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A bem da Nação

AMBLIOPIA -1

                        

Ambliopia- Fraqueza da visão

“Com bolor” - terá sido para criar bolor que Mário da Sá Carneiro se retirou quando decidiu fugir do mundo.

Mas ele fê-lo voluntariamente num processo de abandono que o conduziu ao triste fim parisiense.

Eu, não! Fui involuntariamente conduzido a um retiro, não deixo que o bolor apareça. Então, não podendo estudar, conduzir nem montar a cavalo, ouço música. E como a tenho posto em dia ao fim de anos de silêncio…

Então, recordo coisas que já arquivara. Por exemplo, uma gravação da 9ª sinfonia de Mahler com o Karajan e a Filarmónica de Berlim de que não gosto e de que nunca gostei desde a primeira vez que a ouvi. Só que agora, com o tempo, fui tentar perceber por que é que não gosto da dita interpretação. E percebi que se trata de uma obra em Ré menor que ali está numa tonalidade diferente. E se as dúvidas me tivessem surgido de modo mais suave (o Karajan e a Filarmónica de Berlim a desafinarem?), não teria tido o cuidado de confrontar a dita desafinação com outra interpretação da mesma 9ª de Mahler pela Sinfónica de Chicago, sob a regência de Georg Solti. E a conclusão é a de que Solti tem a orquestra na afinação correcta, a sua interpretação é magnifica e a obra é mesmo sublime.

Assim, o que se poderá ter passado com Karajan?

Só encontro uma de duas hipóteses:

  1. Ou o diapasão ao serviço de Karajan estava marado;
  2. Ou era mesmo o Karajan que estava marado

Mas não me deixei ficar nas encolhas da ignorância e fui perguntar a quem sabe mais do que eu…

Fiquei a saber que desde a segunda guerra mundial, a tendência é de subir a afinação geral das orquestras para lhes dar mais brilhantismo. O resultado é o de haver quem já ande a tocar quase meio tom acima do que seria normal. Isso faz com que uma nota normal soe como sustenido e este se passe para a nota seguinte na escala cromática e assim sucessivamente, naquilo que tenho como cataclismo musical.

Não teria Karajan feito bem melhor se tivesse verificado a qualidade do diapasão, que deve ter comprado numa loja chinesa?

Ou será uma afinação nazi?

O meu leitor que escolha mas poupe os seus ouvidos à gravação que claramente denuncio como uma fraude karajânica.

 

Maio de 2019

Henrique Salles da Fonseca

“PELLÉAS ET MÉLISANDE”

 

Enquanto se deixa encantar por Pelléas, Mélisande perde a aliança num ribeiro e quando chega ao castelo saúda Golaud, o marido, prostrado no leito após queda de cavalo. Notando a falta da aliança, Golaud ordena que Mélisande a vá procurar e só regresse quando encontrar o símbolo do seu casamento.

 

Ignorando a causa do desvario de Mélisande, Golaud pede a Pelléas que a acompanhe na busca. E lá foram os dois cumprir a ordem do Senhor do castelo… até que, enleados, se esquecem do regato onde a aliança caíra e entram pelo bosque onde rapidamente se perdem. Chega a noite e decidem entrar numa gruta para se resguardarem do frio e das feras. E eis que na escuridão se abre uma réstia de luz das brasas restantes de fogueira quase extinta. Descortinam então os vultos de três mendigos andrajosos…

 

… e a história poderia continuar assim: luxúria, alegria, assassinato, tristeza...

 

Trata-se de amores irresistíveis mas proibidos e quem quiser saber algo sobre o tema que não tenha sido tratado numa infinidade de outras peças teatrais, esqueça essa busca de novidade e contente-se com o trivial. Se quiser nacionalizar o tema, procure algo sobre os amores de Pedro e Inês, na certeza, porém, de que nunca as variações sobre o mote terão fim ad aeternum et per saecula saeculorum.

 

A novidade não está, pois, na peça de Maeterlinck mas tudo dá uma volta se o libreto passar a um plano mais esbatido e Claude Debussy assumir a partitura que, desta feita, se encontra sob a regência de Pierre Boulez. Quem tiver um tempinho (pouco mais de duas horas), assista em

Pelléas et Mélisande.jpg

https://www.youtube.com/watch?v=SZQ2Kjvu0i4

 

Então sim, encontra novidades no que até então era a música erudita. Basta dizer que Debussy tinha o seu homónimo Monet como expoente máximo da cultura francesa contemporânea para ouvirmos a sua música com outros olhos. Perdão, ouvidos.

