Por fim os cossacos alcançaram o Tura. O príncipe siberiano Epantchá, tributário de Kutchuma, reuniu a sua gente. No lugar, onde o Tura faz uma grande curva para norte, ele armou uma emboscada.
No cabo do rio apareceram os barcos dos cossacos. Começaram a voar as flechas dos tártaros, não atingindo os barcos. Ermak não deu ordem para ripostar e os barcos passaram. Enquanto dobravam o cabo, Epantchá reuniu-se com os seus mais à frente. O lugar agora era estreito e com as flechas feriram alguns cossacos.
No barco do ataman rufou o tambor, sinal de preparação para a luta. Os cossacos fizeram pontaria. Choveu a descarga. Os homens de Epantchá não conheciam a "luta com fogo". Passa o fumo e olham, ribomba dos barcos; caiem mortos e feridos, e não se viam flechas. Os tártaros fogem com medo.
De úluss (aldeia tártara) a úluss corre a notícia que dos montes vêm barcos, que ribombam e lançam raios.
Do nascer ao pôr-do-sol e durante a noite à luz de fogueiras, os tártaros constroem fortificações. Em redor da capital do khan, Kashlyk, cavaram um fosso profundo. No cimo das colinas puseram ramagens secas para fazerem fogueiras de sinalização.
O próprio filho do khan, Makhmetkul foi para o Tobol enfrentar os russos.
Nota: Os cossacos eram russos? Claro que eram, mas russos com estatuto especial: eram livres, tinham fugido, eles ou seus antepassados, das muitas restrições à liberdade que lhes eram impostas pelo Czar moscovita e pelos boiardos, e juntaram-se nas terras do sul, onde viviam independentes, embora não formassem um estado formal, sem impostos, sem leis, sem obrigações militares. Por isso é que o Czar Ivan IV, Gróznii – o Terrível – dera ordens à sua tropa de matarem os cossacos que encontrassem. E – ironia do destino – foram os cossacos, homens libérrimos, que engrandeceram a Rússia, acrescentando-lhe a Sibéria. JR
Juntaram-se os cossacos na margem. Para cada cossaco havia dez tártaros. Durou cinco dias a luta. No sexto dia os barcos navegaram para mais além. Dentro de alguns dias os cossacos ocuparam uma povoação na margem direita do Tobol.
Nesta povoação eles descansaram quarenta dias. Em Setembro, eles ocuparam outra povoação, na qual decidiram invernar. Mas já não havia provisões e tinham pela frente o Inverno e a fome. Em Outubro atacaram o exército tártaro nas proximidades da capital. No outro dia enterraram os mortos: cento e oito tinham caído nesta luta. Mas o khan tártaro abandonou a sua capital.
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Em 22 de Dezembro de 1582, Ermak enviou a Moscovo o ataman Ivan Koltzó ("João Anel"). Levou o ataman para Moscovo um sem número de peles de marta, cinquenta peles de castor castanho escuras, vinte de raposa cinzento-escuras. Levou também um documento escrito por Ermak, que contava as suas lutas e vitórias. Tendo lido a carta de Ermak, Ivan Gróznii gritou:
- Um novo reino Deus enviou à Rússia!
O Czar estava contentíssimo. Vinte e quatro anos lutara ele no ocidente e a luta acabara sem sucesso. E agora, inesperadamente, era a Sibéria. Não se lembrou o Czar que havia tempo ordenara que apanhassem o ataman cossaco Vashka Koltzóe o enforcassem.
A luta contra Kutchum ainda durou muito tempo.
Em 1585, tendo submetido alguns principados, Ermak continuou a avançar pelo Irtysh. No princípio de Agosto, os barcos já voltavam para Kashlyk. A 4 de Agosto, os cossacos aproximavam-se da foz do Vagaia. À tarde, o céu cobriu-se de nuvens.
Os cossacos estavam cansados, sofriam com o calor sufocante e remavam silenciosos.
Chegaram à foz do Vagaia. Aqui o Irtysh forma um comprido arco, entre as extremidades do qual alguém cavara um não profundo fosso com aterro. Neste arco, cercado de todos os lados por água, instalaram os cossacos um acampamento nocturno. Não conseguiram fazer fogueiras, – as primeiras grandes bátegas batiam nas folhas das árvores. Uivava o vento, as ondas batiam contra a margem. Porém, os cossacos, cansados, adormeceram profundamente.
