Os efectivos militares portugueses em Goa, Damão e Diu nos finais de 1961 eram de 3500 homens[1] com armamento obsoleto, sem apoio aéreo e com presença simbólica da Marinha.
O então Tenente (mais tarde, General) Mário de Jesus Silva relata no seu livro «O sortilégio da cobra – descolonização obrigatória» que os poucos armamentos menos obsoletos foram retirados de Goa nos inícios de 1961 e enviados para Angola, «pérola» a salvaguardar a todo o custo, por ordem do então Subsecretário de Estado do Exército (?) Coronel (mais tarde, Marechal) Francisco da Costa Gomes.
Com apoio aéreo e naval, as forças terrestres invasoras contavam com 45 mil efectivos mais 25 mil de reserva e um «back support» que ultrapassava o milhão.
Não farei aqui um tratado sobre os condicionalismos estratégicos e tácticos duma putativa luta pela posse militar do território de Goa, do de Damão e muito menos do de Diu, mas resumo que o fim do Estado Português da Índia resultou da decisão da invasão militar indiana e da decisão portuguesa de não opor resistência.
A esterilidade da discussão sobre se se tratou de uma invasão ou de uma libertação é ultrapassável pela evidência militar da invasão ficando a libertação para perspectiva dos sathiagrahis.
Efeméride com 60 anos, tantos quantos em Portugal suportámos o jugo filipino. Mas…
Contudo, foram quase cinco séculos de vida em comum e se não faz mais qualquer sentido pensar em neocolonialismos, colhe, isso sim, alcandorar a riquíssima Cultura Indo-Portuguesa a Património da Humanidade.
18 de Dezembro de 2021
Henrique Salles da Fonseca
[1] - in «A queda da Índia Portuguesa», Cor. Carlos Alexandre Morais - informação bibliográfica fornecida pelo Coronel Pedro Calado Gomes da Silva
Invocar todos os Santos duma só vez, exige por certo um grande poder de síntese fazendo incluir todos numa só prece.
Não partilhando de opções colectivistas nem de preces à molhada, fico-me pelo meu onomástico, Santo Henrique. E qual não foi o meu espanto quando, há anos, procurei saber de quem se tratava e… em vez de um, encontrei dois Santos com o meu nome.
De memória, cito que um deles se distinguiu pelo bem que praticou e o outro, pasme-se, pelo mal que fez a gente de bem.
Então, terá sido mais ou menos assim:
O primeiro do nome foi «Imperador» na Alemanha e ter-se-á distinguido pela boa governança, pela boa justiça que administrou, pela protecção dos desvalidos;
O segundo, também alemão, foi cruzado e, embarcando no norte da Alemanha, rumou a Sul até que, passando pelo Porto, se integrou na frota que zarpava para a conquista de Lisboa aos mouros que, afinal, eram maioritariamente cristãos moçárabes e que ele ajudou a chacinar até que alguém o trespassou. Jaz algures no cemitério dos teutões sob a igreja de S. Vicente de Fora.
A propósito, como seria culturalmente interessante estudar a exegese e os ritos moçárabes, os quais eram herdeiros dos homólogos visigóticos.
Com ironia, pergunto-me se nas veias deste Santo Henrique ainda correria sangue de algum seu antepassado visigodo. Mas a história deve então ter sido contada de outro modo e ele foi mesmo canonizado. E os que ele matou?
Amanhã, Dia de Finados, vou lembrar-me dos cristãos martirizados na conquista de Lisboa, moçárabes.
Foi o meu amigo António Barros, ilustre causídico de Lisboa, que leu a biografia de Jorge Amado da autoria de Josélia Aguiar e que me contou a cena com o meu avô, Tomás da Fonseca.
Estando ele no Rio de Janeiro, foi convidado para ir tomar um café a casa de Jorge Amado e de Zélia Gattai cuja mãe também lá vivia (ou apenas lá estava). Sucede que esta Senhora – cujo nome não descobri ainda – era anarquista e grande leitora de Tomás da Fonseca a quem quase idolatrava.
