Como previa a imprensa alemã há meses atrás, Portugal e Espanha não poderiam ser castigados por terem um défice superior a 3% como determina o Pacto de Estabilidade do Euro; no caso, Portugal 4,4% e Espanha 5,1% em 2015. A argumentação era lógica, dado a Itália, a França e a Alemanha já terem infringido e não terem sido castigadas; de facto o castigo ameaçado nunca foi aplicado. Falava-se então que a Comissão poderia declarar uma pena de 0% para efeito de intimidação dos infractores.
A UE-Comissão decidiu, agora, não aplicar multa em dinheiro aos infractores. Em teoria poderiam ser aplicadas multas no valor de 0,2% da produção económica de um país o que corresponderia para Portugal uma multa de 200 milhões de euros e para Espanha dois mil milhões.
Portugal e Espanha têm um prazo de tempo até 15 de outubro para apresentarem planos em que ponham os orçamentos de Estado em ordem. A UE quer que Portugal reduza a dívida do orçamento para 2,5% até ao fim do ano e a Espanha deve reduzi-lo até 2016 para 2,2%.
Ultimamente muita tinta correu na opinião pública com ameaças de um lado e ameaças do outro, tudo lenha para a fogueira de um público que precisa de ser distraído e de ser melhor ordenado em fileiras de opinião.
Sanções económicas aplicadas a países de economia fraca ainda mais os enfraqueceria porque mais dívidas fariam para pagar a sanção.
Portugal só saiu em 2014 do Resgate da Troica. Na Europa a economia tem que se submeter ao politicamente possível.
O discurso sobre a sanções ou não sanções da UE-Comissão a Portugal, que nos últimos tempos tem incendiado os ânimos entre os diferentes clubes políticos em Portugal, foi apenas uma conversa de trazer por casa, para uns poderem cantar de galo e outros de galinha, quando no estrangeiro já há muito havia consenso de que era impossível aplicar sanções a Portugal e a Espanha (O resultado já era propriamente conhecido em Junho, embora a conversa fosse precisa para impressionar um pouco Portugal.
A UE-Comissão, mesmo no próximo Outubro não aplicará penas por violação do Pacto de Estabilidade do Euro. Não será fácil para o primeiro-ministro António Costa corresponder às exigências da Comissão. A melhor estratégia em benefício do partido socialista seria que António Costa conseguisse a queda do Governo antes do 15 de Outubro ou que conseguisse da Comissão o adiamento.
Então, os votantes portugueses poderiam continuar a ser iludidos com discussões ideológicas sem planos concretos para solucionar os problemas do Estado português.
É surpreendente que, após ter enterrado um monstro, a URSS, se tenha construído outro semelhante: a União Europeia (UE).
O que é, exactamente a União Europeia? Talvez fiquemos a sabe-lo examinando a sua versão soviética.
A URSS era governada por quinze pessoas não eleitas que se cooptavam mutuamente e não tinham que responder perante ninguém. A UE é governada por duas dúzias de pessoas que se reúnem à porta fechada e também não têm que responder perante ninguém, sendo politicamente impunes.
Poderá dizer-se que a UE tem um Parlamento. A URSS também tinha uma espécie de Parlamento, o Soviete Supremo. Nós, (na URSS) aprovámos, sem discussão, as decisões do Politburo, como na prática acontece no Parlamento Europeu, em que o uso da palavra concedido a cada grupo está limitado, frequentemente, a um minuto por cada interveniente.
Na UE há centenas de milhares de eurocratas com vencimentos muito elevados, com prémios e privilégios enormes e com imunidade judicial vitalícia, sendo apenas transferidos de um posto para outro, façam bem ou façam mal. Não é a URSS escarrada?
A URSS foi criada sob coacção, muitas vezes pela via da ocupação militar. No caso da Europa está a criar-se uma UE, não sob a força das armas, mas pelo constrangimento e pelo terror económicos.
Para poder continuar a existir, a URSS expandiu-se de forma crescente. Desde que deixou de crescer, começou a desabar. Suspeito que venha a acontecer o mesmo com a UE. Proclamou-se que o objectivo da URSS era criar uma nova entidade histórica: o Povo Soviético. Era necessário esquecer as nacionalidades, as tradições e os costumes. O mesmo acontece com a UE parece. A UE não quer que sejais ingleses ou franceses, pretende dar-vos uma nova identidade: ser «europeus», reprimindo os vosso sentimentos nacionais e forçar-vos a viver numa comunidade multinacional. Setenta e três anos deste sistema na URSS acabaram em mais conflitos étnicos, como não aconteceu em nenhuma outra parte do mundo.
