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A bem da Nação

HISTÓRIAS ESQUECIDAS – 3

 

 

Corria o ano de 1543 quando os portugueses puseram pé em solo japonês. Mais concretamente, na ilha de Tanegaxima. Quem? Pois nada mais nem nada menos do que o famoso Fernão Mendes Pinto na companhia de Diogo Zeimoto e de Cristóvão Borralho. Todos os seus companheiros – religiosos, marinheiros, soldados e demais ajudantes – entraram no rol dos esquecidos. 

 HSF-Fernao_Mendes_Pinto.jpg

E que foram lá fazer? Comerciar, claro está; mas também evangelizar.

 

O comércio era fundamental para a viabilização de todos os empreendimentos ao estilo imperial e mesmo quando não se pretendia assentar arraiais pela posse, esse comércio era necessário para benesse dos cabedais de quem se aventurava mares adentro.

 

Foi então o espírito empreendedor dos portugueses que promoveu o estabelecimento de relações com o Japão de modo que o chamado «navio negro» (porque estava revestido de breu como isolante contra as moléstias que dão às madeiras) usava as monções para levar sedas e porcelanas chinesas até ao Japão para, na volta, trazer prata para a China. E foi por causa deste trato que ao «navio negro» se passou a chamar «a nau do trato». Então, o negócio sendo de tal modo rendoso, a Coroa – a nossa, claro está – chamou-lhe seu (ao dito negócio) e passou a adjudicá-lo a quem melhor a remunerasse. A licitação era feita em Macau que arrecadava uma parcela da renda, mas fazia as adjudicações por ordem do nosso Vice-rei da Índia que amealhava outra parcela. Quanto chegava a Lisboa? Não tenho esses registos à mão de semear mas tempos houve em que essa Lisboa se chamava Madrid.

 

HSF-Toyotomi Hideyoshi.jpg

 

Depois de feras quezílias entre os muitos Senhores feudais japoneses disputando a parceria com os portugueses e depois de muitos incómodos religiosos durante o consulado de Toyotomi Hideyoshi[1] que governava de facto o Japão em nome do meramente simbólico Imperador, Nagasaki foi o porto que a nau do trato passou a usar e foi a cidade em que a Companhia de Jesus estabeleceu a sua missão mais oriental. Nagasaki foi portuguesa durante uns anos de grande lucro para todas as partes envolvidas.

 

HSF-Nagasaki-Por 663highland-Obra do próprio, CC

 

Zarpando de Nagasaki no dia 20 de Fevereiro de 1582 com destino a Portugal, quatro jovens nobres japoneses então com 13 e 14 anos de idade, autênticas crianças, vieram ver as maravilhas europeias e a superioridade absoluta do Ocidente relativamente ao Oriente. Chegados a Lisboa, vista geral da cidade e ei-los a caminho de Madrid para serem apresentados ao rei que era então Filipe I de Portugal e II de Espanha. Foi aí que o rei os reconheceu como Embaixadores do Japão e lhes dispensou todas as honras inerentes ao cargo. Rumaram de seguida a Roma onde, como não poderia deixar de ser, foram ver o Papa que, à época, era Gregório XIII. E de Roma regressaram a Lisboa onde permaneceram o tempo suficiente para descansarem e ganharem forças para o regresso a casa, o Japão.

 

E um dos locais em que descansaram foi a nossa tão conhecida Quinta da Penhalonga, ali no sopé do extremo nascente da Serra de Sintra, que à época já era um remanso aprazível.

 

Foi naquele cenário bucólico que os jovens Embaixadores se descontraíram a convite do Cardeal Alberto, então vice-rei de Portugal. E quem hoje por ali bate bolas de golf não imagina que muito provavelmente pisa sobre a pegada renascentista de um jovem japonês encarregue de propagandear no Oriente o esplendor de Portugal.

 

Depois de 8 anos de viagem, desembarcaram em Nagasaki em 21 de Julho de 1590 já com 21 e 22 anos de idade, não mais crianças, para se diluírem por lá e não mais ouvirmos falar deles. A menos que os procuremos pelos seus nomes cristãos em que mantiveram os apelidos japoneses: os de Kiuchiu chamavam-se Mâncio Ito (sobrinho de Francisco, daimio de Bungo), Miguel Chijiwa (sobrinho de Protásio, daimio de Arima); os de Omura eram Martim Hara (parente de Martinho Hara) e Julião Nakaura.

 

Sabe-se que Toyotomi Hideyochi perguntou certa vez ao padre jesuíta português João Rodrigues (“o intérprete”, como ficou conhecido) se o seu rei gostaria que os japoneses fossem para lá combater a religião católica fazendo o proselitismo do xintuismo no seu reino; então, o seu Imperador também não queria que os portugueses andassem pelo Japão a minar a religião nacional e, portanto, ele, Toyotomi, que governava em nome do Imperador, não permitiria que os portugueses continuassem a pregar a sua religião – comércio, sim; religião, não.

