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https://www.youtube.com/watch?v=T2oQYkQrAr8CÂNTICO NEGRO - JOSÉ RÉGIO - JOÃO VILLARET
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https://www.youtube.com/watch?v=T2oQYkQrAr8CÂNTICO NEGRO - JOSÉ RÉGIO - JOÃO VILLARET
Autor não identificado
Contei os meus anos
E descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente
Do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me aquele menino que recebeu uma taça de cerejas.
As primeiras, chupou displicente,
Mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
Cobiçando os seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis,
Para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias
Que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas
Que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigam pelo
Majestoso cargo de Secretário Geral do coral.
As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos.
O meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,
A minha alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na taça, quero viver ao lado de gente humana,
Muito humana; que sabe rir dos seus tropeços,
Não se encanta com triunfos,
Não se considera eleita antes da hora,
Não foge da sua mortalidade.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
Mário de Andrade
DA WIKIPÉDIA:
Mário Raúl Morais de Andrade (São Paulo, 9 de Outubro de 1893 — São Paulo, 25 de Fevereiro de 1945) foi um poeta, escritor, crítico literário, musicólogo, folclorista, ensaísta brasileiro. Foi um dos pioneiros da poesia moderna brasileira com a publicação de seu livro Pauliceia Desvairada em 1922.
LIBERDADE
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...
Fernando Pessoa
UM VELHO POILÃO
O tempo fez-me vergar
E as minhas raízes saltar,
Agarro-me ao que de mim resta
E tento reconhecer a minha geração
Neste carnaval de extrema solidão.
No meu reino, tenho pesadelos:
Tractores de dentes aguçados;
Ávidos lenhadores de machado em punho.
Meus adoradores
Miram o meu tronco carcomido pelo tempo
À espera da queda fatal.
Angustiado sonho como os belos tempos,
Vejo os meus braços verdes,
O meu tronco firme
Ostentando uma cabeça frondosa
De cabelos encarapinhados
Simulando perfis ocos
De rostos apinhados.
Ainda recordo
As sombras que dei,
Histórias de amor, noites de fogueira...
Quantas não assisti?
Fui símbolo de amor proibido
Odete Semedo
(Guiné-Bissau)
Nunca sofri de raça
Minha pele é muito boa
Tenho sangue mouro de Goa
E sangue louro de Mombaça,
Saiba o Senhor
Minha raça é meio-errante
Num dia sou quase zulu
No outro dia, xavante
Mulato, preto-fulo,
Saiba o Senhor
Raça danada, eu não creio em raça, não!
Raça é superstição de gente mal arraçada,
Saiba o Senhor.
Eu não creio em raça, não, raça danada.
Raça é superstição de gente mal arraçada
Eu não creio em raça, não.
Raça danada, eu não creio em raça, não.
Eu sou o avesso da raça
Minha alma é muito à toa
Gosto d'amêijoas com jimboa
A toda a mistura acho graça,
Saiba o Senhor.
Minha raça é um jardim.
Num dia sou quase azul
No outro, cor de marfim
Sou Bissau e sou Cochim,
Saiba o Senhor.
Raça danada, eu não creio em raça, não.
Raça é superstição de gente mal arraçada
Saiba o Senhor: eu não creio em raça, não, raça danada
Raça é superstição de gente mal arraçada
Eu não creio em raça, não
Raça danada, eu não creio em raça, não
José Eduardo Agualusa
(Para o Caetano Veloso que quis um dia saber a minha raça)
Eu descia o Chiado lentamente
Parando junto às montras dos livreiros
Quando passaste irónica e insolente,
Mal pousando no chão os pés ligeiros.
O céu nublado ameaçava chuva,
Saía gente fina de uma igreja;
Destacavam no traje de viúva
Teus cabelos de um louro de cerveja.
E a mim, um desgraçado a quem seduzem
Comparações estranhas, sem razão,
Lembrou-me este contraste o que produzem
Os galões sobre os panos de um caixão.
(…)
Cesário Verde
Para ler na íntegra, ver p. ex. em http://www.citador.pt/poemas/a/cesario-verde
RUI DE NORONHA
(1909–1943), o precursor da moderna poesia moçambicana, conhecido pelos seus sonetos
SURGE ET AMBULA (Levanta-te e anda)
Dormes! e o mundo marcha, ó pátria do mistério.
Dormes! E o mundo avança, o tempo vai seguindo…
O progresso caminha ao alto de um hemisfério
E no outro tu dormes o sono teu infindo…
A selva faz de ti sinistro eremitério,
onde sozinha, à noite, a fera anda rugindo.
A terra e a escuridão têm aqui o seu império
E tu, ao tempo alheia, ó África, dormindo…
Desperta. Já no alto adejam negros corvos
Ansiosos de cair e de beber aos sorvos
Teu sangue ainda quente, em carne de sonâmbula…
Desperta. O teu dormir já foi mais que terreno…
Ouve a voz do Progresso, este outro Nazareno
Que a mão te estende e diz – “África, surge et ambula”.
(Ruy de NORONHA, Sonetos, s/d [1943], In FERREIRA, Manuel - «No Reino de Caliban III», Lisboa, Plátano Editora,1984, p. 37)
Silvestre quer saber
Por que razão eu estrago o português
Escrevendo palavras que nem há.
Silvestre quer saber...
Não é a pessoa que escolhe a palavra,
É o inverso.
Isso eu podia ter respondido.
Mas não.
O tudo que disse foi:
É um crime passional, Silvestre.
É que eu amo tanto a Vida
Que ela não tem cabimento
Em nenhum idioma.
Silvestre sorriu.
Afinal, também ele já cometera
O idêntico crime:
Todas as mulheres que amara
Ele as rebaptizara, vezes sem fim.
Amor se parece com a Vida:
Ambos nascem na sede da palavra,
Ambos morrem na palavra bebida.
in "Idades, Cidades, Divindades", Lisboa: Editorial Caminho
Poeta na corte de Carlos IX de França, Pierre de Ronsard nasceu em 11 de Setembro de 1524 no castelo de La Possonnière, condado de Vendôme.
Notabilizou-se como poeta da Renascença francesa sendo reconhecido como o principal representante de La Pléiade, grupo de poetas cujos principais modelos foram os líricos greco-romanos e italianos, de grande importância na renovação da literatura francesa.
Faleceu em grande depressão no dia 27 de Dezembro de 1585 (61 anos) em La Riche, França.
Da sua vasta obra, respigo um pequeno trecho:
La Parque t’a tuée et cendres tu reposes.
Pour obsèques, reçois mes larmes et mes pleurs,
Ce vase plein de lait, ce panier plein de fleurs,
Afin que, vif et mort, ton corps ne soit que roses.
PIERRE DE RONSARD
Outubro de 2018
Henrique Salles da Fonseca
BIBLIOGRAFIA:
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