 

Claude Monet.jpg

 

Não vou ao ponto de afirmar que Debussy fez a “monetização”[1] da música mas quase...

 

Melodias inesperadas para ouvidos mais conservadores, historicamente inovador, o grande expoente do impressionismo musical. Levei anos e anos para aprender a gostar.

 

Fevereiro de 2016

 

Porto Santo-MAI15-B.jpg

 Henrique Salles da Fonseca

 

[1] -Trocadilho com que pretendo fazer algum humor.

DAVID DE SOUZA

 David de Souza-CD

 

Quem procure por David de Souza na Internet vai deparar com um fotógrafo brasileiro e com mais não sei quantas personalidades importantíssimas de apelido Desouza mas a biografia do nosso compositor prima pela ausência. Fora ele espanhol e não haveria terrinha andaluza ou estremenha que não lhe pusesse nome em rua…

 

Mas nós somos assim: ingratos; não queremos saber dos nossos ilustres.

 

Seremos isso?

 

Não! Somos apenas ignorantes!

 

Então, quem foi o nosso David de Souza?

 

Foi um compositor de música erudita. Se fosse pimba ou de rock…

 

Nascido em 6 de Maio de 1880 na Figueira da Foz, realizou os seus estudos musicais no Conservatório Nacional de Lisboa onde frequentou as classes de violoncelo e de teoria musical; em 1901, bolseiro do Estado, foi estudar violoncelo para o Conservatório de Leipzig; em 1913 estreou-se como chefe de orquestra em Portugal num concerto no Teatro Nacional e passou logo de seguida a Maestro Titular da recém-constituída Orquestra Sinfónica de Lisboa; em 1916 passou também a exercer o cargo de professor das disciplinas de violoncelo e de regência de orquestra no Conservatório Nacional. Faleceu na Figueira da Foz em 1918 vitimado pela gripe pneumónica.

 

Na sua obra, eminentemente nacionalista, figuram composições para piano, canto e piano, violino e piano e violoncelo e piano para além de um bom número de obras para grande orquestra, nomeadamente a “Rapsódia Eslava” e o Poema Sinfónico “Babilónia”; ainda hoje se encontra inédita a sua ópera “Inês de Castro”.

 

Pois é! David de Souza foi um compositor brilhante que nos deixou músicas muito agradáveis de ouvir e que depois de um longuíssimo silêncio, volta agora a poder ser escutado pois o Maestro António Ferreira foi desencantar as partituras que deviam estar fechadas a sete chaves nalgum baú esquecido numa cave escura.

 

Então, acompanhem-me primeiro ao YouTube: é lá que encontramos várias peças deste Autor em gravações actuais, todas interpretadas pelo Maestro António Ferreira ao piano, pela soprano Ana Leonor Pereira e pelo violoncelista Pedro Neves. Concentrem-se nas melodias para ficarem com uma ideia da qualidade do Autor. Tenho a certeza de que me vão dar razão quando digo que se trata de um conjunto de músicas que se ouvem com muito agrado. De seguida façam justiça aos intérpretes reconhecendo que merecem o nosso aplauso.

 

http://www.youtube.com/watch?v=9vnrVJJOXnY

http://www.youtube.com/watch?v=yEq107Gl3ik

http://www.youtube.com/watch?v=RZ9xtrLbQ-8

 

Mas se quiserem ter uma ideia mais precisa da qualidade do compositor e dos intérpretes, então acompanhem-me ouvindo o CD que a Câmara Municipal e o Casino da Figueira da Foz patrocinaram homenageando David de Souza. Obtive-o há menos de 24 horas e já o ouvi 4 vezes. De cada vez gostei mais do que na anterior e vou continuar… No CD, a qualidade da gravação ultrapassa largamente o som permitido pelo YouTube pelo que acabamos percebendo detalhes que nos vídeos não notamos. E aqui já podemos apreciar melhor o trabalho dos intérpretes. Veludo, é a ideia que me ocorre. Ana Leonor Pereira tem sublimes agudos em pianíssimo e Pedro Neves delicia-nos com o violoncelo que pertenceu ao compositor. E por mais que me digam que o piano apenas acompanhou, todos sabemos que as mãos são as do Maestro que tudo produziu. Fico sem saber se dar os parabéns aos intérpretes e patrocinadores ou se lhes agradecer com um sincero obrigado. Faço as duas coisas: PARABÉNS e OBRIGADO!

