A povoação mais famosa de Santorini chama-se Oia mas a linguística grega diz que o «O» é mudo pelo que se pronuncia apenas «Ia». Essa povoação é a que aparece em todas as fotografias turisticamente mais divulgadas com o casario a descer em terraços até ao limite do precipício. Na pequena praça principal há uma Igreja e o muito movimento no adro despertou-me a atenção. Entrei. Escura, lá dentro, mas repleta de gente. Turistas que, como eu, estariam cansados e aproveitaram as cadeiras para refazerem o fôlego gasto nas escadarias. Sentei-me. Junto ao altar, numa penumbra recatada, o Padre desempenhava a função que vi em todas as Igrejas que visitei na Grécia, a de guardião presencial da parafernália decorativa e das valiosas alfaias destinadas ao culto. Mas, para além dos turistas, apareceu um devoto que silenciosamente se dirigiu ao Padre e pediu autorização para se aproximar dos ícones expostos. Obtida a autorização também por gesto silencioso, o fiel simulou um beijo no vidro que cobre cada ícone devidamente encaixilhado, fez uma breve vénia frente ao altar e retirou-se. Tudo em silêncio.
Se esta foi ou não uma encenação para impressionar turistas, não sei; eu tomei tudo como uma expressão de fé sincera e gostei de ver.
Contudo, na perspectiva religiosa, o que mais me impressionou aconteceu em Patmos e teve como protagonista a nossa própria guia, uma pequena Senhora com «S» maiúsculo mas de nome indizível que falava inglês com uma distinção só equiparável à dos melhores locutores da BBC. Sim, absolutamente notável. Foi ela que nos conduziu até ao mosteiro onde se localiza a gruta do Apóstolo João e nos falou do que conta a tradição ortodoxa acerca do local e do próprio Evangelista. E quando se referia a matérias de fé, terminava as frases num diminuendo de autêntica sensibilidade íntima que por certo tocaria o coração mais empedernido que por ali passasse. A elegante eloquência com que o fazia também realçava a seriedade do tema e isso não deixou de ser importante para quem, como eu, notou a profundidade da sua fé. Lindo!
E fiquei a pensar…
Fiquei a pensar que a fé move montanhas e que a crise por que a Grécia continua a passar não tem qualquer importância perante Valores como os que sustentam uma Civilização, a qual é suportada por uma Religião, a qual se traduz numa fé como esta que presenciei. Isto, sim, é importante; tudo o mais parece irrelevante. Assim penso, apesar de se tratar duma grave crise económica e eu próprio ser economista. Mas… vão-se os anéis e fiquem os dedos.
Δεκατρια - leia-se «decatria» - é o mesmo que treze em português e foi talvez a palavra mais bonita que ouvi. E por que é que a ouvi assim tão especialmente? Porque numa das excursões, o passageiro do outro lado da coxia do autocarro era o número treze e, na contagem a meia-voz, a guia sempre dizia «decatria» depois de me contar. Pelos vistos, eu era o número doze, ou seja, o «dódeca» e a Graça era a έντεκα – leia-se «énteka».
E achando eu que na fala os gregos não brincam em serviço pronunciando todas as sílabas sem condescendências ao estilo da nossa que comemos metade das palavras, aquela «decatria» em surdina parecia-me suave e, mais do que isso, bonita. Sempre gostei dos sons «a» e «i» e é por isso que em português acho que uma das palavras mais bonitas é «alguidar». Assim estou com a «decatria».
* * *
Uma questão que não posso localizar em qualquer ponto da viagem é a da bênção ortodoxa. E perguntei a um Padre (claro que do rito ortodoxo grego) por que é que a persignação ortodoxa se faz da direita para a esquerda enquanto a católica é da esquerda para a direita. A resposta foi imediata: - Porque pretendemos sentar-nos à direita de Deus Pai. E ponto final na conversa.
