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A bem da Nação

ESCARAVELHO - 3

«PANZER, PANZER – GERADE AUS!!!» - este, o brado da Cavalaria blindada alemã cuja tradução é «PANZER, PANZER – A DIRECTO  EM FRENTE!!!».

Este brado é tipicamente masculino com a concentração total no objectivo que foi considerado prioritário e abstração da envolvência. De modo diferente, a mulher tende a esbater as relevâncias do que a cerca e, daí, a ter uma visão holística, menos focada. Eis por que o casal homem-mulher, agindo em consonância, segue num rumo determinado sem descurar a envolvência.

Mais prosaicamente, o homem só olha em frente e é colhido pelos flancos; a mulher só olha em redor e perde o rumo (o fio à meada).

Dando de barato todas as simplificações e generalizações anteriores, demos um salto até aos primórdios dos tempos e reconheçamos que o homem, recorrendo à força física, impôs à subtileza feminina a determinação de ser ele a mandar. Muito mais tarde, apareceu a «finura» e a lei sálica, mas, entretanto, no antigo Egipto, Faraó era função masculina e ponto final na discussão. A menos que…

* * *

…O DEUS VIVO, O FARAÓ, DECIDISSE DE OUTRO MODO, e Tutmés I decidiu que a sua filha lhe sucederia no trono. E, com choros vários e muito ranger de dentes, Achetsup governou de facto durante 22 anos incluindo aqueles em que o fez como regente em nome de Tutmés III que subira ao trono com 2 anos de idade. Adorada pelo povo e odiada pelos misóginos, abdicou a favor do sobrinho (que ela preparara para a governação) quando este atingiu a idade apropriada, retirou-se para uma merecida aposentação. Obesa e desdentada, morreu aos 60 (então provectos) anos de idade.

Mas a história dos violinos e passarinhos chilreantes começa quando, criança de 7 anos, se encanta por um rapazinho da mesma idade que frequentava o palácio do faraó e que, com ela, partilhava as atenções dos mesmos professores. Correspondida na paixão, assim passaram da infância Á adolescência, à juventude, à idade adulta e à idade madura. Ele foi primeiro ministro e arquitecto principal no Vale dos Reis; ela cumpriu as suas obrigações casando com um meio-irmão para assegurar descendência real mas a paixão mútua foi da infância aos túmulos – se não mesmo para além deles…

Pena foi que a famosa Corin Tellado não tivesse escrito esta história. Teria posto o mundo feminino a sonhar com um Primeiro Minostro.

FIM

Abril de 2023

Henrique Salles da Fonseca

ESCARAVELHO - 2

ÁCHETSUP – nome quase indizível para praticantes de leitura rápida numa primeira aproximação a esta «faraona» que o foi mais «de facto» que «de jure». Ou terá sido precisamente ao contrário, mais «de jure» que «de facto»? Esta é uma questão a abordar noutro texto em que contarei uma história para ler ao som de violinos e com passarinhos esvoaçantes e cantantes…

Mas rapidamente resolvi o problema quando, rodeado de franceses, traduzi o nome para «achète soupe».

E foi com esta brincalhotice que coloquei ao nosso eruditíssimo guia (cristão copta) a questão fonética: como podemos saber se esta fonética corresponde minimamente aos sons pronunciados pelos antigos egípcios? E a resposta foi imediata: - Tirando algumas particularidades que se pudessem identificar na pronúncia, a antiga língua egípcia é a actual língua  copta, a utilizada nas celebrações cristãs ortodoxas tal como os católicos usavam o latim nas suas celebrações antes de Concílio Vaticano II. Confesso que se encheu o espírito de dúvidas pois que, assim sendo, a tradução da Pedra de Roseta feita por Champollion teria sido uma impostura- e tudo aponta para que foi trabalho sério.