Mas, para lá do rio, na outra margem, estava o khan Kutchum. Já havia muito que ele seguia os cossacos pela margem do rio.
Algumas horas mais tarde, os tártaros atravessaram o rio a vau e à meia-noite chegaram ao acampamento dos cossacos. Estes nem abriram os olhos. Os homens de Kutchum mataram os adormecidos. Apenas um capataz e Ermak conseguiram pôr-se em pé de um salto. Os soldados de Kutchum cercaram-nos de todos os lados.
"Não é possível fugir", – pensou Ermak e começou a lutar. O capataz, rechaçando os inimigos com um machado, recuou em direcção à margem. Ermak também se aproximou da margem. O capataz saltou para o barco. Ermak quis fazer o mesmo, mas o barco empurrado por uma onda afastou-se da margem. Duas pesadas armaduras – um presente para o Czar – puxaram-no para o fundo. Aproximaram-se a correr os tártaros. Olharam – nada, apenas na água se desfaziam largos círculos.
Morreu Nikita Pan. Morreu Yakov Mikhailov. Morreu Ivan Koltzó. Morreu Ermak Timofeevitch. Matvéi Mereshak com os restos da drujina dos cossacos voltaram para Kamen'.
No trono siberiano sentou-se o filho Aley de Kutchum. Lá se manteve pouco tempo: Seid-Akhmet com o auxílio dos bukhartzy e dos kirguizes matou Kutchum e expulsou Aley de Kashlyk.
E de Kashlyk saíram os russos. Destacamento após destacamento, navegou os rios siberianos. Nas águas do rio Tura reflectiam-se as muralhas da fortaleza russa de Tiumen. No Irtysh, não longe de Kashlyk, construiu-se a cidade russa de Tobolsk. Esta vizinhança não agradou a Seid-Akhmet, que sitiou Tobolsk, mas foi derrotado e preso.
O Estado russo avançou para leste.
Gritza
Nota: No tempo de Ivan Gróznii (século XVI) os tártaros eram milhões e praticamente dominavam a Sibéria. De raça urálica, aparentada com a mongólica, eles constituíam muitas tribos distintas com suas culturas particulares. Na generalidade, adoptaram o Islão. Hoje, os tártaros continuam a existir, geralmente muito russificados, mesmo nos países da Ásia Central tornados recentemente independentes e continuam a ter relações muito amistosas com a Rússia.
Na antiga Moscóvia, a mercadoria mais preciosa eram as peles. Da Inglaterra e da Pérsia, da Holanda e da Turquia chegavam mercadores em busca de peles. Mas os animais selvagens afastavam-se cada vez mais dos caçadores para leste, e as peles encareciam. A caça selvagínea chegou até à cintura pétrea, como então se chamavam os montes Urais.
Para lá dos Urais começava a Sibéria e para norte os "países da meia-noite". A respeito dos países da meia-noite, corriam na Rússia boatos estranhos. Falava-se que aí vivia gente que tinha a boca na testa e quando comia punha a carne ou o peixe sob o capuz e os ombros deles moviam-se como maxilares, para cima e para baixo. Havia também gente sem cabeça: as bocas deles estavam entre os ombros, e os olhos no peito. No Inverno, quando apareciam os gelos, essas pessoas gelavam e ficavam de pé como árvores. Mas na Primavera, quando o Sol aquecia, elas desenregelavam e animavam-se.
E puseram-se os russos a andar pelo país da meia-noite; penetraram para além dos Urais em direcção à foz do rio Ob'. Os Samuedos e os ostiakos (actualmente designados respectivamente por nentzy e khanty) forneciam martas e raposas em troca por facas de ferro e panelas de ferro fundido. E com uma só viagem, enriquecia o mercador.
Instalaram-se no rio Kama os irmãos Stroganof e cortaram bosques, construíram pontes e fundiram minério de ferro. O Czar Ivan Gróznii permitiu-lhes a construção duma cidade e ter canhões. Por sua vez, os Stroganof eram obrigados a defender o território russo contra as investidas dos tártaros que dominavam a Sibéria. Os tártaros frequentemente atacavam o território russo. Em 1579, os Stroganof decidiram fazer a guerra ao inimigo.
