Um dos epitáfios mais curiosos de que me recordo diz em francês o que traduzo por «Aqui jaz Monsieur De La Palisse que, um quarto de hora antes da sua morte, ainda estava vivo».
Sim, hoje refiro-me ao tempo cronológico, não ao climático.
Assim, tomo o período de tempo com a duração de três segundos para, posicionando-me no do meio, reconhecer que o primeiro já integra o meu passado, o segundo é o meu presente e o terceiro ainda está no meu futuro. E quer eu viva meia dúzia de segundos quer bata a longevidade de Matusalém, viverei sempre «entalado» entre o passado e o futuro, qualquer que seja a unidade de tempo utilizada. Não vou aqui tomar em linha de conta senão a vida terrena deixando a vida eterna para outros contextos.
Posto isto, a primeira questão a colocar tem a ver com a utilidade destes três tempos do tempo. E a resposta é que o conhecimento do passado serve sobretudo para distinguirmos o bem e o mal permitindo-nos intervir no presente no nosso próprio livre arbítrio assim construindo um futuro a contento com os nossos objectivos.
A segunda pergunta é sobre o que fazem as pessoas com esses três tempos do tempo. Contudo, antes de responder à pergunta, digo que o conhecimento do passado se alcança por duas vias: a empírica, ou seja, pela experiência da própria vida; a via erudita que é a do estudo da História.
Não vou perder o nosso tempo com considerações qualitativas sobre os resultados de cada via sendo que os conhecimentos da via erudita acumulam com os da empírica, mas não vice-versa.
Se centrarmos a nossa atenção na gestão do livre arbítrio, podemos rapidamente admitir que parte importante da Humanidade se limita ao uso da via rudimentar quer por determinismo religioso (os muçulmanos creem piamente na fatalidade do destino), quer por falta de acesso ao estudo, quer por ser muito mais giro ir fazer «windsurf», quer porque…
Estes, os crédulos na candura do futuro ou que nem nele pensam.
Há também aqueles para quem «dantes é que era bom», os nostálgicos do passado, das opas esvoaçantes, dos salamaleques na Côrte, dos reis e das princesas, mas esquecem-se de que nesses tempos não havia sequer uma Aspirina. E nas praias e sertões tropicais há-os que sonham com o berço natal dos avoengos como se fosse Pasárgada. Contudo, foi de lá que esses antigos emigraram.
Eis os inadaptados.
Finalmente, o formigueiro daqueles que não cabem no segundo segundo que lhes dei para prepararem o terceiro. São os que não têm tempo a perder «a fazer pela vidinha» própria ou alheia, são os voluntariosos empíricos ou eruditos mas que têm o coração no futuro. É deles que todos dependemos. A eles, toda a glória deste mundo.
Pelo caminho, ficaram os que tiveram um emprego, mas não necessariamente um posto de trabalho e que sempre ambicionaram pela aposentação para poderem ir para o jardim jogar à batota com os outros «tristes da vida». Estes, os que nem sabem do valor dos três tempos do tempo. Como haveremos de lhes dar um sentido para a vida que lhes resta? É que, afinal, também eles são gente. Estes, os que não sabem que o sonho comanda a vida e que um tal De La Palisse lutou por uma causa até um quarto de hora antes de morrer.
«Honestidade é uma faceta de caracter moral que conota atributos positivos e virtuosos como integridade, veracidade, franqueza de conduta, juntamente com a ausência de mentiras, trapaça, roubo, etc. Honestidade também envolve ser confiável, leal, justo e sincero. A honestidade é valorizada em muitas culturas étnicas e religiosas. A honestidade é uma característica amplamente divulgada pela maioria das pessoas, honestas ou não.
Em 30 de abril, nos Estados Unidos, é o Dia da Honestidade para incentivar a honestidade e a comunicação direta sobre política.»
(Wikipédia)
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A honestidade é claramente a virtude superlativa sem a qual todas as outras claudicam.
Convém acompanharmos a leitura da transcrição acima de um visionamento «même à vol d’oiseau» do nosso hemiciclo maior e respectivas adjacências perguntando-nos se não é mais do que tempo para revermos os métodos de formação do caracter da nossa juventude.
A minha resposta a esta questão é claramente favorável à mudança valorizando um Serviço Cívico Obrigatório (de cariz militar ou civil conforme a apetência individual e inerentes critérios de admissão) e relativizando a formação dada pelas «jotas» partidárias cujos resultados enchem os telejornais.
