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A bem da Nação

GUERRA NA BOLANHA

FHS-Guerra na Bolanha Capa

 

DE ESTUDANTE, A MILITAR E A DIPLOMATA

 

Publiquei recentemente um livro subordinado ao título e subtítulo acima transcritos. Como existem, por ora, apenas 3 ou 4 referências e recensões criticas, que circulam na Net, permitam-me, um pouco egocentricamente apresentar um pequena sinopse e, que me perdoem o pecadilho, fazer um pouco a publicidade da obra. A 5 de Maio haverá uma sessão de apresentação na Sociedade Histórica da Independência de Portugal, no Largo de S. Domingos, em Lisboa, de entrada livre.

 

À semelhança de muitos jovens da minha geração, fui alferes miliciano de infantaria na então Guiné Portuguesa, entre 1968 e 1970. 27 anos mais tarde fui nomeado embaixador de Portugal na Guiné-Bissau independente, onde assisti e intervim, como testemunha privilegiada e como mediador, na guerra civil daquele país entre 1998 e 1999, o que já descrevi numa minha obra anterior “Crónicas dos (des)feitos da Guiné” (2012).

 

Não é de mais salientar que se tratou de uma situação sui generis, na medida em que, tanto quanto sei, fui o único embaixador que exerceu a chefia de uma missão diplomática, num território onde havia previamente combatido como militar.

 

O presente livro assume um carácter marcadamente intimista e autobiográfico. Para alguns talvez demasiado intimista, quase roçando a linha vermelha do pudor. Mas trata-se, como escreveu o meu antigo camarada de armas Mário Beja Santos, do “crepúsculo dos combatentes” – ou seja, a nossa hora - em que podemos dizer tudo o que nos vai na alma: para nós, hoje, com a idade que temos, já não existem segredos, nem angústias. Somos transparentes e frontais. Chegou o momento de nos assumirmos plenamente, com a coragem e o à-vontade dos cabelos brancos.

 

Este livro refere-se a três momentos distintos, na vida de um jovem.

 

Antes da guerra, ou seja, o dia-a-dia de um adolescente no Portugal dos anos 60 do século passado, da classe média urbana, que foi estudante e roqueiro, os seus hábitos, as suas leituras, o seu percurso académico e os respectivos namoros, até ao seu ingresso nas fileiras e as suas primeiras experiências, como militar.

 

Durante a guerra, a confrontação com um cenário bélico real numa terra estranha consistiu num reality shock complexo - o quotidiano da luta, as condições de vida, os dramas humanos envolvidos, as questões psicológicas, enfim, tudo o que marca de modo indelével um jovem para toda a vida.

 

Depois da guerra, surge uma nova etapa: o regresso definitivo. Como se processou a reinserção na sociedade portuguesa dos anos 70? Que objectivos de vida tinha quando voltou: a retoma ou não dos estudos, os primeiros empregos um tanto mixurucos, a vida sentimental e sexual, a diluição dos traumas de guerra? Que acolhimento lhe reservou o Portugal e os portugueses desse tempo?

 

Via de regra, a maioria dos autores menciona o que foi o conflito nas suas diferentes dimensões, por vezes, com uma incursão ou outra no passado anterior à ida para África, mas muito poucos mencionam a reintegração na sociedade que deixaram, aspecto que procurei abordar na minha perspectiva própria, com franqueza, sem subterfúgios e sem silêncios.

 

Francisco Henriques da Silva.jpg Francisco Henriques da Silva

Fundação Evangelização e Culturas na Guiné-Bissau 2011/2012

 

 

ANÚNCIO DE VAGAS

 
A Fundação Evangelização e Culturas (FEC) convida à apresentação de candidaturas para provimento de seis vagas para o programa da FEC na
Guiné-Bissau 2011/2012:

 - Coordenador(a) de Programa da FEC na Guiné-Bissau com formação superior em Gestão, Economia, Ciências Sociais e
Humanas ou experiência comprovada em funções similares.


 - Coordenador(a) para a área da Educação com formação superior ou pós-graduada na área da educação/formação de adultos, preferencialmente em língua portuguesa.


