O último dia da nossa presença em Bali foi livre de programas pré-estabelecidos pelo que cada um fez o que muito bem lhe apeteceu. A todos apeteceu praia de manhã, almoço no hotel e piscina à tarde. Eu aproveitei a folga de compromissos para fazer uma «massage». E não fique o leitor a pensar em coisas especiais porque o que eu queria – e tive – foi uma massagem dos joelhos para baixo pois andam os artelhos a doer-me sempre que ando um pouco mais do que eles, artelhos, querem que eu ande. E o resultado foi o de ter ficado com os sapatos a dançar nos pés (a activação da circulação de retorno foi eficaz) mas quanto à dor nos artelhos com o forçar da andadura… vou ali e já venho. Talvez que se perder uns quilitos, a «coisa» melhore. A ver…
Esta coxeira é para ser solidário com a minha égua «Lola» que a dormir deu um jeito tal na perna direita que esteve coxa durante quase 15 dias. Ela já está boa, eu não.
Regressando a Bali e à praia do hotel, reconheço que é muito boa mas quem, como eu, está habituado à praia do Barril, em Tavira, fica com a certeza de que a motivação «praística» não justifica que um português voe meio planeta. Mas fomos lá por todos os motivos que já constam destas crónicas e que justificaram plenamente a viagem.
Só que, se houvesse menos azáfama por todo o lado em que andámos e se não houvesse engarrafamentos de trânsito, eu admitiria que ali fosse o paraíso mas… foi-o por certo há 50 anos como disse a minha amiga. Hoje, tem uma gente encantadora, paisagens muito bonitas, oferece qualidade de vida. Mas eu creio que o paraíso exige algo mais que não sei ao certo definir.
Foi, entretanto, hora de jantar cedo para irmos apanhar o avião que nos levaria ao Dubai seguido de outro que nos levaria a Lisboa. Voos sem história, tudo normal. No ar, não sentimos mais um tremor de terra que ocorreu numa ilha indonésia mais perto de Bali do que os anteriores e seus tsunamis. Foi já no Dubai que soubemos disso.
Para fechar estas croniquetas, uma nota de pé de página sobre o que me passa pela cabeça quando sobrevoo o Norte de África.
De cá para lá (Lisboa-Dubai), sobre Cartago, sempre me lembro de Aníbal e, quando chegamos à Argélia, lembro-me sempre de Santo Agostinho, da sua célebre frase «não basta fazer coisas boas - é preciso fazê-las bem» e da sua Hipona que hoje se chama Annaba (que também sobrevoamos).
Annaba, a ex-Hipona de Santo Agostinho
Mas de lá para cá, precisamente o mesmo percurso mas em sentido inverso, lembro-me sempre de Manuel Teixeira Gomes. Porquê? Aqui deixo a sugestão de estudo para quem me lê.
E por aqui me fico com estes mistérios das circunvoluções cerebrais que para lá me fazem lembrar de uns e para cá de outro.
Et ita concludit trinus
Henrique Salles da Fonseca
(Java, Candi Mendut, junto à única estátua de Buda sentado à moda ocidental)
Antes que me esqueça, uma nota muito positiva à qualidade do piso das estradas principais, secundárias e mesmo rurais (ou quase vicinais) por que andámos tanto em Java como em Bali. Nas muitas centenas de quilómetros que percorremos, não sentimos um único solavanco.
Os meus leitores desculparão que eu passe por cima do passeio de elefante já que esse simpático trombudo não é típico de Bali; os antepassados da “Gigi” que montei vieram de Samatra onde, aí sim, são indígenas. Também não vou dar grande relevo à visita que fizemos ao vulcão Batur à vista de cuja cratera almoçámos sempre com um olho alerta para qualquer fumarola que aparecesse. Não apareceu. Os tremores de terra e tsunamis que aconteceram durante a nossa visita à Indonésia ocorreram no arquipélago das Celebes que dista de Bali tanto ou mais do que Berlim em relação a Lisboa.