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Σύνταγμα – leia-se «Sintagma» - significa «Constituição» e, logicamente, é esse o nome da Praça em Atenas onde se situa o Parlamento, esse mesmo que todos conhecemos das televisões quando transmitiam as manifestações que levaram à mudança governativa com a destituição (democrática, por eleição) de Karamanlis e com a subida de Tsipras. Mais do que o novo e relativamente jovem primeiro ministro, deu nas vistas durante uns tempos esse mediático (para não dizer vaidozão) Varoufakis cujo livro «O minotauro global» eu começara a ler com grandes reticências mas, lá para o fim, com verdadeiro interesse. E foi a pensar em tudo isso que me pespeguei frente ao Parlamento a ver os guardas fraldisqueiros naquelas manobras sui generis do render da guarda e outros formalismos verdadeiramente caricatos. É claro que todos aqueles movimentos devem ter alguma razão de ser mas, sem explicações, são simplesmente ridículos.
Traje tradicional masculino
A única explicação que consegui foi a de que aquele era o traje comum dos homens gregos até há cerca de um século com a diferença de que quase todos andavam descalços e que os sapatos (raramente usados) eram de madeira, tinham protectores metálicos e serviam para toda a vida do respectivo… descalço. Imagine-se o martírio que seria ter que calçar socos de madeira quando o uso era andar descalço. Os sapatos dos actuais guardas do Parlamento são normais, de couro, mas têm protectores na ponta do pé e no calcanhar para imitarem o barulho dos antigos socos para toda a vida.
Δώδεκα (diga-se «dódeka») para significar doze (12), a pretexto do número desta croniqueta.
Quando será que os gregos se passam para os caracteres latinos? Já passaram, embora não o queiram reconhecer. Compreende-se que não seja fácil cortar abruptamente e por Decreto com milhares de anos de uma das Civilizações mais brilhantes à face da Terra. Mas, na verdade, vivendo (ou sobrevivendo?) numa comunidade, é fundamental garantir a comunicação e na Europa isso não se faz com sinais de fumo nem com «tan-tans», faz-se com uma linguagem compreensível por todos os comunicadores, o que não é assim muito compatível com o alfabeto grego. Pior ainda para quem não saiba matemática.
Contudo, nas zonas mais turisticadas da Grécia, a sinalética já está quase toda nos dois alfabetos. Mas falta o «quase». E assim foi que me vi da cor dos gatos pardos para saber para onde nos dirigíamos quando me pespegaram com o letreiro a dizer «Σαντορίνη». E fizeram-no de propósito para chamar a nossa atenção para a questão que levanto nos parágrafos anteriores. Mas eu sabia que íamos a caminho de Santorini e, portanto, o enigma não chegou a existir.
Recordando que vínhamos a navegar de Creta onde víramos neve no topo da montanha dorsal da ilha, não me espantei quando, ao largo de Santorini, vi a orla superior da falésia toda branca. Hesitei na interpretação do que estava a ver e não tive vergonha de perguntar se aquilo também era neve. Delicadamente, não se riram na minha cara e disseram que era o casario. – Ah, pois claro, é o casario! Mas que disparate o meu. E, aí, eu tive a certeza de que acertara: era meu o disparate.
Santorini tem muito que se lhe diga sob o ponto de vista geológico mas a «capital» da ilha principal, Fira, localiza-se no topo de um penhasco vertical de cerca de 400 metros, de frente para a lagoa da caldeira onde o nosso navio fundeara ao largo não parecendo mais do que um travessão lá longe…
Não vou aqui «gastar o meu latim» (ou grego antigo?) a contar o que a Internet profusamente ilustra por exemplo em https://pt.wikipedia.org/wiki/Santorini mas aproveito para dizer que me restam sérias dúvidas sobre a plena sanidade mental de quem se pendura naquelas altitudes e deixa tanto metro na vertical até ao mar. Do cais a que chegáramos em lanchas, amarinhámos por uma estrada que serpenteava pelo penhasco e em que o autocarro quase punha o nariz fora da estrada para fazer as curvas daquela linha num bolso. Já passei por sensações mais agradáveis. Na aflição das alturas valeram-me todos os deuses do Olimpo, mesmo aqueles de que nunca ouvi falar. Mas eles sabiam por certo da minha firme vontade de concluir o cruzeiro e fizeram-me a vontade. O motorista, pelos vistos, não tinha (e espero que assim continue) espírito de kamikaze. Felizmente, no regresso, descemos pelo teleférico.
