UMA VIAGEM AO INFERNO – 3
Saindo do fundão em que se encontra o restaurante «O Burgo» em plena Serra da Lousã onde não há mais casas para além daquela em que estivemos a almoçar – e sem sombras de qualquer agregado urbano que possa passar por casario e muito menos por burgo - a caminho das aldeias de xisto, o carro amarinhou até ao castelo e passado algum tempo de estrada sinuosa, o castelo já estava lá tão em baixo que parecia um brinquedo infantil. Subimos, subimos e voltámos a subir até que tivemos que sair da estrada e cortar por um caminho bem asfaltado mas com um declive ainda mais acentuado e curvas de bolso ainda mais pequeno. E continuámos a subir até que o caminho acabou num beco onde teríamos que deixar os carros e seguir a pé para visitarmos Cerdeira, essa aldeia de xisto que se espalha por um quase precipício até o vale fazer uma curva e ficarmos sem saber o que se segue. E que se seguirá por ali a baixo? Dá para imaginar que pouco ou mesmo nada para além de pedras enegrecidas pela humidade dos anos e pelos fogos de há pouco. Mas quis o Altíssimo que as casas tivessem sido poupadas à fúria das chamas.
Cansados de nada fazermos, optámos por ficar junto dos carros e ver a aldeia à distância do caminho que não fizemos a pé.
Era sexta feira e não era só a nós que cheirava a fim de semana. Os trabalhadores que andavam a tratar da canalização da água, do saneamento básico ou de não sei quê, saíam e cruzaram-se com os turistas que chegavam. Perguntado, um dos trabalhadores informou que, em permanência, ali só vive um casal e que todos os demais são residentes temporários, turistas. E aí vinham eles…
Deu-nos então para imaginar o que teria sido a vida num desterro daqueles sem estrada asfaltada, sem água nem electricidade, sem telefones, sem nada. Saberiam aquelas gentes de então que havia mais mundo para além da última frágua que avistavam do termo da aldeia? Como foi possível terem sobrevivido para conseguirem fugir dali? E como nos foi possível a nós pactuarmos com quem não lhes proporcionou condições de vida menos agrestes e os deixou viver como bichos abandonados?
Até que um dia houve alguém que se lembrou de explorar aquela aldeia moribunda, recuperou as casas que ainda estavam de pé, levou electricidade até lá, alargou e asfaltou o caminho, pôs água corrente, fez o saneamento e chamou turistas. As gentes antigas emigraram ou morreram mas a aldeia ressuscitou. E dizem-me que, como esta, há mais.
E depois? Bem, isso é coisa que não sei. Apenas sei que há futuro.
Abril de 2018
Henrique Salles da Fonseca