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A bem da Nação

TRETAS # 14

APM-Cegueira.jpg

 

 CADA CAVADELA, SUA MINHOCA

 

  • Pois é! As coisas não têm corrido mesmo nada bem para os lados do BdP.

 

  • Os casos BPN, BPP, BES e BANIF vieram mostrar à evidência que o BdP não faz a menor ideia: (i) daquilo que existe nos Balanços dos Bancos que deve supervisionar; (ii) dos riscos a que esses Bancos se encontram expostos a cada momento; (iii) das perdas em que eles já incorreram, mas que ainda não reconheceram nas suas contabilidades; (iv) do que significa para a estabilidade do sistema financeiro o modelo de negócio que cada Banco lá vai prosseguindo tant bien que mal; (v) de como atalhar uma crise sistémica, recuperar um Banco em crise ou vender o que for vendável naqueles Bancos que, entretanto, falirem.

 

  • Bem ao gosto português, este problema não é objecto de análise - mas de fulanização.

 

  • O mal, diz-se, está no modo como o Governador do BdP é nomeado. Que o Governo, manietado por interesses vários, não tem suficientes “luzes” para tal. Que o Parlamento, minado pela intriga política, idem, idem, aspas, aspas. O Presidente da República é que é.

 

  • Vivessemos nós em Monarquia Absolutista e diagnóstico e remédio não seriam muito diferentes: Ao Rei decidir, pois foi para isso que a inspiração divina o ungiu - e as decisões dos ungidos são perfeitas por definição.

 

  • Que o nomeado apenas preste contas ao ouvido do nomeador - e que este, compreensivelmente, não esteja nada interessado em admitir que as suas escolhas deram para o torto - é coisa que não preocupa minimamente os defensores desta expedita solução.

 

  • E é assim, à maneira do séc. XVIII, que continuamos a procurar resolver os nossos problemas, quer os de fundo, quer os mais triviais: um “iluminado” (que pode ser o “iluminado” de ocasião, com interesse directo no assunto) que diga como é - e todos nós iremos às nossas vidinhas, descansados, pois ficamos em boas mãos.

 

  • É asssim na organização judiciária; é assim na esfera da Administração Pública; é assim na vida política; é assim nas empresas públicas e em muitas empresas privadas. Ninguém se sente na obrigação de se explicar publicamente. Ninguém exige contas substantivas, prestadas em linguagem clara que todos vejam e todos percebam. Convive tudo muito bem com os juízos no recato dos gabinetes - e com a maledicência inconsequente da rua.

 

  • Durante todos estes anos, o “pecado original” dos sucessivos Governadores do BdP não foram, nem os vícios no modo de nomear, nem a qualidade profissional dos nomeados. Foi, sim, o simples facto de, a pretexto de um equívoco estatuto de independência, eles capricharem em não prestar a ninguém contas que se percebam. Nem mesmo às bem-intencionadas, mas mal-preparadas, CPI.

 

  • O Governador do BdP deve ir regularmente ao Parlamento para explicar o que faz ou deixa de fazer, e porque o faz ou deixa de fazer. Em audição pública, obviamente. Não porque o Parlamento deva poder demiti-lo, mas para que ele, Governador, vendo que as suas explicações não satisfazem, que a sua actuação é objecto de forte censura, tenha a hombridade de renunciar ao cargo.

 

  • Mas explicações sobre o quê? Perguntará o Leitor - e com razão. O BdP já não tem competências em matéria de política monetária e cambial - que pertencem ao BCE. A supervisão dos Bancos é, agora, em larguíssima medida, tarefa do BCE, também. E o legislador esqueceu-se de lhe atribuir o papel de Autoridade da Concorrência no sistema bancário. Então, o que sobra?

 

  • Sobra: (i) a política de investimento das reservas cambiais (cujos resultados não deveriam ser contabilizados no Balanço do BdP, contrariamente ao que hoje acontece); (ii) a posição a defender junto do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do BCE; (iii) a visão sobre o sistema financeiro nacional; (iv) as medidas adoptadas para assegurar a estabilidade dos Bancos “de cá” e prevenir o risco sistémico; (v) a actuação perante casos concretos de Bancos em crise; (vi) a prestação final de contas, quando um Banco é liquidado.

 

  • E sobram: (i) a transferência para o “BES MAU” de umas quantas Obrigações Ordinárias que, de início, tinham sido integradas no “BES BOM” (o NB/NOVO BANCO); (ii) explicar o que entende por “rentabilidade da Banca”, tema que elegeu, agora, como objectivo principal da sua acção.