Sentados para o cafezinho, o genro vai chamar a sogra pois tinha na sala uma grande surpresa para ela. Perguntado, lá acabou por dizer o que era a surpresa e a Senhora exclamou alto a sua incredulidade. Mas acabou por ceder e foi até à sala onde os seus olhos nem queriam acreditar no que via. E diz quem leu o livro que a Senhora tomou conta da conversa com o anarquista-mor e terá sido das poucas vezes em que o nobelizado não foi a «estrela da companhia». E já sabemos como isto é das conversas e das cerejas: a trás de uma vem sempre outra e sou eu que adivinho que o cafezinho se estendeu até depois do jantar.
Alguns anos mais tarde, sem sogra mas comigo e com a minha avó, o jantar repetiu-se em casa do meu tio, o escritor Branquinho da Fonseca, na Malveira da Serra. Sobre este jantar já escrevi, não repito agora. Apenas refiro que se falou sobretudo de literatura e praticamente nada de política.
Como é sabido, Jorge Amado e Zélia Gattai eram comunistas, o meu avô anarquista e o meu tio era um republicano sereno ocupado na escrita e na indução dos hábitos de leitura nos portugueses através desse instrumento formidável de aculturação que ele dirigia, as bibliotecas itinerantes da Gulbenkian.
A cordialidade, o respeito mútuo e a literatura fazendo o pleno do interesse dos convivas, levou a política ao silêncio. Também já escrevi sobre as diferenças abissais entre comunismo e anarquismo, não repito agora.
- Então, se não conta do jantar nem da política, trata de quê? – perguntará quem me lê.
- Pois bem, em três penadas, trato do que julgo ser a razão estaminal da opção anarquista de Tomás da Fonseca.
PRIMEIRA PENADA – A iliteracia era a norma em Portugal na segunda metade do séc. XIX e chegámos à República com cerca de 90% de adultos analfabetos. Dentre os relativamente poucos portugueses alfabetizados estavam os Padres, o que lhes conferia natural capacidade de liderança das respectivas comunidades, ou seja, apontando para inúmeras situações de quase equiparação a hierocracia. Isto, sobretudo nas regiões rurais mais isoladas. À falta de alternativas, os seminários eram procurados por quem buscava instrução e não só por quem sentia vocação sacerdotal.
Foi o caso de Tomás da Fonseca que, depois de aprender a ler e escrever na escola ambulante que passava por Mortágua, rumou ao seminário de Coimbra onde fez o ensino secundário e o curso (superior) de Teologia. Mas recusou a ordenação sacerdotal e optou por aquele belo par de olhos que à saída de Mortágua o mirava da janela alta quando ele passava a cavalo a caminho das Laceiras. Sim, a minha avó teve sempre uns belos olhos.
SEGUNDA PENADA - Não sei se o meu avô alguma vez teve fé (católica) e, se a teve, quando (e porquê) a perdeu mas o que sei – porque mo disse mais do que uma vez – é que pensava que «religião pura dispensa ritos que só servem para impressionar os povos». Com o luxo da Igreja, revoltava-se; das indumentárias, ria-se e equiparava as casulas episcopais às homólogas dos adoradores de Amon-Rá.
Eis as causas que o mobilizaram toda a vida:
A instrução pública;
O anticlericalismo.
TERCEIRA PENADA – Não tenho o meu avô por nietzschiano mas admito que tenha lido alguma recensão de «A Gaia Sciêntia» onde terá gostado da frase «Deus está morto». Do seu (relativamente superficial, creio eu) conhecimento do nihilismo alemão, resultou uma óbvia rejeição da vertente suicidária optando, isso sim, pela via kropotkiniana da anulação do Estado. Ou seja, pelo anarquismo. Mas, mesmo assim, optando por uma via filosófica pacífica rejeitando a via terrorista catalã.
CONCLUSÃO - Tomás da Fonseca era democrata republicano radical-pacifista e era filosoficamente incompatível com quaisquer formas de fascismo, tanto de direita como de esquerda.
Obrigado, António Barros, por me ter sugerido esta reflexão.
No que se refere ao conceito de Estado, não pode haver duas doutrinas mais antagónicas. Registe-se, pois, o absurdo que consistiu na adesão de anarquistas portugueses ao PCP durante o «Estado Novo».
A única explicação que encontro para esse absurdo doutrinário tem a ver com algum pacto de estratégia visando o derrube de Salazar. Para além deste objectivo comum, tudo o mais só poderia ser discórdia. No plano da discórdia, basta referir o colectivismo comunista vs. o individualismo anarquista, o Estado policial soviético vs. o libertarianismo anarquista.