Um dos objectivos «grandiosos» da URSS era destruir os estados-nação. É exactamente isso que vemos na Europa, hoje. Bruxelas tem a intenção de fagocitar os estados-nação para que deixem de existir.
O sistema soviético era corrupto de alto a baixo. Acontece a mesma coisa na UE. Os procedimentos antidemocráticos que víamos na URSS florescem na UE. Os que se lhe opõem ou os denunciam são amordaçados ou punidos. Nada mudou. Na URSS tínhamos o «goulag». Creio que ele também existe na UE. Um goulag intelectual, designado por «politicamente correcto». Experimentai dizer o que pensais sobre questões como a raça e a sexualidade. Se as vossas opiniões não forem «boas», «politicamente correctas», sereis ostracizados. É o começo do «goulag». É o princípio da perda da vossa liberdade. Na URSS pensava-se que só um estado federal evitaria a guerra. Dizem-nos exactamente a mesma coisa na UE. Em resumo, é a mesma ideologia em ambos os sistemas. A UE é o velho modelo soviético vestido à moda ocidental.
Mas, como a URSS, a UE traz consigo os germes da sua própria destruição. Desgraçadamente, quando ela desabar, porque irá desabar, deixará atrás de si um imenso descalabro e enormes problemas económicos e étnicos.
O antigo sistema soviético era irreformável. Do mesmo modo, a UE também o é.
Eu já vivi o vosso «futuro»…
Vladimir Bukovsky
Escritor e dissidente soviético, sobre o Tratado de Lisboa
É surpreendente que após ter enterrado um monstro, a URSS, se tenha construído outro semelhante: a União Europeia (UE).
O que é, exactamente a União Europeia? Talvez fiquemos a sabê-lo examinando a sua versão soviética.
A URSS era governada por quinze pessoas não eleitas que se cooptavam mutuamente e não tinham que responder perante ninguém. A UE é governada por duas dúzias de pessoas que se reúnem à porta fechada e também não têm que responder perante ninguém sendo politicamente impunes.
Poderá dizer-se que a UE tem um Parlamento. A URSS também tinha uma espécie de Parlamento, o Soviete Supremo. Nós, (na URSS) aprovámos, sem discussão, as decisões do Politburo, como na prática acontece no Parlamento Europeu em que o uso da palavra concedido a cada grupo está limitado, frequentemente, a um minuto por cada interveniente.
Na UE há centenas de milhares de eurocratas com vencimentos muito elevados, com prémios e privilégios enormes e com imunidade judicial vitalícia sendo apenas transferidos de um posto para outro, façam bem ou façam mal. Não é o mesmo que na URSS?
A URSS foi criada sob coacção, muitas vezes pela via da ocupação militar. No caso da Europa está a criar-se uma UE, não sob a força das armas, mas pelo constrangimento e pelo terror económicos.
Para poder continuar a existir, a URSS expandiu-se de forma crescente. Desde que deixou de crescer, começou a desabar. Suspeito que venha a acontecer o mesmo com a UE.
Proclamou-se que o objectivo da URSS era criar uma nova entidade histórica: o Povo Soviético. Era necessário esquecer as nacionalidades, as tradições e os costumes. O mesmo acontece com a EU, parece. A UE não quer que sejais ingleses ou franceses, pretende dar-vos uma nova identidade: ser «europeus», reprimindo os vossos sentimentos nacionais e forçar-vos a viver numa comunidade multinacional. Setenta e três anos deste sistema na URSS acabaram em mais conflitos étnicos, como não aconteceu em nenhuma outra parte do mundo.
Um dos objectivos «grandiosos» da URSS era destruir os estados-nação. É exactamente isso que vemos hoje na Europa. Bruxelas tem a intenção de fagocitar os estados-nação para que deixem de existir.
