“... a presença portuguesa no delta do Rio das Pérolas foi profundamente marcada pela história de mais de quatro séculos, feita de encontros e desencontros, mas sempre de uma amizade que, sabendo ultrapassar dificuldades, permitiu uma tão duradoira presença e motivar um tão vasto património cultural.”
Da nota introdutória ao volume 17 de Povos e Culturas
O Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa (CEPCEP), organismo científico da Universidade Católica Portuguesa, acaba de lançar o volume 17 da sua revista Povos e Culturas, o qual foi dedicado ao tema “Portugal – Macau: um património”, para assinalar, como é referido na sua nota introdutória, “os 500 anos da chegada dos Portugueses à China e, de um modo mais particular, lembrar alguns momentos ocorridos no território onde a presença portuguesa mais se fez sentir, ou seja, em Macau.” Desejou-se também “recordar aspectos do relacionamento de Portugal com a China e avaliar a dimensão do legado luso em Macau”.
Nem todas as personalidades convidadas puderam corresponder à solicitação que lhes foi, oportunamente, feita, mas constituiu um “privilégio poder contar com a colaboração de autores que conceberam e executaram as grandes reformas de Macau no século passado e que possibilitaram uma passagem serena e tranquila daquele território, da administração portuguesa para a chinesa”. E “assim se preservou – valorizando-a até – a herança cultural portuguesa no Extremo Oriente”.
A sessão decorreu em Lisboa, na tarde do dia 8 do corrente, no Salão Nobre do Palácio da Independência, sede da Sociedade Histórica da Independência de Portugal (SHIP), com intervenções de José Augusto Alarcão Troni, presidente da SHIP e ex-membro do Governo de Macau, Roberto Carneiro, presidente do CEPCEP, João de Deus Ramos, diplomata que reabriu a representação de Portugal em Pequim e foi Secretário-Adjunto para os Assuntos da Transição em Macau, Artur Teodoro de Matos, professor catedrático e director da revista, e Carlos Alberto Moniz, que apresentou o CD “Macau, um sonho oriental”, que integrou a revista e cuja primeira edição, patrocinada pelo IPOR – Instituto Português do Oriente, havia sido lançada em Macau em 1993. O autor deste artigo e o antigo Ministro da Cultura, Pedro Roseta, fizeram as considerações finais, salientando a relevância de Macau como entreposto comercial e cultural, ao longo da história e na actualidade, e a sua reafirmada missão como ponte e plataforma de cooperação entre a China e os países lusófonos.
Conteúdo da revista
Este número da revista está dividido em quatro partes, a primeira reunindo trabalhos sobre Macau e a presença de Portugal no Extremo Oriente, a segunda divulgando as comunicações apresentadas no doutoramento honoris causa de Roberto Carneiro na Universidade Aberta, em Junho de 2013, a seguinte compreendendo vários estudos produzidos no âmbito do CEPCEP e ainda inéditos, e a última reproduzindo um texto de Carlos Alberto Moniz e José Jorge Letria, que constitui o guião do CD “Macau, um sonho oriental”.
Os trabalhos sobre Macau são de José Eduardo Garcia Leandro, ex-Governador de Macau (“Macau e as grandes reformas que garantiram o futuro, 1974/1979”), Francisco Murteira Nabo, ex-Secretário-Adjunto para a Economia e Finanças do Governo de Macau (“Uma visão sobre a economia de Macau em 1990”), João de Deus Ramos, ex-membro do Governo de Macau e diplomata com larga experiência no âmbito das relações luso-chinesas (“Relações entre Portugal e a República Popular da China: um olhar retrospectivo”), Jorge A. H. Rangel, presidente do Instituto Internacional de Macau e ex-membro do Governo de Macau (“A preservação e valorização do legado luso em Macau”), Vasco Rocha Vieira, último Governador de Macau (“China, Portugal e a globalização competitiva”), António Vale, investigador académico (“A sociedade macaense no antigo regime”) e Rogério Miguel Puga, professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e coordenador do Seminário Permanente sobre Estudos de Macau (“Representações de paisagens histórico-etnográficas da Macau oitocentista no diário de Joseph Frye, 1853”).