A «neve» de Santorini
E, sem invocar a minha aversão às alturas, tenho um óptimo pretexto para optar por outras paragens: em Santorini, o metro quadrado construído custa actualmente algo como 10 mil Euros. A maior piscina que por lá vi não teria mais do que quatro metros quadrados e, mesmo assim, na época alta do turismo, há cerca de cem aviões grandes que diariamente ali chegam vindos de todas as partes do mundo. Que lhes faça bom proveito!
Foi já na parte final da nossa passeata pelos cumes que vi uma planície que se estende pelo lado de fora do anel das ilhas. É claro que foi lá que optaram por colocar o aeroporto, não nos cumes por onde nós andávamos em estradas boas para funâmbulos.
E tudo isto me fez lembrar a promessa que nas altitudes peruanas fizera a mim próprio de nunca mais me permitir fazer turismo por lugares mais altos do que o segundo piso da Torre de Belém ou 40 metros acima da altitude média da Lezíria de Vila Franca. Conclusão: nunca digas nunca.
A certa altura do passeio, espreitámos por um arco que dava passagem por baixo de um edifício numa ruela pedonal super concorrida e vimos umas freiras de hábito negro que estavam num terraço lá ao fundo. Logo maldosamente comentei sobre como elas se tratavam bem com um terraço daqueles sobre o que adivinhámos uma vista deslumbrante. Logo pedi à Graça que me tirasse uma fotografia tendo como plano de fundo as «santas irmãzinhas da caridade ortodoxa». O resultado é a foto que está aqui no fim do texto. Depois da foto, fui lá ver as freiras que, afinal, … eram dois chapéus de Sol negros. E eu a pensar mal da modéstia ortodoxa. Então, por pensamentos, pecador me confesso.
«Cristo recrucificado», «Zorba, o grego», «A última tentação de Cristo», eis alguns dos livros de Níkos Kazantzákis (1883-1957), esse vulto da cultura universal que nasceu em Heraklion e está sepultado em Martinengo, lugar importante da grande muralha da cidade. Na respectiva lápide mandou escrever «Nada espero, nada temo, sou livre».
«Heraklion» (do grego antigo), «Iráclio» (do grego moderno), já foi chamada «el Khandak» pelos árabes, «Cândia» pelos venezianos, «Chandax» e «Megalo Cástro» ("grande castelo") já não sei por quem, é a capital regional de Creta e situa-se sensivelmente a meio da costa norte da ilha onde começa o mar Egeu.
A cidade actual tem cerca de 174 mil habitantes, foi fundada pelos árabes em 824 que ali criaram o Emirado de Creta mas o antigo nome Ηeraklion foi recuperado no século XIX e tem origem no vizinho porto romano de Heracleu (Heracleum - local de culto a Herácles), cuja localização exacta não é conhecida. É por ali, algures…
A cidade parece ter evoluído pouco durante as épocas clássica, helenística e romana, períodos em que era regularmente pilhada por piratas. Essa, uma das justificações para as muralhas e outras obras de defesa. Contudo, a partir da conquista árabe em 824, essa mesma pirataria passou a ser motivo de progresso pois deu acolhimento aos que operavam contra os navios bizantinos e faziam raides contra os territórios imperiais em redor do Egeu.
Mas «tantas vezes vai a cantarinha à fonte que um dia lá deixa a asa». E foi isso mesmo que aconteceu: os bizantinos fartaram-se, cercaram a cidade durante 11 meses e o general atacante, Nicéforo Focas, futuro imperador Nicéforo II Focas (nome patusco, convenhamos), reconquista a cidade, saqueia-a, massacra os árabes e reduz a cidade a cinzas. Permaneceu em poder dos bizantinos durante quase dois séculos e meio.
