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A bem da Nação

TRETAS #04

 

LESADOS BES.jpg

 

BES, UMA HISTÓRIA MAL CONTADA (III)

PAPEL DE FANTASIA (1)

 

  • O papel comercial emitido por sociedades do GES e colocado aos Balcões do BES (e de outras Instituições Financeiras do GES, diga-se de passagem), poderia não ter volume bastante (que não tinha) para provocar o colapso do Banco - mas tinha tudo para arrastar pelas ruas da amargura a sua reputação.

 

  • Para perceber o que se está a passar, há que conhecer: (i) primeiro, o que é isso de papel comercial; (ii) em seguida, o modo como as emissões de papel comercial (e a sua colocação junto dos investidores) estão reguladas em Portugal; (iii) depois, o que se sabe, em concreto, sobre essas emissões que têm sido causa de tanta controvérsia; (iv) enfim, se elas terão sido caso único, entre nós.

 

  • Começando pelo princípio: papel comercial são instrumentos de dívida. O que é dizer, são direitos com expressão pecuniária. Mais em concreto: o direito de exigir de determinada entidade (o respectivo emitente), em determinada data, o pagamento de determinada quantia (ou rendimento financeiro - por se tratar, não da contraprestação de uma transacção comercial, mas de dinheiro emprestado).

 

  • A designação papel comercial presta-se a equívocos posto que, entre nós, por tradição velha de muitas décadas, ela é dada a letras e a livranças, que são títulos cambiários previstos na Lei Uniforme de Letras e Livranças - a qual, por sua vez, acolheu no nosso ordenamento jurídico a Convenção de Genebra de 1930. O papel comercial que está aqui em causa nada tem a ver com títulos cambiários.

 

  • Este papel comercial é, apenas, dívida confessada com origem num empréstimo (mútuo de capitais). Uma emissão de papel comercial nada mais é que um feixe de contratos de empréstimo em número variável, todos com o mesmo emitente, o mesmo articulado - e, por consequência, a mesma data de início, a mesma data de vencimento (ou termo) e exactamente as mesmas condições de remuneração e de garantia.

 

  • É corrente ouvir-se dizer que papel comercial é assim uma espécie de Obrigações. Tal como as Obrigações hoje em dia, também o papel comercial tem a forma escritural e a natureza de valor mobiliário. Dito de outro modo: (i) é um simples registo junto de uma Instituição Financeira especializada; e (ii) a sua transmissão inter vivos não depende, nem da notificação do respectivo devedor (como acontece com os créditos comuns), nem do endosso (como acontece com os títulos cambiários), para ser plenamente válida.

 

  • Mas as diferenças são de tomo. Vejamos quais.

 

  • Por ter origem num único contrato, uma emissão de Obrigações é, na realidade, um único empréstimo com um número variável de co-credores - que o emitente terá de tratar rigorosamente por igual, sempre (se pagar a um, terá de pagar a todos; se não pagar a um, não poderá pagar a nenhum). Numa emissão de papel comercial, pelo contrário, cada instrumento de dívida (cada empréstimo) é autónomo relativamente à restante emissão - e só em caso de insolvência o emitente ficará obrigado a tratar por igual todos os portadores do papel comercial (porque se trata de créditos com idêntica graduação).

 

  • Uma emissão de Obrigações só se concretiza se a sua subscrição atingir um mínimo previamente anunciado (em certo sentido, é uma solução de financiamento rígida). Uma emissão de papel comercial, pelo contrário, não está, em geral, sujeita a tal condição de validade (por isso, é uma solução de financiamento de curto prazo bastante flexível).

 

  • Cada Obrigação representa o direito de exigir cupões de juros e um cupão de capital (ou de reembolso) ao longo de dois ou mais anos. A cada papel comercial (isto é, a cada empréstimo), pelo contrário, corresponde um único rendimento financeiro: (i) que se vence antes de decorrido um ano sobre a data da sua emissão; (ii) que tem já implícita a remuneração do capital emprestado.

 

  • O papel comercial viu a luz do dia nos mercados financeiros dos EUA e, pela sua flexibilidade, rapidamente cresceu em volume e complexidade - sendo mesmo o investimento que os Fundos de Tesouraria preferem. Por lá, a empresa que pretender emitir papel comercial (ou outros instrumentos de dívida) só tem que encontrar investidores/financiadore interessados - é quanto basta.

 

  • E por cá? Por cá, normas comunitárias, legislação (que transpõe para o Direito Interno essas normas comunitárias) e regras emanadas da CMVM tecem uma apertada teia de requisitos que emitentes e emissões de papel comercial são obrigados a cumprir. Será isso suficiente para evitar confusões, litígios - e, mesmo, fraudes?

 

(cont.)

 

MAIO de 2015

 

António Palhinha Machado

A. PALHINHA MACHADO

 

 

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