UMA DEMOCRACIA MITOLÓGICA
Quando leio que Espanha se avizinha por vezes de taxas de desemprego superiores a 20% da população activa, um único comentário me ocorre: - É mentira!
Por mais de uma vez ouvi mesmo referir essa taxa no nível dos 25% e logo me lembrei das contas feitas pelo Banco de Espanha aquando da substituição da Peseta pelo Euro que se mostraram erradas por defeito também na ordem dos 25%. Como assim? O erro estava no cálculo da economia paralela que seguramente ultrapassava essa percentagem. E vá de fazer a correr mais 25% de Euros…
Como é possível a economia paralela tomar conta de mais de 25% da economia de um país? Não é assim tão difícil se assentarmos na definição de economia paralela. Esta, é toda a que passa por fora da fiscalidade e não é necessariamente «caso de polícia» - partindo do pressuposto (muito discutível) de que a fuga ao Fisco não é «caso de polícia». Dito de outro modo, nem toda a economia paralela é criminosa de tráfico de seres humanos ou de matérias alucinogénias, etc. Economia paralela é a transacção não escriturada e, portanto, oficialmente inexistente, não tributada. Portanto, a conclusão é a de que, sim, é possível que a economia paralela de um país atinja essas percentagens que nos parecem absurdas: basta que os publicanos locais decidam, também eles, facturar privadamente uma fatia do que deveriam tributar o súbdito a favor da causa do Rei. Se aos publicanos referidos se juntarem os inspectores do trabalho, lá estão as empresas-fantasma, as que pura e simplesmente não existem pois todo o seu pessoal está no desemprego, mas a trabalhar clandestinamente. E o Rei a ver os navios a passar…
Lembro-me também de Milton Friedman quando ele blasfemava contra os preços administrativos das moedas – aquilo a que chamamos os câmbios oficiais – e dizia que o verdadeiro valor das moedas é o que vigora nos mercados paralelos. Abaixo o Banco de Angola, viva o Roque Santeiro!
Em Portugal, pelo contrário, temos uma Administração Fiscal ubíqua e considerada como uma das mais eficazes a nível mundial (5º ou 6º lugar num ranking que o meu contabilista não identificou) e não será difícil esse big brother saber quantos caroços de azeitona eu deitei para o lixo.
Eis a Península Ibérica a apresentar exemplos de eficácia fiscal entre o 8 e o 80 com todas as consequências que isso significa a nível da distorção da concorrência internacional e com os porcos espanhóis a chegarem ao Montijo mais baratos do que os produzidos localmente. Os cábulas a comerem as papas na cabeça dos bons alunos.
Apesar de tudo, conseguimos crescer 2,2% em 2019 e ter uma das mais baixas taxas de desemprego registadas aqui pelas redondezas.
Milagre? Não certamente. O turismo tem sido «pau para toda a obra» apesar da guerra que a esquerda parlamentar constantemente lhe move – cujo ideal de desenvolvimento deve ter algo a ver com o modelo cubano se não mesmo com o norte coreano. Mas temos também os chamados para-choques que evitam crises e fracturas. São eles a capacidade de adaptação de uma mão de obra de fraca formação e fraquíssima especialização a funções tão diversas como empregados de mesa, taxistas mais ou menos aperaltados, agentes imobiliários, telefonistas nos call centres, caixas nas grandes superfícies. Imagine-se o que seria toda esta gente licenciada em engenharias e outras ciências e tecnologias mais ou menos sofisticadas numa economia fiscalmente estrangulada, submetida à concorrência fiscal desleal e com um cenário parlamentar controleiro.
Se a tudo isto somarmos o facto de sermos uma economia pouco produtiva porque a voracidade sindical matou as grandes empresas ou as passou para o controle estrangeiro, uma medonha propensão marginal à importação, uma política fomentadora do consumo, o conceito de que o crédito é um direito (e não uma conquista de gente honesta) com a banca a falir estrondosamente e a passar também ela para mãos estrangeiras, temos todos os ingredientes para que a «coisa» dê para o torto. E, contudo, ainda só nos encaminhamos para a 5ª Grande Falência Nacional desde 1974.
Devemos estar sob a asa de São Miguel Arcanjo, o protector de Portugal e será por isso que ainda há quem tenha motivos para sorrir.
Sim, deve andar por aí muita mitologia a proteger a nossa democracia.
Henrique Salles da Fonseca