D. Catarina, Infanta de Portugal e irmã do nosso rei D. Afonso V, nasceu em Lisboa a 26 de Novembro de 1436. Pessoa culta, dominava o latim e o grego traduzindo para português algumas obras importantes da sua época mas entregou-se à vida monástica depois do falecimento prematuro do seu primo D. Carlos, príncipe de Navarra, por quem se tinha apaixonado e a quem se prometera em casamento. Morreu aos 27 anos em Coimbra a 17 de Junho de 1463, pouco antes que a casassem com Eduardo IV de Inglaterra.
Trasladada de Coimbra para Lisboa, foi-lhe construído túmulo na Igreja do então novo Hospital de Todos os Santos e depois do terramoto de 1755 foi novamente trasladada para o Convento de Beato onde ainda hoje se encontra em local que parece actualmente desempenhar a útil mas pouco ilustre missão da armazenagem de massas alimentícias.
Para quem se preparara para ser rainha de Navarra e Aragão e posteriormente se viu quase a ter que ser rainha de Inglaterra, reconheçamos que nos estamos a esquecer um pouco de um valor histórico nacional que poderia ser enaltecido de múltiplas formas e nunca abandonado sob prateleiras de vitualhas industriais.
Para quem teve honras para figurar no painel de Nuno Gonçalves, mal parece que hoje esteja esquecida entre prateleiras de esparguete
Tenhamos esperanças de que o IPPAR se debruce sobre a questão com a brevidade conveniente, já que tanto se esmerou para que nada se viesse a saber quanto ao ADN de D. Afonso Henriques. Antes que o Convento do Beato vá para obras... Sim, mais vale que vá para obras do que ficar como está que não é carne nem peixe no sentido de que não está recuperado mas também não é ruína. É uma coisa assim «a modos que» inacabada, com materiais modernos a segurar uma mistura de várias épocas de arquitectura, desde as medievais às renascentistas, tudo a revelar que foi local importante por várias vezes e que por outras tantas terá caído no esquecimento e abandono... Até que se passou para o esparguete e finalmente para as remunerativas festas de casamentos e baptizados.
Convento do Beato: da serenidade monacal aos bailaricos de casamentos e baptizados...
Erigido por ordem de D. Isabel, mulher de D. Afonso V, no local onde se encontrava uma capela em honra de S. Bento, ali mesmo sobre a margem do Tejo, o Convento do Beato começou por se chamar de S. Bento de Xabregas e teve como primeiro Dom Prior a Frei António da Conceição, membro da Ordem dos Cónegos Seculares de S. João Evangelista. De hábito azul, chamou-lhes o povo de lóios, sinónimo da dita cor.
O proselitismo religioso é norma de todo o Clero mas se há os religiosos que se dedicam a servir os confessos, outros há que optam pela conquista de novas almas para o rebanho e dentre estes sobressaíram sempre estes Cónegos de S. João Evangelista praticando aquilo a que hoje poderemos chamar uma verdadeira “política de fronteira”. Por isso foi tão forte a presença dos Lóios nas terras alentejanas e daí a necessidade de disporem de um local de apoio e refúgio na retaguarda da primeira linha de combate na missão que se atribuíram. O Convento de Xabregas, implantado no então limite da antiga terra cristã, passou a servir de local de tratamento e repouso aos membros da Ordem que se apresentassem doentes e cansados das tarefas de missionação. Aproveitava-se igualmente da sua localização para servir as populações vizinhas, sempre carentes de cuidados de saúde, alimento e conforto espiritual.
De tanto bem-fazer, quando Frei António da Conceição morreu, logo o povo o tratou de Santo não perdendo a Ordem a oportunidade de encetar junto da Santa Sé o respectivo processo de canonização. Assim se formalizou a beatificação de Frei António.
Mas os residentes no Convento de Xabregas começaram a envelhecer e a morrer com toda a naturalidade até que chegou ao fim da vida o último Cónego encarregue do dito processo de canonização. Não houve quem o substituísse até à extinção das Ordens religiosas em Portugal, o Beato António não chegou a Santo e o Convento de S. Bento de Xabregas passou a ser conhecido por Convento do Beato.
Chegou D. Paulo de Lima, Capitão de Malaca, com um exército e, deixando 600 homens a guarnecer a cidade, lançou-se na perseguição do usurpador do trono do reino de Kandy no centro da ilha entregando-o ao rei legítimo, D. Filipe Jamasinha Bandara que morreu pouco depois. Suceder-lhe-ia seu filho, D. João de Áustria Candia que, por ser criança, não foi aceite pelo povo.