De entre os inéditos do CEPCEP, figuram dois estudos sobre Goa, de Artur Teodoro Matos (“Os ‘arbítrios’ de Diogo Pinho Teixeira para a reforma do governo económico do Senado da Câmara de Goa em 1728”) e de João Teles e Cunha, ambos do Instituto de Estudos Orientais da Universidade Católica Portuguesa e do Centro de História de Além-Mar da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade dos Açores (“O insólito no quotidiano goês: Santa Mónica e o Milagre da Cruz, 1636”).
Ficou, desta feita, disponibilizado mais um conjunto de contribuições que serão úteis a jovens investigadores numa altura em que, nas universidades, os temas relacionados com a memória de Portugal no Oriente têm merecido um renovado interesse académico, até no que concerne a dissertações de mestrado e teses de doutoramento.
E foi, com inevitável emoção que, mais de duas décadas volvidas, pudemos reler – e, na sessão, de novo ouvir – os poemas e os cânticos de “Macau, um sonho oriental” que, de forma assaz expressiva, Carlos Alberto Moniz nos ofereceu, de todos grangeando uma prolongada ovação. “São respigos de costa a costa, do extremo ocidente ao extremo oriente, unidas em salgada nostalgia, feitos notas e palavras, gestos e mímica, representação e sugestão, que ecoam por um tempo intemporal e que ocupam um espaço indefinido”.
Povos e Culturas
A revista Povos e Culturas é o principal veículo de comunicação do CEPCEP, centro de estudos da Universidade Católica Portuguesa criado em 1983 e especialmente vocacionado para o “estudo da interacção cultural que a presença portuguesa gerou no seio dos povos dos vários continentes, fomentando, por esta via, a compreensão e a aproximação mútuas”. Neste contexto, promove a investigação, a formação pós-graduada e a difusão cultural, estimula o debate qualificado e assegura a publicação de estudos relacionados com as suas preocupações científicas, podendo também prestar serviços e estabelecer parcerias, visando a realização dos seus objectivos.
O CEPCEP está estruturado por unidades científicas, organizadas em torno de cinco áreas fundamentais: Portugal, Brasil, África, Oriente e Comunidades Portuguesas. Integram o seu órgão executivo os professores e investigadores Roberto Carneiro, como presidente, Artur Teodoro de Matos, João Paulo Oliveira e Costa, Ana Claúdia Valente, Fernando Chau, José Maria Seruya e Verónica Policarpo, sendo acompanhado por um conselho geral constituído por destacadas individualidades de reconhecido mérito académico e cultural.
Como revista universitária, Povos e Culturas pretende ser um espaço de convivência e de diálogo intercultural, forjado no pressuposto “de que é na produção cultural que reside a chave da vitalidade e da renovação dos povos”.
Esta edição, datada de Maio de 2014 e respeitante ao ano de 2013, teve o apoio da Fundação Jorge Álvares.
Foi com os portugueses que a história de Macau teve a sua maior evolução, após a ocupação da região, no século XVI, com a fundação de um entreposto comercial entre o Oriente e o Ocidente e a inicial permissão dos chineses.
Em 22/06/1802 chegou a Macau, como Ouvidor (autoridade da Coroa Portuguesa que superintendia todos os ramos administrativos públicos), Miguel José d’Arriaga, filho da mais alta estirpe das Ilhas, formado em Coimbra, fidalgo e Cavaleiro da Ordem de Cristo, Conceição e Torre Espada, do Conselho de Sua Majestade. Homem extremamente culto havia trabalhado como juiz, por algum tempo, em Lisboa, no Bairro da Ribeira (9/5/1800).
Nas terras do Oriente, sua personalidade respeitosa e dinâmica capacidade governativa deram-lhe logo fama. Fundou uma escola de pilotagem, uma fábrica de pólvora, um colégio para missionários, uma Casa de Seguros, criou um batalhão provincial de infantaria, mandou alguns chineses estudar em Coimbra e estimulou outros a matricularem seus filhos nessa mesma Universidade. Promoveu no pequeno espaço macaense a igualdade de direitos civis, aboliu o imposto das SISAS (imposto sobre as transacções comerciais), estimulou e desenvolveu o comércio marítimo entre os portos da Ásia, Portugal e Brasil. Fomentou a emigração chinesa para esse país no intuito de levar a cultura do chá para terras sul americanas. Diplomaticamente, apaziguou litígios entre Inglaterra e China e marcou definitivamente sua presença na história de Macau com o episódio da queda da pirataria chinesa do século XIX.
