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A bem da Nação

QUE TRISTEZA, MOÇAMBIQUE

Qualquer português que tenha feito o Serviço Militar em Moçambique sabe que, como organização militar, a Frelimo inexiste.

Bastaram-nos «meia dúzia» de verdadeiros operacionais do Exército, da Marinha e da Força Aérea apoiados por civis fardados para sustermos e rechaçarmos as investidas pontuais que a Frelimo fazia. Com excepção de zonas inseguras para os portugueses (mas não dominadas e muito menos administradas pela Frelimo), a quase totalidade do território moçambicano era terra de paz.  Disso fiz prova ao viajar no meu carro privado de Nampula a Lourenço Marques na companhia de dois amigos totalmente desarmados em Julho de 1972. Eu sou o «documento coevo» e quem disser que a guerra em Moçambique era difícil para os portugueses, mente descaradamente. Sobre esta viagem, escrevi «POR ESSA PICADA ALÉM…» que está publicada em http://abemdanacao.blogs.sapo.pt

As zonas em que os civis portugueses não se deslocavam tranquilamente eram a parte norte de Cabo Delgado e o perímetro da barragem de Cabora Bassa. Mas a administração era portuguesa e havia comerciantes portugueses residentes.

Foi no Largo do Carmo, em Lisboa, que as colónias portuguesas passaram para as mãos dos movimentos independentistas. Os militares portugueses estacionados em Moçambique receberam ordem de se perfilarem perante o até então inimigo.

Seguiu-se a História que as esquerdas políticas fizeram passar como verdadeira.

Entretanto, a Frelimo perdeu o pouco ânimo político que possuía enquanto combatia os portugueses. Sentou-se na cadeira do Poder, deixou-se envolver na corrupção, não voltou a encontrar uma liderança carismática que entusiasmasse os moçambicanos e se desse ao respeito na cena internacional e continua a ser um «bluff» militar. Até porque, na tradição marxista, as Forças Armadas são partidárias e quem disser que são nacionais sabe que está a mentir.

Eis como o DAESH hasteou a sua Bandeira numa das Mocímboas e que a hasteará na outra logo que lhe apetecer pois «os mercenários de Moçambique chegam tarde».

Dá para imaginar que anda Xicuembo por trás de tanto milando.

Mas há que suster o desespero dos moçambicanos inocentes: o problema tem solução militar – como teve noutros tempo - só que, agora, com muito mais sabedoria.

Agosto de 2020

Henrique Salles da Fonseca

DA UNIÃO NACIONAL

Chegando a Lourenço Marques numa radiosa manhâ domingueira de Março de 1974 no vôo que saira de Lisboa no final de Sábado, levava eu o Expresso já lido e relido debaixo do braço. Dirigi-me para a recolha das bagagens e, daí, para a Alfândega. E eis que sou mandado parar. Parei de imediato e perfilei-me perante o agente daquela Autoridade. O jornal Expresso estava apreendido. Logo informei que não era necessário apreendê-lo e perder tempo com a elaboração do auto de apreensão. Eu oferecia-o ao Chefe da Delegação Aduaneira do aeroporto para que o lesse tranquilamente. Aceite a oferta, fui-me ao meu destino levando comigo a derrogação do princípio sacrosanto de "Portugal uno e indivizível do Minho a Timor".

Tenhamos fé em que o passado nos ensine a fazer um futuro risonho e não rizível.

Henrique Salles da Fonseca

MOÇAMBIQUE REVISITADO – 15

Chegada a Maputo a meio da tarde depois de vôo sem história e sem hospedeira loira madraça. E será que a outra era mandriona e esclavagista como dei a entender? Não creio, bem vistas as coisas, ela apenas ia a examinar a adjunta para a «largar» e lhe passar carta profissional. Mesmo que esta versão não corresponda à verdade, pelo menos é mais simpática. Desta vez, a tripulação era toda negra.

Como que por magia, o Polana deve ter adivinhado que nós estávamos a chegar e tinha uma carrinha de transfer à nossa espera. Melhor assim do que de táxi.

Check in para o Polana Mar novamente mas apenas para duas noites na sequência do que voaríamos para Lisboa.

Retoma da bagagem que tínhamos deixado em depósito por não precisarmos dela no Bazaruto e… onde está o bastão mágico? Qual bastão? Uma bengala? Não! Um bastão não é uma bengala. Que não sabiam do que se tratava. Venha o Chefe disto. Veio o Chefe daquilo. Não sabia do que se tratava. Que eu não tinha registado o depósito do bastão. Porque me disseram que não era necessário. Venha o Chefe do Chefe. Veio o Chefe daquilo tudo que se fez de muito zangado com o pessoal de turno mas que não teve a magia para fazer aparecer o bastão mágico. Vamos dar o assunto por encerrado aqui mas que fique bem claro que se trata de um caso de gatunagem.

E se, quanto a mim, a magia ficou por se realizar, não sei se o bastão castigou o gatuno ou se, pelo contrário, lhe agradeceu por o ter livrado de vir para a Europa tirando-o da sua querida África.