 

Assim se fundamentaram as chacinas e os mais de duzentos mártires católicos portugueses e japoneses que a Santa Sé vem beatificando e canonizando.

 

E, dentre estes muitos mártires, faço notar que os mais celebrizados são aqueles a quem a Santa Sé chama os «26 mártires do Japão» que, curiosamente, são 28. Esperemos que alguém explique mais esse mistério que não é dogma de fé mas sim apenas erro de aritmética.

HSF-Mártires do JapãoOs Vinte e Seis Mártires de 1597

 

  1. Stº. António Dainan
  2. S. Boaventura de Miyako
  3. S. Cosme Takeya
  4. S. Francisco Branco
  5. S. Francisco de Nagasaki
  6. S. Francisco de São Miguel
  7. S. Gabriel de Duisco
  8. S. Gaius Francisco
  9. S. Gonçalo Garcia
  10. Stª. Isabel Fernandes
  11. Stº. Ignatius Jorjes
  12. S. Diogo Kisai
  13. S. Joaquim Sakakibara
  14. S. João Kisaka
  15. S. João Soan de Goto
  16. S. Leão Karasumaru
  17. S. Luís Ibaraki
  18. S. Martinho da Ascensão
  19. S. Matias de Miyako
  20. S. Miguel Kozaki
  21. S. Paulo Ibaraki
  22. S. Paulo Miki – nasceu no Japão em 1562, entrou para a Companhia de Jesus em 1580 e foi o primeiro membro japonês numa ordem religiosa Católica. Morreu um ano depois da sua ordenação.
  23. S. Paulo Suzuki
  24. S. Pedro Baptista ou São Pedro Bautista – Franciscano espanhol que trabalhou cerca de dez anos nas Filipinas
  25. S. Pedro Sukeyiro
  26. S. Filipe de Jesus
  27. S. Tomás Kozaki
  28. S. Tomás Xico

 

E quanto aos meninos embaixadores, eles eram, naquela época, bons amigos de Portugal mas com estas e outras chacinas, fica por saber se salvaram a pele reconvertendo-se ao xintuismo ou se também foram martirizados. Haja quem investigue.

 

Maio de 2016

 

Henrique-Arco dos Vice-Reis, Velha Goa-NOV15 (2).j

Henrique Salles da Fonseca

(Nov15-frente ao Arco dos Vice-Reis, Goa)

 

 

BIBLIOGRAFIA:

 

«TAPROBANA E MAIS ALÉM... PRESENÇAS DE PORTUGAL NA ÁSIA», Benjamim Videira Pires SJ – ed. Instituto Cultural de Macau, 1995, pág. 308 e seg.

 

«RODRIGUES, O INTÉRPRETE», Michael Cooper SJ, ed. QUETZAL, 2003

 

WikipédiaOs 26 mártires do Japão

 

[1] - Para saber mais sobre este personagem fundamental da História do Japão, v. p. ex. https://pt.wikipedia.org/wiki/Toyotomi_Hideyoshi

 

TRIBUTO AO JAPÃO

 

 

O mundo inteiro tem assistido, horrorizado, ao descomunal desastre a que o Japão está sendo acometido. E se acompanhamos a sua dor, ao mesmo tempo nos rendemos à sua extraordinária capacidade de sofrimento e serenidade.

 

Hoje fui buscar um texto do sempre grande admirador e apaixonado pelo Japão, Wenceslau de Morais, que nos dá uma pequenina ideia da filosofia deste povo que, apesar de tudo, não elimina a sua dor. A dor de cada um não há quem possa medir. E toda a dor merece o nosso respeito.

 

Transcrevi há dias um texto do livro “O Bon-Odori em Tokushima”, mas vem agora a propósito a explicação do título deste livro.

 

(*)

 

A dança do Bon-Odori

 

Bon-Odori. Estranha frase japonesa; mais do que estranha, - incompreensível -, para leitores da minha terra. Eu explico. Bon é um vocábulo budista, que significa a festa dos mortos. Com efeito, há no Japão, em cada ano, um período, geralmente de 13 a 15 do 7° mês do ano lunar, durante o qual se festejam os mortos; festejam, o que marca profunda distinção entre esta comemoração japonesa e a comemoração católica do Dia de Finados. Odori quer dizer simplesmente: dança. Bon-Odori é pois a dança da festa dos mortos, mística cerimónia congratulatória, persistindo desde os remotos tempos bárbaros, pela qual a família japonesa honrava por todo o império os seus defuntos; honrava e honra ainda, onde a ocidentalização dos costumes, na sua acção demolidora, ainda não abriu brechas nas velhas crenças, nas usanças populares.