Colocada a mesma questão a outro guia turístico (neste caso, muçulmano), a resposta também foi imediata no sentido de que Champollion descobriu o significado dos hieróglifos, mas não a sua fonética; pode-se ler em qualquer língua e, de facto, o sapientíssimo (?) guia cristão lera muitos hieróglifos utilizando a língua francesa. Instalada a dúvida, espero que a interpretação tenha sido minimamente correcta.

Três dúvidas restam por esclarecer:

  1. Qual a inequívoca origem da língua copta?
  2. Porquê Achetsup e não quaisquer outros sons tais como «Laurindinha» ou …?,
  3. Quando perguntei durante um espetáculo de som e luz em karnac, como se tinha conseguido «traduzir os sons musicais, a resposta foi imediata: - Inspiração hollywoodesca.

Tudo meditado, preio que, depois de uma solução milenar na continuidade oral, é impossível retomar a fonética dos egípcios faraónicos.

(continua)

Abril de 2023

Henrique Salles da Fonseca

ESCARAVELHO - 1

NOTA PRÉVIA – Hoje trato da Teologia dos egípcios antigos e de outras crenças associáveis. Se quem me lê gosta de temas escaldantes, fique desde já sabendo que tudo  foi concebido e alcandorados à categoria de religião sob temperaturas que facilmente rondavam os 40º Centígrados; se prefere temas políticos, de traições, corrupção e «levantamentos de rancho», então leia o que segue imaginando tudo isso porque, afinal, hoje temos a mesma essência que já definia esses antigos. Sim, evoluímos tecnologicamente, mas não essencialmente porque, nomeadamente, temos as mesmas aspirações básicas: o conforto na Terra e a eternidade nos Céus.

* * *

Hórus, Isis, Osíris, Rá (a que também há quem chame Ré), Amon e mais não sei quantos deuses a quem já perdi a conta e os nomes… Muito importante, a definição do Bem simbolizado por Hórus e do Mal correspondendo ao crocodilo, ou seja, os primórdios de uma Moral da qual deverá ter resultado uma Ética (sobre que nada me foi contado) e, daí, o exercício da Justiça no âmbito de uma sociedade organizada, isto é, um Estado.

O eixo do mundo definido pelo Nilo, com o Sol (Rá ou Ré) a nascer todos os dias do lado da vida (a margem leste) e a desaparecer nas profundezas do mundo dos mortos (a margem esquerda); cidades e templos do lado da vida, a margem direita e as necrópoles (nomeadamente, o Vale dos Reis) na margem esquerda. Todas as noites o Sol a visitar o mundo subterrâneo dos mortos na vida eterna para voltar a nascer para aquecer o Nilo e fazer a humidade que é a fonte da vida.

Se o busto que lhe conhecemos corresponde à realidade que a esculpida teve, Nefertiti ainda hoje tem lugar cativo no podium da estética feminina.

Primeira mulher do faraó Amenófis IV, mais conhecido por Akenator, protagonizaram uma revolução religiosa substituindo o politeísmo até ali reinante pela imposição de um Deus único, Ator. Obviamente, lançaram no desemprego toda a classe sacerdotal politeísta e isso criou grande instabilidade num regime cuja legitimidade assenta na inspiração divina e cuja legitimação depende da classe sacerdotal. Por alguma razão, o faraó seguinte subiu ao trono com 10 anos de idade – bem antes da «idade da razão» - sendo induzido a revogar o monoteísmo de Ator e regressando ao politeísmo onde Amon recuperou o culto que perdera para Ator, Essa criança passou à história com o nome de Tutank Amon. Morreu aos 19 anos (antes de fazer alguma reviravolta como fizera o seu paizinho).

Tudo, claro está, sob a égide do amuleto da sorte e da felicidade, o escaravelho.

(continua)

Abril de 2023

Henrique Salles da Fonseca

FREEDOM - 5

À volta de Gulliver, todos são liliputs e se alguns se julgam grandes, não passam de pigmeus. E quando algum pequenote se porta mal, é mandado para um canto, virado para a parede e com orelhas de burro. Sem desprimor para esse simpático animal que tão útil foi para a Sagrada Família.