Invocados os Xicuembos que por ali andassem, ficou tudo mais calmo com a nossa decisão de passarmos o dia seguinte no hotel com piscina a condizer com as salsas ondas da baía índica lá em baixo. Pequeno almoço na grande varanda, almoço leve entre dois mergulhos, decidimos ficar por ali dando dois dedos de conversa para a direita e para a esquerda. Em português, só o pessoal que se desfazia em mesuras e vergonha vergonhosa por causa do bastão. Sim, a notícia circulara e todos sabiam do desaparecimento do bastão. E até que ponto o sentimento de repulsa era sincero? Não sei nem virei a saber porque se eu soubesse que um estrangeiro queria levar um bastão mágico para fora de Portugal, eu tudo faria para que isso não acontecesse. Da mesma forma que se fosse uma tela da Joséfa de Óbidos e de modo contrário aos quadro do Miró que não fazem cá falta nenhuma. Mas estes, saindo, só depois do devido pagamento. E o «meu» bastão, afinal, não era meu porque faz parte da mágica africana.

No dia da piscina, pelo final da tarde e antes de nos dirigirmos à sala de jantar, passámos pelo sítio onde antigamente era a esplanada do «tout Paris» e demos lá de caras com um antigo guerrilheiro que se fazia rodear de vários guarda-costas para estar ali num espaço público a fazer não sei o quê. Sei apenas que fiquei impressionado com a segurança. É preciso temer muito para se fazer rodear de tanto «polícia». Eu, por exemplo, andava na terra dele totalmente desarmado e tranquilo. Mas eu nunca fiz mal a ninguém e isso deve ser o que o distingue de mim e da gente comum que me rodeava. Também nas terras boas há gente má e o mais grave é quando essas pessoas assumem cargos relevantes. Também nós, em Portugal, temos tido alguns casos desses mas ninguém que desmembre e decapite inocentes para, lançando o terror, desertificar humanamente certas áreas que se diz serem ricas em jazidas disto e daquilo.

Lastimo, Caros Leitores, concluir este conjunto de crónicas com uma anotação negativa mas a realidade não pode ser escamoteada: em Moçambique também há bandidos que ainda andam à solta e que ainda não foram expulsos do Partido que assume a governação.

Maligno 1.jpg

No dia seguinte, avião para Lisboa e a mulher do amigo que me dera o bastão mágico vinha no mesmo vôo. O pai dela vivia (ou ainda vive) em Tavira, onde eu escrevi estas linhas sobre Moçambique, um país que merece tudo de bom.

FIM

Agosto de 2019

Henrique Salles da Fonseca

MOÇAMBIQUE REVISITADO – 14

Mucoque.jpg

Na doca de Mucoque, como previsto, o transfer à nossa espera. Um último olhar para o que tinha sido o Hotel Don’Ana – fechado mas não em ruinas – e vá de passeio pela estrada sobranceira às praias até Vilanculo, quase sempre à sombra das casuarinas e do assobio que a brisa marítima faz nas suas faúlhas. Temperatura amena a dizer que aquele é um bom local para se viver. Casas de praia em madeira que já tinham visto melhores dias mas, assinada a paz e com aquela localização, seria fácil adivinhar que qualquer dia estariam recompostas. Até porque se o turismo nas ilhas do Bazaruto é para desportistas do mar, nada obsta a que do lado de cá não possa haver turismo para sossegados.

Entrámos na malha urbana de Vilanculo sem nos darmos conta pois que, de início, tudo se fez por vivendas cada vez mais chegadas até que começaram a aparecer casas de tijolo pegadas umas às outras, sem quintais de permeio. Et voila, c’est la ville! E porquê uma expressão em francês? Porque em espanhol seria muito feio devido à terminação do nome da cidade.

A azáfama era enorme no largo da Câmara Municipal pois estava a chegar a camioneta que vinha de Maputo. Viagem de cerca de 700 quilómetros, penso que tenha vindo aos saltinhos pois custa-me a crer que as cabras e as galinhas que vimos serem apeadas do tejadilho tivessem sobrevivido à soalheira desde a capital até ali. Eventualmente, vinham de alguma localidade ali próxima. Mas isso não é importante para o que me pareceu. E o que me pareceu foi que a vida retomara o seu curso depois da guerra civil e que as populações estão muito mais interessadas em que as deixem viver do que nas altas lucubrações da política. O problema surge quando os da política impedem as populações de viver e, aí, chaga-lhes a mostarda ao nariz e entorna-se o caldo. Foi isso que aconteceu quando o Partido que então era único fez as estupidezes que já referi em crónicas anteriores instaurando a revolução dita proletária (de que proletariado por ali?), privando as pessoas dos seus bens, querendo que elas pensassem conforme cartilhas que vinham do frio,… Então, houve guerra e os dogmáticos viram-se obrigados a negociar. Mas, mesmo assim, demora tempo a que os políticos se habituem a ter alguém a espreitar-lhes por cima de um ombro e mais tempo ainda a adoptarem novas práticas que não as das tais cartilhas malévolas.

Bem sei que só tinham então passado quatro anos desde a assinatura da paz lá em Roma mas não deixei de reparar no mau estado de conservação das ruas e num certo desleixo generalizado. Vilanculo merecia melhor sorte na Administração que lhe coubera.

