Os melhores preparados são os que ficam/estão/são mais bem preparados
Ouvi, uma vez mais, pela televisão. Foi a respeito da gripe: “Temos que estar “melhor preparados” para a enfrentar”. Mas com tais incorrecções de linguagem, morremos todos de gripe, ou, pelo menos, gripados. É certo que ninguém se importa.
As formas melhor/pior são o comparativo dos adjectivos bom/mau, tal como dos advérbiosbem/mal.
No tempo em que o ensino do francês era bem tolerado – mais bem tolerado – costumávamos explicar que os comparativos dos advérbios franceses bien/mal eram mieux/pis, sempre invariáveis, enquanto que os dos adjectivosbon/mauvais eram meilleur/pire, variáveis – un meilleur élève, une meilleure élève, de pires élèves.... Diferentemente, pois do caso português de homonimia - melhor/pior, comparativos sintéticos tanto dos adjectivos como dos advérbios, variáveis em número ou não, segundo os casos.
Dir-se-á, pois, “ter melhor / pior figura” como adjectivos, sendo incorrectas as formas mais boa / mais má – (fr. meilleur / pire); “isto vai melhor / pior”, advérbios, (sendo incorrectas as formas mais bem / mais mal – (fr. mieux/pis).
(Usar-se-á, todavia, as formas analíticas mais bom, mais mau em caso de expressão de duas qualidades do mesmo sujeito. Ex: “Xavier é mais maudo que grosseiro ”; “Micaela é mais boado que eficiente”.)
Mas há na língua portuguesa uma forma verbal chamada particípio passadoque tem uma construção especial no comparativo. Os advérbios bem e mal, precedendo os particípios passados, no caso, pois, do comparativo,empregam-se segundo a forma analítica mais bem / mais malem vez da forma sintética melhor / pior. Igualmente, no superlativo analítico: o mais bem( estimado...) / o mais mal (estimado...)
Alguns exemplos:
- “Folques. é maisbem / mais mal educado do que Guilherme.” – e não melhor / pior educado. No superlativo:o mais bem / o mais mal educado.
- “Aquele prédio está mais bem / mais mal construído do queo outro” – e não melhor / pior construído. Superlativo: o mais bem / o mais mal construído.
- “Aquele país pareceagora mais bem / mais mal governado / regido/ defendido / protegido do que dantes” – e não melhor / pior governado, melhor / pior regido, melhor / pior defendido, melhor / pior protegido. Superlativo: o mais bem / o mais mal governado, defendido...
Outros exemplos de particípipos passados no comparativo e no superlativo relativo de superioridade, o advérbio anteposto ao particípio:
Mais bem / mais mal (do que); O mais bem / o mais mal
Li um artigo de Jorge Miranda, professor Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa sobre “Mestrados em Inglês?”, no “Diário de Notícias” em 3 de Agosto. Protesta contra a proposta da União Europeia de tornar a língua inglesa como língua oficial dos mestrados de Bolonha, além de outras considerações que faz sobre os mestrados em si.
Também vi na Internet comentários pró e contra. Um dizia que porque não em “Xinês”?, e via-se que estava zangado, mas não há razão para zangas, quando se escreve assim em português, isto é, tanto lhe deve fazer, “cela lui est égal” como ao Meursault.
E a minha amiga :
- Ai, a língua vai ao ar! Troca-se tudo e não se leva a mal. E vai ser mais e mais e mais, e nós não temos a mínima força. Lá aparece um ou outro a defender...
Ainda por cima, ela diz as coisas sempre numa entoação extremamente vigorosa, que me deixa caída e com peso na consciência. Como se eu tivesse culpa. E como, por vezes, no momento, estou a levar a bica à boca, lá me cai um pingo com o sobressalto. Tento justificar:
- Que o Inglês é uma língua poderosa, isso é mais que sabido, basta-lhe a língua e o porte e o mundo que os Ingleses construíram, pelo mundo fora, para lhes dar direito à universalidade linguística.
