Liberdade é conceito unicitários, não fragmentável. No máximo, podemos identificar-lhe secções h0000000000000000omogéneas que, só por si, não representam o todo. Vide, o conhecido sofisma do Dr. Álvaro Cunhal que apregoava um regime assente nas «mais amplas liberdades», ou seja, sem liberdade pois as partes amplas ou minguadas, não fazem o todo.
Em paralelo com a liberdade (unicitária), corre a responsabilidade. Tudo, em consonância com um quadro legal construído por consensos democráticos definindo direitos e obrigações sob a égide de conceitos tão fundamentais como o bem e o mal, E é neste quadro que o cidadão exerce o livre arbítrio: só quem é livre pode ser responsável. Este, um princípio fundamental do sistema educativo americano. Se a esta liberdade responsável juntarmos um clima ameno e caloroso, compreendemos o patente gosto pela vida que os «miamianos» exibem por contraste com a vizinha Cuba donde as pessoas continuam a chegar. Dá gosto ir a Miami e tomar um banho na praia. O problema está em que os tubarões também gostam daquelas águas.
Dos meus textos sobre viagens facilmente se conclui que aprecio a geografia dos lugares que visito mas que a tónica acaba quase sempre por ir parar às gentes, à geografia humana.
E depois de ver gentes muito variadas, concluo que no essencial somos todos iguais mas também reconheço que somos todos diferentes: o que mais nos distingue não é a cor da pele mas sim e sobretudo, a Cultura e, dentro de cada uma, o nível cultural. As condições geográficas e as religiões condicionam e formam as Culturas e, nelas, notam-se as diferenças entre um braçal e um erudito. Numas sociedades há muitos braçais e poucos instruídos e noutras há predominância de licenciados «abrindo vagas» a indiferenciados.
Não reconheço a existência de «povos eleitos» nem de raças superiores, reconheço, isso sim, níveis de instrução e educação mais elevados ou primários que podem facilitar (ou dificultar) o adensamento da rede de sinapses e respectivos neurónios. A responsabilidade social de um instruído é, pois, maior do que a de um iletrado.
Estes povos nórdicos são muito mais responsáveis do que os aborígenes embriegados que vi em Darwin.
E assim tenho viajado pelo mundo entre o Cabo Norte e o Cabo Hornus no extremo sul da América do Sul.
Mas, nesta viagem em grupo organizada pela «Oásis Travel», o guia do grupo – Gonçalo Lucena Barreiro – teve o cuidado de compor as mesas no restaurante de acordo com o que lhe parecia a harmonia de centros de interesse. Assim, na nossa mesa eramos três casais em que nós, os homens, eramos (e continuamos a ser) economistas e em que as Senhoras tinham (e continuam a ter) experiências profissionais e de vida especialmente interessantes. A escolha não podia ter sido mais acertada pois, para além da conversa social, em cada refeição aprendi imenso. Destaco duas realidades que para mim foram surpresa: depois de devastados pelo arrasto pesqueiro, os fundos marinhos fronteiros à Serra da Arrábida estão em pujante processo de recuperação natural; libertada de custos fixos asfixiantes, a «Sociedade de Geografia de Lisboa» encontra-se finalmente em condições de avançar para novos vôos.
Afinal, foi no topo do mundo que viemos encontrar portugueses formidáveis.
1ª CONCLUSÃO: - Há sempre um Portugal desconhecido que espera por nós-
2ª CONCLUSÃO: - As pessoas, sim, interessam! O resto… é resto.
Já só se deve ir a Dublin depois de ler «Ulisses» - sob pena de se perder a epifania da cidade. Mas se um livro assim tão gordo incomoda os seus braços, contrate guia turístico capaz de descrever a essência dos lugares, a «epifania joyceana», como lhe chamo.
Foi, pois, na companhia desta sugestão de James Joyce que dei ordem às pernas para me passearem por Avignon…
Da janela do nosso quarto quase poderíamos espreitar para a intimidade dos aposentos papais e cometer alguma indiscrição caso Suas Santidades por ali estivessem. Não as invoquei com a convicção suficiente para as vislumbrar se por ali pairassem. Mas deu para sentir um ambiente pesado, menos de pompa que de cativeiro. Palácio-Catedral ou Prisão domiciliária papal? Esta última, a versão que tenho por mais evidente durante o reinado de Filipe o Belo e Pontificado de Clemente V (ambos morreram em 1314) mas depois o ambiente foi-se suavizando… até porque Petrarcha considerava Avignon «a cidade mais imunda e insalubre do mundo». Vai daí, um dos Papas conseguiu criar as condições convenientes à obtenção da autorização régia para construir novo palácio do outro lado do rio, em Villeneuve, bem como de grandes jardins onde Suas Santidades se poderiam aliviar dos fluxos naturais. Então, em paga de tanta generosidade (homenagem da vítima ao seu carrasco), o tal Papa - cujo nome não interessou a qualquer dos meus neurónios com função ligada à memória - assumiu a construção da «Tour Philippe».