Mas não passo por cima de uma outra visita que efectuámos com alguma solenidade ao templo hindu da fonte sagrada «Tirta Empul» a cujas águas são atribuídos efeitos de rejuvenescimento eterno. E porquê solenidade? Porque andava por lá quem acredita nessas qualidades sobrenaturais e uma das minhas características é a de nunca bulir com a fé alheia.
Houve aqui um companheiro de viagem que teve a gentileza de chamar a minha atenção para a juventude que acorre ao santuário e, de facto, os únicos adiantados nas respectivas idades eramos nós próprios, os forasteiros.
Que fiquem eternamente jovens, é o que lhes desejo. Nós, os anosos, não acreditamos que os poderes daquelas águas consigam tirar-nos os anos por que já passámos e, portanto, cumprimos a exigência de envergar o sarong mas não nos banhámos.
Foi há quase 50 anos que uma amiga me disse «Oh Henrique, Bali é o verdadeiro paraíso na Terra!». E eu disse a mim mesmo que não haveria de ir para o Paraíso celestial sem antes visitar o paraíso terreno. E fui!
À semelhança do que sucede com o Paraíso celestial, a Bali também se chega pelo ar mas, neste caso, num voo comercial, de preferência vestido à moda dos turistas e não numa nuvem envergando uma túnica branca com direito a auréola nem asindo uma lira das de oito cordas. Diferenças menores, portanto…
Chegados ao paraíso, fomos de imediato levados para o hotel e logo à entrada fiquei boquiaberto com a grandeza, a beleza, o requinte. Lembrei-me de que Luís XIV haveria de gostar. E, já que me lembrei dele, então fiquei «bouche bée».
Lobby do hotel Ayodya, em Bali
Sala para apresentações de dança balinesa no hotel Ayodya
Gostei de constatar que o paraíso é luxuoso e não austero como os puritanos apregoam.
No dia seguinte fomos logo de manhã levados a ver um espectáculo de teatro dançado e quase nada falado. Ainda bem que não se esforçaram muito com as falas e respectivas «deixas» pois nós, a multidão de espectadores, não haveríamos de perceber patavina. Com a mímica percebemos tudo, ou seja, a eterna quezília entre o bem e o mal e a tentativa de estabelecer um certo equilíbrio entre o caos e a ordem.
Contando com um dos espectáculos de mímica mas fabulosos que alguma vez vi, em Cochim (com tema muito semelhante, aliás), este também mereceu todos os aplausos que lhe demos no final. E qual não foi a nossa agradável surpresa quando ao jantar desse mesmo dia tivemos um espectáculo-resumo privativo no teatro do nosso hotel com direito a confraternização com o elenco. Mas este espectáculo privativo teve a participação de um coro que não actuara de manhã e que viemos a saber constituir, por si próprio, um ex-libris da cultura balinesa. Trata-se do Kecak Dance e não resisto a ir ao YouTube buscar um vídeo para que os meus leitores também possam apreciar algo muito diferente do que estamos habituados:
A visita ao palácio do Sultão deu-me a sensação desagradável de estar em casa de alguém sem ter sido convidado. Porquê? Porque Sua Alteza vive lá e não veio à porta receber-nos. Mas como tinha mandado uma guia falante de espanhol esperar por nós ao portão, pude presumir um convite subentendido. E como pagámos bilhete de acesso ao palácio, fiz de conta que o bilhete era o convite. Mas a sensação desagradável de estar a furar o ambiente íntimo de Sua Alteza não se desvaneceu por completo.
A pompa real exige muitos servos a quem o Sultão paga modestos salários mas a quem oferece casa de habitação que entra no património do servo e pode ser transmitida aos respectivos herdeiros que não ficam obrigados à vassalagem que originou a posse do imóvel. Ou seja, nos vastos domínios urbanos que circundam o palácio e respectivos jardins, reside muita gente que já não tem qualquer relação funcional com o Sultão.
Mamarracho oferecido a um anterior Sultão pelo Estado Português em data não identificada e representando sabe Deus o quê pois parece um energúmeno qualquer a fazer mal a um cão.
Pergunta que saltou da boca de alguém do nosso grupo: - O Estado Indonésio paga as despesas do Sultão?
