VIAGEM DE FIM-DE-SEMANA -1
Na quinta-feira, 15 de Dezembro, fui ao Porto propalar umas «coisas» e decidimos ficar durante o fim-de-semana.
De muito boa companhia tanto alfacinha como tripeira, fizemos turismo. E no Sábado de manhã fomos ao «Café Majestic» tomar um dito cujo. Um quê? Pois isso mesmo, um café. Não sei até que ponto é típico ou não do «chic endroit» mas eu comi um pastel de nata. Tudo bom mas carote.
Na mesa ao lado, uma mãezinha e seu infante pré-adolescente. Ela a ensinar, o petiz a aprender o estilo da decoração e como eram os tempos de antigamente. Material de estudo, os dizeres que constavam da toalha de papel que põem a quem pede mais do que um café simples (sem açúcar) e um folhado redondo com nata no meio.
Mas como eu ando cá nesta vida mais para aprender do que para propalar «coisas» aos ouvintes, perguntei à empregada se podia ter uma dessas toalhas ou se teria que encomendar algo mais que justificasse a disponibilização dos instrutivos dizeres. Que não, ela tinha todo o gosto em me oferecer (em nome e às custas do patrão, está visto) um «toalhete» como se apressou a corrigir.
E foi então que fiquei a saber tanto como o petiz da mesa ao lado:
1923
A «Illustração Portugueza» escrevia, em crónica de André de Moura: «Os cafés em Portugal têm sido até agora exclusivamente alfobre de revolucionários, ponto de reunião transaccional de comerciantes milicianos ou apagado espairecimento do caturrismo da velhice.
Acaba de dar-se entre nós o exemplo do que deva ser um café. Trata-se do novo estabelecimento desta classe que vem de inaugurar-se num dos grandes pontos centrais do Porto, à entrada da Rua de Santa Catarina. É um dos mais nobremente sumptuosos que conhecemos pelo que se justifica bem o seu título: Majestic. (...) As senhoras da melhor sociedade portuense frequentam-no e aqui está o exemplo aberto para uma nova e grata função do café no nosso país.»
Que função? Não percebi à primeira mas depois de pensar um bocado, admito que as Senhoras da melhor sociedade não iam a locais daquele género e logo me lembrei de vários episódios semelhantes.
Por exemplo, durante a guerra de 39-45, as refugiadas judias frequentavam em Lisboa a «Pastelaria Suiça» em cuja esplanada se deliciavam com o Sol a bater-lhes nas pernas e nos decotes enquanto fumavam saborosas cigarradas para grande escândalo das sorumbáticas beatas portuguesas vestidas do pescoço aos pés, ainda imbuídas da mentalidade medieval de submissão ao omnipotente marido e tementes a um Deus castigador e vingativo que considerava pecaminoso dar a entender que possuíam calcanhares, quanto mais pernas ao léu a bronzear. E foi com alguma hesitação que as portuguesas começaram a ir à dita pastelaria sem, contudo, puxarem de cigarradas em público e muito menos exporem pernas ou decotes ao Sol.
Muito mais tarde, quando em Outubro de 1964 fui para Évora cursar Economia, no «Café Arcada» só entravam Senhoras quando acompanhadas do marido e na «Pastelaria Bijou» só entravam homens para acompanharem as respectivas “esposas”. A frequência universitária da cidade ainda demorou 2 ou 3 anos a corrigir essa anormalidade mas nem pensar em fumaradas e muito menos na exposição dos membros inferiores ou das «poitrines» aos «malévolos e cobiçosos» olhares alheios. Árabe, no seu «pire» (para condizer com o nome francês do café portuense e com as partes arredondadas sobre a zona respiratória das «madames»).
Ou seja, em 1923 o «Majestic» proporcionou uma autêntica revolução nos usos e costumes portugueses. Mas essa revolução demorou “só” 17 ou 18 anos a percorrer os cerca de 333 quilómetros que então distavam entre a portuense Rua de Santa Catarina e o Rossio lisboeta enquanto demorou pouco menos de 30 anos a percorrer os escassos 150 quilómetros que nessa época iam de Lisboa a Évora.
Extrapolando, quanto tempo demorará essa revolução a chegar a Marrakesh? E muito menos falo em Nouakchott, Riade ou outras paragens que tais...
Dezembro de 2016
Henrique Salles da Fonseca
(Café «Majestic», Dezembro de 2016)