Em 1204, os venezianos compraram Creta a Bonifácio de Montferrat como parte de um complicado acordo que envolvia, entre outras coisas, os cruzados da Quarta Cruzada reporem no trono o imperador bizantino Isaac II Ângelo. Os venezianos modificam o nome árabe Khandak (ou Chandax) para Cândia, que assim se mantém na diplomacia europeia até 1898. Os novos senhores fazem grandes obras nas defesas melhorando o fosso e construindo enormes fortificações, grande parte das quais ainda de pé, que em alguns locais chegam a ter 40 metros de espessura, com sete bastiões e uma fortaleza na entrada do porto.
Os rogos da Graça não foram suficientes para desviar o candeeiro do meio da foto
A cidade passou a ser a capital do Duque de Cândia e a área administrativa veneziana de Creta ficou a chamar-se Reino de Cândia (não confundir com o homónimo reino no centro do Sri Lanka). Para assegurarem o seu domínio, os venezianos começaram a fixar famílias de Veneza em Creta a partir de 1212. A coexistência de duas culturas diferentes e o estímulo da Renascença italiana levou a um florescimento das letras e artes em Cândia e em toda a ilha no que hoje se conhece como Renascença Cretense.
Depois dos venezianos seguiram-se os otomanos que cercaram a cidade durante mais de 21 anos (1648 - 1669) no que ficou conhecido como o cerco mais longo da História. Durante a ocupação otomana, o porto ficou assoreado e o poder da cidade caiu.
Em 1898 foi criado o Estado Autónomo de Creta sob supervisão internacional mas com o príncipe Jorge da Grécia na qualidade de Alto Comissário. Em 1913, Creta foi incorporada no Reino da Grécia.
E do que vive hoje a cidade? Pois bem, como toda a Grécia depois da «débâcle», vive sobretudo do turismo. Misto de Cascais e Amadora, vi uma rua direita cheia daquelas lojas das marcas que todos conhecemos de qualquer parte do mundo, vi esplanadas cheias de gente a comemorar o Domingo de Ramos ortodoxo (uma semana de diferença relativamente ao nosso) mas tivemos que escolher com cuidado para encontrarmos uma loja de gelados genuinamente cretense (ou grega, vá lá) em vez de nos sentarmos numa outra qualquer dessas marcas internacionais.
Tirando o comércio global, vimos lojas de «recuerdos» e uma feira de rua com muita orientalice na qual metemos o nariz para fazermos de imediato aquela meia volta que se impunha.
Sim, é isso mesmo que o leitor está a pensar: o que é grego (e cretense por maioria de razão), está aflito para sobreviver no meio da invasão estrangeira.
A menos que o futuro me troque as voltas, não penso lá voltar.
Abril de 2018
Henrique Salles da Fonseca
(frente à «Fonte dos Leões», no centro do fluxo turístico da cidade)
Chegados de manhã a Creta, desembarcámos directamente, sem a intermediação de lanchas, em Heraklion, a capital, na costa norte da ilha e logo os autocarros nos transportaram para o palácio de Knossos.
Dali mesmo avistámos a montanha central de Creta com 2400 metros de altitude, coberta de neve, a grande fornecedora de água doce e, portanto, da capacidade de sobrevivência duma civilização com milhares de anos.
Tudo começou com o rei Minos, fundador da civilização Minóica, que fez construir o palácio de Knossos onde se instalou e a partir do qual governou. E aqui estamos nós a ver o correspondente campus arqueológico e trabalhos de reconstrução que foram executados no início do séc. XX pelo arqueólogo inglês Arthur Evans.