Naquele tempo quando se fazia da pirataria modalidade de vida, Cam-Pau-Sai, o Tigre dos Mares, aterrorizava o Mar da China.
Arriaga, contrariamente à posição das anteriores autoridades portuguesas que faziam vista grossa a essa actividade, porque esta mantinha distraída e em constante sobressalto a autoridade chinesa e com isso interferia pouco nas decisões macaenses, resolveu encarar o assunto de outra forma. Declarou a pirataria um crime e com a comparticipação de três mandarins mais interessados, montou uma potente armada às suas próprias custas e dos cofres do Estado para acabar com tal situação. Empenhou-se nessa tarefa de corpo e alma. Ele próprio dirigia os preparativos. Muitas vezes trabalhava como calafate, para dar exemplo e estimular a actividade dos operários. Pronta a esquadra, lançou-a ao mar, ligeira, resoluta, combativa. Mas aos primeiros embates viu-se só. Fugiram os chineses apavorados. Tiveram os portugueses que lutar e subjugar o inimigo, cercando-o na embocadura do rio Hiang-San. Miguel Arriaga, mostrando destemor e respeito pelo vencido foi até Cam-Pau-Sai sem escolta e com a rendição, tomou com ele o chá da boaamizade. Para os mandarins foi um grande milagre que transformou o Ouvidor num venerável homem, pelos chineses respeitado e admirado. Benévolo, o açoriano intercedeu pelo ex-pirata junto ao Imperador que o aceitou como funcionário.
Subjugado mais pelo nobre carácter de Arriaga e em agradecimento ao tratamento e confiança nele depositados, Cam-Pau-Sai ofereceu-se para combater uma esquadra pirata que não se rendera e que ainda fazia estragos. Desconfiado, o Imperador do Celeste Império não aceitou a oferta e resolveu enviar uma armada chinesa, que foi de logo desmantelada. Mais uma vez o Ouvidor foi procurado e outra vez Arriaga recomendou a que aceitassem a oferta de Cam-Pu-Sai. O que de facto ocorreu. Derrotados os piratas, levou-os para Cantão, onde foi recebido com triunfo e ovação.
Quando Miguel José d’Arriaga morreu (13/12/1824), minado por doença prolongada, após ter ficado exilado em Cantão devido a intrigas e invejas palacianas e ter voltado a Macau em glória, como queriam os macaenses, com honrarias e reconhecimento reais pelo grande trabalho feito nessa parte do mundo português, foi pranteado por todos que viram nele o exemplo de homem enérgico e de carácter, o filantropo e grande estadista que serviu de modelo e orgulho para todo o Português.
Uberaba, 6 de Janeiro de 2007
Maria Eduarda Fagundes
-Nota complementar:
MIGUEL JOSÉ D'ARRIAGA
Nasceu a 22/03/1776 no Faial
Morreu a 13/12/1824 em Macau
Casou em 1808 em Macau com Ana Joaquina de Almeida, filha dos Barões de São José de Porto-Alegre
Os Arriagas, faialenses, descendem de João d' Arriaga primeiro deste nome que se estabeleceu na Ilha do Faial no ultimo quartel do século XVII. Ele era natural de Baiona, França,. O pai, Salvador d' Arriaga, era fidalgo espanhol, que lá tinha casado com fidalga francesa.da Casa Berendi.
JOÃO d'ARRIAGA ( Jean d'Harriague) nasceu em 1652 ( Baiona, França) e morreu em 30/6/1716. Casou em 8/9/1688 no Faial ,com Catarina Brum da Silveira ( da freguesia dos Flamengos), e onde se estabeleceu no ultimo quartel do século XVII, como mercador o homem de negócios..