 

Lisboa, Janeiro de 2011

 

Henrique Salles da Fonseca

RUY COELHO – 5

 

 
 
Não obstante o ridículo da situação parecem ser ainda hoje motivos políticos, resquícios do PREC e das polémicas com Lopes Graça, continuadas pelos seus discípulos, os que levam à quase inexistência de exibições públicas das suas obras. Sendo no entanto verdade que, com raras e honrosas excepções, dificilmente se ouve música erudita portuguesa nos nossos dias.
 
No seu tempo recebeu os elogios de compositores como Falla, que muito admirava e com quem trocava partituras por correspondência, bem como de inúmeros críticos, e de músicos, cantores, cenógrafos, escritores que com ele colaboraram. Exibiu as suas obras por todo o país, levando a música erudita a locais tão improváveis na época como: Amadora, Almada, Aveiro, Alcácer, Beja, Covilhã, Évora, Funchal, Santarém e tantos outros. Exibiu as suas obras em vários países europeus (levou, em 1959, as primeiras companhias portuguesas de Ópera a Paris e em 1961 a Madrid) e sul-americanos.
 
Ruy Coelho e Charles Oulmont
Teatro dos Campos Elíseos, Paris
 
Segundo José Blanc de Portugal, a obra orquestral de Ruy Coelho terá sido mais divulgada no estrangeiro do que em Portugal. Compôs música para filmes como "Alla-Arriba!" de 1942 e "Camões", ambos de Leitão de Barros, "Rainha Santa", uma co-produção luso-espanhola, “A Garça e a Serpente” e parcialmente para a “Rapsódia Portuguesa”. Escreveu manifestos, livros, crónicas e críticas em jornais, a maioria no Diário de Notícias, onde colaborou durante muitos anos e de onde foi saneado por Saramago durante o PREC (voltando a escrever, de 1979 a 83, umas crónicas intituladas "Histórias da Música"). Foi pianista, muitas vezes empresário dos seus concertos ou edições, maestro, (chegou a dirigir a Orquestra Sinfónica de Berlim) mas foi, fundamentalmente, compositor, tendo escrito obras musicais de vários géneros. Para além de Óperas e Bailados, Música Sinfónica e de Câmara, Lieder e Música Religiosa, até curiosamente o Hino da Cidade de Lisboa e o famoso Fado de Coimbra "O Beijo", sobre poema de Afonso Lopes Vieira, que tendo sido popularizado por António Menano, é por vezes erradamente atribuído a esse célebre fadista.
 
Para além da dimensão da sua produção artística, devem ser salientados os obstáculos que teve de vencer para divulgar a sua obra. Pois foram necessários: teatros, orquestras, cantores, cenários, figurinos, ensaios, e mais um sem número de meios decisivos para que as obras escritas se materializassem, com um mínimo de dignidade. E fazer tudo isto num contexto tão desfavorável como o de um país pobre e pouco culto, como foi Portugal na primeira metade do séc. XX, e sem fortuna pessoal que não o talento, terá sido pouco menos que heróico. Ele atribuía os seus sucessos ao destino, sem deixar nunca de lutar fortemente para os atingir. Ruy Coelho, faleceu em 1986 com 97 anos, e uma das frases que me dizia mais vezes: “Com estudo és tudo”, ficar-lhe-ia bem como epitáfio.
 
FIM
 
5 de Fevereiro de 2009
 
 Rui Ramos Pinto Coelho

RUY COELHO – 4

 

 
Ópera 'Belkiss'
 
 
Ruy Coelho fez parte de um grupo de jovens artistas constituído, entre outros, por Amadeu, Almada, Pacheco, Santa Rita, Mário de Sá Carneiro e Fernando Pessoa. Embora tenha sido muito próximo de Almada (uma das suas primeiras caricaturas expostas terá sido dele) e de elogiar o seu génio designadamente como bailarino, afirmando que o seu desempenho (de amador) em 1918, não ficara atrás do de Falkoff (profissional russo que interpretaria o mesmo personagem anos mais tarde) teve com ele uma célebre polémica quando em 1925, alegando não ter as condições necessárias, Almada se recusou a dançar de novo o bailado "Princesa dos Sapatos de Ferro" no S. Carlos e fez questão de ser preso, por quebra de compromisso. Ruy Coelho apresentou o bailado com a cortina corrida nas partes em que Almada deveria ter dançado. Quando termina o espectáculo visita Almada nos calabouços do Governo Civil (terá lá ido várias vezes, com amigos, tratar de o pôr em liberdade). Almada relata que lhe apareceu de fraque a fumar charuto, celebrando o êxito obtido. A polémica ficou registada em quatro artigos nos jornais (dois de cada um deles) e suspendeu a amizade e as colaborações artísticas até 1943, altura em que Almada projecta os cenários de "Inês de Castro" e os figurinos e cenários de "Crisfal", duas Óperas de Ruy Coelho.  
 