Como me estava a correr bem o discurso, continuei com digno saber:
- Ainda bem que os Chineses não se lembraram – ainda! – de impor a sua, que parece que é a língua mais difundida. Mas eles são pacatos, até ver, diz-se, sem o que, lá teríamos nós que aprender a desenhar, da direita para a esquerda, os seus logogramas, no caso da escrita.
- E no caso da fala, nem se fala, se tivéssemos que o aprender. Então é que era o caos.
- Pois, mas antigamente foi o Latim, foi um ver se te avias de estudiosos do Latim e de línguas que se forjaram a partir do Latium onde aportou o troiano Eneias, depois de despedaçar o coração da rendida e depressiva Dido.
- Nunca ouvi falar.
- Hei-de trazer-lhe a “Cantata de Dido” de Correia Garção. Foi a fundadora de Cartago, que se apaixonou por Eneias e se suicidou quando ele se fez à vela direito ao Lácio. Vem na “Eneida”. Acaba assim, a cantata, muito bonita:
Dido e Eneias - ópera de Henry Purcell
“...Dido infelice
Assaz viveu;
D’alta Cartago
O muro ergueu.
Agora, nua,
Já de Caronte,
A sombra sua
Na barca feia
De Flegetonte
A negra veia
Sulcando vai.”
Eu costumava dar isto em literatura portuguesa dantes e tentava que os alunos descobrissem o fio condutor do discurso labiríntico por ser alatinado: (“Agora, a sua sombra nua já vai sulcando a negra veia de Flegetonte na barca feia de Caronte”). É muito giro.
- Realmente! Temos tanta coisa bela que queremos enterrar!
Continuo, embalada, a minha lição, mas a minha amiga acha-se com direito à retribuição das suas e não se importa:
- O latim foi permanecendo entre o clero e os eruditos, que não se davam mal nem protestavam, pois falavam entre eles e compunham obras de grande calibre, que enchem as bibliotecas dos conventos para os estudiosos modernos, se não para as moscas e a traça. Mas o latim esmoreceu e até mesmo a Igreja o sacrificou nos actos litúrgicos da missa.
- Sim, bem me lembro! Deve ter sido pelos anos sessenta. Falou-se muito nisso, na altura. A missa agora tem menos solenidade, acho eu.
- Eu também! Perdeu o secretismo do sagrado. Mas o efeito é o mesmo.
A minha amiga não se conforma:
- Agora é o Inglês! Mas ainda não para a missa.
- Não. Fala-se nos mestrados segundo Bolonha, em Inglês e até já há adeptos da uniformidade no Parlamento Europeu.
- E nem avisam, nem consultam os outros povos da União, ao que consta!
- Ah! Mas nós, não tarda, estamos lá caídos! Já cá temos o Acordo! Porque não o Inglês nas nossas Universidades? Mesmo no ensino do Português e seus escritores, porque não os havemos de fazer em Inglês? Para estrangeiros também, que somos muito tímidos.
- Pois é! A nossa língua vai mesmo ao ar!
- O que eu não entendo é o pedantismo disto tudo. Se nem o português aprendemos convenientemente, como temos a pretensão de aprender um inglês capaz?
- Também pouco importa. Isto está por pouco, que o que nós não aprendemos é nada.
A haplologia na deficiência vocabular da nossa competitividadedeficiente
Afeganistão - a competitividade dos transportes
Trata-se de um palavrão elegante, este da haplologia, de origem grega, vocábulo que também poderia ter sofrido o fenómeno fonético de síncope silábica (haplogia), por simplificação, que o seu significado traduz, e só tal não aconteceu por ser de origem erudita, pouco conhecido e menos usado.
Outros termos, mais gastos pelo uso, de duas sílabas contíguas semelhantes ou iguais, suprimiram a primeira das sílabas, exemplo do adjectivo saudoso, que, formado a partir de saudade, deveria dar em saudadoso, tais como bondadoso, maldadoso, piedadoso. Da mesma forma idololatria convergiu em idolatria, mineralologia em mineralogia, formicicida em formicida.