Os Stroganovs, desde havia muito que se queixavam ao Csar do khan tártaro Kutchuma. Escreviam-lhe que os tátaros "não permitem aos nossos sair dos fortes... nem trabalhar os campos, nem cortar lenha".
O Czar autorizou os Stroganovs a recrutar homens livres – os cossacos. Era do que precisavam os Stroganovs. Para a campanha da Sibéria exigia-se gente de têmpera, hábil em acções bélicas, gente que os Stroganovs não tinham. Mas chegara-lhes a notícia de que do Volga ao Kama avançava um grande destacamento cossaco e quem o comandava era o ataman (chefe) Ermak Timofeevitch.
O Volga era a grande via de comércio. Mas comerciar era então perigoso. Os ladrões do Volga eram gente livre – cossacos. Dos chicotes (knuts) dos boiardos, da pesada escravatura, os camponeses fugiam para o "campo selvagem" – para a estepe. Agrupavam-se os fugitivos em bandos, adoptando para si o nome de cossacos e para os seus chefes o de ataman.
O mais competente entre eles era Ermak. Mediano de estatura, espadaúdo, de barba preta, ele era severo e não gostava que o contradissessem.
Mas em 1579, o Czar mandou para o Volga destacamentos militares, ordenando-lhes que apanhassem os cossacos e os enforcassem. Escapando à fúria do Czar, os cossacos navegaram no Kama pensando acobertarem-se nos confins da floresta.
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Veio até Ermak enviado pelos Stroganovs um homem a pedir serviço, prometendo alimentação e dinheiro. Os atamanes decidiram ir até aos Stroganovs.
Máximo Stroganov contou-lhe, que os tártaros de Kutchuma o ofendiam, não lhes permitindo trabalhar nem construir. Contou também que o khanato de Kutchuma era rico e ia de lá uma via comercial até Bukhara. Os atamanes escutaram calados. Só no fim do verão Ermak se decidiu. E convocou os cossacos:
- Vamos – disse – até ao khan, fama conquistaremos. Bens, tem Kutchuma muitos, que chegam para todos.
Todo o seu exército – oitocentos homens – Ermak dividiu em centúrias. Uma centúria tinha duas cinquentenas – cada uma sob as ordens de cinquenta homens (entendamos esta expressão como significando a forte solidariedade entre os cossacos de Ermak. Não tenho dúvidas quanto à correcção da tradução). Em cada dez homens havia ainda o seu sénior – o seu capataz.
Com o exército iam escrivães regimentais, porta-bandeiras, tradutores, corneteiros e tambores. Iam ainda três popes e um staretz-vagabundo (velho anacoreta) – um monge fugitivo. Ia o anacoreta sem sotaina, sabia cozinhar papas, disparar o canhão e fazer o serviço da Igreja
Celebraram uma curta missa e despediram-se dos Stroganovs e a 1 de Setembro de 1581 puseram-se em marcha.
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O destacamento de Ermak navegou pelo Tchussóvaia (ver anexo, que representa a região dos Stroganov nos Urais com os rios Kama, Tchussovaia, Tobol, Tura e Irtych). Nas margens não se via viv'alma. Os cossacos navegaram desde o nascer até ao pôr-do-sol. À noite, fizeram um acampamento e acenderam fogueiras. Dormiram sob as estrelas e, logo que o céu se azulou a oriente, rufou o tambor, içaram-se as velas e prosseguiram a navegação.
Do Tchussovaia era necessário transporem-se para o Tura e o Tobol. Ermak procurava um pequeno rio, que do norte afluísse ao Tchussovaia e nascesse perto do Tura.
Os Stroganovs libertaram dos cossacos um tártaro de nome Akhmed, que tinha sido feito prisioneiro pelos russos e era oriundo da Sibéria. Servia ele aos cossacos de guia e intérprete e dizia que era preciso navegar no Mejevaia Utka ("Pato Fronteiriço"?). Navegaram em strugs (barcos pequenos) pelo Mejevaia Utka. O rio serpenteava entre montes. Os abetos caíam para a água, sobre os barcos e enredavam-se nos mastros, pelo que recolheram as velas e continuaram com a força dos remos.