* * *

Os EUA são um buraco negro que tudo absorve à sua volta ou é um benigno Tio Sam rodeado de sobrinhos e afilhados?

Humanamente, é um chamariz mirífico  que atrai multidões desgraçadas pelo subdesenvolvimento intelectual de tiranos, tiranetes, caciques e caudilhos nepóticos. E a pergunta é: os EUA são poderosos porque são grandes ou porque são democráticos? Creio que a resposta é porque são democráticos e têm a sorte de serem grandes. Mas, para além do sentido democrático do regime pluripartidário e do plebiscito periódico e universal da opinião dos cidadãos, há o sentido cultural que dá à maioria dos políticos americanos o conceito de serviço ao bem comum, o Sentido de Estado enquanto nos liliputs raria a democracia e sobra o Sentido de Propriedade por parte do «Dono do País».

Nesta viagem, lembrei-me de Friedrich List que dizia que a liberdade comercial internacional só é globalmente útil quando os países envolvidos se encontram sensivelmente no mesmo grau de desenvolvimento; caso contrário, os mais desenvolvidos arrasam os menos desenvolvidos. Vidé, o caso da NAFTA a beneficiar os EUA e o Cabadá em desfavor do México. Mas será mesmo por isto que o México não passa duma relativa cepa torta ou é a tal questão cultural do Sentido de Estado dos dirigentes?

Baixando agora ao nível liliputiano, constato as diferenças abissais entre opções tão opostas como a da hostilidade cubana para com os EUA e a atitude cooperante das Bahamas com o macro vizinho. E os resultados são tão deferentes que me limito a dizer que os cubanos cantam para espantarem os males que os afligem enquanto nas Bahamas a abundância é evidente e o povo é sereno.

Boa solução, a das Bahamas, que tem um Rei lá longe e que não se imiscui na vida do país e um Tio (Sam) que lhe dá navios para registo em bandeira de conveniência. E a economia suporta perfeitamente uma moeda tão forte como o US$ ou a matriarcal £. E assim foi que me lembrei de quem certa vez disse que Trãs os Montes se esvaziaram porque não aguentaram uma moeda tão forte como foi o Escudo nos seus inícios. Não creio! Trás os Montes esvaziaram-se quando os trasmontanos se fartaram do ostracismo e optaram pela aventura de melhores paragens.  E viva a «Porca de Murça» que vale hoje bem mais do que  Maurício de Nassau.

FIM

Janeiro de 2023

Henrique Salles da Fonseca

FREEDOM - 4

155000 ton dwt

15 decks acima da linha de água

9 metros de calado

4500 passageiros

1600 tripulantes

Pode não ser o maior navio de cruzeiros, mas é muito grande. Eis o «FREEDOM OF THE SEAS»!

Maior que este, só tinha visitado o portaviões americano «FORRESTAL» numa sua vinda ao Tejo.

Impressionante, o peso com que um conjunto de gotas de água aguenta!

* * *

Cruzeiro de Miami às Bahamas e volta com escalas em Cocobay e Nassau.

Ao zarparmos de Miami, notei a profusão de barcos da Polícia a apitar e a «correr» à nossa volta enquanto manobrávamos. Não passavam de «polícias de trânsito» pois que, também por ali, o sentido da liberdade tem que ser domado para não se transformar em caos e potencial tragédia. Será que aquele enxame de «Davids» imagina conseguir parar os dois «Golias» que nos encarreirávamos para o mar? Se na cidade assinalei um grande sentido de responsabilidade, aqui, na água, tive a sensação de que em terra todos eram responsáveis porque todos os irresponsáveis eram embarcadiços no porto.

Mar liso como mesa de bilhar. E assim seria até ao fim do passeio.