São fenómenos fonéticos provenientes do uso corrente, que justificam outros casos de elisões que todos praticamos: (“inda” por “ainda”, “bora” por “embora”, etc.), obedecendo ao princípio muito humano da lei do menor esforço, que está na origem de tantos fenómenos de adulteração dos sons das palavras, propiciando a sua evolução, para só nos determos na prática da língua, desprezando outras práticas redutoras do esforço, que, com boa vontade, até podem conduzir à estagnação.
É este fenómeno de haplologia que justifica, certamente, a redução da “competitividade” a “competividade”, pronunciada por gente de formação superior, que nos bombardeia sem tréguas com a supressão de uma das sílabas -ti- indiferentes à maculação da língua, na sua ânsia, talvez, de expandir o fenómeno em causa – a competitividadecom os países estrangeiros.
No caso de saudoso, bondoso, etc, são os substantivos – saudade, bondade, piedade, maldade – que estão na origem dos adjectivos, a que se acrescentou o sufixo -oso. No exemplo citado acima é do adjectivo competitivo que se formou o substantivo com a junção do sufixo -(i)dade.
Temos assim que, de competitivo+ (i)dadese formou competitividade e não há estômago que se não contraia de asco, pela repetida supressão de uma das sílabas repetidas, na pressa inútil, talvez, de atropelar verdades e iludir os crédulos.
Se não sabemos sequer utilizar os termos com que pretendemos enriquecer o nosso país na área económica, como podemos, de facto, incrementar os esquemas ideológicos que poderiam tornar mais real a nossa competitividade?
Três erros, um talvez menos grave do que os outros, mas todos ferindo um qualquer ponto sensível da nossa alma. Com raiva. Porque são constantes, os media utilizam, as pessoas repetem a cada passo, brinca-se na revista com os dislates de cariz popular ajavardantes e os erros gramaticais vão-se insinuando cada vez mais fundo na língua, a ponto de pessoas com responsabilidade intelectual os utilizarem.
Perdoa-se facilmente o calão, é até “porreiro” e muito “bem” usá-lo, mas certos erros de acentuação ou de morfologia dão imediatamente a noção de deficiente estudo gramatical na escola, de falta de leitura, da permissividade ao erro como estratégia pedagógica.
É o caso do plural “acordos” cuja sílaba tónica tenho ouvido tantas vezes com oaberto. De facto, há em português inúmeras palavras que alteram no plural o timbre da vogal tónica, caso de “ôsso”/“óssos”, “sôgro”/“sógros”, “jogo”/“jógos”. A esse fenómeno fonético se chama “metafonia”, e, para amenizar a leitura destas notas, lembro António Gedeão, e a primeira estrofe da sua “Impressão Digital”, expressiva do conceito de relatividade próprio da diversidade humana:
“Os meus olhos são uns olhos.
E é com esses olhos uns
Que eu vejo no mundo escolhos
Onde outros com outros olhos
Não vêem escolhos nenhuns.”
No exemplo citado, a sílaba tónica do plural das palavras olho e escolho, pronuncia-se com o aberto.
O mesmo não acontece com o plural de acordo, piolho, bolo, namoro, piloto, estojo, etc. Há imensos exemplos de excepção à regra da metafonia, como se pode ver, por exemplo, na gramática de Celso Cunha e Lindley Cintra (“Nova Gramática do Português Contemporâneo”). Mas enquanto ninguém pensa em abrir o o tónico no plural de repolho, de lobo, de estojo, mais os outros exemplos citados, com o danado do “acordo” até advogados lhe abrem o o tónico no plural: acórdos. Não é. É acôrdos, acôrdos, acôrdos, irra! acôrdos!
Os outros casos são constantes, ainda hoje ouvi na TVI o “vão haver” da nossa melancolia. Porque haver, significando existir, é um verbo impessoal, tal como nevar, chover, saraivar que ninguém pensa em conjugar nas várias pessoas, a não ser por metáfora: “vai haver”, “houve”, “haverá”, “há”, haja”, houvesse, “houver” ... ocasiões, factos, dias, tempestades, o que for, que esteja no plural, que serve de complemento directo e não de sujeito. É um verbo sem pessoa, sem sujeito, fica sempre no singular, como o il y a francês, il pleut, il tonne... É indigno esse erro!