- Coordenador(a) de Comunicação com experiência relevante de trabalho na rádio e em Países em Vias de Desenvolvimento, em especial em Países Africanos Lusófonos.


- Ponto Focal para Gestão e Administração Escolar com formação e experiência de trabalho no sector da educação e da formação.


- Supervisor(a) Pedagógico(a) Regional com formação superior ou pós-graduada na área da educação/formação de adultos, preferencialmente em língua portuguesa.


- Técnico de Diagnóstico e Avaliação com formação na área das ciências sociais ou gestão e experiência em gestão e avaliação de projectos.


Por favor, enviar respostas e Curriculum Vitae para etelvina.cardeira@fecongd.org

 

até ao dia 17 de Junho

 

indicando a posição para que se candidata no assunto do e-mail. O CV deverá ser acompanhado de uma carta de motivação e da indicação de
duas pessoas de referência e o seu contacto.

 

Em caso de dúvida contactar Etelvina Cardeira em 00351 218 861 710.

Obra Católica Portuguesa de Migrações

 Quinta do Cabeço, porta D,

 1885-076 Moscavide

 Telefone: +351 218 855 470

 Fax: + 351 218 855 469

 ocpm@ecclesia.pt / www.ecclesia.pt/ocpm





IN MEMORIUM: GENERAL BETTENCOURT RODRIGUES

 (*)

 

2MAI11

“A Guiné é defensável e deve ser defendida?

 Se sim, vamos escolher o melhor general

 disponível para a governar, vamos conti-

 nuar a fazer o esforço de lá manter os ho-

 mens necessários e de procurar dotá-los

 do material possível. Se não, prepararemos

 a retirada progressiva das tropas, para não

 prolongar um sacrifício inútil, designando

 um oficial – general, possivelmente um

 brigadeiro, para liquidar a nossa presença.”

 Marcello Caetano, a Costa Gomes

 Depoimento, pág. 180

 

           

 

Os três grandes generais das guerras liberais foram Saldanha, Terceira e Sá da Bandeira. Os três exerceram também funções governativas. Dos três, e no conjunto das características humanas, Bernardo de Sá Nogueira era, incontestavelmente, o mais completo, o melhor. Chegou a Marquês, enquanto os outros dois subiram a Duque. Nem Sebastião José chegou a tanto. A História tem destas coisas…

            No passado dia 28 de Abril, deixou o número dos vivos o General José Manuel Bettencourt da Conceição Rodrigues. Foi o melhor general de todo o século XX português. A afirmação só me compromete a mim e não pretende ser desmerecedora para qualquer outra figura.

            Bettencourt Rodrigues (BR), nasceu no Funchal, em 1918 – era também conhecido pelo “Zé da Ilha”, uma daquelas designações que enchem o mundo da camaradagem militar – ia completar 93 anos, em 5 de Junho. BR gostava de viver e teve uma vida cheia, mas não se lhe conhecem vilanias.

           A sua carreira militar foi brilhante e culminou com a nomeação, em Setembro de 73, para Governador e Comandante-Chefe da então Província da Guiné, onde o 25 de Abril de 74, o foi encontrar. Declarando não desejar aderir ao golpe de estado em curso, foi preso e transferido para Cabo Verde, com outros oficiais.

            Já na Metrópole e nada havendo de que o acusar foi, apesar disso, saneado pela mão do próprio General Spínola. Passou à reserva em 14 de Maio desse ano. Enfim, comportamentos que contam para o passivo da “revolução”.

            Desde então BR remeteu-se ao anonimato, não intervindo em nada, não se queixando de nada e recusando qualquer eventual cargo público. Apenas aceitou ser Presidente da Direcção da sua muito querida Revista Militar, cargo que ocupou durante 10 anos e do qual saiu por vontade própria, pois entendia que as pessoas não deviam ficar demasiado tempo à frente das instituições. Uma das muitas atitudes de lucidez e humildade que lhe conheci.