Ref. Familias Faialenses ( Marcelino Lima)
Subsidios para a história da Ilha do Faial
Livro Composto e Impresso nas Oficinas da Tipografia Minerva Insulana em 1922.
Nota:
Este livo é uma raridade. Pode ser encontrado na UNIVERSIDADE DOS AÇORES ( na Bibiloteca)- Ponta Delgada, Açores, Portugal.
Deusa da Fertilidade - último monumento erigido pelos portugueses
Cheguei a Macau no dia 23 de Dezembro de 2006 e passado pouco já me lembrava de Cristina Wasa, rainha da Suécia, que foi a primeira cabeça reinante a reconhecer a soberania portuguesa depois da expulsão dos Filipes. Por isso ainda hoje nós, os portugueses, damos “Vivas à Cristina!”.
Passados alguns séculos do seu passamento em Roma no ano de 1683 com a então razoável idade de 63 anos, continuamos sem saber se Cristina era uma mulher deslumbrante ou se deslumbrada. Para o Cardeal Dezio Azzolino, certamente uma mulher deslumbrante; por D. António Pimentel do Lago, o Amarante, certamente uma mulher deslumbrada. Mas sobre ela escrevo noutra sede pois que, por agora, me ocorre apenas a sua memória por causa dos chineses e de Macau: quem deslumbra quem? Macau deslumbra os chineses ou são estes que deslumbram Macau? Eis a questão.
Não vi em que condições se vive na vizinha Província de Cantão nem sequer dá para imaginar se por lá se vive ou se se sobrevive. O que dá para ver é o ar de extasiamento dos chineses acabados de chegar a este nosso antigo território. Mais: a correria em que fazem o percurso das Portas do Cerco aos autocarros que gratuitamente ligam a fronteira terrestre aos casinos, dá para imaginar que esta viagem se fazia ansiosamente esperar. Sim, cada casino tem um serviço gratuito de transporte nesse percurso para ter a certeza de que o dinheiro amealhado do lado de lá da fronteira não é desbaratado em bilhetes dos transportes públicos da cidade ao preço “astronómico” de 3 Patacas, o equivalente a € 0,30 !!!Mas, mesmo assim, alguns desses turistas escapam-se e vão ao templo da Deusa A-Mah pedir sorte ao jogo.
E quem é a Deusa A-Mah? Conta a tradição chinesa que, nos tempos mais antigos, uma frota de juncos foi apanhada por um tufão salvando-se apenas um único barco que com a força dos ventos foi atirado para cima de terra na zona que muito mais tarde receberia o nome de Porto Interior de Macau. Nesse barco fazia-se transportar A-Mah, concubina terrestre do Imperador Celestial e, desde que serenados os ventos, logo o povo lhe atribuiu o fim da tempestade e a deificou. Ao local passou a chamar-se “porto de A-Mah” o que em cantonês soaria a algo como “A-Mah Gao”. De apócope em corruptela e assim sucessivamente, eis que se chega ao nome de Macau.
Macau, a quem muitos fazem corresponder o extenso nome de “Cidade do Santo Nome de Deus”. Ora, é axiomático que Deus é Santo e, portanto, a expressão “Santo Nome de Deus” é um pleonasmo sem sentido teológico. Por isso, Macau assume o nome extenso de “Cidade do Nome de Deus” e não como é corrente afirmar.
No templo de A-Mah – apesar da agnóstica presença dos curiosos turistas – prevalece uma evidente religiosidade que nos faz recordar o princípio fundamental de que a Fé não se discute. Quem não souber respeitar a Fé alheia, mais vale que não ponha lá os pés. Os crentes locais vão lá pedir protecção nas pescarias; os forasteiros crentes vão lá pedir sorte antes de se abalançarem ao jogo e vão lá agradecer as graças recebidas quando disso tenha sido o caso.