Mas…
…qualquer alteração deste cariz passa pela decisão partidária e é altamente duvidoso que os Partidos queiram ver as suas «jotas» secundarizadas por um «qualquer» Serviço Cívico Obrigatório. E, para além do mais, seria o reconhecimento público de que as «jotas» não são eficazes, o que, para os decisores oriundos dessas fontes, seria o naufrágio.
E então?
Então, há que lançar um debate nacional, público, que «empurre» os náufragos até um porto seguro.
A Ética paisana é intelectual; a Ética militar é regulamentar.
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A Ética tem a ver com os factos e deriva da Moral que tem a ver com os princípios; historicamente, cada Moral tem origem na respectiva religião e esta, por sua vez, invoca a(s) respectiva(s) Divindade(s) para distinguir o Bem e o Mal. O pragmatismo militar reduziu toda a exegese dos Livros Sagrados a um único texto dogmático a que por cá chamamos «Regulamento de Disciplina Militar».
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Da condição militar fazem essencial e nomeadamente parte três elementos, a saber: a disciplina, o aprumo e a honra. Da condição paisana não é essencial a pertença de qualquer um destes elementos pois andam por aí muitos indisciplinados, despenteados e snobs (sine nobilitatis).
E a questão era a de saber que enquadramento dar aos paisanos «despenteados que se queriam militarizar. Assim se inventou essa classe dos mercenários, os combatentes «sine nobilitatis».
Gosto de escrever curto porque também gosto de ler curto; prefiro a escrita enxuta, sem adjectivos e composta por frases curtas; procuro a síntese sem me preocupar que ela possa ser superlativa; evito excepções e particularidades.
Considero-me um generalista-superficialista e pasmo por haver quem diga que faço estudos profundos. Nada disso: limito-me a tocar pela rama em assuntos que podem ser considerados importantes. Felizmente, há quem pegue nas minhas generalidades superficiais e as esmiúce produzindo, esses sim, textos de mérito. Refiro-me aos comentários aos meus textos publicados no “A bem da Nação” cuja leitura é imprescindível para um melhor entendimento das matérias tratadas.
E, a propósito de leitura, interpretação e entendimento…
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… um conhecido meu que fora Prior de uma Paróquia numa quase extrema de Lisboa, dizia que tinha jovens paroquianos universitários com espírito de analfabetos pois as respectivas famílias eram compostas por avós analfabetos, pais e tios de letras muito rudes e, eventualmente, outros parentes entregues à delinquência. Nulos hábitos de leitura e limitada capacidade crítica para além das sugestões televisivas. E estas, como é sabido, são geradas em programas de entretenimento, ou seja, sem outro objectivo que não ultrapassa a ocupação dos profusos tempos livres de aposentados, ociosos e equiparados.
No cenário descrito por esse (já falecido) eclesiástico meu conhecido, os universitários eram a excepção à regra da mediocridade se não mesmo da delinquência. Mas a excepção era prova de que, querendo, os membros daquele grupo social podiam progredir na escalada cultural, profissional e, daí, social. Os que o não faziam só se deixavam ficar a marinar em águas turvas devido à mândria.
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Mândria é-o por si própria sem necessidade de grandes explicações: é não querer esforço físico ou intelectual, é sinónimo de indolência. Mas o indolente pode querer usufruir de regalias típicas dos esforçados e, daí, o recurso aos subterfúgios que podem chegar a extremos, à criminalidade.
A superficialidade pode significar apenas desconhecimento e vontade de apontar vias de aprofundamento dos conhecimentos. Muito provavelmente, trata-se de uma proposta de partilha de conhecimentos, uma postura de democracia intelectual.
CONCLUSÕES
A mândria corresponde a uma atitude negativa e potencialmente perigosa;
A superficialidade pode ser virtuosa e até democrática;
Pode haver mandriões que se refugiam nas superficialidades, mas dificilmente há superficialistas mandriões;
Õ fenómeno migratório está directamente relacionado com a determinação de melhoria das condições de vida – da guerra para a paz, do locacionismo para a liberdade de escolha de assentamento, dos condicionalismos económicos para a liberdade de estabelecimento, da autocracia para a democracia, da corrupção para a transparência, das sociedades fracturadas para as solidárias. Em suma, sempre no sentido da liberdade e da solidariedade.
Se tomarmos em conta que o conceito de solidariedade corresponde à miscigenação dos conceitos de igualdade e de fraternidade, lá estamos todos simbolicamente «virados» para a República Francesa que, grosso modo, é o modelo ocidental.
Independentemente da localização geográfica, o modelo ocidental é alvo de imigração; outros modelos são geradores de emigração.
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Durante séculos, Portugal gerou grandes fluxos migratórios porque não proporcionava aos seus nacionais as condições por que muitos ambicionavam sobretudo no plano material, o palpável.