O sistema soviético era corrupto de alto a baixo. Acontece a mesma coisa na UE. Os procedimentos antidemocráticos que víamos na URSS florescem na UE. Os que se lhe opõem ou os denunciam são amordaçados ou punidos. Nada mudou. Na URSS tínhamos o goulag. Creio que ele também existe na UE. Um goulag intelectual, designado por «politicamente incorrecto». Experimentai dizer o que pensais sobre questões como a raça e a sexualidade. Se as vossas opiniões não forem «boas», «politicamente correctas», sereis ostracizados. É o começo do goulag. É o princípio da perda da vossa liberdade. Na URSS pensava-se que só um estado federal evitaria a guerra. Dizem-nos exactamente a mesma coisa na UE. Em resumo, é a mesma ideologia em ambos os sistemas. A UE é o velho modelo soviético vestido à moda ocidental.
Mas, como a URSS, a UE traz consigo os germes da sua própria destruição. Desgraçadamente, quando ela desabar – porque irá desabar – deixará atrás de si um imenso descalabro e enormes problemas económicos e étnicos. O antigo sistema soviético era irreformável. Do mesmo modo, a UE também o é.
É um derrota dos que impediram os respectivos povos de se pronunciar, como em Portugal o governo de Sócrates, não cumprindo uma vez mais uma promessa feita e com o apoio activo do presidente Cavaco Silva.
O não irlandês junta-se ao não francês e ao não holandês pois, de facto, é o mesmo documento que está em causa.
O não irlandês testemunha a rejeição dos povos à institucionalidade que os poderes dominantes querem a todo o custo impor a toda a UE.
O não irlandês comprova o desencanto cada vez maior dos povos da Europa ante a UE que os governos pretendem impor.
De facto, quem pode concordar, por exemplo, com a medida que esses governos tomaram há apenas poucos dias de permitir que a semana de trabalho posssa ir até às 65 horas?
A reacção generalizada de governos e presidentes da UE apenas demonstra a sua mais do que duvidosa formação democrática. De facto, para eles parece que só são válidas e boas as decisões que forem como eles querem, em caso contrário dizem que não é de aceitar e que algo tem de ser feito.
Até quando vãos os povos da Europa aceitar ser governados por gente assim?
O novo Tratado europeu vai implicar mudanças na forma como Portugal e os restantes Estados-membro são representados e exercem o poder nas principais instituições europeias, simplificando e tornando mais transparente o processo de tomada de decisões.
Portugal está numa União que actualmente tem 27 países e que no futuro terá ainda mais membros, o que diluirá cada vez mais o poder relativo de cada um no seio das instituições comunitárias. O Tratado Reformador, implicará alterações na forma como cada capital europeia exerce a sua influência em Bruxelas.
Conselho de Ministros
O Tratado Reformador prevê que uma decisão será adoptada no Conselho de Ministros da UE se cumprir dois critérios: tiver o apoio de 55% dos Estados-membro (ou seja, 15 em 27) em representação de pelo menos 65% da população total da União. No órgão onde estão representados os Governos dos Estados-membro, enquanto o primeiro critério assegura a Portugal 1 voto em 27, no segundo o peso de Portugal passará a ser equivalente à sua população, 10 milhões de habitantes, em cerca de 493 milhões no conjunto dos 27 membros. A alteração vem dar, no segundo critério, mais «peso» aos Estados-membro com maior população que, no entanto, já tinham perdido influência noutra instituição, a Comissão Europeia, quando perderam um dos dois comissários que aí tinham anteriormente.
Portugal vai assim passar a «pesar» 2,14%, em vez dos actuais 3,48% obtidos através de um sistema de ponderação complicado que não tinha o «travão» do primeiro critério.
O novo Tratado prevê o abandono da unanimidade e a passagem a decisões por «maioria qualificada» em cerca de 40 domínios (designadamente na cooperação judiciária e policial, imigração e nas relações externas).
Além disso, a co-decisão entre o Conselho e o Parlamento Europeu (ambas as instituições devem estar de acordo para o acto ser aprovado) passa a ser a regra geral no processo legislativo.
Portugal e cada um dos outros membros da UE continuarão a poder bloquear sozinhos decisões em áreas muito sensíveis ou que toquem na soberania nacional (votação por unanimidade) em áreas como a Política
Externa Europeia, Fiscalidade, Política Social, recursos próprios da UE ou revisão dos Tratados.
As presidências semestrais da UE também funcionarão de forma diferente.