Bem ao jeito da época, Ruy Coelho ambicionava com a sua obra dar "expressão musical à alma da nação" tendo, em muitas das suas obras, utilizado temas identificados com o imaginário nacionalista, como as cinco Sinfonias Camoneanas, as Óperas sobre textos de Gil Vicente ou a Ópera D. João IV, entre outras. Afirmava não seguir nenhuma corrente, nem ter ideias pré concebidas e limitadoras sobre processos, sistemas ou teorias técnicas ou estéticas, quando compunha as suas obras, interessando-lhe tão só conseguir exprimir o que sentia sobre determinado tema.
 
Sendo um compositor muito conotado com o antigo regime, é importante salientar que, quando em 1926 é implantado o Estado Novo, já tinha levado ao S. Carlos pelo menos onze obras da sua autoria e já tinha sido premiado em Madrid. É certo que beneficiou, como muitos outros artistas, das políticas culturais de António Ferro, com quem até já tinha colaborado em 1924, tocando as suas músicas nas conferências "A Idade do Jazz Band". Mas, ao contrário de outros, nunca aceitou cargos oficiais (nem antes nem depois da instauração da ditadura) e só se pronunciava publicamente sobre música (educação musical, edição e divulgação no estrangeiro das obras nacionais, organização e gestão do S. Carlos e do Conservatório). Defendeu, através de vários artigos e pequenos livros, a música erudita portuguesa e a ópera cantada em português (considerando que à semelhança do que se passava na Alemanha, França e Inglaterra, as óperas deviam ser cantadas na língua do país onde eram exibidas). Argumentava que o contrário era não só provinciano como prejudicial aos interesses da arte e do público, que não percebia verdadeiramente o que estava a ver e ouvir.
 
Envolveu-se em várias outras polémicas, como era típico no meio artístico da época: a primeira, com apenas vinte e um anos, quando, durante uma curta estadia em Lisboa, toma conhecimento do êxtase da crítica perante uma sonata de Luís de Freitas Branco, e reage, acusando-o de ter copiado César Frank, demonstrando os seus argumentos ao piano no Salão Nobre do Conservatório; com vinte e quatro anos, com o governo de Afonso Costa, devido ao episódio do "Serão da Infanta"; posteriormente, com várias Direcções do Conservatório, que acusa de incompetência, de má gestão, e até de apropriação de bens públicos; com a Direcção do S. Carlos, já durante o Estado Novo, por não cumprir a lei que obrigava a uma determinada percentagem de exibições de música portuguesa; com Lopes Graça, que inicialmente o "aplaudira entusiasticamente", e outros da Revista Seara, que o atacaram ferozmente e com quem trocou livros recheados de insultos. Para se ter uma ideia da sua personalidade, note-se que, já com 94 anos, numa rara entrevista na rádio, ainda vocifera contra os políticos, caracterizando com palavrões a importância que davam ao património. Sendo aconselhado a retirar o que tinha dito, dispara: "tire lá … e ponha pior".
 
(CONTINUA)
 
5 de Fevereiro de 2009
 Rui Ramos Pinto Coelho

RUY COELHO – 3

 

 
 
