VIA CRUCIS – O CAMINHAR DA PESSOA CONSCIENTE – 4
- Jesus cai sob o peso da cruz
Ninguém podia entender o núcleo da sua boa nova onde não há as instituições da violência e da repressão. Jesus tinha ferido profundamente a religiosidade popular e institucional do povo ao criticar a instituição e as práticas religiosas e ao afirmar a Boa-nova da alegria que não culpabiliza ninguém e deste modo desmascara os cães de guarda de Deus e do Estado. A crença e a lei constituíam elementos impeditivos de uma relação mais directa com Deus e com o povo. O JC anuncia uma metanóia para a liberdade e insujeição mostrando com a sua vida o preço da liberdade. As instituições querem, muitas vezes, um Deus grande, um Estado grande à custa da humanidade e do povo; Jesus Cristo convida a não nos orientarmos tanto por regras e moralismos mas para através da relação com o interior divino… Jesus traz uma mensagem de alegria e não de tristeza. Ele quer as pessoas libertas do jugo do medo, por isso apela à mudança porque toda a vida é processo e transformação, não algo meramente estático fixado em lei ou normas que nos distraem do essencial: a relação pessoal e interpessoal. Jesus acaba com o pensamento em branco e preto, em termo de certo ou de errado; para Ele basta a fé, a experiência de amor que salva (Mc 5,13).
- O encontro de Jesus com Maria
A mãe lá está, bem à margem do caminho, sofrendo no silêncio o mau caminho do seu povo. A mãe pensa como o filho e sente como mãe, por isso não fala, fica em silêncio (Há momentos em que só o silêncio pode falar, a conversa torna-se em barulho de altifalantes pensantes ensurdecedores: um falar para não ouvir a voz do coração, o outro a falar em nós).
Não são homens que batem, são as fardas dos soldados que chicoteiam o inocente em nome da ordem e da instituição.
O encontro de Maria realiza-se, sem falas, de coração para coração numa troca de olhares porque a verdadeira vida não é experimentável no mundo das ideias e das palavras. No brilhar das lágrimas dolorosos que saem do encontro de seus olhos sai uma luz, uma experiência diferente da vida ordenada e secular. Naquele olhar brilha o dia de Páscoa, aquele Dia em que é sempre dia sem adormecer e em que a dor não estorva. No encontro verdadeiro não há palavras porque estas só distraem da profunda vivência que só é possível no encontro de rosto com rosto.
Para chegar à luz da experiência daquele encontro houve o caminho solitário no silêncio da dor que liberta; no mesmo caminho da fé se encontram mãe e filho na consciência de que o caminho da fé é diferente porque leva ao encontro que chega até a abstrair da razão para chegar a “compreender” numa vivência de que tudo se encontra unido e não separado. No momento do encontro a mãe percebeu a dureza das palavras que o filho lhe dissera quando a evitou (colocando a coisa de Deus acima das coisas familiares e lhe disse “não sabias que me devo ocupar das coisas de meu Pai?” Lc 2,49 s); naquela trocar de olhares de mãe e filho a mãe compreendeu novamente que o caminho de Deus não contempla a amarra de laços sanguíneos; no encontro Maria viu que seu filho sempre teve razão, porque empenhado na libertação das pessoas olhando cada uma de olhos nos olhos, não se podendo por isso deixar perder em nenhuma delas, por mais amável que fosse; no encontro de olhos nos olhos ateia-se um novo fogo, o fogo do amor que torna tudo presença. Naquele encontro se realiza a metanóia (para lá do pensamento) que exige um repensar da normalidade que nos prende e cativa; neste olhar se realiza a maternidade de uma mãe que se alegra nos crentes e incrédulos. No encontro dá-se uma fecundação que gera nova realidade.
(continua)
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e pedagogo