A partir de 2009, haverá um Presidente do Conselho Europeu eleito por dois anos e meio pelos seus membros, que são os chefes de Estado ou de Governo da UE.
As actuais Presidências semestrais da UE serão modificadas de acordo com uma decisão a tomar pelo Conselho, que deverá prever equipas de três Estados-membro para um período de 18 meses, as quais assegurarão entre elas a presidência do Conselho Assuntos Gerais e dos Conselhos de Ministros sectoriais da
UE (Economia e Finanças, Agricultura, Justiça e Assuntos Internos, Ambiente, entre outros).
Já as reuniões do Conselho Relações Externas (Ministros dos Negócios Estrangeiros dos 27) passam a ser presididas pelo «Alto Representante da UE para a Política Externa e de Segurança», o novo cargo de coordenador da diplomacia da União, que será exercido por um Vice-Presidente da Comissão Europeia.
Parlamento Europeu
Portugal terá menos dois representantes no Parlamento Europeu, a partir de 2009, uma diminuição já prevista e que foi confirmada pelos Chefes de Estado e de Governo na Cimeira de Lisboa.
No Tratado de Nice de 2000 já estava previsto que Portugal iria diminuir o número de Eurodeputados dos actuais 24 para 22, em 2009.
O Tratado Reformador prevê uma diminuição do número total de membros do Parlamento Europeu dos actuais 785 para 751.
O Parlamento Europeu vê reforçados os seus poderes de co-decisão - conjuntamente com o Conselho de
Ministros – passando a ter um papel mais decisivo no processo de tomada de decisões comuns.
Comissão Europeia
Portugal e os seus parceiros da EU deixam, por outro lado, de ter direito a designar sempre um cidadão nacional para a Comissão Europeia, instituição central da União, que propõe a maior parte da legislação europeia e tem uma função fiscalizadora importante da aplicação das políticas comuns dos 27.
O chamado Executivo comunitário contará, a partir de 2014, com um número de Comissários europeus igual a dois terços do número de Estados-membro, em vez do actual sistema onde cada país tem o «seu» Comissário.
Os Estados-membro passam a designar um Comissário para Bruxelas com base numa «rotação igualitária».
Isto significa que cada Estado-membro ficará fora da Comissão uma vez em cada três mandatos de cinco anos.
vEstá prestes a ser aprovado o novo Tratado Institucional da UE. E as vozes canoras do costume não se cansam de repetir o refrão: “Para quê o ferro de um referendo? Afinal, isto nada tem de verdadeiramente constitucional. O outro, o de Giscard, sim. Mas este é só regras técnicas de Direito Internacional Público que pouco ou nada dizem ao comum cidadão”.
vA quem pretendem eles enganar?
vEm tantos aspectos os tratados internacionais assemelham-se a contratos: as partes, pelo facto de os subscreverem, não vêem as suas capacidades jurídicas diminuídas – antes, estão a exercê-las no sentido que crêem ser do seu melhor interesse. É esta a razoabilidade de um qualquer tractus (contrato ou tratado) quem nele seja parte sairá a ganhar, pelo menos em princípio...
vA esta luz, o Tratado Institucional que se anuncia não é mais um tractus – pelo menos para nós portugueses (e para outros mais Estados “médios”). Explico porquê.
vDele não se depreende, sem sombra de dúvida, que um poder esteja a ser exercido com o propósito último de atingir um interesse superior para Portugal – pela simples razão de que ninguém ainda se dignou revelar qual seja esse interesse. Tudo o que se ouve dizer até à exaustão, mas sem uma gota de explicação racional, é que, com este Tratado, a UE só beneficiará – e que, sem ele, cairá no caos.
vNão vou discutir esta última tese, apesar de me parecer extremista, tendenciosa e algo contraditória: se fosse assim como ameaçam, a UE teria paralisado já há largos meses - e a burocracia comunitária não andaria por aí a exibir um ar tão redondo.
vO argumento, aliás, traz-me à lembrança aquelas situações em que um Banco se vê forçado a emprestar mais e mais dinheiro, na esperança de recuperar o que já lá enterrou. Ou quando alguém persiste em perfurar o solo, cada vez mais fundo, na esperança de finalmente encontrar água e não dar por perdido o que já gastou na aventura. Nenhum, em seu perfeito juízo, se colocaria em tais situações se tivesse conseguido ver com clareza o que o futuro lhe reservava.