 

Tokushima, onde me encontro, é uma cidade tranquila da costa da ilha de Shikoku, pouco distante de Osaka e de Kobe; mas cujo povo se mostra estranhamente conservador nos seus costumes. A cidade é famosa, desde tempo distante até hoje, pelo seu Bon-Odori.

 

Ora, em Kobe, onde fiz uma longa permanência, gente de Tokushima contava-me frequentemente maravilhas do seu portentoso Bon-odori. Tantas vezes as alusões se repetiram, tantas vezes o shamisen, a guitarra indígena, me tocou aos ouvidos a toada com que a chusma vai rompendo pelas ruas e dançando ao mesmo tempo, que há cerca de seis ou sete anos, desejoso de ver pelos meus olhos o Bon-odori em Tokushima, decidi-me por uma excursão de poucos dias, indo à cidade em época própria. Completa desilusão, porém tempo perdido. A quadra é traiçoeira. É então que se desencadeiam vulgarmente os terríveis tufões do mar da China; atingindo por vezes as costas do Japão, já enfraquecidos de ímpetos, mas ainda bastante tormentosos para causarem no país graves estragos.

 

Mas falemos da excursão. Já quando eu ia de viagem, a bordo de um pequeno vapor de carreira, de Kobe para Shikoku, o vento começou a soprar rijo, o céu a anuviar-se, o mar a enfurecer.

 

Em Tokushima, um temporal tremendo, rajadas formidáveis; chuvas diluviais; a cidade inundada; perdas de vidas; destroços importantes; um, de entre muitos, foi a completa demolição da ponte de Tomidá, só há pouco reconstruída. Claramente, não se comemorou naquele ano o Bon-odori em Tokushima.

 

Há pouco arremessou-me o destino de novo a esta cidade, não por alguns dias, mas por muitos dias; onde venho viver; onde, talvez venho morrer; ...

 

Vi, há alguns meses, por uns belos dias estivais, o Bon-Odori em Tokushima, em todo o seu clássico brilhantismo, em todo o seu místico frenesi de festa consagrada a todos os defuntos; dias de excepcional confraternização terrestre entre vivos e mortos, cada qual acarinhando os seus entes queridos que se foram e que envolvem, em espírito, ao lar familiar, por curtas horas; eu, pobre ignaro, de mistura com a multidão dos crentes, evocava também, por sugestão do meio, alguns mortos do meu conhecimento.

 

Comento agora: provavelmente, continuarei a ver aqui o Bon-Odori, por mais um ano, por mais dois anos, por mais três, eu sei lá... e após um ano virá, próximo, sem dúvida, em que o Bon-Odori volte a animar as ruas da cidade com as suas procissões festivas, Bon-Odori que eu então não verei, mas de cuja comemoração piedosa a minha alma penada, de forasteiro, que teve o capricho de vir aqui depor o mísero despojo do seu invólucro terrestre, poderá reclamar, não sei se com pleno consentimento de Buda, uma parte em seu favor...

 

---

 

Gostaria de me juntar a um próximo Bon-Odori. Mas como ocidental, em vez de dançar, eu choraria pelos seus mortos.

 

Com a lição que o mundo está a receber do civismo e da filosofia dos japoneses, muito lhes desejamos que não deixem enfraquecer, muito menos desaparecer, as suas tão bonitas tradições.

 

Rio de Janeiro, 18 de Março de 2011

 

Francisco Gomes de Amorim.jpg Francisco Gomes de Amorim

 

(*)http://www.google.pt/imgres?imgurl=http://www.cozinhajaponesa.com.br/images/200711/0002_Bon_Odori_Dancer.jpg&imgrefurl=http://www.cozinhajaponesa.com.br/V04/artigosjaponeses_d.asp%3Fs%3D2%26c%3D1&usg=__UW5BZhd9zxuheJGADO-8DMTzjno=&h=480&w=640&sz=174&hl=pt-pt&start=0&zoom=1&tbnid=g0s7aHhdgP9BgM:&tbnh=120&tbnw=126&ei=CZaJTfCfMc7xsgbP2Z2kDA&prev=/images%3Fq%3DBon%252BOdori%26um%3D1%26hl%3Dpt-pt%26sa%3DN%26biw%3D1007%26bih%3D681%26tbm%3Disch&um=1&itbs=1&iact=hc&vpx=250&vpy=408&dur=1467&hovh=194&hovw=259&tx=130&ty=113&oei=CZaJTfCfMc7xsgbP2Z2kDA&page=1&ndsp=20&ved=1t:429,r:16,s:0

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