Ermak, carrancudo, obrigou Ahmed a trabalhar consigo. Cedo já não havia caminho para os barcos. Então Ermak enviou três cossacos a verificar se estava longe o Tura, e mandou atar o guia Ahmed. Voltaram os cossacos.
- Até ao Tura é longe – disseram. E caminho pelo Mejevaia Utka com os barcos não há. Só bancos de areia e pedras.
Castigaram o guia Akhmed: cortaram-lhe a cabeça com um sabre. De noite fugiram todos os guias tártaros e tiveram que ser os próprios atamanes a procurar o caminho fluvial para a Sibéria.
No ar esvoaçavam as primeiras neves. Do norte voavam os bandos triangulares dos gansos. Os cossacos chegaram ao curso superior do Serebrianka e resolveram aí ficar até à Primavera.
Ao fim de algumas semanas, alguns cossacos entediaram-se com a paragem invernal. Dois deles convenceram os seus companheiros a irem para o Kama sem Ermak. Pegaram nas pesadas armas, pólvora e provisões e foram em esquis. Quando Ermak soube disto, ficou encolerizado. Puseram-se a perseguir os fugitivos.
Apanharam-nos num matagal de abetos. Trouxeram-nos aos atamanes. Estes ordenaram que na parte mais funda do rio fizessem buracos na superfície gelada. Enfileiraram-se os cossacos na margem. Meteram os fugitivos em sacos e atiraram-nos para a água. Os cossacos emudecidos dispersaram-se pelas isbás.
Os cossacos cortaram patins de esquis, puseram os barcos sobre eles e arrastaram-nos durante dez verstas até ao pequeno rio Jarovnaia. Passou o gelo, os cossacos arrearam os barcos e em água primaveril navegaram direitos ao oriente.
Os tártaros (mongóis) eram nómadas. Dividiam-se em grandes tribos que tinham por chefes os khans. Estes guerreavam-se uns aos outros por causa dos tributos e das pastagens.
Como um furacão, lançava Ginghis-khan a sua cavalaria contra os inimigos. As paredes de madeira das fortalezas, Genghis-khan incendiava com as granadas de argila e nafta; as de pedra ele derrubava-as com grandes máquinas. Nada o fazia parar.
Tendo conquistado a China do Norte, Ginghis-khan, moveu os seus exércitos para a Ásia Central e devastou-a. Da Ásia Central, contornando a margem sul do Mar Cáspio, os exércitos de Ginghis-khan passaram para o Cáucaso e devastaram a Arménia e a Geórgia.
Em 1223, no rio Kalka*, o exército mongol derrotou as forças unidas dos príncipes eslavos e dos pólovtzy.
Dentro de trinta anos, no Volga de novo apareceram os tártaros. No seu comando não estava já Ginghis-khan, já desaparecido, mas seu neto o khan Batyi. Desta vez os tártaros atacaram os russos de leste. Em particular, moveram-se para o principado de Riazan.
Os príncipes começaram por pedir socorro ao seu vizinho, o príncipe Vladímir. Mas o príncipe Vladímir respondeu: - Os inimigos atacaram a vossa terra e vós defendei-vos.
Riazan foi destruída e queimada, os seus habitantes expulsos e levados em cativeiro. Tendo devastado Riazan, os tártaros atacaram Vladímir . O exército do príncipe de Vladímir foi derrotado e na batalha morreu o próprio príncipe. Em 1240 os tártaros tomaram Kíev e entraram na Europa Ocidental.
Repelido pelos checos, Batyi voltou atrás e fundou no baixo Volga o seu estado -- a Horda Dourada, com capital em Saray. O khan da Horda Dourada tornou-se o soberano dos povos por ele subjugados. Os príncipes permaneceram nos seus locais e eram sujeitos ao khan. Para a colheita dos tributos foram colocados nas cidades representantes do khan com destacamentos militares.
Por ocasião da colheita dos tributos, ninguém era poupado:
A quem não tem dinheiro, leva-se-lhe um filho;
A quem não tem um filho, leva-se-lhe a mulher;
A quem não tem mulher, leva-se-lhe a cabeça.
(isto é, leva-se para o cativeiro e vende-se como escravo). Assim se dizia no canto popular.
Assim, contra os tártaros - sempre a colectar impostos - havia constantes revoltas, de modo que os khans da Horda Dourada passaram a recolher os tributos através dos próprios príncipes russos.