vSublinho, apenas, no processo negocial que terminou há dias, quatro cedências do nosso Governo (sim, porque nós, cidadãos, ainda não fomos havidos nem achados) sem contrapartida evidente: (1) cede, quando as presidências do Conselho Europeu deixam de ser rotativas; (2) cede, quando o povo português perde assentos no Parlamento Europeu; (3) cede, quando as regras de decisão são alteradas e Portugal perde mais peso decisório do que vários outros Estados membros (e não venham dizer que é a consequência lógica do “efeito de diluição”, inevitável com a entrada de novos sócios para o clube); (4) cede, quando subordina a Bruxelas a política externa portuguesa, sobretudo nas relações com os países que têm o português por língua oficial (um vector estratégico).
vAs presidências rotativas são caras? Serão – mas é um custo da União (a Comissão custa os olhos da cara e ninguém reclama). Com elas corre-se o risco de boas e más surpresas? Pois é – mas ainda não foi demonstrado que um Grande Estado é sempre sinónimo de boas surpresas. A regra da rotatividade serve, sim, para evitar a prescrição aquisitiva de pedaços da soberania nacional (tal como aqueles terrenos que ficam vedados ao público uma vez por ano para preservar intacto o direito de propriedade).
vO Parlamento Europeu nada mais é que agreat lobbyists’ convention? De facto. Mas se é assim que a coisa funciona, convém estar presente com um stand à altura. Ou então, que se diga claramente que aquilo não serve absolutamente para nada e, por consequência, tanto se dá ter por lá uns quantos deputados – como nenhum.
vO que se assiste neste Tratado Institucional é ao culminar de uma estratégia concertada dos Grandes Estados para repor a verdade da real politik - que circunstâncias várias, ao longo das primeiras quatro décadas, tinham-lhes aconselhado a manter discretamente na prateleira. De lá sai, agora.
vMas os Grandes Estados esquecem-se de que só são visíveis a nível global porque os restantes Estados Membros contribuem decisivamente para essa visibilidade. Alguém, algum dia, terá de lhes recordar esta outra verdade da real politik. E terá de lhes dizer também que há muitas maneiras de caminhar juntos – uns às cavalitas dos outros é que não.
vQuanto à política externa, não tenho a menor dúvida de que o facto de Portugal integrar a UE (e a UEM) potencia enormemente as relações no espaço lusófono – desde que cada um, aí, fale pela sua cabeça (em função dos seus interesses nacionais) e não pela cabeça de outros que lá não têm assento (a Commonwealth está obviamente excluída da anunciada política externa comum, ainda que Mr. Brown capriche em trazê-la para o seio da UE quando tal serve os interesses nacionais britânicos).
vE é aqui que bate o ponto. Há países com Governos que conhecem o que seja o interesse nacional - e há países cujos Governos só anseiam por ficar bem na fotografia com estrangeiros de gabarito, talvez na esperança de virem a subir na vida.
vPor isso, Leitor, não se deixe iludir uma vez mais, com a litânia de que conseguimos (nós, não; o Governo) o que o todos consideravam impossível e que, por isso, somos a inveja da Europa. Exija que o Tratado Institucional seja submetido a referendo, entre nós – e depois vote conforme a sua consciência (que essas já não são contas do meu rosário).
vTempos atrás, escrevi sobre a controversa “questão turca”. Por esses dias preocupava-me mais o modus faciendi do que propriamente ponderar os “prós” e os “contras” (na óptica dos “do lado de cá”, naturalmente) da adesão da Turquia à UE. Agora, o que me preocupa é saber se as portas da Europa rica se abrirão à Turquia ainda em nossas vidas.
vSuponhamos que a Turquia preenchia finalmente todas as condições de adesão, por mais abstrusas que elas fossem (e o tempo se encarregará de demonstrar que muitas exigências abstrusas vão ser ainda servidas à mesa das negociações). Entrará? Talvez não. E porquê? Porque há um último e intransponível obstáculo que tem passado em silêncio. Surprise!surprise! Isso toca-nos de perto...