 
Descrente com o país, tenta a obtenção de uma bolsa para voltar a estudar no estrangeiro, mas ao prestar provas no Conservatório, supostamente sobre Composição, quando esperava que os seus dotes fossem postos à prova, fazem-lhe uma única pergunta: "Que estudo especial precisa de fazer um compositor?". Classificam-no em último lugar. Um júri em que, segundo ele "não havia um único compositor". Denuncia o caso através de manifestos e artigos no Jornal Restauração, "para que todas as pessoas honestas os ficassem conhecendo como elementos perigosos num país que quer caminhar integrado no moderno espírito das nações cultas." Falido, derrotado e descrente, abandona Lisboa e passa dois anos a tocar piano em pequenas formações nas estâncias turísticas de Pedras Salgadas, Curia e Monte Estoril. Mas quando, em 1917, surge no Portugal Futurista a publicitar a vinda dos Ballets Russes com Almada Negreiros e José Pacheco, já tinham programado juntos seis bailados. Destes, dois tinham sido executados e outros dois seriam levados a cena em 1918 no S. Carlos: o "Bailado do Encantamento" e "Princesa dos Sapatos de Ferro". O primeiro com mise-en-scène de Almada (no I acto) e o segundo com mise-en-scène e figurinos de Almada (que também dançou dois dos personagens, a Bruxa e o Diabo). Segundo relatos da época, o espectáculo terá sido muito concorrido e bem recebido pelo público, tendo sido presenciado por Sidónio Pais. Almada haveria de caracterizar o mesmo, em 1925, como "a noite mais entusiástica da minha vida".
 
Em Junho de 1923 Ruy Coelho toma conhecimento de um concurso para montagem de uma ópera em três actos no S. Carlos, que teria de ser entregue para avaliação até Outubro. Considerando impossível compor uma tal obra num tão curto período de tempo, decide não concorrer. Mas, pensando melhor no assunto, chega à conclusão de que alguém já deveria ter o trabalho pronto para apresentar e decide ir à luta, lançando-se ao trabalho de compor as cerca de mil páginas de pautas que viria a concluir no princípio de Janeiro. Entretanto, o concurso fora anulado… e com a ópera pronta, decide oferecê-la ao S. Carlos (que a recusa) "sem ter ao menos visto a primeira página, e indagado da montagem". Por essa altura, sabe da existência de um concurso em Madrid, aberto a compositores portugueses e concorre entregando a ópera no dia 31 de Janeiro, último dia do prazo. Chegados os resultados, obtém o primeiro lugar com a Ópera Belkiss. Em entrevista ao Diário de Lisboa diria: "S. Carlos recusou-me a Belkiss, prestou-me um serviço que não mais esquecerei e do qual estou profundamente satisfeito. Ora imagine que tinham gostado da ópera? Estava perdido, porque neste momento não tinha a satisfação de ver o meu trabalho valorizado num concurso oficial de um país como Espanha, que hoje é uma potência artística, estupenda, e teria a estas horas a Belkiss a ser representada aqui no nosso lírico, entre desconfianças e desprezos das criaturas exigentes que à saída do Parsifal vão para a Garrett assobiando o «Fado Liró» e a «Maria Cachucha»…".      
 
(CONTINUA)
 
5 de Fevereiro de 2009
 
  Rui Ramos Pinto Coelho
http://images.google.pt/imgres?imgurl=http://cultura.portaldomovimento.com/images/p379_1_01.jpg&imgrefurl=http://cultura.portaldomovimento.com/ruy_coelho.html&usg=___wsb2tEjb-im2Z6PlRzKF5HU8Gg=&h=168&w=116&sz=8&hl=pt-PT&start=11&tbnid=cfZuyZ6rxo9GGM:&tbnh=99&tbnw=68&prev=/images%3Fq%3DRuy%252BCoelho%26gbv%3D2%26hl%3Dpt-PT%26sa%3DG

 

RUY COELHO – 2

 

 
Chegou a Berlim em 1910. Aí começou por ser aluno de Max Bruch, considerado o principal representante do classicismo alemão, na Hochschule. Foi admitido como aluno de composição de Engelbert Humperdinck, o famoso compositor da ópera "Hansel und Gretel", discípulo de Wagner, e que este escolhera para professor do seu filho. Também este mestre lhe terá reconhecido talento pois deu-lhe aulas gratuitamente quando tinha o tempo todo tomado com alunos a quem cobrava caro. Continuou os estudos de piano com Einsenberg e sempre defendeu ser decisivo para um compositor dominar esse instrumento. Posteriormente teve aulas com Arnold Schönberg, criador do Dodecafonismo, que procurou após ter assistido à primeira audição de "Pierrot Lunaire", interrompida por pateadas, e onde encontrou Raul Lino (que mais tarde viria a fazer a cenografia e figurinos para pelo menos um dos seus bailados).
 