E, a propósito de passeios, faço agora uma breve resenha dos extremos por que já andei e dos povos que contactei entretanto: o ponto mais setentrional que já visitei foi o Cabo Norte no extremo norte da Noruega; o Cabo Horn foi o extremo sul da América do Sul; Alotau foi o ponto mais oriental no extremo leste da Papua Nova-Guiné; Santiago do Chile e Lima do Peru disputam o meu limite ocidental. Entre estes extremos, dá para imaginar que conheço muito mais do que Cacilhas e suas gentes. Pois bem, nunca vira mole tão ruidosa como esta «salada» de americanos eufóricos e latinos no seu ruidoso natural, nem nas manifestações de apoio ao Almirante Pinheiro de Azevedo.

Esta turba era ruidosa, mas ordeira. Eufórica, talvez, por este ser o cruzeiro da vida deles. E, então, deu para os ver com olhos de simpatia (apesar dos decibéis) ficando nós satisfeitos com a satisfação alheia. Mas, apesar disto, sou levado a pensar que o ruido e a intelectualidade variam em escalas inversas. Estimulantes à parte, o mesmo direi das latitudes e das altitudes. Conclusão: um intelectual norueguês que viva no cimo de um fiorde é um chato macambúzio e um favelado carioca delira com desfile no Sambódromo.

Outra particularidade que me anda a atazanar tem a ver com a velocidade estonteante com que certas pessoas falam. Algumas delas chegam a atirar a língua contra o palato com uma força tão grande que aquelas partes nem parece pertencerem-lhes. Os pioneiros do velocímetro linguístico que notei foram os madrilenos e admiti que tentassem recuperar o tempo perdido na «siesta» mantendo padrões europeus de produtividade, mas «castanholas» linguísticas são portuguesas e brasileiras. À falta de melhor explicação, creio que é apenas preocupação de dar nas vistas sem que lhes passe pelas cabeças que apenas conseguem irritar quem os ouve. Nesta viagem cruzei-me com acelerados linguísticos, mas não tive que aturar nenhum castanholeiro da fala.

Foi em Nassau que a guia deve ter batido todos os recordes de velocidade oral, Falou ininterruptamente numa velocidade estonteante durante as duas horas do circuito e admito que todos os bahamenses (ou bahamitas?) tenham ali caído de paraquedas poucos dias antes pois absolutamente nada nos foi dito sobre a História do País. Em Miami ainda passámos por uma estátua de Juan Ponce de León, mas nas Bahamas nem o pirata da perna de pau é referido. E o mais triste é que os turistas parece não estarem minimamente interessados em «velharias» da História. Como dizia o Embaixador americano em Londres quando o Lord lhe perguntou sobre a sua genealogia, «Ah sim! A minha genealogia começa comigo.»

(continua)

Janeiro de 2023

Henrique Salles da Fonseca

FREEDOM - 3

Magnífico, o «campus» universitário de Medicina situado no limite urbano de Miami na saída para Everglades. Andam por lá portuguesas a estudar, o que ficámos a saber no dia seguinte ao pequeno-almoço quando duas jovens Senhoras, na mesa ao nosso lado, fizeram questão de nos fazer saber que por ali eram imigrantes intelectuais e não braçais. Votos de que o autismo corporativista médico português não lhes levante obstáculos ao exercício da profissão quando, prontas, regressarem.

«Everglades» significa «pântanos» e nada tem a ver com a eternidade sugerida pela partícula «ever». Mas para nós, pântano está associado a água estagnada, borbulhante de pútrida, fétida. Nada disso por ali, talvez haja alguma correnteza. Naquelas paragens, os crocodilos chamam-se aligators e se mudam de nome, não é por uma questão de originalidade mas porque têm características que os distinguem dos «primos» da «Lacoste»: o crocodilo tem o nariz recto e tendencialmente convexo enquanto os aligators têm um perfil côncavo; o aligator tem menos uma vértebra cervical do que o crocodilo pelo que aquele não flecte o pescoço – e assim é que pelo pescoço morre o aligator.