Dada a volta prevista pela cidade, era hora de rumarmos ao aeródromo. Feito o check in, enviadas as malas para a respectiva fila de embarque ali bem perto e debaixo dos nossos olhos, esperámos junto da porta de embarque dos passageiros numa «sala de embarque» com porta directa para a rua e outra igual mas do lado oposto que dava directamente para a placa de estacionamento dos aviões. Agente fardado da Polícia a olhar por tudo e por todos, garantindo total segurança. Ficámos então a saber que naquela «sala de embarque» entrava (e saía?) quem queria uma vez que, vindo da rua, se aproximou de nós um Fulano razoavelmente vestido de camisa, calças compridas e sapatos que, ali debaixo de nariz do polícia, nos perguntou se queríamos o pó branco que descontraidamente exibia para nossa apreciação. Rejeitada a oferta, saiu para a rua com a mesma descontração com que entrara e nós ficámos convencidos de que ou ele era sócio do polícia ou este era comissionista da droga vendida na «sala de embarque» do aeródromo de Vilanculo. A menos que o tal pó branco fosse de talco para tirar alguma nódoa que nos tivesse visto nas vestimentas. Seria? É que a origem mais próxima da matéria prima para fabrico do pó de talco se situa ali em frente, do outro lado do Oceano Índico, numa mina a céu aberto vizinha de Geraldton, cidade da Austrália Ocidental, a dois dias de navegação a norte de Perth.

Vôo sem história até Maputo no avião da contravolta.

Amanhã há mais.

Agosto de 2019

Henrique Salles da Fonseca

MOÇAMBIQUE REVISITADO – 13

Batucada forte a soar por toda a parte, a chamar para o jantar e nós já casually dressed for dinner, lá fomos pelo passadiço bem alto, ao nível das copas das árvores. Passarada na chilreada de arrumar os ninhos para a noite que não tardava; nada de macacos. Destes, viemos a saber que, contra os nossos receios iniciais, não havia. Como os pássaros, teríamos as noites mais tranquilas sem macacos pelas redondezas.

E chagámos à porta do batuque que só parou quando nos perfilámos à espera que nos mandassem entrar. Ficámos a saber que hóspedes novos vencem batucada até chegarem à sala de jantar.

Todos os batuqueiros se puseram à nossa frente com sorrisos abertos de orelha a orelha e mãos postas ao estilo oriental em cumprimento de boas vindas. O que claramente era o chefe de sala, tomou a iniciativa de nos conduzir a uma mesa e de nos informar (já o sabíamos por no-lo terem dito no check in) que eramos os primeiros clientes portugueses do Marlin Lodge e que eles, os funcionários, teriam o maior gosto em nos servir da melhor maneira de que fossem capazes. Mas ele, o chefe, estava com um problema pois todos os outros nos queriam servir e ele não sabia como devia proceder. Ao que logo lhe agradeci o modo como nos estavam a receber e sugeri que, sendo os outros, 6 empregados de mesa, ele que escalasse dois para o pequeno almoço, outros dois para o almoço e os restantes dois para o jantar. No final, eu trataria todos por igual. E assim foi que tudo correu às mil maravilhas, com a particularidade de quatro deles se chamarem Fernando.

Por portas e travessas ficámos a saber que a gorjeta final que demos a cada um (não fomos nessa do bolo geral pois nunca se sabe quem parte e reparte…) correspondeu quase a um mês de salário. Não, a nossa generosidade não foi excessiva, o salário deles é que era muito baixo. Mais nos disseram que trabalhavam 45 dias consecutivos e folgavam sete dias no continente.

Ainda eles não imaginavam qual seria a dimensão da nossa generosidade e quando, num jantar ao ar livre na praia com espectáculo do folclore da região, caiu uma chuvada que não constava do programa, nós fomos os primeiros a ser acudidos na trasfega do nosso jantar para debaixo de telha e os outros clientes… não ficaram tão secos como nós.

De manhã, deixávamo-nos ficar pela praia do Robinson Crusoe dando umas braçadas e tentando espreitar algum manatim. Braçadas, sim; mas de manatins, nem a sombra. Deviam estar com os leões de há 32 anos. De tarde, habitualmente íamos de jeep dar uma volta pela ilha que não é tão pequena como de início imaginávamos. Habitada escassamente por quem se dedica à economia de subsistência tanto na agricultura como na pesca, só recentemente teriam tido contacto com a economia monetarizada. As duas unidades hoteleiras existentes devem ter passado a ser bons clientes de peixe e talvez mesmo de quaisquer outros comestíveis.

O sereno canal entre o continente e as ilhas sobre o qual se debruçava a escada da nossa cabana, parecia o «lago do Campo Grande» mas na outra costa da ilha, a de nascente, o mar aberto dava que contar. E era precisamente para aí que iam os que se dedicavam ao big game fishing, à caça submarina e mais outras tropelias aquáticas que nem sei contar. E aí, sim, havia «dentuças» em barda. Mas enquanto lá estivemos, não faltou ninguém ao jantar por ter sido ele o jantar de algum tubarão.

Pesca desportiva Moçambique.png

32 anos antes, o então Presidente da Câmara Municipal de Nampula, desapareceu num desastre no canal entre o continente e a Ilha de Moçambique quando o seu barco de recreio se voltou; o companheiro de pescarias sobreviveu e disse mais tarde, quando saiu do estado de choque, que momentos antes do desaparecimento do Presidente, nunca vira um tubarão tão grande. Eu próprio vi nesse mesmo canal duas barbatanas dorsais a uma trintena de metros da ponte cais desactivada da Ilha.

