Burricadas nº 16
Mas, Mr. Machado...quantas peúguinhas? (I)
v Há muitos, muitos anos, um jovem e promissor economista, incumbido de planear um investimento enorme numa fábrica de fibras téxteis, viu-se confrontado com a insistência dos sócios estrangeiros: Que mercado para a futura produção?
v Pergunta que, à época, soava estranha aos ouvidos portugueses. Que diabo! Os investimentos decidiam-se, a Banca financiava – e o mercado aparecia. Por obra e graça de umas protecções aduaneiras talhadas à medida e do condicionamento industrial. Japonesices! Diziam os de cá, numa risota.
v Mas havia que dar uma satisfação aos homens. E o nosso economista lançou mãos à obra com juvenil entusiasmo: vamos lá, então, estimar o consumo aparente destas fibras no futuro. Assim se fazia porque era assim que se ensinava por cá – e era assim também que ele tinha aprendido.
v Apaixonado pela Econometria (paixão que o passar dos anos curou), vá de construir as séries estatísticas; vá de ajustar rectas e curvas para ver a que melhor servia; vá de pôr em causa as hipóteses canónicas do modelo de regressão linear, não se desse o caso (só para os que ainda se lembram da Econometria: autopsiou os resíduos, em busca de heteroescedasticidades e possíveis autocorrelações - o que, por esses dias, era cutting edge science).
v Reunião solene para apresentar conclusões. Todos suspensos das palavras do sábio economista que, ufano, profetizava o futuro (não há economista que não se pele por uma boa adivinhação; vide, por exemplo,...o que não falta por aí são exemplos).
v À exposição brilhante, seguiu-se um silêncio profundo e reverente. Os sócios estrangeiros, esses, estavam com os olhos ainda mais em bico. Cheio de si próprio, o jovem economista aguardava pelas perguntas da assistência (na realidade, era pelos elogios da assistência que aguardava, mas isso escondia ele lá bem no íntimo).
v Passados uns longos minutos, a medo, alguém ousou perguntar num inglês arrevesado: Mas, Mr. Machado...quantas peúguinhas?
v Embaraçado, o clarividente economista reconheceu que não tinha resposta para tal pergunta. E, de súbito, apercebeu-se daquilo que era mais que óbvio: o sucesso, ou o falhanço, de um projecto onde tanto dinheiro estava a ser investido dependia, afinal, de perguntas assim tão simples e objectivas, e não de abstracções como o consumo aparente.
v Aprendeu a lição. Mandou às urtigas as abstracções vazias de sentido em que os economistas de então se compraziam – e mudou de rumo.
v Vem isto a propósito do título que vou dar a uns escritos que o Relatório do LNEC sobre o NAL veio desafiar. (cont.)
Lisboa, Janeiro 2008