Ou seja, logo após o derrube do «Estado Novo», o putativo pacto estratégico se desfaria e, com os comunistas no poder, aos anarquistas restaria a hipótese de conseguirem passar à clandestinidade e à luta armada, serem fuzilados ou, mais benignamente, acabarem os seus dias como Kropotkin votado ao ostracismo morrendo de fome e de frio.
Contudo, a nossa História foi mais suave com os anarquistas a passarem-se para o graffittismo humorístico e com os comunistas a serem expulsos da área do poder em 25 de Novembro de 1975.
Conclusão: não há estratégia que resista à incongruência doutrinária e as coligações tendem a desfazer-se quando alcançam o poder.
Outubro de 2021
Henrique Salles da Fonseca
Nota de pé de página: Tomás da Fonseca era anarquista e morreu em 1968
Hoje, refiro-me a Salazar, a Santo Agostinho e ao Capitão Agostinho Lourenço.
Tudo começou numa conversa com Luís Soares de Oliveira que referiu a sua tese de que Salazar era devoto de Santo Agostinho ao que eu, algo humoradamente, repliquei com o envolvimento do outro Agostinho no secularismo do «nosso» autocrata.
O Luís Soares de Oliveira ficou de me enviar a sua tese mas, entretanto, eu procurar saber mais alguma coisa sobre Santo Agostinho para tentar descortinar a razão da devoção de Salazar.
E, do que encontrei, destaco que Agostinho, o Santo,…
…viveu o mundo, teve um filho (Adeodato), antes de se remeter a um regime de mais pensamento e menos acção;
…dissertou sobre vários temas para que não encontrou explicação (nomeadamente o «tempo» cronológico, não o meteorológico) donde resultou o seu conceito de «conhecimento intuitivo» («sei o que é mas não sei explicar»);
…grande conhecedor do zoroastrismo, promoveu a transposição para o monoteísmo – e, concomitantemente no seu caso, para o cristianismo – da oposição entre o bem e o mal: Deus é o bem; o afastamento de Deus é o mal;
…como «Padre apologista da Igreja», promoveu a adopção da filosofia grega (Platão, Aristóteles…) pela nascente filosofia cristã;
…deixou escritas as «Confissões» (autobiografia) e «Cidade de Deus» em que disserta sobre dogmas relacionados com a vida eterna da alma e a bem-aventurança, além do paraíso e da bondade de Deus. Diz quem já a leu que os escritos contidos nesta obra se mostram como o princípio para a compreensão de uma filosofia cristã.
Uma vez que não li qualquer livro de Santo Agostinho (nem o farei devido à minha ambliopia que, dizem os médicos, veio para ficar), recorri à Internet onde encontrei quase trezentas frases atribuídas ao Santo. Sem meios (conhecimentos) que me permitam verificar a autenticidade das ditas frases, fico-me pelo palpite correndo o risco de ignorar verdadeiras e aceitar falsas. Que, na sua enorme sabedoria, o Santo me proteja!
ALGUNS PENSAMENTOS DE SANTO AGOSTINHO
O orgulho é a fonte de todas as fraquezas porque é a fonte de todos os vícios.
O supérfluo dos ricos é propriedade dos pobres.
Ninguém faz bem o que faz contra a vontade mesmo que seja bom o que faz.
Conhece-se melhor a Deus na ignorância.
Ter fé é assinar uma folha em branco e deixar que Deus nela escreva o que quiser.
O dom da fala foi concedido aos homens não para que eles se enganassem uns aos outros, mas sim para que expressassem pensamentos uns aos outros.
Se não podes entender, crê para que entendas. A fé precede, o intelecto segue.
Na essência, somos iguais; nas diferenças nos respeitamos.
Fizeste-nos, Senhor, para ti e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti.
Milagres não são contrários à natureza, mas apenas contrários ao que nós sabemos sobre a natureza.
Se dois amigos te pedirem para julgares uma disputa não aceites porque irás perder um amigo; por outro lado, se dois estranhos pedirem o mesmo, aceita porque ganharás um amigo.