Dizem-me que o aligator não é perigoso. Não acredito! À semelhança dos crocodilos, têm aquela combinação terrível que é a de terem um cérebro pequeno e uma boca enorme cheia de dentes.  É claro que não meti as mãos no pântano – com aquela água não me lavarei!

Regressados a Miami para o almoço e um passeio a pé para «esmoermos» a mexicanada, foi hora de emalar a trouxa pois no dia seguinte embarcaríamos por aqueles mares além…

(continua)

Janeiro de 2023

Henrique Salles da Fonseca

 

NB: Continuo convencido de que os grandes pássaros vistosos imóveis e os aligators alapados ali na berma junto ao barco… eram de porcelana.

"FREEDOM" - 1

Miami tem cerca de dois milhões de habitantes, metade dos quais é constituída por imigrantes. Destes, parte substancial é de refugiados cubanos e seus descendentes.

Diz-se que 80% da população de Miami fala espanhol, mas há irredutíveis de ambos os lados: 20% de anglófonos só fala a sua língua materna e há «latinos» (cubanos) que sobrevive décadas e décadas nos EUA sem falar inglês. É obra! Depois de visitar o auto-gueto «Little Havana» fiquei com a quase certeza de que esses castelhanófonos monolingues o são devido a baixo ou muito baixo nível cultural e porque se restringem a sobreviver no seu «barrio». A sorte desses madraços está no facto de haver muitos bilingues. Foi preciso chegar a «Little Havana» para ouvir um galo a cantar como que a dizer-me que por ali há economia de subsistência, o que confirmei por uma vendedeira ambulante que apregoava com estridência algo que me apressei a ignorar. E tudo isto se passa num local aberto dentro duma cidade (Miami) formidável, próspera e cheia de gente acolhedora e que exibe felicidade.

Sim, tudo indica ser bom gozar da liberdade (e da responsabilidade) americana vivendo em Miami.

(continua)

4 de Janeiro de 2023

Henrique Salles da Fonseca     

VIKINGS - 6

 

Recordatória – estas crónicas de viagem não são um «diário de bordo» pelo que uma etapa pode dar origem a várias crónicas e uma crónica englobar várias etapas.

* * *

Iniciado o regresso e passando o Cabo Norte a bombordo, lembrei.me de que aquelas águas, se falassem, teriam muito que contar. E no Museu do Cabo lá está a história do comboio de navios aliados que durante a segunda guerra mundial furou a guarda nazi daquela rota para ir a Murmansk levar o apoio de que a URSS então precisava para atacar a Alemanha pelo Leste. Lembrei-me do Polígono Acústico dos Açores que, durante a guerra fria controlava o movimento dos submarinos soviéticos na sua passagem de Murmansk para o Atlântico e pensei no stress a que Putin está a sujeitar o mundo para, no final, ficar com uma passagem para o Mar Egeu entre a cozinha da Senhora Yasmina que mora ao lado do estáedio do Galatasarai e a retrete do Senhor Yussuf que mora naquela zona a que os gregos chamavam Calzedónia. Tanto sarilho por causa dum caneiro sujo…! E lembrei-me de Vladivostok, de Kalininegrad e dos mais incómodos que nos podem esperar só porque as costas marítimas russas são inoperacionais.

Passado o Cabo e entrados no Mar do Norte, entrámos em alguns fjords imponentes mas cujas cidades pouco tinham para mostrar além de um evidente nível de conforto das populações. Umas com mais bacalhau, outras com menos; umas com mais indústria de apoio à pesca e à navegação do que outras. Mas todas a trabalhar e ninguém encostado à caridade.

Desta correnteza de visitas só aqui trago Bergen, também ela de génese hanseática e, daí, o seu nome alemão que significa montes. E, realmente, à sua volta e ela própria, tudo são montes que mergulham a pique nas águas do fjord.