Terá então tomado posse do trono um irmão do falecido rei.
Não empossado, seguiu o jovem não-rei escoltado por 400 portugueses rumo a Goa onde estudou Latim e Teologia. Passados alguns anos, seguiu para Portugal onde em 30 de Outubro de 1639 fundou o Oratório da Porta do Céu em Telheiras, onde jaz, depois de aí ter falecido em 1 de Abril de 1642 não sem antes ter formalmente renunciado ao trono de Kanda Uta Rata em favor de D. João IV, rei de Portugal.
Oratório da Porta do Céu
Entretanto, tivera D. João de Áustria Candia em Portugal duas filhas que nunca foram legitimadas. Uma delas, D. Maria de Candia, professou e morreu em 1680 com 74 anos no mosteiro de Vialonga, no caminho de Loures para Alverca.
E nós, que vamos frequentemente a Telheiras não imaginamos que por ali, algures, jaz um legítimo não-rei do Sri Lanka e passamos algumas vezes por Vialonga sem qualquer sentimento relativamente à princesa do reino de Kandy que, também ela, nunca foi legítima nem sequer princesa e muito menos cingalesa.
Lisboa, Maio de 2016
Henrique Salles da Fonseca
(NOV15 - no Jardim Botânico de Paredeniya, Sri Lanka)
BIBLIOGRAFIA:
«TAPROBANA E MAIS ALÉM... PRESENÇAS DE PORTUGAL NA ÁSIA», Benjamim Videira Pires SJ, ed. Instituto Cultural de Macau, 1995, pág. 25 e seg.
Todos sabemos onde é o Cais do Sodré mas passamos no Largo Duque da Terceira e julgamos que tudo aquilo é o «cá xi dré».
A estátua que podia estar no jardim do Largo de Santos – dos mártires Veríssimo, Máxima e Júlia cujo martírio terá ocorrido em 303 da nossa era – não existe e por isso lá puseram Ramalho Ortigão.
Na Praça D. Luís está uma estátua imponente do Marquês de Sá da Bandeira cuja avenida se localiza bem longe, nas chamadas Avenidas Novas.
O Jardim da Estrela, denominado oficialmente “Jardim Guerra Junqueiro”, tem uma estátua de João de Deus enquanto a estátua do patrono oficial do jardim se encontra bem longe, na Praça de Londres.
Ninguém saberá onde se localiza o Jardim 5 de Outubro mas se lhe chamarmos o «Jardim da burra», então já haverá muita gente que sabe tratar-se do pequeno jardim ao lado nascente da Basílica da Estrela. Mas, em compensação, ninguém sabe que o autor da estátua dos saloios e da burra é Costa Mota (Tio) – pelos vistos houve um escultor homónimo que seria sobrinho do da burra – e que a adorável escultura, inaugurada em 1909, representa a Sagrada Família. E ninguém sabe porque nada lá está escrito e para eu saber tive que me dirigir à autarquia onde, felizmente, dei com alguém culto que me informou com um pedido de desculpas pela inexistência de uma placa explicativa porque a Câmara Municipal, requisitada para o efeito, não se dignou sequer responder à Junta da Freguesia e esta não tem competência administrativa para suprir a lacuna.
Referimo-nos principalmente às movimentações das pessoas mas obviamente também dos bens e serviços indispensáveis à sua vida. E esta consta de trabalho, de abastecimentos de bens e serviços, de educação e de entretenimento, de convivência enfim tudo o que significa viver.
Em cidade bem planeada, as habitações devem ser construídas com a preocupação da sua orientação em relação ao sol de forma a terem a exposição correcta e nunca terem acesso por uma via de grande movimento, das quais devem estar devidamente protegidas quanto a poluição do ar e sonora e além disto constituírem com outras habitações um conjunto propício à convivência.
Estes núcleos habitacionais deverão ser desenhados de forma a terem dimensão suficiente para permitirem a existência de pequeno comércio de bens e serviços essenciais que lhos forneçam e que assim evitem percursos mais longos e onerosos.
Os locais para trabalho deverão ser definidos conforme a sua natureza, escritórios, serviços administrativos, médicos, escolares ou indústrias para os quais há que prever ligações por transportes colectivos e/ou veiculo pessoal o que pressupõe a existência de vias rápidas portanto sem cruzamentos mas apenas saídas e entradas laterais onde a velocidade poderá e deverá ser superior de forma a maximizar o volume de tráfego, até porque a velocidade aconselhável nas ruas dos núcleos habitacionais deverá ser da ordem dos 30km/h para máxima segurança dos habitantes.