A diferença entre estes trabalhos e os outros que vi em Atenas e na Turquia é a de que estes trabalhos são horríveis com materiais modernos a cobrir os antigos em vez de – como nos outros campus que louvo – só servirem para suprir as faltas dos materiais antigos e sendo colocados de modo a que não haja a mais pequena sombra de dúvidas sobre o que é antigo e o que é moderno. O cúmulo do horrível são os frescos que parecem acabados de pintar. Esqueceram-se, contudo, de informar sobre a marca das tintas usadas.
Sobrepondo-se à vergonha da qualidade da reconstrução, o guia teve o bom senso de desviar a nossa atenção para o labirinto onde Minos mandou encerrar o Minotauro. E qual não foi o meu espanto quando a doutrina mais recente aponta para a hipótese de o labirinto terem sido os fundos do palácio e constituído pelo emaranhado de salas, corredores, armazéns e demais dependências numa confusão labiríntica que baralharia quem por lá se metesse. Confesso que as hipóteses antigas me fascinavam mais do que esta que vejo como doméstica e sem aquele misticismo por que eu esperava e que referi quando fui ao Cabo Sounion donde o rei Egeu se fez despencar.
Mais uma decepção. Mas esta, mitológica.
E dali seguimos para uma visita à cidade, Heraklion. Vamos lá…
Zarpando de Kusadasi pelas bandas do almoço, foram poucas as horas de navegação até Patmos, uma ilha um pouco maior que minúscula mas onde se exilou o Apóstolo S. João. Diz-se que morreu com cerca de 90 anos, o que não deixa de ser um quase milagre para os tempos de então.
A presença do Apóstolo fundamenta uma enorme devoção e são vários os mosteiros (masculinos) e conventos (femininos) que lá existem. Mas também por lá rareiam as vocações e os religiosos (tanto eles como elas) vêm cada vez mais sendo cada vez menos.
Por exemplo, no mosteiro da meia encosta em que o Apóstolo viveu e onde escreveu o respectivo Evangelho, só há hoje um único residente mas é ali que afluem multidões para tocarem na laje de pedra em que S. João escrevia (de pé), ao lado da outra em que ele descansava. Ali não se celebram ofícios religiosos mas é ali que os visitantes fazem as suas preces mais sentidas.
No mosteiro do topo do monte há vários residentes e nota-se uma actividade intensa. Quanto mais não seja porque é lá que se localiza o muito visitado Museu de Arte Sacra. E ali, sim, celebra-se regularmente. Mas foi lá que um pequeno grupo de turistas (4 ou 5) pediu a bênção a um Padre que se encontrava à porta da igreja e ele não os benzeu. Porquê? Não percebi. Talvez a intérprete não tenha traduzido convenientemente o pedido dos turistas e o Padre não tenha querido esbanjar uma bênção a não ortodoxos. Talvez…
Uma nota quase final: Patmos é seca e a água tem que vir de Rodes em navio tanque. O mesmo se diga de tudo o que a população (pouco mais de 3 mil residentes, fora os turistas no Verão) precise de consumir com excepção do peixe que é pescado localmente.
Já era noite quando descemos por baixo duma Lua esplendorosa - a mesma que o Apóstolo terá visto - até à «cidade», nos metemos nas lanchas e regressámos ao navio que ficara ao largo.
“Günaydin” significa em turco o mesmo que “kalimera” em grego e que “bom dia” em português.
E aí estamos nós, a Graça e eu, a prepararmo-nos para pôr pé em terra turca pela terceira vez.
Da primeira, foram três dias em Istambul durante os quais tivemos como guia um Professor universitário de História de Constantinopla que, para grande tristeza de alguns companheiros do nosso grupo turístico, não sabia quantos lugares tem o estádio do Galatasarai; da segunda, tivemos como cenário a «riviera» turca centrada em Antália percorrendo mais de mil quilómetros em visita a lugares históricos tão importantes como Afrodisias e Éfeso; desta terceira vez, em regime de «visita de médico», iriamos (e fomos) a Éfeso.