Esta foi capital da Noruega até que alguém a fez mudar para Oslo. De notar que, aquando do referendo ao Regime, Bergen votou pela República e, daí, (a confirmar, p. f.), a Monarquia vencedora se tenha sentido mais confortável dali para fora.

Ser cidade com Universidade é perfeitamente banal naquele país mas fizeram-nos notar que os estudantes (do superior, presumo) correspondem a 10 % da sua população (residente, transumante? Não perguntei). Seria interessante fazer uma comparação com o que se passa entre nós. Aqui fica a sugestão/pedido a quem tenha interesse por estes temas do desenvolvimento e olhos mais operacionais que os meus.

À saída de Bergen, antes mesmo de chegarmos ao mar aberto, as nossas 95 mil toneladas baloiçaram bem e nós, à saída do restaurante, parecíamos etilizados. Mesmo quem só tinha bebido água. Afinal. O balancé foi benigno para o sono e na manhã seguinte o mar voltou a estar chão.

Avistámos uma ou outra plataforma petrolífera e, já em águas dinamarquesas, alguns parques (flutuantes???) de geradoras eólicas (centenas???).

Seguiu-se navegação serena Elba acima, desembarque e tomada do vôo de Hamburgo até Lisboa.

Mas amanhã ainda haverá uma crónica-surpresa.

(continua)

Henrique Salles da Fonseca

VIKINGS - 5

 

Do liceu, recordo que o mapa pendurado na aula de geografia mostrava que a Noruega ia por ali a cima e que, lá no alto onde acaba a terra e começa o Oceano Ártico, virava à direita até chocar com a Rússia. Também me lembro de a professora dizer que nos tempos das grandes convulsões geológicas, aquele maciço montanhoso se ter afundado e os vales terem sido invadidos pelo mar formando os actuais fjords. Se não é verdade, está bem imaginado.

Assim, saindo do fjord de Alesund (Olesund), rumámos a norte durante dois dias e duas noites, cruzámos algures o Círculo Polar Ártico (que alguém escondeu pois não o vimos),virámos à direita como mandava o mapa da professora, vimos o Cabo Norte à nossa direita e aportámos a Honningsvag  (Honningsvog por causa dotal º sobre o a que o meu teclado não tem) depois de termos avistado o repuxo de uma ou duas baleias e alguns barcos de pesca miúda. Outro navio de cruzeiros (um «Costa») fundeara ao largo e o cais foi para nós.

Naquele Verão setentrional e bem para lá dos famosos hiperbóreos (como os gregos chamavam aos frios povos germânicos), a temperatura máxima do ar estava nos 7º C, a mínima nos 6º e a brisa encarregava-se de pôr tudo a 1º C. E, mesmo assim, há venezuelanos que preferem aquilo a terem que suportar o ditador Maduro. Sim, um motorista de autocarro e uma guia eram venezuelanos. Por aqui se imagina o que seja o actual inferno na Venezuela. Mas isto foi um àparte e retomemos o fio à meada ultrahiperbórea.

Estávamos a alguns minutos e segundos para além dos 71º de latitude norte e isso fez-me pensar na responsabilidade de toda a Humanidade estar dali para baixo.

Desembarcámos pelas dez da noite para irmos ao Cabo Norte assistir ao espectáculo do «Sol da meia noite». Percurso duma trintena de quilómetros sempre a subir… renas por toda a parte, árvores por parte nenhuma. C0ntudo, a maior parte das casas são de madeira. A meio da subida… um parque de campismo cheio de autocaravanas. Junto ao parque de estacionamento do Museu do Cabo, outro parque de campismo ainda maior que o anterior. Eu, estupefacto; eles, caravanistas, talvez congelados.

É do miradoiro do Museu que, sobranceiro ao promontório do Cabo, supostamente se pode ver a imensidão do Oceano Ártico e o espectáculo do «Sol da meia noite». Desde que aquele banco de nevoeiro o permitisse. Não permitiu e voltámos para dentro do Museu onde as lojas de bugigangas eram assediadas por turistas descoroçoados pela míngua do espectáculo natural. Nós, os avisados, fomos ao cinema ver o que o nevoeiro nos negara.