Resposta: - O Estado paga apenas as despesas directamente relacionadas com as funções oficiais do Sultão na sua qualidade de Governador; tudo o mais é suportado pelo próprio Sultão.
Nova pergunta: - Os bilhetes de acesso ao palácio são suficientes?
Nova resposta: - Não, o Sultão é empresário, tem diversas fontes de rendimento.
Lembrei-me de que a Rainha de Inglaterra também tem rendimentos privados e de que, no final da nossa Monarquia, a Casa Real Portuguesa estava com as finanças viradas do avesso.
Mas voltando a onde estávamos, o palácio do Sultão de Yogy no centro histórico de Yogyakarta, ficámos a saber que tudo são pretextos para festejos reais, plebeus, privados e públicos. Sim, os indonésios são muito divertidos e não perdem pitada no que respeita a folguedos.
O meu leitor compreenderá que eu tenha registado dois motivos de festejo: o da primeira menstruação de cada princesa; o da menopausa de cada uma das esposas do Sultão. À pergunta sobre se a menopausa das concubinas também é assinalada, a guia explicou que o actual Sultão só tem uma esposa (que era modelo antes de ser Sultana) e não tem concubinas (que se saiba).
Imaginei-nos em Belém à volta do pedestal de Afonso de Albuquerque a celebrar a menopausa da Dona Carmona com fragatas e varinos embandeirados Tejo abaixo e acima...
Basta de ridículo, fiquemo-nos hoje por aqui.
(continua)
Henrique Salles da Fonseca
(na piscina real do Castelo da Água Taman Sari que foi obra de um arquitecto português do séc. XVII não identificado nas brochuras turísticas)
Nascidas nos meus tempos livres, estas croniquetas destinam-se aos tempos livres de quem as lê, devem ser leves, despretensiosas, não chatas. Apenas uma preocupação: a de cumprir as regras da Sintaxe e da Semântica daquele a que chamo o «português padrão». É que, mesmo em literatura de cordel, as regras gramaticais são para cumprir. E os linguistas - que com a sua «doutorice» cabimentam as burradas que tanto se propalam com base no sofisma de que «basta que alguém diga para que a fórmula exista» - que se danem. Quando esses intelectuais linguisticamente desordenados (para não dizer desleixados ou permissivos) deixarem de se entender com quem os rodeia, terão que fazer com a nossa língua o que os indonésios fizeram para se entenderem uns com os outros inventando uma língua comum. Ora bem, essa língua já existe e é o português padrão que se escreve em conformidade com o Acordo Ortográfico de 1945 e não com o absurdo de 1990.
Pode este preâmbulo parecer descabido nesta crónica sobre a minha viagem à Indonésia mas, na verdade, bem me lembrei de toda esta questão da língua comum quando soube do artificialismo do «bahasa indonesia».
E assim cogitando foi que, sem sairmos de Java, partimos de Jakarta para Yogyakarta num voo de mais de uma hora. Sim, as distâncias por ali não se medem com timidez.
A cidade tem características urbanas muito semelhantes às da capital nacional mas tem uma particularidade que eu não estava minimamente preparado para ouvir: trata-se da sede de um Sultanato.
Templo hindu de Prambana, Yogyakarta
Um puzzle em minuciosa reconstrução depois de recolhidas e identificadas as pedras que por ali estavam ao abandono
E a pergunta que se impunha era: - Mas o Estado Indonésio não é laico?
A resposta não se fez esperar: - Sim, é laico mas não jacobino, não agride a cultura popular.
Eu insisto: - E o Sultão governa mesmo?
A guia responde: - A principal função do Sultão é a de ser o guardião da cultura e da tradição.
Pensei (mas não disse) que por ali o Sultão corresponde ao nosso Secretário de Estado da Cultura.