Palácio papal na janela do quarto, ao sairmos do hotel, estávamos no centro daquele mundo, a «Place de l’Horloge» em que nada acontece quando não acontece ali. Restaurantes e esplanadas porta sim-porta sim bem nutridos de clientela, ringue de patinagem no gelo pejado de crianças, criancinhas, papás e mamãs, carroussel com música até às árvores… A vida como deve ser em época festiva de finais de Dezembro; a Câmara Municipal (Hotel de Ville), o Teatro, o «Banco de França». Duas particularidades: o próximo «Festival de Teatro de Avignon» será dirigido pelo português que até há pouco dirigia o nosso «D. Maria II»; aquela agência do «Banco de França» que passou a emitir escargots, primeurs, poisson meunière… sim, virou restaurante. Aqui fica a sugestão para as agências regionais do nosso BdP - à falta de melhor vocação, vire-se a instituição para as bifanas e sandes de coiratos.
Mesmo no centro do centro histórico desta importante cidade medieval, poucas (ou nenhumas) as fachadas dos edifícios que mantêm alguma estética antiga. Falta grave! Numa cidade em que cada pedra removida teria uma história para contar… bastaria ter mantido a aparência antiga das fachadas, os interiores que sejam todos modernos.
Desde os bancos da escola que eu sabia que a célebre ponte de Avignon estava incompleta pelo que, não desempenhando a função para que fora imaginada, passara a ser usada como local aprazível a que os foliões se dirigiam para ali dançar em roda. Mas não foi bem assim: a ponte foi concluída após sucessivas subscrições públicas mas umas desgraçadas obras de hidráulica no leito e margens do Ródano (Rhône, como por lá chamam ao rio), fizeram com que no degelo alpino seguinte metade da ponte abalasse por ali abaixo… até hoje. Tempos medievais em que a engenharia dos flúidos não tinha o apuro de hoje.
Habituadas à meia-ponte, as gentes parecem por ali felizes.
Filipe IV de França. «o Belo» (n.1268/r.1285-f.1314) era por dinheiro como macaco por banana – lá do assento etéreo a que subiu, que o diga Jacques de Mollay. Então, querendo também tributar a Igreja secular francesa, rapidamente entrou em conflito com o Papa Bonifácio VIII que em matéria de finanças não tencionava deixar os seus créditos por mãos alheias. Mas a vida terrena é efémera e o firme Bonifácio passou à eternidade. Finado aquele Papa, logo a Diplomacia Francesa soube motivar os Cardeais suficientes para o Conclave eleger um francês para o trono de S. Pedro. Coube a sorte a um natural de Bordéus que adoptou o nome de Clemente V. Corria 1305. Consta que tanto a Diplomacia francesa como a vaticana usaram diversos argumentos contra e a favor da permanência da sede papal em Roma mas uma lâmina bem afiada assente sobre uma carótida de Clemente V parece ter finalmente conseguido a unanimidade das opiniões a favor de Avignon. Corria 1309 quando a mudança se realizou. Não encontrei informação sobre a «sorte» que coube aos diplomatas franceses que fizeram Filipe esperar durante quatro longos anos mas posso imaginar…
A Filipe restavam cinco curtos anos para mandar e desmandar na gestão da «coisa» católica mas após a sua morte (no mesmo ano de Clemente V) só houve mais seis Papas a residir em Avignon. Em 1377, Gregório XI decretou o regresso a Roma se bem que se tenha instalado um período de instabilidade a partir de 1378 quando os franceses instalaram mais uns quantos anti-Papas em Avignon. Os problemas teológicos (se os houve) e de poder temporal entre Avignon e Roma só ficaram resolvidos em 1414 no Concílio de Constância.
A partir desta concórdia, Avignon apostou no turismo para suster todas aquelas construções colossais.
E porque praticamente tudo é sabido acerca deste conjunto de Papas, pretendo não voltar a falar deles nem mesmo que a vaca tussa – na dúvida, meto ao bolso alguns rebuçados peitorais de uso veterinário.
(continua)
1 de Janeiro de 2022
BIBLIOGRAFIA
«OS PAPAS DE AVINHÃO» - https://pt.wikipedia.org/wiki/Papado_de_Avinh%C3%A3o,
Em conformidade com a pronúncia quéchua, o rio Rimaq pronuncia-se ˈli.maq e, como noutros topónimos, a oclusiva final desapareceu ao passar ao castelhano, preferindo-se, com o tempo, a grafia Lima. Isto, porque o Rimaq é um dos três rios que por ali desaguam e, sendo o maior, impôs o seu nome à cidade.
Não foi, portanto, nenhum cavalheiro de apelido Lima que fundou a cidade.
Segundo mistério:
A palavra Peru deriva de Birú que, no início do século XVI, era o nome de um cacique indígena do Panamá. Quando, em 1522, os seus domínios foram visitados pelos exploradores espanhóis, logo foram denominados «terras do Biru», toponímia que se estendeu para sul até ao actual Peru mas desaparecendo na origem geográfica.
A Coroa Espanhola oficializou o nome do território em 1529, com a «Capitulação de Toledo», que designou o Império Inca como a Província do Peru. Sob o domínio espanhol, o país era denominado Vice-Reino do Peru, que, após a guerra da independência do país, se tornou a República Popular do Peru.
O nome Peru nada tem, portanto, a ver com a nossa vítima natalícia.
Terceiro mistério:
Civilização Inca? Não! Civilização quéchua!
Inca, o rei filho do Sol, governava o povo quéchua e, portanto, a civilização era do povo e não do rei. Se a civilização fosse do rei, morreria com a morte do seu dono; sendo do povo, prossegue…
A este tema – morte e ressurreição da civilização quéchua - regressarei numa crónica futura.