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A bem da Nação

TRETAS #03

 

BES, UMA HISTÓRIA MAL CONTADA (II)

RUMO AO FUNDO, SEM FUNDOS

 

  • 2001/2004 é o período da bonança do Euro, quando os efeitos da integração na UEM eram já evidentes na economia portuguesa e nos modelos de negócio que os Bancos “de cá” estavam a adoptar.

 

  • Modelos de negócio estabilizados que, por sinal, até coincidiam. Era, afinal, o mesmo modelo, sempre, com uma ou outra variante de pormenor - aliás, muito fácil de descrever:
    • Tinha por objectivo primordial financiar a procura final interna (empréstimos hipotecários habitacionais e outros créditos pessoais);
    • Não dava especial importância à alavancagem financeira nem às assimetrias de perfil temporal (mismatch) entre Activo e Passivo;
    • Considerava os mercados interbancários como uma fonte de fundos sempre disponível e sem limite, ainda que por prazos relativamente curtos (circunstância a que também não se dava uma importância por aí além);

 

  • Tudo tinha começado, verdadeiramente, em 1997/98, quando o Euro despontava no horizonte e o mercado interbancário centro-europeu abria de par em par as suas portas aos maiores Bancos portugueses - e estes aproveitaram, vendo aí uma fonte inesgotável de financiamento barato e nada exigente.

 

  • Endividaram-se despreocupadamente no exterior para competirem cá dentro por quota de mercado, dando origem a uma “bolha de dívida” que fazia inchar o Sector dos Bens não Transaccionáveis (construção, distribuição, etc.) e desequilibrava cada vez mais as contas externas.

 

  • Contrariamente ao que se ouve e lê, os Bancos não foram levados a financiar o desequilíbrio externo. Foram, sim, uma das causas (sendo a outra o laxismo da Despesa Pública) dos desequilíbrios macroeconómicos que persistiam na economia portuguesa.

 

  • A crise financeira internacional (2007 em diante) iria encontrar os Bancos “de cá”: (i) excessivamente endividados junto de uma dúzia, se tanto, de Bancos estrangeiros; (ii) muito expostos ao risco de crédito; (iii) com estruturas (quadro de pessoal, rede de agências, etc.) exageradas; (iv) perigosamente dependentes da contínua renovação dos financiamentos de curto prazo obtidos junto dos mercados interbancários; (v) sem Capitais Próprios à altura de todos estes desequilíbrios; (vi) vigiados por um Supervisor (o BdP) demasiado complacente.

 

  • Se não reforçassem substancialmente, e sem demora, os seus Capitais Próprios e se não mudassem de modelo de negócio, a economia portuguesa não escaparia a uma crise bancária severa ao mais leve choque. Foi o que aconteceu. Ignorar a descapitalização e o modelo de negócio dos Bancos foi o primeiro erro fatal da troika.

 

  • Em 2008/2010 a crise financeira que atingiu as economias do Pólo Atlântico estava no auge - e este período é o que oferece, por ventura, o mais perfeito diagnóstico da forma como os Bancos “de cá” olhavam para o que se passava em seu redor, dos objectivos que prosseguiam e do modo como orientavam os seus negócios.

 

  • Para quem tivesse olhos para ver, os sinais da crise abundavam. (i) a evolução das Carteiras de Crédito Bancário - que se contraiam, não como resposta ao agravamento do risco de crédito e às dificuldades de financiamento, mas porque a economia caminhava para uma recessão e, consequentemente, as necessidades de financiamento das empresas iam diminuindo (menor procura de liquidez por motivo transacção); (ii) a crescente dificuldade para captar fundos junto de Bancos no exterior - quer em volume, quer em prazo; (iii) o recurso, inevitável e cada vez maior, aos fundos proporcionados por Bancos Centrais - para suprir dificuldades de tesouraria, sem dúvida, mas, acima de tudo, para preencher fosse como fosse as necessidades de financiamento que as Carteiras Bancárias experimentavam em crescendo; (iv) os ajustamentos de valor (menos valias potenciais) que iam engrossando essas patologias contabilísticas que são as Reservas “a vermelho” (negativas) e corroiam os Capitais Próprios; (v) enfim, nos prejuízos de exploração que aconteciam por força do reconhecimento das menos valias e do crédito malparado que a crise interna ia provocando.