E nunca esquecer que o tubarão ataca de frente abrindo a bocarra como os aviões de carga, não precisa de se virar de lado, não precisa de muita água, basta-lhe aquela em que molhamos as canelas.

E assim foi que, passada uma semana, amarinhámos já não sei como para dentro do barco que estava encalhado na praia à nossa frente, regressámos ao continente, demos uma volta por Vilanculo e nos dirigimos ao aeródromo local.

Amanhã, o inesperado.

Agosto de 2019

Henrique Salles da Fonseca

MOÇAMBIQUE REVISITADO – 12

Check out parcial do Polana porque deixávamos lá guardada a bagagem de que não precisaríamos no Bazaruto onde passaríamos a semana seguinte. O bastão mágico ficava, eu não tencionava exibir qualquer poder ou exercer qualquer magia.

Bimotor a hélices para cerca de uma dúzia de passageiros mais uma tripulação de piloto (sul africano preto), co-piloto (misto moçambicano), hospedeira (branca loira sul africana) e respectiva adjunta (preta moçambicana). Só me lembro de que era uma empresa associada da LAM em parceria com uma outra transportadora aérea sul africana. A hospedeira instalou-se no lugar mais ao fundo da cabine e copiou-me nas funções que exerci a bordo: pus o cinto de segurança, olhei a paisagem que passava por baixo de nós e vi o piloto, o co-piloto e a adjunta da hospedeira a trabalhar. O nosso vôo foi de uma hora de Maputo a Vilanculo (no antigamente, Vilanculos, no plural, mas depois da independência, talvez num ensaio de austeridade, puseram o nome da cidade no singular). Depois de nos deixar, o avião seguiria para a Beira e daí para Joanesburgo e Maputo fechando o circuito. Viagem sem nada a assinalar e o piloto a fazer-se à aterragem como eu gosto, com os motores bem activos e não a pairar como as folhas no Outono.

No aeródromo – pintado de fresco – aguardava-nos o transfer para a povoação próxima, Mucoque (onde nascera uma cunhada minha quando o pai dela administrava esse posto), para aí tomarmos um barco típico da pesca ao espadarte que nos levaria até uma ilha ali bem à nossa frente, a uma trintena de quilómetros.

É em Mucoque que se localiza o Hotel Don’Ana, famoso pelo molho à base de piri-piri que a tal Dom’Ana fazia no antigamente. Foi nesse hotel que fiquei instalado mais de 30 anos antes quando fiz parte duma Junta de Recrutamento Militar em toda a zona a sul do Save. Foi daí que avistei pela primeira vez as então chamadas Ilhas do Paraíso que os independentistas rebaptizaram de Arquipélago do Bazaruto - muito nacionalista, muito cultural mas nada romântico. Temendo essa mesma onda estética, não apurei qual o actual nome da Ilha de Santa Carolina e só espero que não a tenham rebaptizado com tanta fealdade sonora como a ilha para que nos dirigíamos agora, Benguerra.

É na antiga ilha de Santa Carolina que se localiza o hotel do grupo Pestana para que tínhamos inicialmente assestado o azimute mas um ciclone que nos antecedeu, inviabilizou a nossa pretensão. Fomos para a ilha ali ao lado, para um empreendimento hoteleiro sul africano também ele dedicado ao big game fishing denominado Marlin Lodge.

Marlin Lodge, Bazaruto, Moçambique.png

Desembarque por encalhe do barco na praia mesmo em frente da recepção do hotel, salto por cima da borda do barco e «arenagem» (em pé, de preferência) na areia com água por meio da canela. Como se imagina, é conveniente ter-se alguma mobilidade física para se conseguir desembarcar e não ter que regressar ao continente onde, aí sim, há uma escada de pedra a que o barco encosta.

O Marlin Lodge é todo em madeira (construção pré-fabricada?) e desenvolve-se num só piso para que se sobe directamente da areia da praia por escadas largas de 3 ou 4 degraus. Nessa zona de entrada localiza-se a recepção propriamente dita, uma ampla sala de estar, a casa de jantar e a cozinha e respectivos anexos. Aos quartos acede-se por um passadiço em madeira e cordame que se desenvolve ao nível das copas das árvores pelo que nos sentimos primos da macacada. Cada quarto é uma cabana com telhado de colmo, paredes em caniço por onde passa uma mão vertical, uma casa de banho muito melhor do que a que coube em sorte a Robinson Crusoe, uma cama amplíssima com rede mosquiteira. A sala de estar é um varandim com duas cadeiras muito confortáveis, cada uma com sua mesa de apoio. O «jardim» fronteiro é uma praia para que se desce por uma dúzia de degraus rústicos de areia sustida por tábuas, tudo rodeado por vegetação que isola cada cabana das que lhe estejam próximas. A água, a uma vintena de metros na maré cheia, tem manatins e outros animais exóticos mas consta que só bicharada pacífica. Pode-se nadar à vontade sem temer o «dentuças».

Instalados, foi-nos sugerido que ao jantar nos apresentássemos em smart casual dress code. Of course, a Graça e eu não estamos habituados a jantar de fato de banho, nem mesmo quando estamos sozinhos na casa da praia.

E a certa altura começou um batuque como há mais de 30 anos eu não ouvia…

Amanhã há mais, boa noite!