É claro que numa cidade como é Lisboa onde durante o último século o critério mais utilizado para definir a planificação urbana, aliás a maior parte da sua área, foi a especulação imobiliária estes princípios básicos da qualidade urbanística tornam-se muito difíceis de atingir, mas nem por isso podem ser esquecidos, de forma a se poder ir melhorando de facto a qualidade de vida da população e evitando repetir os erros, como aconteceu por exemplo no Parque das Nações.
Mas a existência de vias rápidas, isto é de elevado escoamento e não obrigatoriamente de velocidades exageradas como tantas vezes constatamos, é fundamental desde que sejam concebidas com o relacionamento correcto com as carreiras dos transportes colectivos de curta e longa distância e os indispensáveis parques de estacionamento que permitam optimizar as movimentações de toda a população com as suas diferentes soluções pessoais.
Com a certeza de que não sendo assim diminui muito a produtividade da população pois as dificuldades que se verificam diariamente nas movimentações dos nossos cidadãos provocam um enorme desgaste que naturalmente afecta a competitividade nacional.
Dito isto Lisboa precisa de ter algumas vias rápidas de penetração bem como outras de ligação lateral bem como os estacionamentos que diminuam a necessidade de levar os veículos até às zonas centrais e simultaneamente permitir aumentar a velocidade dos colectivos que desta forma quase com a mesma despesa transportarão mais passageiros e dar-lhes-ão melhor qualidade de serviço porque diminuirão os intervalos nas paragens de espera e simultaneamente ir melhorando a qualidade urbana das zonas antigas a reconstruir.
Este deverá ser o estudo a fazer que certamente definirá algumas vias rápidas e obrigará a decidir a construção do túnel Algés-Trafaria.
Lisboa precisa que isto seja feito em vez de soluções por ventura esteticamente atractivas mas que nada contribuirão para melhorar a vida dos que aqui vivem, antes pelo contrário lhes aumentam as despesas.
Assim gastar 13 ou mais milhões de euros a transformar uma via rápida, das poucas que existem, numa avenida parece uma decisão de muito baixo nível de gestão pois com essa verba há muitas melhorias mais úteis e proveitosas a fazer.
Já é tempo para não gastar tão mal os dinheiros do País!
Já falámos do Terramoto de 1755. Destruiu um monte de coisas, montanhas de coisas, igrejas, palácios, o famoso e misterioso cais do terreiro do Paço, em Lisboa não só em Lisboa como em muitas outras localidades.
Portugal, rico, com o ouro do Brasil, de repente ficou pobre. Correram ajudas de outros países, principalmente da Alemanha e não dos nossos tão antigos quanto estimados aliados britânicos.
Uma das igrejas que sofreu grande destruição foi a Sé de Lisboa. A Sé, monumento histórico, começada a erguer (?) segundo consta em cima duma mesquita, no tempo de Afonso Henriques, logo após a conquista de Lisboa, no século XII, foi sempre sofrendo (ou beneficiando?) alterações, modificações, confusões, pelo menos até ao século XVIII. E continuou.
Começou a ser levantada a partir de 1147 em estilo românico e terminou nas primeiras décadas do século XIII. O projecto é semelhante à da Sé de Coimbra, já que seu primeiro arquitecto foi Mestre Roberto, que trabalhou na construção da Sé de Coimbra, na de Lisboa e do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.
Entre os séculos XIII e XIV foi construído o claustro em estilo gótico no reinado de D. Dinis. Seu sucessor, Afonso IV, modificou a parte traseira da igreja românica, ordenando a construção de uma cabeceira para ser utilizada como panteão familiar. A vontade do rei está expressa no seu testamento, datado de 1345, no qual diz que ".... Porem D. Affonso IV. pella graça de Deus Rey de Portugal, e do Algarve, .... e querendo mais acrescentar em esta obra para Deus ser louvado, e para me dar el galardom nossa santa gloria do Paraizo.... "
Apesar da proibição medieval de laicos serem enterrados na capela-mor, foi aberta uma excepção para D. Afonso, pelo seu desempenho heróico na Batalha do Salado (1340). A nova cabeceira começou a ser construída na primeira metade do século XIV, mas as obras só terminaram nos inícios do século XV, durante o reinado de D. João I. No século XIV, Lisboa e a Sé foram afectadas por vários terramotos. Um, muito forte, no início do século XV causou modificações nas obras. As torres terminavam em pináculos e a torre sobre o cruzeiro tinha três andares, como se vê na gravura a seguir.