Habituado que estou a falar em surdina sempre que visito algum lugar de oração, estranhei o meu guia turístico – macaense, cidadão português – falar connosco, a família Salles da Fonseca, como se fôssemos surdos, o que felizmente não somos nem ficámos apesar do barulho do fogo de artifício que estralejava entretanto na rua fronteira ao templo. É que, quanto maior a fortuna recebida no casino, maior a agradecimento no templo em oferendas e incenso e maior o espavento na rua provocado pelo fogo de artifício. Pululam no local as lojecas de pirotecnia cujos propagandistas chamam a potencial clientela com megafone ou, mais sofisticadamente, com microfone, alto-falante e sombrinha protectora da canícula ou da chuva, conforme as circunstâncias. Fizeram-me lembrar a Feira do Relógio ou a da Luz, em Lisboa . . . Gritaria incomoda sempre mas quando é tecnologicamente ampliada incomoda muito mais e isso tanto em Macau como em Lisboa ou em qualquer outra feira de atoalhados, vitualhas e bugigangas, bem à nossa moda. Restou-me a dúvida sobre como será possível orar no meio de tanta balbúrdia mas fui obrigado a reconhecer que a Fé move montanhas e, pelos vistos, silencia algazarras.
Frente ao templo de A-Mah, do outro lado da rua, existe a Capitania e o Museu Marítimo, local onde aportaram os primeiros portugueses nos idos de 500. Todo esse grande terreno e instalações vão ser doados ao Governo Português para aí instalar tudo o que lhe aprouver, nomeadamente a Escola Portuguesa de Macau que hoje se situa em local que certamente é super-cobiçado pela construção civil, bem perto do Hotel Lisboa e do Novo Casino Lisboa a inaugurar brevemente no próximo Ano Novo Lunar. O pudor estético impede-me de descrever esse futuro ex-libris de Macau; publico fotografia que dele fizemos e cada leitor que julgue por si.
Afinal, tenho que explicar porque não se vê: a partir do polo superior deste esferóide desenvolve-se um edifício com qualquer coisa como 40 ou 50 pisos (ou mais ainda) em que a meia dúzia do topo parece formar uma banana descascada tendo cada um desses pisos maior área do que o que lhe está por baixo. Será o edifício mais alto de Macau...
Aportou Jorge Álvares em 1513 a esta terra a que hoje chamamos Macau, vindo da sua cabana em Sanchuan, também ali na costa cantonesa, onde em 2 de Dezembro de 1552 viria a morrer S. Francisco Xavier de febres para que então não havia cura ou que, no mínimo, o amável anfitrião desconhecia. Foi esse capitão-comerciante muito importante nos mares do sul da China não só como transportador de mercadoria própria e alheia mas também no comando de navios militares portugueses. Foram várias as batalhas navais que travou contra opositores locais à presença portuguesa e acabou mesmo por morrer na sequência de ferimentos recebidos na última peleja em que participou. Ferido e moribundo, recolheu-se à sua cabana em Sanchuan nas proximidades da qual erigira um padrão atribuindo o local à posse do Rei de Portugal. Cumpriram-lhe a vontade de sepultura junto ao padrão mas não lhe sobreviveu a posse portuguesa daquela terra.
Transportava Jorge Álvares nos seus navios lastro de pedra portuguesa mas quando deparou com a maravilha da porcelana chinesa, logo tratou de vender a pedra para calcetamento das veredas locais a troco dessa outra “pedra” por que ainda hoje bebemos o chá das 5. E o lucro que fez com a venda da porcelana foi tal que, descoberta a origem da preciosa mercadoria, despertou a cobiça de muitos mais portugueses que de imediato rumaram ao Oriente. O mais curioso é que a calçada frente ao templo da Deusa A-Mah, do Museu Marítimo e da Capitania de Macau é suposto ser feita com essa pedra oriunda de Portugal. Mesmo que não seja verdade, é uma história bem apanhada. Mais: foi-me contada com uma enorme simpatia e até mesmo paixão por tudo que respeita a Portugal.
Ruínas da Igreja de S. Paulo, actual ex-libris de Macau, antiga glória da Província do Oriente da Companhia de Jesus
E que resta em Macau de Portugal? Muito e pouco, simultaneamente.