 

CAPACIDADE OU NECESSIDADE LÍQUIDA DE FINANCIAMENT

Capacidade/Necessidade Líquida de Financiamento da Economia Portuguesa

(GEP/Ministério da Economia)

  • Tudo isto recomendaria a retracção dos Balanços para melhor preservar Capitais Próprios - o que não deixaria de ter efeitos recessivos na economia, mas protegeria a estabilidade do sistema bancário. Qual quê? Os Bancos continuaram a inflar fosse como fosse os seus Balanços, embora a um ritmo um pouco mais lento.

 

  • Se o que era recomendável não foi feito, tal terá ficado a dever-se, não a quaisquer preocupações dos Bancos com o nível da actividade económica e/ou do desemprego - mas, mais prosaicamente, ao facto de: (i) ser um caminho impensável, porque nos antípodas do único modelo de negócio que conheciam; (ii) a dimensão e a rigidez das estruturas tornar praticamente impossível manter rentabilidades com níveis de actividade (e de proveitos recorrentes) mais reduzidos, por pouco que fosse.

 

  • O modo como evoluiu a composição dos Balanços dos Bancos revela algo mais sobre o processo de ajustamento que a economia portuguesa iria sofrer: (i) os Depósitos Bancários registaram, entre 2008 e 2010, uma ligeirissima quebra (cairam bruscamente (-6.5%) em 2009, mas recuperaram quase por inteiro em 2010) - sinal de que o stock de liquidez em circulação se mantinha tendencialmente estável, embora volátil; (ii) a principal fonte de criação de liquidez (os empréstimos bancários) registou uma quebra acentuada (-6.8%) em 2009, da qual não recuperou nos anos subsequentes.

 

  • A esta evolução deveria ter correspondido uma quebra mais acentuada do stock de liquidez em circulação (da ordem do que se passou em 2009), tanto mais que a Balança de Transacções Correntes continuava muito deficitária (cerca de 8%-10% do PIB) - mas assim não aconteceu.

 

  • Dois factos terão contribuido para este aparente paradoxo: (i) o aumento dos empréstimos vencidos e não pagos (o “malparado”) impediu que um dos mecanismos de extinção de liquidez (leia-se: o reembolso dos empréstimos bancários) funcionasse em pleno; (ii) a Despesa Pública, financiada com Dívida Pública Externa, continuava a injectar liquidez na economia e a sustentar a procura interna.

 

  • Estava montado o cenário para uma distribuição mais assimétrica da liquidez e, consequentemente, dos rendimentos - o que é dizer, para uma sensação de crise cada vez mais aguda. E este foi o segundo erro fatal da troika.

 

  • 2011/2013, já com a crise das Dívidas Soberanas na Zona Euro (e, em Portugal, a troika) veio lançar luz sobre questões que a teoria e a análise têm descurado :
    • O processo de ajustamento da economia portuguesa teria sido mais severo se a execução orçamental não tivesse ido injectando liquidez na economia (à custa do aumento da Dívida Pública Externa, é certo);
    • Não são possíveis medidas de política monetária eficientes sem o enquadramento macroeconómico adequado da actividade dos Bancos;
    • O primeiro passo para sair de uma crise é, sempre, capitalizar (até, talvez, sobrecapitalizar) Bancos e outras Instituições Financeiras que sejam sistemicamente importantes - e seguidamente liquidar de forma controlada os Bancos que se encontrem irrecuperavelmente insolventes.
    • Uma economia incapaz de gerar capital financeiro não tem como sair de uma crise pelos seus próprios meios - e mais dívida não é solução. E este foi o terceiro erro fatal da troika.

 

(cont.)

Palhinha Machado.jpg A. PALHINHA MACHADO

ABRIL de 2015

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