A Sé no século XVI – à esquerda a Igreja de Santo António... de Lisboa
Ao longo dos séculos a Sé foi decorada com vários monumentos e altares, a maioria dos quais se perdeu ou encontra-se hoje dispersa em outros imóveis. A capela-mor abrigava o túmulo com as relíquias de São Vicente, que foi decorado por volta de 1470 com um grande retábulo pintado - os Painéis de São Vicente de Fora - de autoria atribuída a Nuno Gonçalves, pintor régio de Afonso V. Os painéis foram retirados em 1614 e encontram-se hoje no Museu Nacional de Arte Antiga.
Em meados do século XVII foi construída uma sacristia em estilo maneirista junto à fachada sul da Sé. No século XVIII a capela-mor gótica foi alterada em forma barroca. O grande Terramoto de 1755 destruiu a Capela do Santíssimo, a torre sul e a decoração da capela-mor, incluindo os túmulos reais, e o claustro. A torre-lanterna ruiu parcialmente e destruiu parte da abóbada de pedra da nave, que foi reconstruída em madeira.
A Sé após o Terramoto de 1755, por Jacques Philippe Le Bas (1757).
À esquerda a Igreja de Santo António, também em ruínas
Nas décadas seguintes a Sé passou por reformas e uma campanha de redecoração. Assim, entre 1761 e 1785 foi reconstruída a Capela do Santíssimo. Entre 1769 e 1771, grandes obras de restauro da torre sul da fachada, construção da cobertura de madeira da nave e remodelação da capela-mor, pintura da abóbada e decoração. As naves foram revestidas com decoração de madeira pintada e a nova cobertura de madeira da nave central foi dotada de óculos que permitiam a entrada de luz.
Antes de 1902
Grande parte das adições da era barroca foram retiradas a partir de uma grande campanha de restauro que ocorreu na primeira metade do século XX, cujo objectivo foi devolver à Sé algo de sua aparência medieval. Nos primeiros anos de Novecentos, Augusto Fuschini pretendeu reinventar uma catedral medieval, com laivos de fantasia neo-gótica (como o projecto para a nova cabeceira) e neoclássica (com as grandes colunas para a entrada principal, cujos restos repousam ainda no claustro). A sua morte, em 1911, veio determinar o abandono do projecto.
Em 1911 (bastante horrível!)
Em 1911, o projecto de restauro foi retomado e modificado e passou a privilegiar as estruturas medievais ainda existentes. Foi reconstruída abóbada da nave central, a fachada foi restaurada e refeita e muito aumentada a rosácea, além de muitas outras alterações que deram ao edifício a aparência neo-românica que tem hoje. Após novas reformas, como a nova rosácea, a Sé foi reinaugurada em 1940, numa grande solenidade no dia 5 de Maio de 1940.
A Sé, hoje, o eléctrico “28” e a Igreja de Santo António
Enfim, uma grande mistureba de estilos, e a “garantia” dum monumento do século XII !
Época houve, talvez no meu tempo de estudante, que muito se falava no Terramoto, e na calamidade que isso foi. Hoje parece falar-se menos, talvez por ser tema meio cansado, e porque economicamente o mundo está à espera de outra catástrofe maior. Quem sabe se o Apocalipse.
Lembro só algumas situações “quase apocalípticas” que os homens, os poderosos homens, criaram, na desenfreada procura em destruir a nossa Gaia (ou Geia).
Só poucas, das “últimas”: o crash da Bolsa de Nova York em 1929, a especulação imobiliária provocada no Japão que criou uma tremenda bolha que estourou nos anos 80, a indiscriminada distribuição de €uros aos “irmãos pobríssimos” da Europa que acabaram por afundá-los, sem falar nas centenas ou milhares de bombas atómicas espalhadas por todo o mundo, prontas a acabarem, num hiato, com toda a vida na Terra. Só lembrar que as usinas nucleares não foram inicialmente construídas para gerar energia eléctrica, mas para se obter plutónio, com vista a alcançar a bomba atómica!
O plutónio é tão violento, ou tóxico que até hoje os “grandes cientistas” não sabem qual a quantidade que gera câncer de pulmão! “Supõem” que entre 1/20.000 e 1/100.000 de grama (pequena diferença!) sejam suficientes! Mas qualquer micrograma é letal. Lembram-se do ex-espião russo Alexander Litvinenko? Assassinado com um “primo” do plutónio!