As questões relativas ao desenvolvimento facilmente formalizam extensos conteúdos (mesmo que abandonando o plano teórico e baixando a análises de casos concretos) pelo que, para o caso português, me limito a constatar que foi a progressiva atenção dada à melhoria das condições de vida da generalidade da população sem o equivalente zelo nas questões da produção, da produtividade e, sobretudo, da competitividade que vêm gerando sucessivos colapsos financeiros do país. Mas, paralelamente, o perfil do actual emigrante português é muito diferente do do emigrante de uma ou duas gerações anteriores: o actual emigrante português não busca a sobrevivência (emigrante definitivo), escolhe entre as várias opções que o livre estabelecimento europeu ou norte-americano proporciona ao nível mais ou menos sofisticado de uma determinada condição profissional (emigrante temporário).
Em paralelo, os imigrantes em Portugal são oriundos de países que não oferecem esperanças aos seus nacionais e vêm para cá em busca de segurança e de uma «tábua de salvação» sujeitando-se a fazer o que nós, já rodeados de mordomias, não queremos fazer. O quê? Todo o trabalho braçal ou cuja remuneração seja inferior aos subsídios públicos a mândria.
Sugiro aos meus leitores em «Portugal e nos Algerves d’Aquém e d’Além mar em África, na Guiné, Arábia, Pérsia e Índia…» que façam uma análise ao caso que se lhes aplique e tirem as consequentes conclusões já que toda a emigração é simultaneamente esperançosa e lacrimosa.
A cultura popular, sobretudo sensitiva, primária, com a tradição oral a anteceder a escrita das «lendas e narrativas», a música e as danças folclóricas a antecederem formas mais elaboradas de acordes e «ballets», a pintura rupestre a anteceder Rembrant e Picasso…
Ou seja, o primitivismo sensitivo a assumir cada vez mais formas elaboradas, espiritualizdas num processo evolutivo das mais baixas classes sociais, as do trabalho braçal, para as mais elevadas, as da aristocracia intelectual.
Assim se estabelece o domínio cultural, político, económico e social das elites pois a intelectualidade é a génese do elitismo. O «chico espertismo» é uma corruptela deste processo.
Mas, a partir de certo momento, a estabilidade social permite que a juventude popular desperte intelectualmente (universitários oriundos do analfabetismo familiar) e assuma funções que os instalados e adormecidos filhos de «boas famílias» deixaram de conseguir assumir.
Já Platão se queixava (ou era Aristóteles?) de que a juventude não respeitava os valores dos anciãos.
Eis o que se está a passar actualmente no âmbito de um processo pacífico mas outros processos foram menos sossegados. Refiro-me, por exemplo, à Revolução Francesa e à russa de 1917 mas outras houve que engrossaram rios de sangue.
E, então, é assim: pacífica ou revolucionariamente, as bases cansam-se das elites e derrubam-nas. Eis ao que assistimos nos telejornais.
Contudo, os que sobem hoje serão derrubados dentro de cinquenta anos (ou menos) com a repetição das lamúrias platónicas (ou aristotélicas?).
Jovens, estudem mais e brinquem menos se não quiserem ser obrigados a cumprir a sina dos alcatruzes quando ficam debaixo de água.
Deste mundo fazem parte três categorias de pessoas:
As que sabem e pensam por si próprias;
As que não sabem mas estudam e passam a pensar;
As que não sabem nem estudam, se viram para o outro lado e continuam a consumir oxigénio.
A inércia social que se opõe ao desenvolvimento mede-se por aqueles que não sabem nem querem saber e que espantariam Descartes se soubesse que há gente que não pensa mas que, contudo, existe.
E a palestra continuou depois de um mini intervalo para dar entrada a mais ouvintes que vinham sabe-se lá donde.
Retomada a palavra, avancei para a solução dos problemas até ali enunciados que, como tinha dito, é a Ética cuja reposição me parece imperiosa.
E a questão estaminal da nossa conversa é a de saber o que é a Ética. Então, para desfazer muita confusão que por aí navega, comecei por afirmar simplisticamente que a Moral é a questão dos princípios enquanto a Ética é a questão dos factos.
Muito resumidamente, disse que todas as religiões têm as suas escrituras sagradas as quais, criando a respectiva Teologia, deram origem a verdadeiros códigos de conduta que definiram os grandes princípios da Moral correspondente e foi a partir daí que cada sociedade, descendo aos factos reais da vida quotidiana, criou a sua Ética; assumindo a obrigatoriedade do cumprimento, cada Ética vestiu o figurino de quadro jurídico.