Agosto de 2019

Henrique Salles da Fonseca

MOÇAMBIQUE REVISITADO – 11

 

Durante a minha estadia em Moçambique de Abril de 1971 a Julho de 1974 andei à procura de leões mas…

… certa vez, passando um fim de semana na Ilha de Moçambique, ouvimos dizer que estava um leão na praia do lado do continente à sombra da ponte. Meti-me no carro com quem mais nele cabia e fomos até lá. Quando lá chegámos, vimos-lhe o rasto fecal e nada mais. Até se poderia dar o caso de estar ali bem perto de nós, oculto pelo capim e essa a razão pela qual sugeri às minhas amigas que se deixassem de aventuras no mato e não pensassem sequer em abrir as portas do carro. Mais: que tivessem a mão nos manípulos das manivelas dos vidros não fosse necessário fechá-los mais rápidamente do que o calor nos sugeria. Eu sabia que aquela era zona de leão pois uns tempos antes da minha chegada a África, os banhistas na praia das Chocas (onde Vasco da Gama fez aguada para seguir viagem até Quiloa) ter-se-ão visto encurralados entre os tubarões quase na areia e os leões junto dos automóveis estacionados no parque sobranceiro à praia.

Nunca mais ouvi falar da presença de leões até que na grande viagem de Nampula a Lourenço Marques fomos três vezes à chamada «casa dos leões» na Gorongosa e só lhes vimos os ditos rastos acima referidos.

Já como civil, decidido a regressar a Portugal depois do «glorioso», pensei que seria uma vergonha chegar a Lisboa e ter que confessar que estivera aquele tempo todo em África sem ver um leão. De nada serviria garantir que os ouvia todos os dias rugir à hora das refeições no Jardim Zoológico ali mesmo ao lado do «meu» Centro Hípico. Então, para não passar por um vexame a-leónidas, apeei-me do cavalo, meti-me nos calcantes, paguei bilhete de visitante e entrei no Jardim Zoológico de Lourenço Marques para finalmente ver um leão em África. E lá estava o casal que eu todos os dias ouvia à hora das respectivas refeições.

Lembro-me de ter dito a quem se foi despedir de mim junto das escadas do portaló do «Infante D. Henrique» que conseguira mesmo ver leão em África, o que nem todos eles tinham ainda conseguido. Mas não lhes disse do Zoo pelo que só agora, se lerem estas linhas, o ficarão a saber.

Passados 32 anos, estava decidido a ver leões em liberdade e não mais num zoo. Essa, a razão da ida ao Krueger Park, na África do Sul, ali mesmo junto da fronteira e apenas a 111 quilómetros de Maputo.

E assim foi: minibus só para nós à porta do Polana que a meu pedido foi em viagem de passeio até ao destino (por uma estrada nova e boa que substituiu a vergonha do nosso tempo a que me referirei noutra crónica) para poder matar saudades; uma hora e picos depois, formalidades de fronteira que me fizeram lembrar que a União Europeia é «outra loiça»; mais meia dúzia de quilómetros e entrámos no Parque; alguns quilómetros depois e eis-nos a entrar no recinto do Hotel Pestana junto do Crocodile River, afluente do Limpopo.

Krueger Park.png

Três dias de bicharada de manhã à noite e mesmo pela noite dentro para vermos os noctívagos. E destes, os leopardos, nada vimos porque o frio era tanto que a trintena de turistas na camioneta (ficámos então a saber que eramos todos portugueses e que tínhamos feito figura de parvos ao falarmos uns com os outros em inglês até então) deu ordem ao motorista que deixasse os leopardos tranquilos e nos pusesse de novo no hotel.

Regresso a Maputo pela mesma estrada e num minibus equivalente mas de matrícula sul africana, o que não me preocupou absolutamente nada porque as formalidades de fronteira foram (ou nos pareceram) menos morosas.

Do lado sul africano, agricultura por toda a parte até aos arames que demarcam a linha de fronteira com óbvia excepção da área pertencente ao Krueger; do lado moçambicano, «África minha».

Chegando ao hotel, tínhamos o meu amigo Sebastião à nossa espera. Conhecera-o em Lisboa durante o exílio a que ele se viu forçado por incompatibilidade com o comunismo mas regressara depois do Acordo de Paz assinado em Roma. Convidado a entrar, preferiu convidar-nos para sua casa. Lindamente recebidos pela sua família que eu já conhecia de Lisboa, quis honrar-me e beneficiar-me oferecendo-me um bastão de madeira bem polida que parecia uma bengala. Mas não era uma bengala e era suposto não só simbolizar o poder de quem o possuísse como também… algo mais que ele não especificou. Ficámos, a Graça e eu, a imaginar que haveria por ali… o quê???

Jantar no Polana, um show qualquer igual a todos os outros que se vêem no resto do mundo e cama pois no dia seguinte voamos para Vilanculos e Arquipélago do Bazaruto.

Amanhã há mais.

Agosto de 2019

Henrique Salles da Fonseca

MOÇAMBIQUE REVISITADO – 10

De carro alugado e conhecendo bem a cidade, fomos a toda a parte sem tempos mortos. Em 2006, Maputo era uma cidade absolutamente tranquila e aprazível como fora Lourenço Marques. Andámos por onde quisemos.