Vale lembrar que só o Japão tem armazenadas – com toda a segurança!!! – 47.000 toneladas de plutónio, que dará para fazer milhares de bombas atómicas. Para quê?
Mas hoje o tema é sobre outras destruições. Vamos ao Terramoto.
Naquele dia, 1° de Novembro, dia de Todos os Santos, igrejas cheias de fiéis, velas acesas em todos os altares, mesmo nas casas particulares, na esperança de que algum deles se lembrasse de fazer um milagrito ou outro, a terra tremeu, tremeu tanto, que ainda hoje parece ter sido o mais violento sismo que desde sempre aconteceu na Europa.
O povo fugia, e era apanhado por queda de prédios, de pedras, telhas, madeiras, as ruas onde mal se podia andar ficaram cheias de destroços que ultrapassavam a altura do primeiro piso, gente gemendo e morrendo debaixo desse amontoado, as igrejas a ruírem e soterrarem dentro os fiéis, um vento fortíssimo espalhando as chamas por toda a cidade, e ainda uns saqueadores a ver o que encontravam no meio das ruínas. Estes, apanhados, nem tempo tiveram para confessar os pecados. Montaram-se rapidamente uma porção de forcas pela cidade e centenas de corpos ficaram balouçando à luz dos incêndios.
Alguns moradores conseguiram chegar ao Terreiro do Paço, muitos deles deixando alguém da família soterrada pelo caminho. Lugar aberto, onde não tinha chegado o fogo e alguns edifícios se mantinham em pé. E ali estavam talvez milhares. De repente vem do rio uma onda imensa com mais de seis metros de altura, invade a cidade e leva tudo pela frente. Em menos de um minuto aquela imensidade de água estava de volta ao rio, e neste vai e vem, que se repetiu durante cinco minutos, arrastou mais um monte de corpos e ajudou a derrubar mais prédios.
Pouco depois o vento forte, que continuava a espalhar o fogo, atingiu o Palácio Real, que o destruiu e fez desaparecer uma valiosíssima biblioteca com mais de 70.000 volumes.
Este cais, solidamente construído, e mais alto que o nível do Terreiro do Paço na época – vê-se bem na gravura seguinte de 1740:
Igualmente vê-se bem o cais e o paredão nesta gravura de Mateus Sautter, anterior a 1755
Até há pouco nunca tinha ouvido que um cais tivesse sido engolido no maremoto, e curioso como sempre, fui atrás. Fiquei sabendo que:
- Em 2009 a Câmara Municipal de Lisboa (CML) realizou a Empreitada de Construção do Sistema de Intercepção e Câmara de Válvulas de Maré do Terreiro do Paço. Esta obra por ter tido lugar num centro histórico da cidade de Lisboa, foi alvo de acompanhamento arqueológico. Começaram as escavações e logo foram identificados alguns elementos em madeira de grandes dimensões, como estacas de pinho e partes de embarcações, que foram limpas e tratadas.
Todas estas informações complementares devo à atenção do arqueólogo Dr. César Augusto Neves que teve a paciência de responder às minhas constantes perguntas, e a quem muito agradeço.
Constata-se pelo trabalho realizado, que a área do Terreiro do Paço, antes de 1755, como se vê pela gravura a seguir, era bem menor do que hoje:
Grande parte se conquistou ao mar e o nível foi aumentado até 6 metros
Mas onde foi parar o tal “cais” a que os testemunhos ingleses (mais do que um) referem que terá “sido engolido... parece que continuará um mistério, visto que o cais encontrado estaria no nível correcto para o tempo, o que pode ver-se por mais esta imagem, que mostra o cais uns 6 metros abaixo do nível actual.
Todas as pedras do antigo cais foram desmontadas, identificadas, numeradas e enviadas para o Museu da Cidade de Lisboa, para um dia (quando...?) serem montadas noutro local.
Esperemos que não aguardem, como as do Arco de São Bento, que finalmente se reergueu ao fim de 70 anos de passiva e pétrea espera, na Praça de Espanha!
Em 1195 Fernando Martins de Bulhão nasceu em casa de seus pais, comerciantes abastados, no lugar onde hoje se encontra a Igreja de Santo António, frente à Sé Catedral de Lisboa.
Ali ao lado havia a pedreira da Sé e o Arco, ou Porta de Ferro, onde esteve instalada uma Ermida de Nossa Senhora da Consolação, cuja imagem havia sido levada de França pelo General Martim Afonso de Sousa (herói da Batalha de Aljubarrota).