            BR entrou para a então Escola do Exército, em 1936. Cursou Infantaria – a “Rainha das Batalhas” – sendo o 1º classificado do seu curso; entrou para o então Corpo de Estado-Maior, em 1951, com a classificação de “distinto”; frequentou o”Command and General Staff College”, Fort Leavenworth, EUA, em 1953; foi adido de Defesa em Londres; comandou o Regimento de Artilharia 1; foi Chefe de Estado-Maior do QG, em Angola, no início da guerra subversiva – onde esteve na origem da formação das primeiras tropas “Comando” – mais tarde comandou a frente leste, em Angola (70-73), onde as tropas sob a sua liderança esmagaram as forças inimigas e praticamente acabaram com a guerrilha, ao mesmo tempo que se promovia uma notável acção psico – social. E ainda teve tempo para, no intervalo da sua intensa actividade militar, ter feito parte do último governo do Prof. Salazar, como Ministro do Exército, transitando para o primeiro governo do Prof. M. Caetano, entre 1968/70, na sequência do curso de Altos Comandos, onde obteve a classificação de “muito apto”.

            Finalmente – não cabe neste escrito fazer a radiografia de toda a sua folha de serviços – quando a situação se tornou delicada no teatro de operações da Guiné, o governo foi procurar o melhor general disponível para tão ingente tarefa e escolheu-o, a ele. Não escolheu um “oficial general de baixa patente” para liquidar a situação…

            A situação era, de facto, delicada mas menos por acção do inimigo. É certo que a última grande ofensiva do PAIGC, congeminada em Conakri por instrutores cubanos e soviéticos, e iniciada dois meses depois do assassinato de Amílcar Cabral (20/1/73), sem dúvida levado a cabo por elementos da ala mais dura e marxista do movimento que aquele liderava, tinha deixado marcas nas FAs portuguesas. Mas foram estas que ganharam a batalha não o PAIGC…

            Mais grave teria sido o ambiente de desmoralização e até de revolta que tocou alguns oficiais do QG, em Bissau, originadas nas desavenças entre o Comandante - Chefe, Spínola e o Chefe do Governo, Caetano.

            Foi esta a situação (muito resumida) que o novo governador, BR encontrou quando chegou a Bissau. Não se pode ter certezas quanto ao evoluir de acontecimentos históricos que são subitamente interrompidos, mas estamos em crer que BR iria sair vitorioso dos desafios com que se confrontava.

            E tal convicção radica-se na afirmação supra de o considerar o melhor general português do século XX. Porque o afirmamos?

            BR obteve sucesso em todas as missões de que foi incumbido e reunia em si, um conjunto de características raríssimas de se juntarem na mesma pessoa.

            Ao chegar ao topo da carreira BR possuía, em simultâneo, a competência operacional e de comando de tropas, tanto em tempo de paz como em campanha, e uma elevada aptidão para trabalhos de planeamento e estado-maior. BR conhecia o género humano, sabia escolher os homens e não era afectado pela lisonja. E para um homem que tinha ocupado os maiores cargos, não se lhe vislumbrava uma ponta de afectação ou de vaidade.

            Tinha uma enorme capacidade de trabalho e a sua integridade e carácter eram à prova de bala. Era um português inteiro e, num país de tricas e azedumes constantes, gozava do raro privilégio ao respeito geral. De facto nunca ouvi “dizer mal” do general em qualquer ambiente. BR nunca prejudicou o seu país, ilustrou-o, e nunca manchou a Honra da Instituição Militar.

            Ora tudo isto configura uma personagem notável que, infelizmente, as novas gerações de oficiais e sargentos já não conhecem.

            A sua memória está apenas registada numa das salas de aulas do actual Instituto de Ensino Superior Militar, em Pedrouços, onde foi ilustre professor.

            À semelhança de Sá da Bandeira que não foi a Duque, BR, não foi a Marechal. A História tem destas coisas…

            Morreu um grande general português – que o seria também nos exércitos mais afamados – a Infantaria perdeu um dos mais dilectos descendentes do seu Patrono, o grande Nuno; o Exército viu desaparecer um dos seus comandantes mais ilustres e a Nação ficou pobre de um dos seus melhores filhos.

            Eu perdi um exemplo e um amigo.

            Guardarei, porém, um orgulho: o de poder dizer que o conheci.

            Foi das melhores coisas que me aconteceram na vida.

            Vai fazer-me muita falta.

 

 

José Brandão Ferreira

       TCor/Pilav(Ref.)

