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A bem da Nação

UM ECLIPSE DO SOL

eclipse.png 

 

Eclipse do Sol, total nalguns lugares no centro de Moçambique, Zâmbia e Angola. Um eclipse do Sol é sempre um espectáculo interessante, não só pela raridade, mas sobretudo quando é total. A Zâmbia tirou grande proveito turístico do evento; Angola, a muito custo, conseguiu reunir um pequeno número de cientistas; e Moçambique? Podia ter ficado quieto, mas...

 

Moçambique soltou um alarme de tal forma aterrorizante sobre os efeitos do eclipse, que o povo, não só o povo simples do interior, mas o evoluído da capital, ficou à espera de nova catástrofe! Habituado a catástrofes – secas, inundações, guerra, pragas de insectos, inundações – agora chegava mais este: o eclipse do Sol.

 

Um dos jornais publica, página inteira, um artigo dedicado ao assunto com quase duas semanas de antecedência e com a manchete: Cuidado com o eclipse, as pessoas podem ficar cegas! Entrevista aos Drº (sic) Rogério Utui, especialista em Física Nuclear e Cardoso Homem (do Aeroclube). Começa assim o artigo: “Isto é perigoso. As pessoas podem ficar cegas.” Outro jornal publicou que “mais cego é quem não quer ver e que existem dados segundo os quais no dia do eclipse será instalada uma barraca em Quelimane (?) para os curandeiros porem à prova dos turistas os seus dotes em matéria de medicina tradicional em trabalho a ser feito em conjunto com a AMETRAMO (Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique). Isto é ridículo.” Mais adiante: “É bonito sim senhor. O fenómeno é espectacular mas as pessoas devem resistir à tentação. O País pode cegar. ... fica um bocadinho frio, os animais ficam baralhados, os galos cantam. Mas deixemo-nos de rodeios. O eclipse para as condições nossas é um risco à saúde pública. Com ele pode aparecer um “boom” de doenças de vista, o que logo à priori poderia significar ter alunos sem estudar e, por exemplo, uma povoação cega.”

 

E seguiu por aí fora a quantidade de artigos nos jornais. Até a Administração de um Distrito distribuiu um Aviso que colocou em lojas e escolas: “Avisa-se a população em geral e as Direcções das Escolas, que no dia 21 de Junho do ano em curso haverá eclipse do Sol durante algumas horas a observância da luz solar nesse dia será perigosa. Se insistir, poderá perder a vista ou ter problemas mais complicados com a vista ou desaparecimento total da retina. Apela-se à compreensão que será o bem da saúde.” (sic)

 

O Governo chegou a antever a possibilidade de, ainda mais uma vez, pedir ajuda internacional para atender aos flagelados do eclipse. O drama era a possibilidade de cegueira! “Se não se usarem óculos próprios, é alto o risco de cegueira!

 

Ninguém disse nem como, nem porquê se corria esse risco, que é muito maior sem eclipse, com o Sol na sua plenitude! Em qualquer dia do ano olhar demoradamente para o Sol pode causar danos, irreversíveis, aos olhos, é verdade. Mas quem aguenta abrir o olhão e encarar de frente o astro rei? Nem com óculos escuros que para pouco mais servem do que enfeitar a cabeça de meninas e meninos que se julgam assim mais... E partem as rádios e Tevês a anunciar: “Cuidado com o eclipse. NESSE dia não olhe para o Sol. Pode cegar!” “Não SAIA DE CASA sem óculos especiais!” e outras barbaridades na mesma tónica!

 

O Governo, face ao implacável e imparável avanço desta nova calamidade, decreta tolerância de ponto. (Atenção: tolerância de ponto só para os nacionais! Os estrangeiros, era lá com eles e quem sabe se estariam equipados com alguma tecnologia de ponta que os preservasse da desgraça!). As mães avisam que nesse dia não poderão ir trabalhar porque têm que segurar os filhos dentro de casa, o pastor aflige-se porque o gado está no pasto e não tem como recolhê-lo e abrigá-lo dos apocalípticos efeitos do eclipse e boi cego marra de lado. O país aterroriza-se.

 

Houve até quem, recolhido com a família dentro da sua palhota, mas através do inseparável telefone celular, consultasse a emissora de rádio sobre a capacidade de protecção do teto de palha! Na capital, no Maputo, a partir do meio-dia (o eclipse começava às 14h e 30m) as ruas desertificam-se, as pessoas recolhem a casa.

 

Se aqui estivesse o Astérix, ao ouvir todo este alarmismo, deveria pensar que desta vez é que o céu lhe ia cair em cima da cabeça!

 

Passou o eclipse. Foi interessante. Reportaram-se as autoridades administrativas: “Não aconteceu nem um só caso de cegueira. Nem nas pessoas nem nos bois!

 

Moçambique perdeu a oportunidade de pedir nova ajuda internacional!

 

Atenção: isto não é ficção! Aconteceu, mesmo!

 

 

Moçambique, Maputo, 21 de Junho de 2001

 

Francisco Gomes de Amorim, Junho 2013, Lisboa.jpg

Francisco Gomes de Amorim

 

Escrito na Casa do Gaiato, Obra da Rua, Boane, Distrito de Maputo, em Junho de 2001

 

 

 

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