Em 1431 já existia, porque para terem ali sido trasladados de São Vicente de Fora, os restos mortais de dona Teresa Taveira, mãe do Santo, conforme inscrição que estava do lado da Epístola e que o terramoto de 1755 destruiu.
Por isto, se confirma que a igreja já existia antes de 1495, ano em que o Senado, satisfazendo os desejos de D. João II, confirmado por disposição testamentária por D. Manuel I, de construir neste local uma nova igreja, decidiu erigir um templo que abrangesse toda a casa dos Bulhões, e a que se deu o nome de Real Casa de Santo António.
Cerca de 1300, esta casa, solar ao que parece, por ter sido berço do Santo havia sido adquirida pelo Senado da Câmara e transformada em capela, conhecida de início por Santo Antoninho da Sé, servindo ao mesmo tempo de Senado Camarário desde 1326 a 1753.
Foi ali que D. João III recebeu a bandeira da cidade que havia de ser arvorada em Ceuta bem como foi dali que saiu a bandeira empunhada pelo Conde de Castanhede, a que se juntou ao Senado e o povo em 1 de Dezembro de 1640 para correrem com os espanhóis.
Parece não se se saber ao certo quando esta casa-capela foi transformada em igreja em homenagem a Santo António. Freire de Oliveira atribui a fundação da primeira igreja entre o primeiro e segundo quartel do século XIII.
Perto da primeira capela-mór ainda existe a mesma porta de que se servia Martim de Bulhão, pai do Santo.
Entretanto, a primeira capela foi absorvida ou completamente substituída pela igreja que D. João II e D. Manuel mandaram levantar.
Todos os reis de Portugal contribuíram para o esplendor deste templo, mas foi D. João V que converteu a basílica num dos mais sumptuosos templos da Europa. O terramotos de 1755 e o incêndio que se seguiu pela cidade quase a destruíram completamente, só se tendo salvo a capela-mór e a venerada e veneranda imagem do Santo.
Após esta catástrofe a Câmara ordenou que se edificasse, entre as ruínas da antiga basílica, uma capela provisória, cuja abertura coincidiu com o primeiro aniversário da tragédia.
Entretanto, Mateus Vicente, que planeara a basílica da Estrela, substituiu o estilo manuelino por barroco.
Interior da Igreja
Existe ainda a cripta, por baixo do altar-mór, onde, segundo a tradição, seria o quarto onde nascera o Santo casamenteiro.
A igreja esteve fechada desde 1910 a 1926, os anos escuros dos carbonários revoltosos, só foi reaberta ao público a 14 de Setembro.
Muitas modificações vêm sendo efectuadas nesta igreja, como restauros e melhoras. A meio da parede nota-se uma lápide de mármore, ali mandada colocar pela Câmara em 1859:
Nascitur.Hac.Ut.Tradunt.Antonius. Aede.
Quem.Coeli.Nobis.Abstulit.Alma.Domus
(Nesta casa, segundo a tradição, nasceu António, aquele
Ouvi parte da sua entrevista televisiva, creio que na passada 5ª feira, e a minha assinatura (que não dei) foi solicitada para uma petição contra o aumento dos contentores no cais de Alcântara. Há neste assunto dois aspectos: o físico do alargamento da área do cais destinada aos contentores, e o político/financeiro, da obra ser, pelo menos em parte, paga pela Liscont, a troco do alargamento sem concurso público da duração da sua actual concessão.
Com respeito ao primeiro, há que dizer que uma vasta área bem servida por caminho de ferro, que era usada para movimentação e depósito de contentores, foi urbanizada na sequência da EXPO 98. Em consequência, os contentores espalharam-se por Lisboa e pelos arredores, e hoje, o cais de Alcantara, nitidamente acanhado, é, na cidade, praticamente a única zona onde podem estacionar e ser movimentados os contentores chegados e que vão ser embarcados.
A Administração do Porto de Lisboa e a Câmara sentiram-se, naturalmente, obrigados a resolver este problema que tende a agravar-se. A solução proposta foi a de aumentar, com terrenos ganhos ao rio e com a demolição de alguns edifícios, a zona destinada aos contentores e de deslocar para Santa Apolónia os navios de cruzeiros.
Esta solução, que tem inconvenientes vários, é uma solução provisória porque, se não for tomada nenhuma outra, dentro de alguns anos o cais de Alcântara estará de novo saturado. Contra ela manifestam-se desde já alguns cidadãos?. Mas o que é que propõem? Nada fazer?