 

(*)http://www.google.pt/imgres?imgurl=http://www.operacional.pt/wp-content/uploads/2011/05/foto-tgen-bethencourt-rodrigues-a-copy.jpg&imgrefurl=http://www.operacional.pt/in-memorium-general-bettencourt-rodrigues/&usg=__hBTfAcJczoadTvZl_eZbKVb43Fk=&h=448&w=324&sz=114&hl=pt-PT&start=0&zoom=1&tbnid=8fyfWWwwpBWngM:&tbnh=125&tbnw=115&ei=0CXWTd7APIKKhQf9jLnEBg&prev=/search%3Fq%3DGeneral%252BBettencourt%252BRodrigues%26um%3D1%26hl%3Dpt-PT%26sa%3DN%26biw%3D1007%26bih%3D681%26tbm%3Disch&um=1&itbs=1&iact=rc&dur=109&sqi=2&page=1&ndsp=25&ved=1t:429,r:4,s:0&tx=53&ty=72

 

A INDEPENDÊNCIA DA GUINÉ POTUGUESA PODIA TER SIDO DIFERENTE?

 

II
Mas, conforme nos relembra, na tão aguardada comunicação ao país proferida em 12 de Agosto de 1963, Salazar roeu a corda e teve estas palavras, dirigidas aos portugueses, à UNGP e a Senghor, à África e ao mundo: “Que todos o saibam – em nenhum momento e sob que pretexto, jamais parcela alguma do território nacional e nenhuma parte da soberania nacional serão alienadas”. A leitura dos factos narrados induz-nos a pensar que a Missão foi completamente apanhada de surpresa com o discurso de Salazar. No mínimo, é de estranhar que o Presidente do Conselho não tenha alertado previamente a Missão por si enviada com um determinado objectivo politico-diplomático. Provavelmente, não o fez porque a mudança de opinião ocorreu à última hora ou mesmo em cima do seu discurso, conforme deduz o autor. Em todo o caso, se pensarmos que teria bastado um telefonema ou telegrama, parece algo inverosímil que o chefe da Missão, um Secretário de Estado, e o próprio Governador da Colónia, ele também envolvido e apoiante do processo, não tivessem sido prevenidos.
 
António de Oliveira Salazar
(1889 — 1970)
 
O autor não tem explicação para o volte-face havido e não adianta pistas que pudessem ter transpirado dos círculos de decisão mais próximos de Salazar. Apenas hipóteses e, sobre estas, podemos também especular. Salazar foi, à última hora, assaltado por pruridos do absoluto das suas convicções pessoais ou da infalibilidade do seu faro político? O seu sexto sentido veio ao de cima depois de sopesar conselhos e opiniões dos seus colaboradores e, quiçá, dos tubarões do regime? Sobre isto, transcreve-se o que diz o autor: “ O embaixador José Manuel Fragoso (Director Político) não pôde esquivar-se de chamar a atenção do Presidente do Conselho, na derradeira reunião antes da nossa partida para Bissau, para o facto de que, ao partirmos ao encontro de Benjamim Pinto Bull e de Umaro Gano e da delegação da UNGP, estávamos a pôr o pé num escorregadio plano inclinado.” Logo a seguir, o autor também admite que se Salazar apenas tinha em mente consentir uma autonomia de fachada à Guiné, num flash repentino pode ter percebido que tal propósito seria difícil de concretizar com a qualidade das pessoas envolvidas no processo, desde logo o patrono Senghor e depois as personalidades guineenses que dirigiam a UNPG.  
 
Mas, enfim, Salazar pronunciou-se, preto no branco, sem margem para dúvidas. A Missão portuguesa regressou a casa, provavelmente confusa e sem saber o que pensar. Senghor e Pinto Bull perderam definitivamente as suas ilusões sobre uma solução pacífica para a independência da Guiné. E o PAIGC, que havia iniciado a luta armada em Janeiro desse ano de 1963, abria mais uma frente na guerra que só terminaria em 1974.
 