vTudo começou com o Tratado de Nice. Até então, a CEE tinha sido uma união económica entre iguais, fossem quais fossem o peso económico e a dimensão populacional desses “iguais” – e fazia grande alarde disso. Quem não se lembra do argumento decisivo para convencer aqueles de entre nós que se mostravam menos entusiasmados com a ideia de aderir à CEE: “Vamos falar de igual para igual!”.
vNão sei se alguma vez falámos verdadeiramente de igual para igual. Mas se tal não acontecia seria talvez mais pelo papel de “pedinte profissional” que representávamos a preceito (havia piores, bem entendido) do que pelos números exíguos (quer quanto a PIB, quer quanto a gente) com que lá íamos contribuindo para o prestígio do clube.
vÉ certo que a dado passo entrou em cena o Parlamento Europeu para preencher o deficit democrático – e aí, democraticamente, os Estados membros não estavam, nem estão, todos por igual representados. Mas tratava-se de um órgão decorativo, ainda que caro: fazia, de vez em quando, uns juízos políticos que passavam despercebidos, servia de cortina discreta para se negociar nos bastidores e pouco mais. Não era por ele que os iguais deixavam de ser iguais.
vAu fure et à mesure que o clube se alargava, a igualdade começava a pesar aos “grandes da Europa”: “Ter de tratar de igual para igual com países pequenos, mas ricos, ainda vá que não vá – afinal, pensamos todos igual; agora, com países bem menos desenvolvidos e que ainda por cima não é seguro que pensem sempre como nós – isso é o diabo”. E foi. Dá pelo nome de Tratado de Nice.
vNeste Tratado, que é o quadro actual da UE, todos os membros continuam iguais, mas passou a haver o grupo daqueles que são ainda mais iguais. Finalmente, os “grandes da Europa” estavam de volta aonde nunca deixaram de querer estar: ao leme (com uma ou outra concessão). Os poderes do Parlamento Europeu, entretanto reforçados, ainda acentuaram mais a assimetria que passou a ser regra na Comissão (recordo que a Comissão é o órgão comunitário que detém, em exclusivo, o poder de propositura).
vÉ claro que por este critério (o da população) tão bem congeminado eles, os “grandes da Europa”, só contam no concerto mundial graças ao contrapeso dos not so big – mas isso não gostam que se lhes recorde. Como não é menos claro que esse critério é suficientemente soft (quase what else?) para que os little fellows não fiquem irrequietos.
vA entrada da Turquia na cena europeia iria trazer ao de cima a artificialidade que sempre rodeou este critério de predominânciapelo peso populacional. Hoje, a população da Turquia (72.6 milhões) só é ultrapassada pela da Alemanha (82.4 milhões) e excede largamente a da França (62.9 milhões). Dentro de 10 anos, prevê-se que a população turca seja igual, mais coisa menos coisa, à da Alemanha e cerca de 1/3 superior à da França (ou do Reino Unido). O que é dizer, com um tal critério, de um momento para o outro, uma conjuntura de votos polarizada pela Turquia poderia pedir polidamente aos “grandes da Europa” que passassem para o banco de trás e apertassem os cintos.
vSeria isso desejável? Algo me diz que não. Mas introduzir um outro critério baseado na riqueza económica revelar-se-ia, nos dias de hoje, demasiado acintoso para muitos dos Estados membros que se vissem relegados para posições secundárias. Afinal, diriam estes, não tinham aderido à UE para trocarem soberania por mais um prato de lentilhas. Por razões de segurança, sem dúvida – mas a segurança provêem-na melhor as forças militares da NATO que as legiões de burocratas em Bruxelas.
Será a Turquia ainda o verdadeiro destino do "Expresso do Oriente" ou é, pelo contrário, a origem de um grande molho de bróculos?
vO dilema em que se encontra a UE tem pouco de choque de civilizações e muito de choque de interesses: (a) ou continua a defender à outrance a bondade do critério populacional (ainda que mitigado), e a entrada da Turquia baralhará de tal maneira o jogo que nada nem ninguém poderá garantir que as orientações políticas dos “grandes da Europa” continuarão a prevalecer; (b) ou não vê alternativa à adesão da Turquia (ainda que arrastada por anos a fio) e os “grandes da Europa” terão de encontrar outro critério de predominância (ou outro modelo organizacional) que seja aceitável, simultaneamente, pelos restantes Estados membros actuais e pela própria Turquia.