Todos os escritos públicos são bilingues em chinês (presumo que mandarim pois ouvi dizer que o cantonês não tem escrita oficialmente reconhecida na China) e em português. As viaturas da Polícia identificam-se como “Polícia de Segurança Pública”, os autocarros dos transportes urbanos afirmam que “existimos para melhor servir” ou outra expressão equivalente, a toponímia mantém os nomes que a Administração Portuguesa definiu mas... quase ninguém fala português.
Contudo, nada melhor do que apurar da verdade dessa afirmação – de que nem os polícias falam português apesar do distintivo escrito na nossa língua. O nosso hotel era bem próximo de um grande aquartelamento da PSP pelo que sempre passávamos à porta de armas quando nos dirigíamos no sentido de um conjunto de quarteirões muito comercial, pejado de restaurantes. Decidimos inventar um pretexto para fazermos uma pergunta ao polícia de plantão e perguntei-lhe em português pausado mas fluente qual a melhor carreira de autocarros para a Ilha da Taipa. Felizmente, não precisávamos da resposta para nada porque, se não, ainda hoje lá estaríamos à espera da alguma indicação válida. O encolher desculposo de ombros que o polícia me fez implicou que eu repetisse a pergunta em inglês e foi então que me regalei ao constatar que a tradição da rainha Vitória também ali não criou quaisquer raízes, apesar do sistemático assédio que historicamente fizeram às colónias portuguesas. O diligente agente da Autoridade com que eu tentava comunicar pediu ajuda a um colega que estava para lá da porta de armas mas o resultado foi igual, ou seja, zero. Será mais simpático concluirmos que os polícias de Macau não andam de autocarro...
Não andam de autocarro mas é imprescindível que falem cantonês, língua usada pelos “clientes” que eles possam ter que meter no calabouço. É para mim claro que seria muito simpático que articulassem alguns sons na língua em que estão escritos os distintivos da farda que usam e que algum domínio do português – uma das duas línguas oficiais do território que policiam – fosse critério preferencial para as promoções na carreira.
Mas, para além do motivo algo artificial das promoções, há todo o interesse prático em falar português em Macau pois a medicina chinesa não é exímia em cirurgia e são os médicos portugueses muito solicitados para todos os casos que não se resolvam com a simplesmente analgésica acupunctura. Sucede também que o Direito em Macau é o que Portugal lá deixou e tudo é gerido com uma forte componente de Advogados portugueses. Não seria complicado arregimentar mais alguns argumentos a favor da aprendizagem da nossa língua mas nada apurei sobre se a Escola Portuguesa de Macau – com escassos 180 alunos diurnos – ministra cursos para adultos em horário post-laboral, não só para polícias mas também para bancários ligados às instituições de capital português, tão importantes naquela praça.
Finalmente, os arranha-céus em construção sugerem-me que Macau poderá ser um bom local para os nossos recém-licenciados em Arquitectura fazerem uma “comissão” de um ou dois anos em regime de profissão liberal ou vinculados a alguma instituição ligada ao “métier” e não sei mesmo se outras profissões actualmente em menos bons lençóis por cá não deveriam encarar igual hipótese. Não há quem diga que em Portugal temos Advogados a mais? Alguém conhece lugar mais aprazível para ganhar curriculum?
Em Macau vemos gente deslumbrada com os feéricos e profusos néons, gente apressada para não perder um certo momento de sorte que ninguém sabe quando acontece num dos 25 casinos em funcionamento e deparamos com esses sôfregos locais de alguma sorte e muito azar a não perderem um único Yuan poupado do outro lado das Portas do Cerco. Fico mesmo sem saber se são os chineses que se deslumbram com os casinos ou se são os casinos que se deslumbram com as poupanças dos chineses assim como me restam todas as dúvidas sobre se prevalece a sofreguidão chinesa pelo dinheiro fácil ou a sofreguidão dos patrões dos croupiers pela cupidez dos jogadores.
Fica a pergunta sobre o que diria o Herói do Passaleão a este vibrante e inebriante estilo de vida e fica também a questão de saber durante quanto tempo a febre construtora de casinos, hotéis e outras piramidais estruturas permitirá a manutenção dos traços arquitectónicos que Portugal ali edificou durante quase 450 anos.
No Largo do Leal Senado, um dos edifícios de que mais gostei