Se crês apenas naquilo de que gostas no Evangelho e rejeitas o que nele não gostas, não é no Evangelho que crês mas sim em ti mesmo.
A esperança tem duas filhas: a indignação e a coragem. A indignação ensina-nos a não aceitarmos as coisas como estão; a coragem, a mudá-las.
No amor ao próximo o pobre é rico; sem amor ao próximo, o rico é pobre.
Se o homem soubesse as vantagens de ser bom, seria homem de bem apenas por egoísmo.
* * *
Meu Caro Luís Soares de Oliveira:
Do exposto, concluo pelo rotundo falhanço da minha busca da razão pela qual Salazar teria especial devoção por Stº Agostinho. No máximo, apenas vislumbro uma certa coincidência no louvor à pobreza e naquele pensamento do Santo em que é na ignorância que melhor se vê a Deus. Terá sido nesta opinião que Salazar se inspirou para idealizar Portugal como um «paraíso» bucolicamente analfabeto com a vida a mexer ao ritmo do sino da igreja? Acho muito laconismo do Santo para justificar a idealização de um cenário tão inocente e na paz divina, sem perspectivas materiais de mais do que uma sardinha amarelecida para quatro pessoas em dias especiais…
Ou seja, preciso mesmo de ler essa tese da devoção de Salazar por Stº Agostinho; por mim, não chego lá.
Onde chego, sim, é à realidade de «Jimmy», o homem do MI6, em português descodificado, Capitão Agostinho Lourenço, ter ajudado Salazar a «acalmar» aqueles que achavam curta a teologia da sardinha amarela em dias de festa..
Quando, em História, colocamos hipóteses que não tencionamos demonstrar (por dificuldade, preguiça ou teimosia) e descrevemos cenários mais ou menos plausíveis, estamos apenas a especular mas se o fizermos com o intuito de sugerirmos pistas de investigação, então deixamos de ser uns charlatães e passamos a ser uns pensadores mais ou menos respeitados (conforme a plausibilidade do cenário engendrado).
Assim, numa conformidade incentivadora de investigação histórica, estou a sugerir que…
Seria interessante investigar a génese exegética da Rainha Santa Isabel, princesa de Aragão, para se esclarecer o melhor possível a eventual prevalência da sua fé cátara;
Seria interessante investigar a influência que os Franciscanos Milenaristas exerceram sobre a Corte Portuguesa desde que, a convite da Rainha Santa Isabel, foram acolhidos em Alenquer até que foram deslocados para os Açores (onde lançaram o culto do Espírito Santo);
Seria interessante investigar as relações dos monarcas portugueses (de D. Dinis a D. João II) com as Igrejas Monofisistas,
… para melhor se compreender…
O papel de Pêro da Covilhã junto dos coptas do Egipto e junto do Preste João;
Quem «promoveu» a morte de D. João II;
As causas (e as evidentes consequências) das mudanças estratégicas de D. João II para D. Manuel até final da segunda dinastia.
E o cerne da especulação histórica consiste…
no «cerco a Roma» engendrado por D. João II para reduzir a hegemonia da Igreja Católica e assim reforçar o seu próprio poder como novo «Senhor do Mundo»;
a sujeição de D. Manuel à pressão de Isabel, a católica, sua sogra, a favor de Roma;
a mudança da missão supletiva dos religiosos mareantes no tempo de D. João II (cuidados espirituais e de enfermagem dos soldados e marinheiros) em missão determinante com D. Manuel e seguintes (alargamento da fé e do Império).
* * * *
Aqui ficam as sugestões de investigação a quem tenha olhos para ler documentos antigos, a quem tenha tempo e a quem tenha motivação.
E não me sentirei diminuído se a minha especulação se revelar precisamente como tal, especulação; se se revelar verdadeira, não cobrarei royalties.
Vindas dos Açores e desembarcadas no Mindelo, as forças liberais entrincheiraram-se no Porto dando os miguelistas início ao duro e prolongado Cerco da cidade. Mas, conseguindo furar o bloqueio naval da barra do Douro, uma frota liberal fez-se ao mar e seguiu até ao Algarve onde defrontou uma esquadra miguelista que rapidamente se entregou.