vCreio que é agora bem visível o erro que a, ao tempo, CEE cometeu quando, empurrada pelo aguilhão Delors e pelos sonhos de grandeza de uma França que não se conformava com o seu modesto estatuto mundial, saltou para o trilho da integração política. Poderia, deveria nesse instante ter-se dotado com uma organização que permitisse a continuidade ao leme dos “grandes da Europa” – sem subentendidos, nem subterfúgios, nem meias palavras. Quem, daí em diante, quisesse aderir já sabia ao que ia; quem quisesse ficar, já sabia o que o esperava; e se fosse aceite no círculo restrito dos “grandes da Europa”, tanto melhor.
vBem vistas as coisas, aquilo com que a Turquia sonha é unir-se economicamente à Europa rica (porque na NATO já está ela, e na NATO conta muito). O mesmo, sem tirar nem pôr, que tantos dos países que aderiram à UE (e atrevo-me a dizer, Portugal) queriam. É justamente para isso que existem as zonas de comércio livre, as uniões aduaneiras e as uniões económicas. E não se provou ainda que estes arranjos inter-estaduais só são plenamente eficazes no contexto de uma unidade política total. Basta-lhes, ao que sei, um módico de harmonização em matéria de princípios políticos.
vNão é difícil ver que tudo ficaria bem mais simples se a matriz comum voltasse a ser uma união económica capaz de comportar, aqui uma união monetária, ali uma união política, acolá um espaço de livre movimentação de pessoas. Perderiam os impulsos de grandeur dos “grandes da Europa”? Não forçosamente. Mas também não se pode ganhar sempre.
1- L'Union dispose d'une compétence exclusive dans les domaines suivants:
a) l'union douanière;
b) l'établissement des règles de concurrence nécessaires au fonctionnement du marché intérieur;
c) la politique monétaire pour les États membres dont la monnaie est l'euro;
d) la conservation des ressourses biologiques de la mer dans le cadre de la politique commune de la pêche;
e) la politique commerciale commune.
COMENTÁRIO
A alínea d), que em nada atinge estados como a Austria, no caso de ser aprovada, traduz-se para Portugal por uma efectiva perda de soberania sobre o seu território marítimo;
A medida nem sequer é eficaz para efeito de conservação dos recursos marítimos, que são muito mais bem defendidos pelos estados ribeirinhos (princípio da subsidariedade).
De facto, se esta medida for aprovada, os estados terão tendência para explorar ao máximo os recursos biológicos das águas dos outros, e Portugal nem sequer fica com competância para defender a sua pesca artezanal, em que a conservação dos recursos ficará a ser da exclusiva competência dos distantes burocratas de Bruxelas;
É inteiramente legítimo e desejavel, que a UE adopte normas de conservação dos recursos biológicos, que tenham de ser respeitadas pelos estados, que devem ser penalizados quando não cumprirem, mas estas normas devem ser na terra e mar e não exclusivamente no mar, e não devem traduzir-se por uma antecipada e prematura transferência de competência e soberania, como resultaria desta alínea d), se tivesse sido aprovada;
Esta alínea d) está manifestamente desencontrada das outras 4 alíneas do número 1
do artigo I-13.
Admito que só por desatenção dos negociadores portugueses foi incluida neste artigo das competências exclusivas da União.
Uma vez que o projecto da Cosntituição Europeia vai ser repensado e certamente corrigido nalguns pontos, considero urgente que os negociadores portugueses estejam atentos a esta questão e exijam a supressão desta alínea d) neste artigo.
É algo que penso que poderão conseguir, se tornarem claro que os cidadãos portugueses poderão votar contra um projecto de Constituição que preveja, sem qualquer benefício visivel, uma tão grande perda de soberania imposta ao nosso país. .
Penso que o encontro que neste momento decorre na Sociedade de Geografia de Lisboa é uma ocasião oportuna para a chamar a atenção para este assunto.
António Brotas, Professor Universitário, membro da Sociedade de Geografia de Lisboa
Nota adicional: Este texto foi entregue de mão própria, no dia 20, ao Doutor João Ferrão Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, ao Professor Aires de Barros, Presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa e ao Professor Adriano Moreira que se referiu ao assunto na sua intervenção final em que informou haver outras instituições, nomeadamente militares e universitárias, que já por ele se interessam.