A guia adivinhou a minha insatisfação e completou a informação: - Aqui, na província de Yogy, o Governador é o Sultão que preside ao corpo legislativo que, esse sim, é eleito por sufrágio directo provincial. O mesmo se diga das Autarquias cujos órgãos também são eleitos por sufrágio directo local. O Sultão de Yogy é o único Governador (provincial) que em toda a Indonésia tem um mandato vitalício e hereditário. Mas agora há um problema: o actual Sultão só tem cinco filhas e nenhum filho varão. Ninguém ainda sabe como vai ser a sucessão. Talvez nem o próprio. É que por ali funciona o equivalente à Lei Sálica (https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_s%C3%A1lica) e…
Na falta de solução por que pudessemos almejar no prazo da nossa presença em Yogy, deixei cair o tema e passei à frente…
Nota final em «economês»: quando a dívida externa portuguesa per capita era de US$ 47.632,00, a homóloga indonésia era de US$ 651,00.
(continua)
Henrique Salles da Fonseca
(em Yogyakarta, à porta do palácio do Sultão de Yogy)
Sobrepondo o mapa da Indonésia ao da Europa e fazendo coincidir Lisboa com a cidade indonésia mais ocidental, Banda Aceh, a localidade mais oriental que aparece no mapa do Google, Jayapura (Papua), corresponde quase a Astana no Cazaquistão. Estou a referir algo como sete mil quilómetros ao longo dos quais se distribuem nada menos do que 17.508 ilhas. Visitámos duas (Java e Bali), ficaram 17.506 por visitar. Foi em duas das que não visitámos que houve terramotos, tsunamis e erupções vulcânicas. Desta vez, a Lei das Probabilidades funcionou a nosso favor. «Sampai kapan?» é como eles perguntam quando nós perguntamos «Até quando?». Haja Deus!!!
Com mais de 700 línguas e linguagens (a que os eruditos chamam dialectos), houve que fazer alguma coisa que assegurasse um entendimento comum. E como nas épocas fundacionais da República ainda não havia as comunicações que hoje aproximam toda a gente e respectivos linguajares, inventaram uma nova língua a que chamaram «bahasa indonesia», ou seja, «língua indonésia». Feita para aproximar os povos, a preocupação dos linguistas também se centrou na simplificação e, vai daí, todos os verbos se conjugam apenas no Infinito. Não há por lá Presentes, Futuros, Pretéritos nem Indicativos, Conjuntivos e outros que tais… Semântica e Sintaxe? Bem, parece que alguém se esqueceu dessas particularidades - vão pondo palavras umas a seguir às outras e ainda vou investigar se há por lá lugares apropriados para as vírgulas.
Então, na escola, as crianças aprendem a língua local, o indonésio e o inglês. Não está mal, não. A escolarização é universal e eis como todos os “não velhos” são trilingues.
Breve pesquisa internética fez-me saber que as Universidades são muitas ministrando os cursos que todos esperamos que elas ministrem e que, para além dessas, há muitas mais instituições de ensino pós-secundário. Como não estou em idade de ingressar nalguma carreira académica, deixei-me ficar por uma pesquisa sumária mas como pode haver quem me leia e se interesse por isso, sugiro que iniciem a busca em
Outra particularidade que me surpreendeu pela positiva foi o facto de não ter visto miséria. Em todo o lado por onde andei – e andei por muito lado nessas duas ilhas que visitei – não vi um único esmoler. Descortinei, isso sim, por trás de uns tapumes carregados de trepadeiras floridas no centro de Jakarta uns quantos casebres que resistem à onda de progresso que à sua volta se manifesta. Algo me fez lembrar a «Lei Cristas do arrendamento urbano»…
Talvez que os ditos casebres não envergonhassem qualquer paisagem rural mas, ali, no centro da Capital, destoam claramente. E assim, em vez de violentarem os proprietários com espúrias expropriações e os residentes com horríveis despejos, põem-lhes uns tapumes embelezados com trepadeiras que até lhes dão uma vida mais florida.
E hoje fico-me por estes arranjos florais. Até amanhã.
De Lisboa ao Dubai são as tais 8 horas aproximadas de voo já nossas conhecidas e dali a Jakarta são praticamente outras tantas. Se a isso somarmos o tempo de espera (quase 3 horas) no aeroporto de escala, dá para perceber que chegámos ao destino com alguma vontade de descanso. O que fizemos com alguma rapidez no hotel muito bom que a nossa agência de viagens escolheu.