De manhã, demos uma volta pela baixa da cidade e fomos ver o forte onde eu nunca tinha entrado porque, segundo se dizia no nosso tempo, não tinha nada de especial para ver. Mas agora, com a parte central muito bem ajardinada, guardava a estátua equestre do Mouzinho que dantes estava no centro da rotunda fronteira ao edifício da Câmara Municipal, ou seja, no topo da Avenida D. Luís. Nas galerias interiores do forte, uma colecção de estatuária de menores dimensões representando portugueses que se distinguiram na História de Moçambique e muitas fotos, gravuras e estantes com documentos considerados importantes que agora já não sou capaz de identificar. Ao contrário do que me recusei a ver em São Tomé cujo forte homólogo a este se empenhava a dizer mal de Portugal e dos portugueses, este, em Maputo, considera que o período colonial faz parte da História do país e trata-nos com a dignidade que me pareceu correcta.

Mouzinho-forte de Maputo.png

Saindo do forte, passámos frente à Casa Amarela – uma das mais antigas e icónicas edificações da cidade antiga - onde estava uma exposição de numismática que tivemos o cuidado de deixar para outros verem. Dali, seguimos pela outrora Rua do Major Araújo onde proliferam os mesmos ou outros cabarets do antigamente e fomos ver outro ex libris da cidade, o mercado municipal. A funcionar em pleno, as bancas a serem repostas para os clientes tardios, vimos o que não esperávamos: uma vendedeira branca, dona da sua banca cheia de verduras e outras mercadorias que a esta distância no tempo já não recordo.

Como já disse na crónica anterior, fomos almoçar ao Grego da Costa do Sol comer caranguejos. Foi ali que encontrei um amigo que, entretanto, tinha mais 32 anos do que quando o conheci no Centro Hípico. Branco cuja família era oriunda de Castelo Branco, optara pela nacionalidade moçambicana e ficara na sua terra de naturalidade. Retomámos o contacto internético até que o ciclone que devastou Pemba (para onde, entretanto, se mudou) interrompeu as comunicações. Creio que a normalidade tenha sido restabelecida mas ele não voltou ao contacto. Espero que esteja tudo bem com ele e que a falta de respostas às minhas mensagens seja apenas devida a alguma zanga pessoal por motivo que não descortino.

Mas lembrei-me de um acontecimento naquela mesma esplanada do grego no meu tempo antigo por aquelas paragens. A Teresa, o Nixa Lacasta, a Guida e eu tínhamos ido até ali lanchar numa tarde de Domingo e eu fiquei a guardar uma mesa enquanto as Senhoras e o Cavalheiro foram «lavar as mãos». Considerando as cabeceiras da dita mesa, haveria lugar para seis pessoas. Estava eu sozinho de guarda e eis que sem mais nem menos mas com uma expressão afável, um preto se senta num dos lugares ainda disponíveis e faz sinal a mais alguém informando à distância de que encontrara lugares. Logo o informei da situação em que me encontrava de guarda à mesa reservada para os meus amigos que tinham ido lavar as mãos. Ao ter que fazer a explicação em inglês, logo percebi que se tratava de um sul africano e presumi que andasse em turismo. O bom homem de imediato se levantou e pediu desculpa pelo engano. Não houve qualquer espécie de incidente e reparei que, passado pouco momentos, ele conseguiu os lugares que procurava. Mas fiquei a pensar em como é possível haver usos e costumes tão diferentes a tão poucos quilómetros de distância. Assim, muito dificilmente, um português se senta numa mesa já ocupada parcialmente por outras pessoas enquanto os «bifes» o fazem com relativa facilidade bastando para isso um aceno de cumprimento e de pedido de autorização apenas protocolar. Era, pois, perfeitamente natural que aquele homem, anglicizado, procedesse do modo descrito. Mas houve mais uma perspectiva que me deixou a pensar que aquela foi uma oportunidade que eu perdi para dar um estaladão no apartheid. De facto, o turista em apreço, preto, sabia que nós não aprovávamos a segregação racial e que, pelo contrário, fazíamos gala na integração social e na criação de sociedades pluri-raciais. Portanto, à confiança, avançou para a mesa do branco com toda a confiança e com a certeza de ter conseguido os lugares de que precisava. Fiquei com pena da desilusão que lhe devo ter provocado mas espero que ele tenha reparado que eu não lhe menti sobre os outros brancos que entretanto chegaram de mãos lavadas. Mas o Piet Botha, se ali estivesse, ter-se-ia ficado a rir. E disso eu não gostaria. Mas isto passara-se no antigamente.

Depois da lambuzisse que é comer caranguejos no Grego da Costa do Sol, fomos ver o «meu» Centro Hípico onde, claro está, não fui reconhecido. Pareceu-me tudo igual ao antigamente mas talvez fosse da hora, não vi qualquer actividade equestre. Vi, isso sim, alguns cavalos soltos a pastar capim, prática boa para a mente do cavalo mas inútil para a prática desportiva. Ou muito me enganei ou os cavalos que vi não eram da qualidade dos de antigamente, quase todos puro-sangue-inglês. Agora, pareceram-me bastante mais modestos. Talvez fosse interessante reatar relações com o passado. Aqui fica a sugestão caso algum sócio do Centro Hípico de Maputo leia estas linhas.