Breve, a lógica descendente tem origem nas Sagradas Escrituras que definem a Moral que, por sua vez, induz a Ética e é esta que fundamenta o quadro jurídico.
Exemplos? Muitos. Mas basta referir a Bíblia cujo Antigo Testamento fundamenta o Judaísmo, os Vedas que são a base do Hinduísmo, os Ensinamentos de Buda que deram origem ao Budismo, o Novo Testamento que, em conjunto com o Antigo, fundamenta o Cristianismo, o Corão que é a Sagrada Escritura do Islão.
Contudo, como vimos de início, o homem pós-moderno extremou a sua própria laicização donde resulta que a inspiração divina nada lhe diz e ele se desliga de tudo que tenha origem nesse tipo de Valores. Não vale, portanto, a pena invocarmos princípios religiosos – venham eles donde vierem – para levarmos o pós-moderno convicto a aceitar um quadro jurídico que se inspire numa Ética que por sua vez se fundamente numa Moral de origem divina.
Então, como havemos de sair deste beco?
A questão pode-se resolver a partir duma frase que cito muitas vezes que, apesar de ser da autoria de um Cardeal, pode ser laicizada com toda a facilidade pois ela própria a isso conduz: «as coisas não são boas ou más porque Deus as mande ou as proíba; antes as manda porque são boas e as proíbe porque são más»[i].
Ou seja, tanto o bem como o mal existem fora da discussão teológica e por isso é possível erigirmos uma Ética laica que se fundamente na «Declaração Universal dos Direitos do Homem»[ii] e na «Declaração de Ética Mundial»[iii]
Para não cansar a assistência, referi apenas as linhas gerais deste último documento que começa por condenar a usurpação dos ecossistemas do planeta, o abandono dos miseráveis, o recrutamento forçado de crianças como soldados, a agressão e o ódio cultivados em nome das religiões.
E depois deste posicionamento crítico, passa para a positiva afirmando haver uma reserva de valores fundamentais comuns a toda a Humanidade que constituem a base para uma ética que fundamente uma ordem mundial duradoira, nomeadamente pelo reconhecimento de alguns princípios:
Há que respeitar a comunidade dos seres viventes (humanos, animais e plantas) preocupando-nos com a conservação da Terra, do ar, da água e do solo – princípio ecológico;
Todas as nossas acções e omissões têm consequências que devemos ponderar – princípio da responsabilidade;
Devemos dar aos outros o tratamento que deles queremos receber - princípio da equidade;
Temos que nos encher de paciência;
Nos cumpre servir o bem comum;
Deve prevalecer uma relação de companheirismo entre homem e mulher com igualdade de direitos – princípio da dignidade humana;
Temos o direito de combater a ânsia pelo poder – princípio da democracia política.
Estas, algumas das bases que devem servir para a construção de uma ética laica mundial na qual se revejam os pós-modernos que por aí pululam à nossa volta.
Concluí a palestra com a revelação de um segredo (pedindo que não o revelassem aos pós-modernos): esta ética laica mundial pode na perfeição ser considerada ecuménica pois resulta de um longo diálogo inter-religioso e o documento em apreço tem origem, afinal, nas confabulações desenvolvidas no seio do Parlamento das Religiões Mundiais.
Então, o que menos importa será saber se a origem da Ética Mundial tem ou não uma génese religiosa; basta saber que ela nasceu para servir a Humanidade.
É que, assim não sendo, nos resta constatar que chegámos ao Cabo da Roca onde a terra acaba, onde é o fim da picada e onde, portanto, só poderemos optar entre atirarmo-nos ao mar ou darmos meia volta e meditarmos ponderadamente sobre o que queremos fazer da vida.
* * *
Dei por finda a palestra e não apanhei mocadas na cabeça. Mas passadas as portas do anfiteatro, retomaram pela certa aqueles finalistas a dinâmica das festas da queima das fitas arquivando algures numa dobra recôndita do cérebro as coisas que o tipo do bigode disse desejando que ele se coce com urtigas pois «nós somos hedonistas felizes como o cão dele».
Fevereiro de 2018
Henrique Salles da Fonseca
[i] - D. Manuel Clemente, Cardeal Patriarca de Lisboa, então Bispo do Porto, no seu livro “1810-1910-2010 DATAS E DESAFIOS”, pág. 121
Fui há tempos palestrar a uma «queima de fitas» no norte de Portugal e pediram-me previamente que abordasse o tema do futuro deles, os então finalistas daquela Universidade.
Nunca eu falara para plateia tão grande e tão apinhada em que não dava para perceber onde estavam os sentados, os de pé e os «sabe Deus como».