Acontece que, no estuário do Tejo, há uma outra zona altamente propícia para a construção de um grande terminal portuário. É a zona da Trafaria, onde já está instalado um terminal para graneis cerealíferos, um dos dois maiores da Peninsula Ibérica, e que pode ser facilmente ampliado para outras valências, sobretudo se a obra for conjugada com o fecho da golada (ligação por terra ao Bugio) uma obra absolutamente necessária para proteger as praias da Caparica e garantir a boa entrada da barra do Tejo.
Estes assuntos foram focados, no passado dia 30, num encontro que se realizou na Sociedade de Geografia de Lisboa sobre o Estuário do Tejo.
O problema do terminal da Trafaria é não ter, neste momento, caminho de ferro. Dele saiem, diáriamente, 300 camiões com cereais. Mas, basta uma linha com cêrca de 10 km para o ligar à linha que passa na ponte 25 de Abril, com o que fica ligado a toda a rede ferroviária nacional e, depois, à rede europeia quando for feita a linha de bitola europeia do Poceirão a Badajoz.
É habitual analisar as grandes obras públicas do ponto de vista da relação custo/benefício. Convém, no entanto, considerar a fracção inversa benefício/custo. Deste ponto de vista , olhando em primeiro lugar o benefício., temos que as obras que mais imediatamente nos podem trazer benefício são: 1- A ligação do cais da Trafaria à rede ferroviária existente. 2- O fecho da golada. 3- A ampliação do terminal portuário da Trafaria para outras valências.
Há uma corrida contra o tempo. Se estas 3 obras forem decididas e construidas sem grandes demoras, o crescimento do trafego de contentores no cais de Alcântara pode ser travado e mesmo significativamente diminuido. As obras de expansão da zona dos contentores feitas agora em nada impedem que o cais mantenha, ou pelo menos venha a recuperar a sua função de cais turistico em frente do Museu de Arte Antiga.
Com respeito à questão político/financeira do aumento do prazo da concessão sem concurso público, uma outra questão preocupa-me muito mais. Foi o ter ouvido (não vi nada escrito) que se prepara a privatização do terminal cerealífero da Trafaria.
O que é que está, ou pode estar, em vias de privatização: as instalações actualmente existentes (que são as de um dos dois maiores terminais cerealíferos da Península Ibérica) ou a possibilidade de construir, com custos relativamente diminutos, um dos melhores portos da Europa, fundamental para o papel que Lisboa, cidade portuária, pode vir a ter no futuro.
D. Catarina, irmã de D. Afonso V, Infanta de Portugal, nasceu em Lisboa a 26 de Novembro de 1436. Pessoa culta, dominava o latim e o grego traduzindo para português algumas obras importantes da sua época mas entregou-se à vida monástica depois do falecimento prematuro do seu primo D. Carlos, príncipe de Navarra, por quem se tinha apaixonado e a quem se prometera em casamento. Morreu aos 27 anos em Coimbra a 17 de Junho de 1463, pouco antes que a casassem com Eduardo IV de Inglaterra.
Trasladada de Coimbra para Lisboa, foi-lhe construído túmulo na Igreja do então novo Hospital de Todos os Santos e depois do terramoto de 1755 foi novamente trasladada para o Convento de Beato onde ainda hoje se encontra em local que parece actualmente desempenhar a útil mas pouco ilustre missão da armazenagem de massas alimentícias.
Para quem se preparara para ser rainha de Navarra e Aragão e posteriormente se viu quase a ter que ser rainha de Inglaterra, reconheçamos que nos estamos a esquecer um pouco de um valor histórico nacional que poderia ser enaltecido de múltiplas formas e nunca abandonado sob prateleiras de vitualhas industriais.
Para quem, como a Infanta D. Catarina, teve honras no painel de Nuno Gonçalves, mal parece que hoje esteja esquecida entre prateleiras de esparguete
Tenhamos esperanças de que o IPPAR se debruce sobre a questão com a brevidade conveniente, agora que tanto se esmerou para que nada se viesse a saber quanto ao ADN de D. Afonso Henriques. Antes que o Convento do Beato vá para obras . . .
Sim, mais vale que vá para obras do que ficar como está que não é carne nem peixe no sentido de que não está recuperado mas também não é ruína. É uma coisa assim a modos que inacabada, com materiais modernos a segurar uma mistura de várias épocas de arquitectura, desde as medievais às renascentistas, tudo a revelar que foi local importante por várias vezes e que por outras tantas terá caído no esquecimento e abandono . . . até que se passou para o esparguete e finalmente para as remunerativas festas de casamentos e baptizados.