Podemos agora especular sobre até onde poderiam ter levado os ventos e as correntes da História, caso a solução UNGP tivesse vingado. Questiona-se se o sucesso de uma solução pacífica na Guiné iria desarmar a mão do PAIGC, diluindo este movimento na nova sociedade guineense, onde poderia, em princípio, disputar o poder em função da valia cívica dos seus dirigentes e elementos. No entanto, sobre isto algumas dúvidas legitimamente se colocam, atendendo ao prestígio que o PAIGC granjeara no contexto africano e não só, o que certamente lhe daria alento para se opor ao que apontaria como uma “autonomia de fachada”, mesmo que tivesse de lutar contra irmãos guineenses, no país emancipado. Mas também fica por saber se um eventual sucesso do processo guineense poderia ter repercussões positivas em Angola e evitar ainda o início da luta armada que eclodiria, em 1964, em Moçambique.
 
Mas vale a pena ler o livro de Gonzaga Ferreira, o homem que no terreno muito pugnou para uma autonomia pacífica da Guiné. É uma leitura que nos mostra que a diplomacia portuguesa em Dakar, na pessoa deste embaixador, falecido há poucos anos, não deixou os seus créditos por mãos alheias, agindo muitas vezes à revelia do poder oficial, ao deixar a pureza do coração humano invadir os cálculos frios da diplomacia. Ou não fosse este factor, o coração, que fez com que Portugal se misturasse com os mais diferentes povos e construísse um império, do qual resta ainda, e felizmente, uma comunidade de valores culturais e sentimentais que parecem imunes aos vírus da política e da história.
Tomar, 6 de Maio de 2008
 
Adriano Miranda Lima

A INDEPENDÊNCIA DA GUINÉ POTUGUESA PODIA TER SIDO DIFERENTE?

 

  
 
I
 
No dia 11 de Agosto de 1963, num DC5 da Força Aérea Portuguesa, embarcava para Bissau uma Missão chefiada pelo Professor Silva Cunha, então Secretário de Estado do Ultramar, e constituída pelo Dr. Alexandre Ribeiro da Cunha, pelo Dr. Almeida Costa e pelo Dr. Luiz Gonzaga Ferreira.
 
Essa Missão ia aguardar, na capital guineense, a comunicação que António de Oliveira Salazar faria ao país no dia seguinte, dando conta da sua decisão, dias antes tomada, em reunião restrita com o Dr. Benjamim Pinto Bull, Presidente da União dos Naturais da Guiné Portuguesa (UNGP), de aceitar a abertura de negociações para uma autodeterminação progressiva da Guiné. E em Bissau, acto-contínuo à comunicação do Presidente do Conselho, a Missão aguardaria uma delegação chefiada pelo Dr. Benjamim Pinto Bull que ali chegaria via Bathurst, para o início do processo negocial.
 
Benjamim Pinto Bull
(1916-2005)
 
Ora, de tudo isto fiquei a conhecer pormenores que antes ignorava, depois de, por sugestão de um amigo, ter lido o livro “Quadros de Viagem de um Diplomata”, I Volume (Senegal-Guiné-Cabo Verde), que nos dá conta de factos pouco divulgados sobre o acontecido, franqueando-nos os bastidores da acção diplomática portuguesa no Senegal e desvendando-nos o contexto local em que vários movimentos, não apenas o PAIGC, disputavam a liderança do processo da autodeterminação/independência da Guiné Portuguesa. O livro é da autoria do embaixador Luiz Gonzaga Ferreira, o mesmo que integrou a referida Missão e quem, representando Portugal no Senegal, muito contribuíra para os acontecimentos que iam levar Salazar a pronunciar-se publicamente em 12 de Agosto de 1963. Este volume (436 páginas) incide sobre toda a factualidade ligada ao problema da Guiné, enquanto que o II volume da obra respeita à actividade do embaixador no Congo Zaire e em Angola.   
 
O Dr. Luiz Gonzaga Ferreira, ainda em início de carreira, chegou ao Senegal em 1960, quando já tinham arrancado as primeiras independências africanas (a do Senegal foi em 1959), acontecimentos que marcaram o arranque de um proclamado movimento para a independência e unidade da África. À data, não passava pela cabeça de António de Oliveira Salazar a viabilidade de um projecto conducente à autodeterminação gradual dos territórios africanos sob a administração de Portugal, mesmo perante a evidência de uma transformação no continente africano que parecia irreversível e pouca margem deixava a concepções políticas ocidentais que a quisessem travar.
 
