TAPAS Y CASTAÑOLAS
Correu aí pelos meios de comunicação uma reportagem sobre uma ocorrência no sul de Espanha em que o dono de um estabelecimento (de comes e bebes?) a quem as Autoridades queriam impor o encerramento temporário por causa da pandemia, ele dizia às televisões que o filmavam que aquele era o seu modo de vida e que defenderia a tiro o seu negócio. E repetiu várias vezes que - Moriré matando!
Não me aterei na apreciação de que lado estava a razão, apenas constato a seriedade e a violência da afirmação.
Para melhor percebermos Espanha, pode ser de alguma utilidade que o «povo de brandos costumes» tome nota de que os métodos ali ao lado são muito diferentes dos nossos. Por lá, aplaudem a morte pública do toiro; por cá, pegamo-lo de caras. Eles fazem os ciganos subir ao «tablau»[i]; nós, não. Somos diferentes, nem melhores nem piores.
* * *
- Juan Calos de Borbon y Borbon é, quer se queira quer não, o único símbolo vivo da Espanha unitária e liberal.
Muitas foram as dúvidas que se levantaram quando o Cadlillo do «fascio» espanhol o nomeou seu sucessor passando por cima do candidato à Corôa, D. Juan, Conde de Barcelona, Pai do então indigitado. Desconheço totalmente que conversações terão decorrido entre os representantes do «usurpador»[ii] e o da Casa Real Espanhola para conseguirem que o Conde abdicasse do Trono a favor do filho. Objectivamente, D. Juan Carlos foi entronizado de acordo com o protocolo então em vigor e tudo começou…
Os historiadores, se forem minimamente imparciais, terão muito mais bem a dizer desse reinado do que mal mas eu não sou historiador e não preciso de ir aos arquivos à procura de informação. Eu sou o documento coevo, eu olhei a prudente distância (sem envolvimentos nem paixões que me fizessem imiscuir em assuntos estrangeiros) para todo o reinado de D. Juan Carlos. E desde já digo que o meu distanciamento se deve não só por ser estrangeiro como devido ao facto de ser filosoficamente republicano. Em compensação, a minha declarada simpatia para com o hoje Rei emérito se deve a que, com ele comungo do sentido liberal em que a sociedade se deve movimentar. Outro motivo de simpatia tem a ver com a descontração com que o ainda Príncipe (e não se mesmo, incógnito, já Rei), convivia com o vulgo da sociedade portuguesa frequentadora duma discoteca específica em Cascais. Lá estava com parentes e amigos e, todos nós, os outros, lhe respeitávamos a privacidade. Mas ninguém abandonava a pista de dança se o Príncipe/Rei ia dançar. E assim era que um Rei dançava tranquilamente perto de republicanos, monárquicos e agníosticos. Não seria ne3cessário mais para que a simpatia fosse uma realidade. Nem formal nem informalmente fui apresentado a D. Juan Carlos mas sempre pensei que quem se comportava daquele modo não podia ser mau rapaz.
Foi, pois, à distância geográfica e institucional que fui vendo a evolução de Espanha.
E vi o Rei a construir a paz social trazendo Santiago Carrillo a conversar com ele na Zarzuela, vi o Rei a impor a ordem democrática quando, aos tiros nas Cortes, a quiseram derrubar, vi uma Espanha ainda estigmatizada na cena internacional transformar-se numa potência europeia, vi o característico orgulho espanhol a desviar-se do doentio irredentismo para a via económica, vi a Peseta a ultrapassar o Escudo, vi uma Espanha aberta ao mundo, vi a redução drástica do fluxo emigratório e vi uma nova realidade em que a maioria passou a ter o gosto de nela viver.
Para muito melhor, a Espanha que era no dia da entronização de D. Juan Carlos não «chegava aos calcanhares» da Espanha unitária e liberal que legou ao seu sucessor.
(continua)
Ãgosto de 2020
Henrique Salles da Fonseca
[i] - «Tablado», tabuado, palco
[ii] - Franco, na boca pequena dos monárquicos liberais fiéis à linha sucessória dos Borbon cujo Chefe era, então, D. Juan, Conde de Barcelona