Bem assim a segunda pessoa do singular dopretérito perfeito do indicativo, que nunca leva s, ao contrário dos outros tempos verbais, com o s de proveniência latina: tu comes, tu estavas, tu dirás, queiras tu se puderes.... Resulta de um tempo latino do sistema do perfeito que não leva s na segunda pessoa do singular: fecisti > fizeste; fuisti > foste; dedisti>deste; amavisti> amaste.
E já agora: Na segunda pessoa do plural do mesmo pretérito perfeito, ao contrário de outros tempos verbais em “eis” (fazeis (vós), fazíeis, fizéreis, fareis,faríeis, fizésseisnão é -steis- (vós) amásteis, fizesteis, comesteis, dançásteis, fôsteis, etc, mas (vós) amastes, fizestes, partistes, fostes, na segunda pessoa do plural, de sujeito vós (Latim amavistis, fecistis, fuistis...)
Como é possível que não se insista em combater estes erros e tantos outros no ensino básico?
A língua é algo de precioso que deveríamos cultivar com amor e não acanalhar como fazemos constantemente. Merece o nosso respeito, segundo os acordos com o fechado que devíamos aprender todos, tal como bebemos o leite materno da infância. Mesmo que os vamos adaptando aos acordos linguísticos próprios da evolução das línguas, ou dos interesses políticos, que, todavia, deverão preservar o bom senso e o bom gosto em função de valores como a decência. Se é que esta ainda conta.
Cada país (cada língua, cada cultura) tem a sua maneira específica de se dirigir às pessoas. Mal passamos Vilar Formoso, logo toda a gente se trata por tu, que os espanhóis não são de etiquetas nem de salamaleques.
Mas nós não somos espanhóis.
Também não somos mexicanos, que se tratam por "Licenciado" Fulano. Nem alinhamos com os brasileiros, para quem toda a gente é "Doutor", seguido do nome próprio: Doutor Pedro, Doutor António, Doutor Wanderlei, etc..
Por cá, Doutor é seguido de apelido, e as mulheres, depois de passarem por aqueles brevíssimos segundos em que são tratadas por "Menina", passam de imediato-- sejam casadas, solteiras, viúvas ou amigadas, sejam velhas ou novas, gordas ou magras, feias ou bonitas, ricas ou pobres -à categoria de "Senhora Dona".
Mas parece que uns estranhos ventos sopraram pelas cabeças das gerações mais novas que fizeram o "dona" ir pelos ares ou ficar no tinteiro. Quando recebo daqueles telefonemas que me querem impingir tudo o que se inventou à face da terra-- desde "produtos" bancários que me garantem vida farta, até prémios que supostamente ganhei por coisas a que nunca concorri-sou logo tratada por "Senhora Alice." Respondo sempre: " trate-me por tu, se quiser; ou só pelo meu nome, se lhe apetecer; mas nunca por Senhora Alice".
Mas o cérebro destes pobrezinhos não foi formatado para encontrar resposta a estas coisas, e exclamam logo: "ah, então não é a Senhora Alice que está ao telefone!"
Eu sei que isto não é uma coisa importante, mas que é que querem, irrita-me quando oiço este tratamento dado às mulheres.
Tal como me irrita quando vejo/oiço um jornalista tratar por você alguém com o dobro da idade dele.
É uma questão de delicadeza. De respeito. E de saber falar português. Três coisas – admito -completamente fora de moda.
Pois qual não é o meu espanto quando, aqui há dias, na televisão, oiço o Senhor Primeiro Ministro referir-se assim à mulher (também odeio a palavra "esposa"…) do Comendador Manuel Violas. "A Senhora Celeste…." (não sei se é este o nome da senhora, mas adiante).
Fico parva. Nos cursos todos que tirou, ninguém lhe ensinou que as senhoras são todas "Senhoras Donas"?