E que cidade se nos deparou?
Avenidas largas, prédios altos (lembrei-me de uma torre que nos tempos de Sukarno ficou a meio por falta de financiamento), casas baixas, trânsito muito intenso mas não caótico, belo porque automóvel, enxames de motorizadas mas não tanto como no Vietname. Asseio, asseio, asseio - tanto como em Lisboa ou qualquer outra cidade com preocupações de higiene urbana.
Os muezzins a exalarem aqueles decibéis megafónicos que os residentes já nem sequer devem notar mas que a nós, forasteiros, faz pensar como é bom não viver perto de tanto proselitismo religioso. Proselitismo, fanatismo ou tentativa de retoma de domínio duma sociedade que lhe escapa cada vez mais?
Mulheres com véu, sim, mas nada de burkas nem outros vexames. Ficámos a saber que há cada vez mais mulheres a manterem a religião como pano de fundo civilizacional mas que se recusam a ficar em casa, que trabalham e que têm a sua independência. Os misóginos daquelas paragens não devem andar tão satisfeitos como parece andarem os das Arábias. A mulher indonésia estuda em igualdade de circunstâncias com os homens ou talvez mesmo mais, à semelhança do que acontece por cá em que há mais alunas que alunos.
Eu digo habitualmente que a revolução muçulmana será feminina ou não será e creio que esse processo de emancipação já começou em Java. Não será uma revolução com espingardas e barricadas mas é uma revolução na mesma.
Quanto às outras religiões ali presentes, se bem que minoritárias, não se escondem e não incomodam os passantes.
Um apontamento final em «economês»: no final de 2017, o PIB per capita português era de US$ 23.116,58 e o indonésio era de US$ 4.130,66; um Euro valia agora 17.391,00 Rupias Indonésias.
(continua)
Henrique Salles da Fonseca
(algo impressionado com os odores do mercado chinês de Jakarta)
“Loro Sae” (e não "Lorosae", pois são duas palavras distintas) significa em tétum “Sol Nascente”. Foi a denominação que as várias correntes inter-timorenses acordaram para o nome oficial do seu país logo que se livrasse da ocupação indonésia mas acabaram por voltar à denominação herdada de Portugal, “Timor Leste”. Actualmente, à outra metade da ilha, a ocidental, os indonésios chamam Kupang.
Em Timor Leste existem muitas línguas vernáculas cuja simbiose deu origem ao tétum. O tétum (com muita influência portuguesa) e o português dão unidade linguística à realidade política do país e o outro elemento de grande afirmação da coesão nacional é a religião católica.
Mas nem sempre foi assim…
Com base numa mistura algo explosiva de conceitos islâmicos, nacionalistas e marxistas, Sukarno participou do movimento de independência do país contra a Holanda (aliando-se mesmo ao invasor japonês durante a II Guerra Mundial), foi o primeiro Presidente indonésio e seguiu uma política externa que se dizia não alinhada. Ou seja, procurou uma fórmula que lhe permitiria estar de bem com Deus e com o Diabo comendo do bom e do melhor de ambos os lados.
Mas - vanitas, vanitas pura – procurou obter algum protagonismo internacional organizando em 1955 a famosa «Conferência de Bandung» que reuniu mais de 30 países que se diziam neutros na clivagem internacional que se agravava entre o bloco soviético e o Ocidente democrático. Entretanto, a ambição de protagonismo internacional não o coibiu de se tentar equilibrar na corda bamba e aceitou o convite de Salazar para vir a Lisboa (MAI60) ostentando a qualidade de grande pacifista internacional. Por pouco, não se encontrou cá com o Imperador Hailé Selassié da Etiópia (JUL59) nem com o rei Bhumibol da Tailândia (AGO60).
