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A bem da Nação

UMA SELA POR UMA CELA



Esta é a história de Telo, João e Teotónio.

Chegou, pois, o tempo de Deus decidir dar cumprimento ao voto formulado pelo presbítero Telo. Comprara ele, casualmente mas não sem a intervenção de Deus, em Montpellier uma sela que era muito bem trabalhada e era mais que excelente para montar a cavalo. Certo dia em que o arcediago seguia montado numa mula pela porta de Coimbra e caminhava como habitualmente pela Rua Régia, aperceberam-se dela os cortesãos que notaram o seu bom recorte. Alguém de entre os conselheiros deteve a atenção na sua elegância e propôs ao Infante que pedisse ao arcediago para lha dar. Sem demora, satisfez ele o pedido sugerindo em troca a oferta dos Banhos Régios ao fundo da judiaria. Todavia, porque o juízo real se move por outros motivos que não os nossos, o príncipe, cheio de respeito, embora dando largas à alegria com olhar rasgado e rosto sorridente, respondeu que primeiro teria de ver o assunto, bem lembrado das palavras do sapientíssimo rei Salomão “tudo faz com conselho para não te arrependeres”. Deus, porém, da atalaia da Providência, favorecia os santos desejos do seu presbítero, aos ouvidos do rei e de Hermígio, seu mordomo-mor (paz à sua alma), que ocupava o lugar cimeiro da hierarquia e era homem de grande valor e prudência e mais do que nenhum outro conselheiro do rei nosso senhor, fez chegar a inspiração de apoiar todos os planos do arcediago. Assim aconteceu. Com efeito, por sugestão divina, é-lhe passado um documento autenticado com as armas reais.[1]


Filho do arcediago da Sé de Coimbra, viajara Telo a Jerusalém em peregrinação ao Santo Sepulcro. No regresso permaneceu alguns meses em Bizâncio navegando de seguida até Marselha e rumando depois a Montpellier onde decidiu comprar uma sela que lhe permitisse cavalgar com algum conforto até Coimbra.


Fervoroso adepto da reforma gregoriana, encontrou no presbítero João Peculiar, mestre-escola da Sé de Coimbra, o correligionário que lhe faltava para a implantação da nova doutrina naquela que então era uma região de fronteira com o Islão.

Foram razões ideológicas que os levaram a travar amizade com Teotónio, presbítero que já estivera duas vezes em Jerusalém e que para lá tencionava regressar a título definitivo. Convenceram-no a ficar em Coimbra para fundarem uma nova congregação religiosa que, no meio da sociedade, pregasse a Palavra e desse o exemplo de vida apostólica.

Foi nos antigos Banhos Régios – que o Infante Afonso Henriques oferecera a Telo por troca duma sela – que no dia 28 de Junho de 1131 lançaram a primeira pedra da nova igreja, a de Santa Cruz de Coimbra.




Ali foi Teotónio o primeiro Prior; subiu aos altares e ficou na História conhecido como S. Teotónio[2].


João Peculiar foi de Coimbra para Braga como Arcebispo defensor da nacionalidade portuguesa contra a constante ofensiva do rival Arcebispo de Santiago de Compostela; não subiu aos altares mas desempenhou a elevada função de conselheiro principal do nosso primeiro Rei.

Telo, fundador da Ordem de Santa Cruz, criou à sua volta um escol de letrados que viria a dar origem a uma das Universidades mais antigas do velho continente, a de Coimbra.

Eis como uma sela trocada por uma cela foi estrutural na criação de uma Nação.



BIBLIOGRAFIA:

• Mattoso, José – D. AFONSO HENRIQUES, Círculo de Leitores, Outubro de 2006

• Sobre S. Teotónio, http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A3o_Teot%C3%B3nio

• Sobre D. João Peculiar, http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Peculiar


________________________________________
[1] - Pedro Alfarde, Via Tellonis (tradução de A. Nascimento, 1998, pp 60-61)
[2] - D. Telo e S. Teotónio foram pessoas diferentes e não uma só como alguma informação dá a entender nomeadamente na Internet (v. Mattoso, op. cit. pág.80 e seg.)

 

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