Batalha Naval no Cabo de S. Vicente, 5 de Julho de 1833
Feitas as pazes localmente, as forças liberais e miguelistas uniram-se em Cacela (hoje, Cacela Velha) sob o comando do Marechal Duque da Terceira que rumou a Lisboa não mais pelo mar mas sim por terra ludibriando o bloqueio que os miguelistas faziam da barra do Tejo.
Chegados a Cacilhas, atravessaram o Tejo em todos os barcos, pequenos e grandes, que encontraram e desembarcaram em Lisboa no dia 24 de Julho tomando a cidade que se entregou sem resistência.
Após as lutas necessárias, suficientes e convenientes à mudança do paradigma de Goa relativamente ao Islão, foi possível criar as condições para que a região assumisse claramente o epíteto de «Goa doirada». E esse brilhantismo nunca teria sido possível sem a participação essencial dos naturais da terra, os goenkares; teria sido impossível fazê-la doirada só pela arte dos reinóis. Dessa participação activa resultou a criação duma elite que não se limitou a expandir a Fé e o Império pelas demais partes orientais do mundo como também se distinguiu na própria Metrópole onde ocupou/ocupa as mais altas hierarquias. E tudo, não por condescendência ou compadrio mas, isso sim, por mérito próprio.
Goa foi doirada porque foi plataforma de Império e porque contou com uma elite local que fez jus à sua terra. Perdida a perspectiva imperial, ficou o principal, a qualidade das gentes.
Contudo, para além das características naturais e do ambiente social propícios ao elitismo, este teve que ser enquadrado numa Civilização diferente dos cenários que antecederam o século XVI. E o novo enquadramento fez-se no Catolicismo recorrendo a «formadores» tanto reinóis como goeses.
Português, reinol de Oleiros (1580), foi por amor a Deus e à humanidade que acabou por morrer prematuramente em Goa, corria em 19 de Março o ano de 1634.
Ainda criança, ingressou no «Colégio das Onze Mil Virgens», em Coimbra, instituição para que o fundador jesuíta redigira a «Ratio Studiorum», norma pedagógica que dali vogou para todas as demais instituições de ensino jesuítas espalhadas pelo mundo.
E porque a Fé jesuíta é católica também na acepção literal do termo, aos membros da Companhia de Jesus compete espalhar a Boa Nova entre as gentes de toda a parte e assim foi que ao jovem António cumpriu em Abril de 1600 rumar a Goa para completar a sua formação e, a partir daí, desenvolver as missões que lhe fossem entretanto determinadas.
Ordenado, cumpriu-lhe rumar a Agra para fundar a «Missão do Mogol». Foi ali que aprendeu com muçulmanos oriundos da Caxemira várias das línguas faladas no norte da Índia e foi ali também que ouviu referências a certos enigmas, nomeadamente sobre uma religião cristã na Ásia Central.
Despertada a curiosidade, foi em 1624 que rumou a Delhi e, daí, acompanhou uma peregrinação hindu às origens do Ganges. Deixados os peregrinos para trás, prosseguiu viagem até um aglomerado de casas de que lhe tinham falado os peregrinos. Chegado a Tsaparang, «reino» perdido nas alturas himalaias, foi recebido pelo «rei» local com grande simpatia a quem explicou o Cristianismo, a quem converteu e de quem recebeu o pedido de cristianização do seu «reino». Só com a garantia do regresso é que foi autorizado a regressar a Agra com o objectivo de recrutar ajudantes para essa sua nova Missão, a primeira (e última) no Tibete. Ao todo, há o registo de seis escaladas que o Padre Andrade fez dos Himalaias mas, contudo, não foi como montanhista que ficou conhecido. Outrossim, a sua fama ficou a dever-se às cartas endereçadas ao seu Superior Geral, P. Muzio Vitelezi, em Roma, descrevendo o Budismo Tibetano até então desconhecido dos europeus daquela primeira metade do séc. XVII. Famosas, as duas primeiras cartas que foram traduzidas em 14 línguas e constituíram um verdadeiro «best seller». Se existem mais cartas, nada se sabe do respectivo conteúdo na certeza, porém, de que à hierarquia jesuíta pareceu bem atribuir nova missão ao Padre António de Andrade deixando assim «cair» a Missão do Tibete.
Mandado regressar a Goa, foi o nosso Reverendo «montanhista» nomeado Provincial do Oriente da Companhia de Jesus com jurisdição desde o Cabo da Boa Esperança a Nagasaki numa dimensão imperial que a maior parte dos goeses ainda hoje esquece.