Relativamente à cidade moderna, há que lhe dar a conotação local, ou seja, dizendo «kuchadasi» em vez do que lá vemos escrito. Até porque essa coisa de um S com cedilha…
A cidade é hoje um polo turístico de primeira grandeza mas historicamente é a reposição de Éfeso, essa cidade onde S. Paulo pregou aos efésios. E porquê a substituição? Porque o porto de Éfeso foi assoreado e o comércio cessou. A partir do momento em que a motivação económica desapareceu, tudo o mais se desvaneceu e a cidade teve que mudar de poiso para o novo litoral, o actual. A cidade greco-romana está actualmente a cinco quilómetros da costa integrada numa zona agricolamente ubérrima. Sim, na Turquia deve funcionar um método lógico de formação dos preços agrícolas pois a agricultura é pujante.
Nesta segunda visita a Éfeso, confirmei que a liderança dos trabalhos arqueológicos continua a ser da Universidade de Viena e notei muitos progressos na recuperação de edifícios e monumentos; o «mar» de visitantes financia a bilheteira de acesso ao campus e o Estado turco não tem custos. Mas a maior parte das legendas está… em alemão.
É claro que imaginei soluções semelhantes (com legendas em português) para os nossos campus arqueológicos, nomeadamente o de Conimbriga, o de Miróbriga e o que ainda não está constituído em Balsa onde tudo está por fazer.
Eis como a Turquia está a corrigir o desleixo das gerações anteriores. Nós ainda não.
Diz quem sabe que a Grécia tem uma das maiores frotas comerciais a nível mundial mas as bandeiras de conveniência relegam-na para os níveis medianos da tabela. Este, em que embarcámos, o “Celestyal Majesty”, tem bandeira de Malta e Valeta como porto de amarração. Mentira, claro. É grego e tudo se trata no Pireu. Porquê isto? Porque o quadro legal grego é mais pesado que o homólogo maltês e só paga mais quem não pode pagar menos.
Lançado ao mar em 1992 no estaleiro turco que o viu nascer, tem 40 mil toneladas, uma tripulação de 600 profissionais e alberga 1200 folgazões.
Formalidades de embarque cumpridas logo pela manhã nascente, eis-nos confortavelmente instalados e prontos a assistir ao início da viagem rumo a Mykonos, lá para a meia distância da Turquia. Chegados, ficou o navio ao largo e desembarcámos em lanchas. Fomos de autocarro até à «cidade», demos um giro, fizemos umas fotos e tomámos o autocarro de volta antes que nos cansássemos mais do que nos apetecia.
E o que se faz por ali? Pois creio que pouco ou mesmo muito pouco. Ver o mar será monótono quando as ondas nem sequer existem mas disseram-nos que quando as há, que entram pelas casas dentro. Sim, creio que isso faça algum «frisson», o que em grego se escreve συγκίνηση e se diz “synkínisi”. Mas, pelo que vimos, isso só acontece de vez em quando porque os ventos predominantes sopram do lado oposto da ilha.
Fazendo jus ao estilo local, foi com muita calma que regressámos ao navio, jantámos e zarpámos para uma navegação nocturna rumo ao Império de Erdogan para aportarmos um bocado a sul do sítio onde os outros se intrometeram com um cavalo de pau.
Foi um dia inteiro a navegar aportando a três ilhas do arquipélago Argosarónico – Hidra, Poros e Egina – com «visitas de médico» a cada uma delas. Totalmente viradas para o turismo, têm actividade pesqueira mas nada a ver com agricultura. Nem sequer rudimentar. Em compensação, a água do mar está limpa (diria mesmo limpíssima) e isso significa que a questão dos efluentes está resolvida. Vi recolha de lixo mas não souberam (ou não quiseram) responder-me sobre que tratamento lhe dão. Também não perguntei o que fizeram às crianças. Devem estar todas em Atenas, presumo. Não vi escolas. Mas, em compensação, falaram da heroicidade das gentes dali no combate aos invasores durante a II Guerra Mundial. Um tiro aqui, um pedregulho despencado lá das alturas sobre uma ou outra patrulha estrangeira, refúgio de resistentes vindos do «main land», enfim, uma verdadeira guerrilha sem quartel como anos mais tarde Mao Tsé Tung plagiou. Mas se essa acção de desgaste do invasor não foi absolutamente determinante no resultado da guerra, ela foi isso mesmo: desgastante. E água mole em pedra dura… Então, a Alemanha perdeu mesmo a guerra.