Convento do Beato: da serenidade monacal aos bailaricos de casamentos e baptizados . . .
Erigido por ordem de D. Isabel, mulher de D. Afonso V, no local onde se encontrava uma capela em honra de S. Bento, ali mesmo sobre a margem do Tejo, o Convento do Beato começou por se chamar de S. Bento de Xabregas e teve como primeiro Dom Prior a Frei António da Conceição, membro da Ordem dos Cónegos Seculares de S. João Evangelista. De hábito azul, chamou-lhes o povo de lóios, sinónimo da dita cor.
O proselitismo religioso é norma de todo o Clero mas se há os religiosos que se dedicam a servir os confessos, outros há que optam pela conquista de novas almas para o rebanho e dentre estes sobressaíram sempre estes Cónegos de S. João Evangelista praticando aquilo a que hoje poderemos chamar uma verdadeira “política de fronteira”. Por isso foi tão forte a presença dos Lóios nas terras alentejanas e daí a necessidade de disporem de um local de apoio e refúgio na retaguarda da primeira linha de combate na missão que se atribuíram. O Convento de Xabregas, implantado no então limite da antiga terra cristã, passou a servir de local de tratamento e repouso aos membros da Ordem que se apresentassem doentes e cansados das tarefas de missionação aproveitando igualmente da sua localização para servir as populações vizinhas, sempre carentes de cuidados de saúde, alimento e conforto espiritual. De tanto bem-fazer, quando Frei António da Conceição morreu, logo o povo o tratou de Santo e não perdeu a Ordem a oportunidade de encetar junto da Santa Sé o respectivo processo de canonização. Assim se formalizou a beatificação de Frei António. Mas os residentes no Convento de Xabregas começaram a envelhecer e a morrer com toda a naturalidade até que chegou ao fim da vida o último Cónego encarregue do dito processo de canonização. Não houve quem o substituísse até à extinção das Ordens religiosas em Portugal, o Beato António não chegou a Santo e o Convento de S. Bento de Xabregas passou a ser conhecido por Convento do Beato.
Era relativamente próximo do Convento que existia, mesmo junto à margem do salgado Tejo, um poço de água doce que servia não só os frades mas sobretudo a população ribeirinha. Realidade geológica de clinais e anticlinais que fazem a separação das águas que ainda hoje desperta a curiosidade científica mas que naquelas épocas por certo evocaria misteriosos motivos divinos.
Séculos mais tarde, D. Tomás de Almeida, arcebispo de Lisboa, mobilizou cabedais próprios e mandou erigir junto ao Tejo a sua residência pessoal de modo a que se pudesse deslocar de barco até ao sopé da colina em que se situa a Sé em vez de ter que penar por veredas dos arrabaldes da cidade ou ter que sofrer das insalubridades típicas de intra-muros. Essa nobre residência, a que o povo passou a chamar de “Palácio da Mitra”, também do referido poço se servia.
D. Tomás de Almeida, 1º Cardeal Patriarca de Lisboa
Foi com faustosas mordomias que D. João V conseguiu da Santa Sé que o Arcebispo de Lisboa fosse elevado a Patriarca e à honra cardinalícia mas se essa nova pompa tanto agradava ao Rei, teve este que providenciar ao Patriarcado os rendimentos que permitissem o financiamento de tanta pompa e circunstância. Assim foi que a Quinta de Marvila, ampla unidade agrícola sobranceira ao Tejo, passou do património real para o do Patriarcado.
Palácio da Mitra - por esta porta acedia o Cardeal à praia do Tejo para navegar rumo à Sé
Mas D. Tomás de Almeida, irmão do Conde de Avintes e futuro Marquês de Lavradio, tinha grande experiência de administração do seu próprio património e tomou as providências necessárias para que a Quinta de Marvila deixasse o estado de abandono em que se encontrava passando a produzir em conformidade com as necessidades financeiras do dispendioso Patriarcado de Lisboa. Uma das decisões mais importantes que o Cardeal tomou foi a de murar a Quinta de modo a que não mais fosse devassada por “estranhos ao serviço”. Mas teve o cuidado bem cristão de deixar extra-muros o tal poço junto ao rio a que o povo acorria para se dessedentar. E o povo, agradecido, passou a chamar-lhe o poço do Bispo. Houvera nesta cidade mais cuidado com as histórias que por ela correm e teria eu encontrado uma imagem do poço que parece estar hoje enclausurado em traseiras de prédio de arquitectura apócrifa.
Nada do referido nesta charla é importante mas a História não se faz apenas de Aljubarrotas.