Sim, era a partir do «Colégio de São Paulo», em Goa, que a Companhia de Jesus governava aquele «seu meio mundo», era ali que formava parte da elite genuinamente goesa, o seu Clero, era dali que irradiava a sua exegese do Deus infinitamente bom e do perdão. Por contraste, o Deus castigador dos dominicanos em Manila cuja influência chegava a Goa através da Inquisição.
Durante os dois primeiros Priorados Gerais da Companhia de Jesus, foram acolhidos muitos cristãos novos no seu seio mas o anti-semitismo sempre foi latente até que em 1593 vingou o «Estatuto da Pureza de Sangue». Assim se suspendeu o humanismo inaciano, a teologia da bondade infinita se viu de algum modo contrariada e os seus adeptos quase passaram à clandestinidade.
Não terá sido fácil ao novo Provincial jesuíta do Oriente encontrar quem se dispusesse a «dar a cara» no trabalho que secretamente havia que levar à prática de neutralização da Inquisição em Goa. Nessa tão perigosa missão se empenhou pessoalmente o Padre Andrade oferecendo-se como membro das Mesas dos julgamentos do Santo Ofício.
Pode ter sido coincidência mas a verdade é que dos autos dos três julgamentos a cujas Mesas pertenceu, não consta nenhuma sentença determinante de morte. Estava em curso a neutralização da acção perniciosa da Inquisição.
Regressando à sua residência jesuíta no Colégio de São Paulo depois de assistir ao auto-de-fé do terceiro julgamento em cuja Mesa participara, eram horas de jantar; o Padre Andrade dirigiu-se ao refeitório presidindo à refeição, fez a oração da praxe, sentou-se, bebeu um trago do copo à sua frente e instantaneamente levou as mãos à garganta. Morreu três dias depois de grande sofrimento. Era o dia 19 de Março de 1634, tinha 54 anos.
Envenenado, claramente.
Porquê? A suposição mais fácil aponta no sentido de uma punição devida à sua participação nas Mesas da Inquisição. Por ter quebrado o humanismo inacuiano? Por ter promovido a brandura das sentenças? Por, sendo português, estar no cargo do mando de meio mundo que alguém espanhol ambicionava? Por causa de alguma carta referindo o que ainda hoje ignoramos?
Tudo conjecturas, apenas especulação. A única certeza é a de que, naquelas épocas, Goa comandava meio mundo, tinha dimensão imperial. E tudo, claro está, em português, a língua franca naquela metade do mundo.
Quem percorrer a toponímia de Lisboa há-de encontrar o «Pátio do Pinzaleiro», ali às Janelas Verdes e, tal como eu, ficará a pensar no que será um pinzaleiro.
Então, para melhor entendimento deste meu interesse, começo por me identificar como proprietário naquele local tendo, na infância, ouvido dizer que o pinzaleiro era um galego que ali vivia ou trabalhava. Não imagino quando o tal galego por ali esteve.
E da infância à idade da calmaria me fiquei sem tempo nem curiosidade especial que me levasse à busca da etimologia do termo enigmático.
Até que a minha neta, meia espanhola e meia portuguesa, então com 6 anos, pede à avó (a minha mulher) que lhe empreste «pinzas» para as suas brincadeiras infantis. E lá ficou a avó a dar tratos à imaginação sobre o que seria que a pequena pedia. Perguntado, confessei de imediato a minha ignorância mas sugeri que dessemos os três uma volta pela casa para que ela identificasse o que queria. Não foi sequer necessário eu levantar-me daqui do computador porque logo a pequena explicou que eram aquelas coisas com que se põe a roupa a secar. Aí estava o mistério esclarecido e logo a avó lhe pôs à disposição um balde de molas para a roupa.
E aí está também o meu mistério de infância esclarecido: o galego era conhecido por «o pinzaleiro» porque fabricava «pinzas» - molas para pendurar a roupa a secar – e quase de certeza que teria o seu estabelecimento no actual número 28B do local no qual foi substituído por um carpinteiro e, já no meu tempo, por um restaurante que ainda existe.
Que fale agora quem tiver melhor explicação ou cale-se para sempre!