Lentamente, demos um «salto» a Marracuene (a que também chamávamos «Vila Luísa») para concluir que aquela vila histórica já vira melhores dias. Pois… mas representava a derrota de Gungunhana e os actuais «donos da verdade» não devem gostar do episódio do quadrado.

Dia bem preenchido, regressámos ao hotel e jantámos na varanda sobre a baía. No dia seguinte, pela manhã, viagem até ao Kruger.

Agosto de 2019

Henrique Salles da Fonseca

MOÇAMBIQUE REVISITADO – 9

Diz quem sabe que Lourenço Marques tinha cerca de 750 mil residentes, que o efeito «guerra civil» fez com que as populações rurais afluíssem para junto da cidade em busca de segurança e que Maputo passou a ter 2 ou mais milhões. Não os contei quando ainda eram laurentinos e muito menos quando passaram a ser maputanos. E agora não fui verificar nesse que sabe tudo, o Google. O que eu sei: que «no tempo da outra senhora» se podia confiar nas estatísticas portuguesas. O que eu não sei: se «com esta senhora» se pode confiar nas estatísticas. Mas vi que há muito mais gente nas ruas e que antigos descampados estão ocupados com o que nós chamávamos «caniço».

Pareceu-me que a cidade de cimento funcionava relativamente bem e quase arrisco a dizer que tão bem como connosco; relativamente à envolvente informal, sendo muito maior do que no nosso tempo, admito que os problemas tenham crescido na razão directa – e no tempo português, eu achava uma vergonha deixarmos aquele desleixo municipal coexistir com uma cidade de sonho. Mas havia quem encolhesse os ombros e dissesse que se em Lisboa havia bairros de lata, não havia razão para que em Lourenço Marques não houvesse caniços. Lógica absurda, sempre o pensei e sempre o disse.

Ao sairmos do hotel, decidimos dar uma volta a pé pela avenida para vermos de perto o prédio ali mesmo ao lado onde morei. Já não é de habitação, é a sede duma rádio. Pulus ad margaritam, penso eu. Uma rádio instala-se em qualquer lugar, não é necessário ocupar um edifício emblemático e que nasceu para ser de grande luxo.

Nessa que foi a «Avenida António Enes» e agora tem o nome de um comunista estrangeiro, fomos abordados por vendedores ambulantes de artesanato que não incomodaram nem mais nem menos do que qualquer outro vendedor ambulante em qualquer parte do mundo com excepção da Índia onde batem todos os recordes de melguice. Do lado oposto da avenida, em frente da minha antiga casa, tinha havido uma barbearia e uma casa de chá, a «Canoa». Disse bem, tinha havido. Mas não esqueçamos que, entretanto, se tinham passado 32 anos. Nada mais natural que, mesmo sem tsunamis políticos nem guerras civis, as casas comerciais possam não perdurar tantos anos. Portanto, não estranhei que ambos os ditos estabelecimentos já não existissem. O que estranhei foi um deles estar vazio e o outro ser uma loja de bugigangas iguais às vendidas ali mesmo em frente na rua pelos tais ambulantes só que sem a componente fiscal a que a loja não poderia (não mesmo?) fugir. Claro está que enquanto existir o «Clube de Paris» a que pertencem os países doadores, o aprimoramento da cobrança de impostos é tema não premente. E o povo empreendedor (lojista ou ambulante) é muito mais feliz na economia paralela do que na tributada.

Seguimos em frente e começámos a ver hotéis novos e centros comerciais… tudo a cheirar a novo. E fomos até à Ponta Vermelha onde continua a ser a residência do «Chefe Máximo». A diferença é que no antigamente o acesso àquelas ruas era tema pacífico e quando lá espreitei foi-me dito que se tratava de área reservada. Compreendi a medida de segurança e fiz meia volta. E mesmo que não tivesse compreendido, teria feito meia volta na mesma. Seguimos pelas traseiras do palácio presidencial e vimos que aquele simpático bairro de ruas sombreadas por acácias rubras e casas unifamiliares estava já em franca recuperação. Nitidamente, casas devolvidas a proprietários de regresso entretanto vendidas a terceiros ou não. Não fui investigar.

Mais adiante, o Museu da História Natural onde eu nunca tinha entrado. Estava na altura de o fazer: era agora ou nunca pois numa próxima visita a Moçambique muitas outras coisas haveria para conhecer ou rever. Fiquei com a sensação de que tudo se encontrava exactamente como nós tínhamos deixado aquelas colecçóes em exposição. Mas aqui apertou a curiosidade e perguntei quem fazia a manutenção de tudo aquilo. A resposta foi um pouco diferente daquela por que eu esperava: - Somos nós, os funcionários do Museu, depois de cá terem vindo os técnicos portugueses ensinar-nos como se deve proceder.

museo-de-historia-natural-maputo.jpg

No final da visita, era hora de almoçarmos e fui à procura do Piri-Piri. E lá estava ele a servir o frango assado com molho de piri-píri e batatas fritas. Mas fomos a outro restaurante – que eu não conhecia – ali próximo, na antiga António Enes tornejando para a pequena rua que dá acesso ao miradouro que foi dos Duques de Connaught, porque servia marisco como não se come noutras paragens. E como não somos nada gulosos (?) deixámos na manga a ida ao Grego da Costa do Sol para nos lambuzarmos com os caranguejos. Sim, fomos e encontrei lá o meu velho amigo Tó Zé Roxo Leão. Mas regressando ao primeiro dia, seguiu-se alugar um carro para o resto da visita a Maputo e arredores até que os caminhos nos levassem para longe.