Passados uns meses escreveu ao seu mecenas explicando que poderia obter melhores resultados nos estudos se, ao invés de receber a pensão mensalmente, durante os três anos que estava previsto ficar em Berlim, a recebesse toda de uma só vez. Pois constatou que a mesada não lhe chegava para comprar as pautas de que necessitava nem para assistir a concertos. Em resposta, deixou de receber qualquer apoio e viu-se de repente em Berlim, sem meios de sobrevivência. Desesperado, escreve a Teófilo Braga (que não conhecia), dizendo-lhe que se o Português mais ilustre do seu tempo, o não pudesse ajudar, não valia a pena recorrer a mais ninguém. O velho Presidente da República, considerado um dos homens mais cultos do seu tempo, deve ter achado graça, pois terá pedido ao "Monteiro dos Milhões" (o milionário que mandou construir a Regaleira) para contribuir. E lá chegou uma nova bolsa. Acontece que, por essa altura, um músico brasileiro seu amigo em Berlim, voltou para o Brasil, e tendo conhecido um rico emigrante português no Pará, o alertou para o imperativo de ajudar o jovem talentoso Ruy Coelho, à mingua na capital da música. Alerta que veio a resultar na chegada de uma pensão suplementar. Qual não terá sido o seu espanto quando começa a receber de novo o apoio de Herold, o seu primeiro mecenas, ficando assim com três pensões. Ainda se questionou, se deveria informar os mecenas do sucedido e devolver uma parte, mas foi convencido a nada fazer. Foram tempos de intenso progresso pois pôde concentrar-se nos estudos, com os melhores mestres. Foi até a única época da sua vida em que teve bons pianos, pois o seu aluguer era barato. Teve ainda aulas com Paul Vidal em Paris, onde terá conhecido Amadeu de Souza-Cardoso. E escreveu então as suas primeiras obras: o primeiro Lied português; a "Sonata nº 1" para piano e violino (primeira obra de câmara portuguesa com escrita harmónica moderna); o primeiro bailado português; a Suite "Bouquet" para piano (dedicada a Humperdink, que a aprovou); "Largo" para duas violas e dois violoncelos, e a "Sinfonia Camoneana nº1" (a primeira obra portuguesa dodecafónica, politonal, e em que foi empregue a atonalidade).
 
Uma vez terminada a edição da Sinfonia teve, segundo ele, a má ideia de voltar a Lisboa, onde em 10 de Junho de 1913, com apenas 24 anos, assistiria à estreia da mesma, numa récita de gala no S. Carlos, com quinhentos executantes, o maior conjunto coral sinfónico reunido até esse momento em Portugal, precedida de conferência do então ex-Presidente Teófilo Braga.
 
Uns dias depois visita Teófilo Braga, ficando impressionado com a frugalidade em que vivia, sozinho, e confessa-lhe desejar escrever uma ópera mas não ter libreto. Este lê-lhe o "Serão da Infanta" que viria a ser a primeira ópera portuguesa cantada em português na estreia. Fazendo parte das comemorações do 1 de Dezembro de 1913, no S. Carlos e na presença das mais altas individualidades como Manuel de Arriaga e Afonso Costa. O que poderia parecer um início de carreira triunfal, quase é o seu fim. O que aconteceu, e que viria a ser discutido no parlamento e nos jornais, foi que o Ministro dos Negócios Estrangeiros lhe tinha assegurado a bilheteira para oferecer ao corpo diplomático e, à última da hora, o obrigou a oferecer os bilhetes, sob pena de lhe retirar o Teatro. Como tinha montado o espectáculo por sua conta e risco, e fizeram questão de lhe cobrar todos os custos, "mesmo os que não cobravam às companhias estrangeiras", já estava totalmente endividado e não podia recuar. Quando se preparava para iniciar o espectáculo é confrontado pelos músicos: que não tocariam sem receber os honorários. Com o Teatro cheio, dirige-se ao camarote presidencial para relatar o sucedido, sendo recebido por um alto funcionário que se prontifica a resolver a questão, dando-lhe um cartão pessoal como penhor. Mostra o cartão aos músicos que, acreditando estar garantido o pagamento, acedem em tocar. No fim do espectáculo, sem bilheteira nem apoios, vê-se só e com um enorme prejuízo. É acusado de caloteiro e tem de ir ao Governo Civil justificar-se. Não foi preso, pois ao tempo, como lhe explicaram, "em Portugal não se ia preso por dívidas". Chegou a haver uma subscrição pública de apoio, em que surgem à cabeça os seus amigos Mário de Sá-Carneiro e José Pacheco, ambos com 500 Reis.
 
(CONTINUA)
 
5 de Fevereiro de 2009
 
 Rui Ramos Pinto Coelho

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