrique Salles da Fonseca