Regressámos ao navio pelas duas da manhã e ao longo do percurso de volta, os pássaros voavam, as renas pastavam e só os caravanistas dormiam à espera do Solstício de Verão que seria daí a dois dias. Fiquei sem saber se se estava a preparar alguma cerimónia druídica que justificasse tanto caravanista. Não fiz perguntas pois o pessoal venezuelano de serviço naquele autocarro não devia saber o que é um druida.

Zarpámos pelas três da manhã e demos início à viagem de regresso que nos traria do topo do mundo até às cercanias da Baixa da Banheira.

(continua)

Henrique Salles da Fonseca

VIKINGS - 4

 4

Deixados os prolegómenos lá pela foz do Elba, eis-nos a navegar em total calmaria rumo a Norte… comigo sempre à espera de um daqueles vagalhões que alguém me dissera que aparecem vindos do nada e fazem trinta por uma linha. Mas Neptuno foi benigno e, depois de um dia e duas noites a navegar, aportámos à simpática Alesund (diga-se Olesund por causa do º sobre o A que o meu teclado não inclui) que se intitula a «capital do bacalhau».

Volta pela cidade e redondezas mas a guia, sabendo que alguns dos visitantes eram portugueses, mandou o motorista do autocarro parar junto à igreja local e começou por contar a história de que o Kaiser Guilherme II (da Alemanha, claro está) gostava muito de ir até ali gozar umas férias e que, após a cidade ter sido arrasada por um incêndio, ele contribuiu para a reconstrução mandando colocar no interior daquela igreja a sua bandeira com a águia bicéfala para memória futura da sua ajuda. Interessante, sim, mas pouco nos motivou qualquer sentimento especial. E foi então que a simpática guia nos sugeriu que rodássemos sobre os calcanhares e que reparássemos no pequeno cemitério que assim passava a estar à nossa frente. Muito bem ajardinado, não muito mais do que meia centena de sepulturas muito bem conservadas… E foi então que a guia nos contou solenemente que durante séculos, os barcos portugueses (e espanhois) vinham a Alesund pescar e comprar bacalhau e que o lastro na vinda era terra portuguesa (e espanhola) a qual era descarregada naquele local para que na viagem de regresso o lastro fosse o carregamento de bacalhau. Eis como em Alesund a terra sagrada do cemitério… é portuguesa (e espanhola). Nada consta sobre se naquele pequeno e bonito cemitério está sepultado algum português (ou espanhol) mas, esta sim, foi história que ouvi com a mesma solenidade de quem a contou.

Não é importante mas achei giro.

Nota final sobre este primeiro encontro «in loco» com os vikings: as mulheres não se nos apresentaram com aquelas tranças  loiras das míticas personagens do Walhala nem os homens com capacetes de ferro ornamentados de armentío. Pelo contrário, apresentam-se com uma das mais elevadas taxas de escolaridade a nível mundial e consta que, quando nos anos 20 do século XX se encontrou um adulto analfabeto que vivia quase isolado num recanto longínquo de um destes fjords, o escândalo foi tal que o Governo caiu. Em Alesund, cidade que me pareceu relativamente pequena, há três escolas em que se ministra o secundário superior e a Universidade localiza-se a seguir ao túnel submerso que liga esta ilha ao continente.

Foi à chegada a Alesund que me lembrei de que a Noruega saudou a chegada de Portugal ao mundo da democracia oferecendo-nos um navio totalmente equipado para que pudéssemos estudar as nossas pescas: o «Noruega» que tão importante tem sido para sairmos da então reinante boçalidade. Mas os equipamentos electrónicos de apoio à pesca e à navegação continuam a ser fabricados na Noruega e não em Portugal. Porquê? Porque em Portugal os Governos não caem quando aparece um adulto analfabeto. 

(continua)

Henrique Salles da Fonseca

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