Tratada a papelada, fomos um pouco até à piscina dar umas braçadas, descemos ao quarto e preparámo-nos para ir jantar ao Sheik onde tinha mandado reservar mesa.

O Sheik, cuja filial em Lisboa foi inaugurada no dia 25 de Abril de 1974, estava de cara lavada mas praticamente igual ao que era 32 anos antes quando eu lá almoçava e jantava quase todos os dias. Não me admirei por não ser reconhecido mas voltei a experimentar o bife tártaro que continuava a figurar na lista que era, no mínimo, muito parecida com a primitiva. E se a lista não era mesmo muito parecida, a minha imaginação fê-la assim parecer. Acompanhámos o jantar com um tinto Periquita que exteriormente era igual ao último que eu lá bebera, com uma diferença: este não sabia a azeite como o de 32 anos antes.

Bem jantados, cansados da passeata do dia e da noite anterior dormida em avião, regressámos a pé ao hotel numa breve caminhada mais tranquila do que se fosse hoje em Lisboa.

Boa noite, amanhã há mais.

Agosto de 2019

Henrique Salles da Fonseca

MOÇAMBIQUE REVISITADO – 8

Passados 32 anos, lá estava, ali mesmo à nossa frente, a famosa «árvore de Natal», um dos grande reflectores de radar que delimitavam o canal de navegação desde a entrada na baía de Lourenço Marques até ao cais comercial e de passageiros frente à baixa da cidade. E o dia, límpido, mostrou a outra margem da baía, a Inhaca, onde, há tantos anos eu fora de avião passar o dia com a Guida, a Teresa e o Nixa (António) Lacasta. Mais à esquerda e bem mais perto, a Xefina, aquela ilha presídio militar cuja guarda mais eficaz era constituída por vorazes tubarões. Ali mesmo à direita, no cimo da arriba pela qual o nosso hotel se deixava descer, o «Prédio Horizonte» em cujo 6º andar eu morei durante o meu período moçambicano já como civil (ver foto da crónica anterior, o prédio mais alto no canto superior direito da imagem).

Baía de Maputo.jpg

Dadas as explicações à Graça, desfeitas as malas e refrescada a cara, estava na hora de irmos dar um giro pela cidade. Mas havia que trocar Euros por Meticais.

No próprio hotel o fizemos e lembro-me perfeitamente da conversa que tivemos com o bancário para além da cotação que já esqueci, que estava afixada e não era discutível:

- Quanto acha que devemos levar para um dia na cidade, incluindo almoço, um táxi para baixo e um táxi de volta?

- Ah! Para aí uns 6 milhões devem ser suficientes mas na baixa há muitos bancos onde podem cambiar mais se for necessário.

Caramba! 6 milhões era um volume enorme em qualqueer bolso que chamaria muito a atenção de qualquer gatuno. Distribuídos os milhões todos por tudo quanto era esconderijo, lá nos fizemos à rua com a informação de que se tratava duma cidade relativamente segura mas, claro que seria conveniente a Senhora não exibir muitas jóias verdadeiras ou de imitação. Tudo bem, a Graça já tinha decidido deixar no quarto essas decorações pelo que o problema não se colocaria. E não se colocou. Nem esse problema nem qualquer outro: o dia correu lindamente e já conto um episódio ou outro.

Mas, antes disso, fiquei a pensar no valor do Metical. Como foi possível aquela moeda chegar tão baixo? Estamos a falar dum país com economistas ilustres colocados em lugares tão importantes como Governador do Banco Central, como Ministro das Finanças, como Vice-Primeiro Ministro e como Primeiro Ministro. Não estamos a tratar de uma moeda sujeita a vilanias típicas de déspotas ignorantes. Bem sei que tudo teve que ser feito a partir do zero quase absoluto pois o «ouro dos magaíças» voava rapidamente para Lisboa de cada vez que chegava «do John». Mas, entretanto, esses vôos já tinham acabado havia uns anos, o turismo retomara alguma importância, as exportações de caju nunca tinham cessado por completo, com o país já sob a presidência de Chissano e com o Acordo de Paz já em vigor entre a Frelimo e a Renamo, não tinha havido convulsões no seio do grupo de países doadores nem no FMI. Porquê, então, um câmbio tão baixo para não dizer vergonhoso?

Pelos vistos, o «rombo» provocado pela guerra civil fora maior do que eu imaginara, a emissão monetária poderá nessa época não ter sido tão conforme às regras que aprendemos nas escolas de economia, o desequilíbrio do comércio externo durante esse período tão conturbado não ajudou à «festa», etc. E como estávamos longe do gamanço das dívidas ocultas! Eu creio que naquela época, o país tenha sido gerido o melhor que as circunstâncias permitiam mas os gatunos já deviam andar a espreitar e a fazer das suas como se viu depois. Mas naquela época isso era futuro e gente séria não pensava nessas coisas.

Entretanto, talvez seja bom para todos nós que apareça quem saiba mais do tema e venha aqui explicá-lo.

Aguardemos…

Amanhã há mais.

Agosto de 2019

Henrique Salles da Fonseca

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