Enquanto andou nestas flostrias, tudo correu bem mas não há almoços grátis e a URSS não tardou a apresentar a factura do apoio que lhe vinha dando. E foi então que Sukarno se viu na obrigação de favorecer o Partido Comunista da Indonésia, de extinguir os demais Partidos políticos e de se afirmar como Presidente vitalício.
Dois «democratas» da mais alta estirpe
Mas, como já disse numa crónica anterior, os indonésios têm um espírito muito empreendedor, nada têm globalmente a ver com o proletariado e têm há gerações e gerações um regime muito democratizado de acesso à propriedade privada. E então, a tentativa comunizante de Sukarno foi a cereja que faltava pôr no cimo do bolo e o seu camarada de armas Suharto não esteve com meias medidas e baldou-o da Presidência. E assim foi que Sukarno, em vez de assumir a Presidência vitalícia, ganhou a residência fixa vitalícia.
Então, quando o «nosso» MFA empreendeu que se haveria de implantar um regime comunista em Timor Leste, estava-se mesmo a ver que Suharto haveria de ficar quietinho. Não estava?
Bem, o resto da História já os meus Leitores conhecem…
Coitado do povo timorense que sofreu o que muito bem poderia não ter sofrido.
E os malandros que tudo provocaram ainda devem andar por aí à solta a dar gritos à Liberdade de fazerem estupidezes.
Ao que agora sou eu que lhes respondo: MERDEKA!!!
(continua)
Henrique Salles da Fonseca
(em Bali, frente a uma banca comercial de um dos muitos empresários indonésios)
BIBLIOGRAFIA:
Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Wikipédia
Crepúsculo do Colonialismo – Bernardo Futcher Pereira
Ainda hoje se refere Sukarno (militar, natural de Surabaia onde nasceu a 6 de Junho de 1901 e falecido em Jakarta a 21 de Junho de 1970 por deficiências renais) como «o nosso primeiro Presidente»; a Suharto, também militar, referem-se como «o nosso segundo Presidente» e, dando um salto sobre alguns que quase entraram no esquecimento, se passa para «o nosso Presidente» que é o actual, Joko Widodo, cujo mandato quinquenal está a terminar mas que se recandidata a um segundo (e último) mandato. Parece ser o único que não enriqueceu e que, só por isso, se diz merecer ganhar novamente.
Do meio do esquecimento salta por vezes a única mulher que até hoje presidiu à Indonésia, Megawati Sukarnoputri cujo nome significa «Megawati, filha de Sukarno». E ela foi Presidenta porque era Vice-Presidenta de Abdurrahman Wahid que foi «impeachado», não concluindo o mandato. Ela cumpriu o resto do mandato mas foi derrotada na votação seguinte. A curiosidade está em que o actual Presidente é membro do Partido dela (PDI-P, ou seja, a sigla indonésia para «Indonesian Democratic Party of Struggle») em que, pelos vistos, ela continua «fora da carroça». Porquê? Diz-se – com mais ou menos cerimónia e com mais ou menos acrimónia – que por incompetência pura.
Creio que a situação política actual é estável mas, tal como sucede em qualquer parte do mundo, tudo se pode embrulhar sem aviso prévio como já sucedeu várias vezes ao longo da História.
Há elementos importantes que justificam a estabilidade e deles refiro apenas alguns:
A política económica de «viver e deixar viver» aquela enorme população muito mais empreendedora do que proletária;
Algum nacionalismo que, não afugentando o investimento externo, não permite muita roubalheira dos recursos naturais;
Uma política de distribuição geográfica de obras públicas ao contrário do que sucedeu durante os mandatos presidenciais anteriores de grande concentração de interesses em Java e escandaloso esquecimento do resto;
Total liberdade religiosa dentre as cinco religiões reconhecidas pelo Estado laico [Islamismo (maioritário), Hinduísmo, Budismo, Cristianismo (católico e protestante), Confucionismo];
Agricultura completamente privada e formação de preços com mais lógica do que em Portugal;
Educação e Saúde gratuitas - em paralelo com as privadas nos complementos que todos adivinhamos…
Militares fora da política e dentro dos quartéis a fazerem aquilo para que existem, a segurança.