Então, se me queriam ouvir falar do futuro, teriam que ter uns minutos de paciência para me ouvirem falar do passado. Do recente, sim, mas passado na mesma. O passado imediato relativamente ao presente, este que antecede imediatamente o futuro. E como o presente é o instante que separa o grande passado e o futuro que temos por infinito, vejamos no que estamos metidos. E esse «caldinho» chama-se pós-modernidade.
A pós-modernidade designa a condição sócio-cultural dominante após a queda do Muro de Berlim (1989), o colapso da União Soviética e a crise das ideologias nas sociedades ocidentais no final do século XX, sobretudo pela dissolução da referência a esquemas totalizantes - o fascismo, o nazismo e o comunismo - fundados na crença no progresso mas que, por sua vez, já eram a negação dos ideais iluministas de igualdade, liberdade e fraternidade.
E aqui chegados, disse-lhes que me parece imprescindível pensarmos na questão da ética e seus fundamentos precisamente porque estamos a viver num mundo sem conceitos superiores uma vez que nos tempos que correm só se pensa na competitividade. E esta, sim, é fruto do pós-modernismo em toda a sua pujança, é a sacralização do profano.
Então, avancei com a afirmação de que o cidadão do Mundo, pós-moderno, é ateu ou, no mínimo, agnóstico; para ele a vida é esta em que estamos e mais nenhuma. Por isso mesmo quer TUDO, e JÁ! E como não se sente vinculado a uma Moral, também ignora a correspondente Ética. Ou seja, tudo vale para que alcance imediatamente a sua própria felicidade sem sacrifícios pessoais (mas talvez à custa dos alheios). Egocêntrico, assume o egoísmo como algo de natural e fá-lo de consciência tranquila, sem sentimento de culpa, porque amoral e aético. Assim se confunde com hedonista sem sequer saber que o é nem o que tal palavra significa.
Com risco de não sair dali sem umas mocadas na cabeça, eu disse-lhes que o meu cão também é hedonista: quer todo o prazer de imediato; não gere a sorte da fortuna. Ninguém levantou a voz em protesto mas fiquei convencido de que muitos daqueles jovens reconheceram os paizinhos no que eu acabara de dizer. Mas, educadamente, «enfiaram o barrete» e calaram.
Onde estamos, então, depois de derrubado o muro das ideologias? Na arena nihilista e em mais nenhuma. Um BRAVO a Nietzsche que se suicidou em vão.
Sobrevivente do frisson quase ofensivo, mais lhes disse que, chegados ao ponto em que não se olha a meios para atingir o objectivo que cada um se auto-atribui sem querer minimamente saber se tal desiderato corresponde ou não ao bem-comum, a desorientação global resulta da abdicação que os governos fizeram de muitos conceitos entretanto considerados caducos para apenas alcandorarem a competitividade ao estatuto de quase sacralização. Foi assim que nos vimos chegados a uma sociedade de quase Partido Único em que todos os grupos seguem políticas liberais e apenas diferem nas cores das camisolas que vestem. Aliás, todos sabemos por experiência própria que a definição do bem-comum é pouco ou nada referida nas campanhas eleitorais e os votos definem-se com frequência por claques de simpatia. Vacuidade ideológica, política liberal por quase todos e por toda a parte, gestão de favores de classe ou, pior, individuais.
E, então, eu disse-lhes como foi na época em que eles estavam a concluir o ensino secundário e a entrar na Universidade: quando a inovação tecnológica deixou de proporcionar as margens de lucro ambicionadas pelos vorazes pós-modernos, restou-lhes a matéria-prima alvo da sua cobiça, o dinheiro. Foram então os «capitães de indústria» substituídos pelos magnatas da finança e do investimento produtivo se passou à especulação bolsista em que se vende «gato por lebre» (os famigerados «produtos tóxicos») sendo que até vendem o gato mesmo antes de o comprarem ou até mesmo antes dele nascer.
E de tanto por ela puxarem, a corda da sorte rebentou e ficámos a braços com a bancarrota mundial… As poucas lebres andavam perdidas no meio de muitos gatos e saíram da cena todas arranhadas.
- Eis o cenário que se vos depara – disse-lhes eu e notei algum desconforto na plateia.
Que fazer? Eis a questão cuja resposta não passa pelo encarceramento do todos os culpados pois não há grades suficientemente grandes para aprisionar meio mundo. E a reciclagem de mentalidades vai demorar...
A palestra continuou mas eu acho que este escrito vai ficar por aqui para não cansar quem me lê. No próximo número vou então continuar a contar como decorreu a palestra da queima das fitas e tratar da solução, a Ética.