 

  • Este jogo do “tira, põe e deixa” com o património do defunto BES só prova o que escrevi ao começo: o BdP nunca deixou de andar às aranhas. Mas a questão nem é essa.

 

  • Mesmo se ao fim de ano e meio o BdP entendesse que deveria corrigir os critérios que adoptara na cisão (e fê-lo já umas quatro vezes, pelo menos), deveria tê-lo feito com lisura e com a humildade de uma explicação que fizesse sentido. Mas não.

 

  • Em contra-mão (a legislação portuguesa proíbe-o), resolveu tratar de maneira diferente credores obrigacionistas com idêntica graduação. Logicamente, as emissões de Obrigações (e de outra dívida titulada como as MTN/Medium Term Notes) que gozam de garantia real (garantia hipotecária ou outra) teriam de ser excluidas do arranjo, sempre que as respectivas garantias estejam contabilizadas nos Livros do NB. De outra maneira, essas garantias teriam de acompanhar os correspondentes créditos no regresso ao “BES MAU” - e, no NB, tudo ficaria na mesma em termos de Capitais Próprios (mas não de rácio de solvabilidade, que melhoraria).

 

  • O que o BdP fez foi discriminar, no acto da cisão, credores obrigacionistas que, apesar de não gozarem de garantias específicas, se encontravam, nesse momento, em iguais circunstâncias face ao património do BES.

 

  • Que uma tal discriminação aconteça com um atraso de dezoito meses, é completamente irrelevante. O que é relevante é, num cenário de anunciada insolvência do devedor, privilegiar credores que, à partida, se encontram em pé-de-igualdade. E isto entre nós tem nome: crime.

 

  • A justificação dada pelo BdP (são emissões que se encontram por inteiro na posse de investidores institucionais - e haveria que proteger os investidores de retalho) seria ridícula se não fosse a manifestação absurda de um comportamente arrogante de quem se considera acima da Lei.

 

  • Por último, a questão da “rentabilidade da Banca”. Bancos rentáveis, certamente. Acontece, porém, que a estabilidade e solidez de um sistema bancário não se mede nos resultados de exercício - mede-se, sim, no nível de capitalização. O que é dizer, na adequação dos Capitais Próprios ao perfil da exposição ao risco e ao peso dos Encargos de Estrutura na Margem Recorrente. Ora, nada disto se lê nos bons propósitos do BdP.

 

  • De facto, o resultado de exercício (os “lucros”) pode ser construídos de muitas maneiras. E algumas revelam, até, não solidez, mas fragilidade sempre que: (i) o Banco esteja sub-capitalizado; (ii) o Banco não esteja a provisionar adequadamente as perdas esperadas no seu Balanço; (iii) o Banco não esteja a reconhecer correctamente as perdas em que incorreu; (iv) os riscos operacionais não sejam acautelados; (v) a Margem Recorrente (isto é, a diferença entre proveitos e custos expostos unicamente ao risco de crédito) não seja suficiente para cobrir os Encargos de Estrutura.

 

  • Neste último caso, a rentabilidade do Banco fica a depender fundamentalmente das oscilações do mercado cambial (risco cambial), da política monetária (risco de taxa de juro) e dos mercados de valores mobiliários (risco de preço). Ou seja, de variáveis que lhe escapam.

 

  • O indicador que o BdP deveria fixar - se se preocupasse verdadeiramente com a solidez do sistema bancário (ou se tivesse uma ideia daquilo de que ela depende) - é o RARORAC (Risk Adjusted Return On Risk Adjusted Capital).

 

  • Trocado por miúdos: os dados da contabilidade não proporcionam uma visão nítida das condições de estabilidade de um Banco quando este reconhece de forma deficiente os riscos a que se encontra exposto, as perdas em que incorreu e as insuficiências de Capitais Próprios (já para absorver as perdas não esperadas, já para suportar erros no pricing dos empréstimos bancários). Tudo isto é moeda corrente nos Bancos “de cá” (naqueles que ainda vão sobrevivendo…).

 

  • Por isso, há que corrigir: (i) o resultado do exercício, deduzindo as perdas já incorridas, mas não reconhecidas, e as perdas esperadas não provisionadas (Risk Adjusted Return); (ii) os Capitais Próprios, retirando-lhes as perdas não esperadas (Risk Adjusted Capital).

 

  • E, suspeito, os Bancos “de cá” parecerão outros.

 

JANEIRO de 2016

Palhinha Machado.jpgA. Palhinha Machado

 

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