A lista poderia ser muito maior mas fico-me por aqui pois não estou numa de fazer um relatório chato.
Uma particularidade que me pareceu muito interessante e nos foi referida várias vezes: a facilidade de crédito para a compra de motorizadas.
E que tal falar sobre Timor e a crispação das relações com Portugal? Já lá vamos no capítulo seguinte.
O grupo musical Keroncong Tugu actuou em Díli durante a Cimeira da CPLP em Julho de 2014
Não faltará quem pergunte de quem se trata. Pois bem, são dos tais que até há bem pouco tempo não sabiam uma palavra de português e já não devem ter um único gene português mas que se dizem portugueses. Vivem em Jakarta num bairro chamado Tugu (nítida corruptela de «português) e descendem dos portugueses que para ali foram levados como escravos pelos conquistadores holandeses de Malaca em 1641.
E o que me pediram quando os encontrei nesse ano de 2014? Pois pasme-se o meu Leitor: nada de apoios financeiros nem estatutos especiais de nacionalidade mas apenas um professor de português.
Logo tentei o Instituto Camões mas não fui na circunstância tão bem sucedido como gostaria. Sugeri-lhes então que fizessem o pedido ao Governo de Timor Leste no final da récita que deram em Díli. E como dos tímidos não reza a História, enviei-lhes um escrito (bilingue português e inglês) para o chefe do grupo, o meu amigo facebookiano Guido Quiko, ler aos microfones: «Os residentes no bairro Tugu, em Jakarta, pedem ao Governo de Timor Leste que lhes envie um professor de português».
Guido Kiko pedindo a Xanana que lhe envie um professor
Sei que o pedido foi feito na presença dos Chefes de Estado e de Governo na dita cimeira da CPLP e sei também que tudo ficou na mesma, ou seja, sem professor.
Então, assim foi que me subiu a mostarda ao nariz e decidi fazer uma escola no Facebook para quem não sabe uma palavra de português e lá quer chegar a partir do inglês. Pedi apoio à minha amiga Professora Filomena Ferro com largo curriculum na vertente do ensino de português a anglófonos e criei a «Filomena’s School – Portuguese Classes» onde actualmente estão mais de 300 alunos. São 133 pequenas lições de gramática que se complementam com todas as conversas que se vão inventando para desenvolvimento do vocabulário.
Sim, os tugus já têm uma escola com propinas ao nível do zero.
E com eles, muitos mais descendentes de «portugueses abandonados» por esse mundo além que querem aprender a língua dos antepassados.
Refira-se que se os tugus são os nossos alunos mais orientais, os melungeons (nós, portugueses, chamamos-lhes melungos) são os mais ocidentais pois que se situam nos Apalaches[i].
Mas é no livro “OS FILHOS ESQUECIDOS DO IMPÉRIO”, pág. 158 e seg., que o Joaquim Magalhães de Castro nos relata o que é este «fado» e quem são os seus intérpretes:
«(…) o kaparinyo, canção inicialmente popularizada na costa oeste de Samatra e posteriormente divulgada em todo o arquipélago (…) provém do lagu cafrinyo, tema de origem portuguesa ainda hoje cantado no bairro dos luso-descendentes de Tugu, nos subúrbios de Jacarta e que se insere num estilo musical denominado kroncong (…) caracterizado principalmente por um estilo vocal em que se canta de uma maneira sentimental em que são utilizadas harmonias europeias».
Certo de que todos poderemos fazer muito mais pelos descendentes dos portugueses que abandonámos por esse mundo além ao longo da História, por aqui me fico hoje com a sugestão de que as agências portuguesas de viagens que operam na Indonésia incluam Tugu nos seus programas de visitas. E se quiserem que lhes conte a história, sirvam-se da informação que ofereço nestas crónicas. Não quero Direitos de Autor, só quero que se saiba que temos muito caminho a trilhar até começarmos a remir a História.
(continua)
Henrique Salles da Fonseca
(em Jakarta, SET18)
[i] - Sobre os Melungeons, ler neste blog «ENTÃO, TUDO COMEÇOU ASSIM» de 1 a 4