E aquela gente toda tem um modo de vida apesar da crise que em 2014 varreu a Grécia. Poderão não estar todos ricos como Rockefeller mas vê-se conforto e é evidente que dormem muito mais tranquilamente que os magnatas dessa outra ilha, Manhattan.
As pequenas marinas de recreio assumem papel de relevo na paisagem e é certo que a economia local vive delas em parte importante.
Historicamente, apenas a batalha naval de Salamina (uma das ilhas que não visitámos), um ou outro erudito antigo que por ali viveu durante algum retiro e pouco mais.
Viagem turisticamente interessante mas a merecer guias mais empenhados do que os que nos calharam na rifa.
“O nariz grego, que forma uma linha recta do topo interciliar à ponta, é considerado o nariz perfeito."
Harriet Hubbard Ayer(1849, Illinois - 1903, Nova Iorque)
E foi nestas divagações que dei por mim quando me meti num pequeno navio (ou seria um grande barco?) zarpando do Pireu rumo a Hidra com uma perspectiva de navegação de quase três horas e sem nada que fazer a não ser olhar o mar. A Graça, muito bem, deixou-se aquecer ao Sol da Primavera numa «chaise longue» mas as minhas lentes de contacto não me autorizam fechar os olhos para ensaiar algum «passe por brasas». Eis por que me dediquei a olhar para os narizes das gregas que passavam por nós e a lembrar-me de que todas eram naso-sósias da Maria Callas.
E a propósito da Callas (1923, Nova Iorque - 1977, Paris), contava-se que ela tinha uma irmã que, essa sim, era uma grande cantora, muito melhor do que a Maria, no dizer da professora de canto que nas respectivas juventudes ambas tinham tido na Nova Iorque natal. E as pessoas que contavam essa história (eventual balela cuja veracidade nunca investiguei) concluíam com a questão de se imaginar como teria sido se a irmã tivesse enveredado pela carreira lírico-dramática. Ao que eu tenho duas respostas para dar: 1ª – Não podem ser conhecidos os resultados duma experiência não experimentada e, portanto, daí resulta que todos os pensamentos não passem de meras especulações; 2ª – Se a «mana» se tivesse dado ao trabalho de “trabalhar a voz” e de estudar música como Maria fez, talvez pudesse ter sido alguém no canto lírico ou dramático mas optando por cozer meias e alinhavar bainhas de saias e calças, entrou no esquecimento das multidões que nunca a ouviram (nem, como eu, sequer sabem da sua existência).
Nem sequer sei se ela tinha a nacionalidade grega mas eu não podia estar na Grécia ignorando Maria Callas. Seria o mesmo que ir a Roma e não ver o Papa.
A propósito de Roma, também me lembrei de outra história que se conta dos italianos na Grécia.
A certa altura da II Guerra Mundial, o palhaço «Duce» decidiu invadir a Grécia e foi um grande escândalo quando um Batalhão inteiro foi encurralado por uma pequeníssima força guerrilheira grega. Perguntado sobre quantos guerrilheiros os tinham detido, o Comandante italiano respondeu que eram dois.
- Como foi, então, possível que apenas dois guerrilheiros tivessem detido um Batalhão inteiro?
A resposta terá sido imediata:
- Eles cercaram-nos.
Verdade ou «história» (que também nunca me dei ao trabalho de tentar verificar), daqui se conclui da falta de convicção com que “lutavam” os italianos e da verdadeira valentia dos gregos.
Decididamente, os gregos não se deixaram influenciar pela «Commedia del Arte».
Terá o feitio do nariz alguma influência no caracter? Talvez… mas também não investigarei essa hipótese.