O Senegal sentia de forma particularmente viva os reflexos do problema guineense, dada a vizinhança fronteiriça e a presença no seu território de importantes comunidades guineense e cabo-verdiana, que tomavam posição das formas mais diversas e mais ou menos empolgadas face aos movimentos nacionalistas que reivindicavam a autodeterminação/independência dos seus territórios de origem. Desde o Partido para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), à União dos Naturais da Guiné Portuguesa (UNGP) e outros movimentos de menor importância, todos estavam ancorados em Dakar ou tinham representação oficial na cidade. Instalado na Guiné-Conakri, que era o seu santuário, o PAIGC tinha, no entanto, importante representação no Senegal, onde procurava fazer valer os seus trunfos como movimento mais digno de crédito internacional de entre os restantes. Por seu turno, a UNGP, criada depois do PAIGC, sob a direcção do guineense Dr. Benjamim Pinto Bull, apresentava-se como movimento capaz de congregar uma expressiva e inequívoca representatividade nacional, independentemente de ideologias e etnias, aberta a uma negociação com Portugal de uma solução pacífica para a autodeterminação do território. Era o movimento que colhia a simpatia e o apoio do presidente Senghor, para quem uma solução pacífica negociada com Portugal era o que mais convinha ao Senegal, em virtude das profundas diferenças de pensamento que o opunham a Sékou Touré, seu vizinho e indefectível apoiante de Amílcar Cabral e seu PAIGC. Na verdade, Senghor apoiava a concepção de uma autonomia e soberania para a Guiné em moldes idênticos ao que se implantara no Senegal, ao contrário do PAIGC, que tinha o apoio dos países do bloco comunista e seguia a concepção, fomentada por Sékou Touré e outros líderes africanos, de uma África “comunizada” como a única solução para a sua evolução e progresso.
 
Portanto, naquela fase inicial do conflito, no Senegal medravam e fermentavam ideias nacionalistas de vária índole, que não deixavam de perturbar a ordem social interna e mesmo a normalidade política do país. Em 18 e 19 de Abril de 1961, a Assembleia Constituinte da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), reunida em Casablanca, clama pela conquista imediata da independência nacional e a liquidação total do colonialismo português. Por pressão dos nacionalistas e pela vertigem de uma África a desejar mudança, o governo do Senegal é obrigado a cortar relações diplomáticas com Portugal, em 27 de Julho do mesmo ano, a contragosto do presidente Senghor.
 
Contudo, a extinção da embaixada portuguesa não obstou a continuação em Dakar de uma “Encarregatura de Negócios de Portugal”, provida de uma Secção Consular, medida que, vinculando muito particularmente o representante português, Dr. Gonzaga Ferreira, foi entendida como necessária para a promoção de diligências futuras atinentes a uma solução pacífica para a autonomia da Guiné, com a vantagem ainda de se manter no país um serviço consular que apoiava no terreno as comunidades cabo-verdiana e guineense emigradas no Senegal. Portanto, esta solução, que causou surpresa a outros embaixadores acreditados no país, foi um entendimento sub-reptício, entre o governo senegalês e o representante Português, naturalmente com aprovação do governo português. Ela só foi possível porque o presidente Senghor era amigo de Portugal e defendia uma via pacífica para o conflito, o que, por outro lado, encaixava com o seu pensamento sobre um desejável equilíbrio estratégico naquela região de África, onde o comunismo africano, instalado ou em estado larvar, ameaçava propagar-se. E era também essa a visão partilhada por Pinto Bull, de quem o Presidente era amigo pessoal. De todos estes acontecimentos nos fala Gonzaga Ferreira com uma notável profusão de dados e factos, entremeando-os com as suas memórias pessoais e profissionais. Segundo as suas palavras, “o seu intuito não é o julgar pessoas ou ditar condenações, mas reconstituir alguns dos aspectos da época dos confrontos, para melhor se entender o que na realidade estava em jogo”.
(continua)
Tomar, 6 de Maio de 2008
Adriano Miranda Lima

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