Com a visita do primeiro-ministro à Índia, torna-se oportuno recordar variados factos que fazem parte da memória colectiva do povo português, dando nova vida aos acontecimentos, às aventuras e desventuras que levaram ao domínio dos mares do Oriente. À chegada a Goa, pelo oceano Índico, como fariam os marinheiros portugueses, ao entrar no rio Mandovi, vê-se do lado esquerdo o Forte da Aguada, erigido para a defesa contra os holandeses e os ingleses. Do lado direito está o Forte dos Reis Magos, reconstruído recentemente, com o apoio de uma ONG inglesa. Este fora erigido em 1551 e mais tarde, em 1707, ampliado, para em conjunto com o Forte da Aguada poder defender-se das agressões inimigas. Na base do forte está a Igreja dos Reis Magos, aberta ao culto e visitada por multidões de turistas.
O Forte da Aguada é imponente, foi construído em menos de sete anos, ficando terminado em 1612, de acordo com o projecto e a orientação do arquitecto militar Júlio Simão. Foi decidido pelo vice-rei da Índia, Aires de Saldanha, e ficou pronto no tempo do vice-rei Rui Lourenço de Távora.
A movimentação e a colocação das pedras obrigariam a utilizar mecânicas que estariam bastante dominadas, dada a quantidade de fortalezas construídas nessas zonas do Oriente. Num local assolado por fortes monções com chuva abundante e grandes amplitudes térmicas, a erosão é inevitável e por isso muito impressiona ver que as fortalezas construídas na Índia, com alguns restauros, continuam a aguentar as investidas da natureza.
Na parte inferior da fortaleza, as embarcações aproximavam-se para se abastecerem de água potável, de uma fonte escavada na rocha, que jorrava abundante água. Daí também o nome do forte. Na parte superior está um farol seiscentista; completam o dispositivo de defesa do Mandovi o Forte de Nossa Senhora do Cabo e o de Gaspar Dias, ainda por terminar, na margem oposta, junto ao Forte dos Reis Magos.
Hoje, boa parte do espaço da fortaleza da Aguada está ocupada por dois hotéis de cinco estrelas do grupo Taj, com belos jardins e vistas amplas para o Índico. Próximo do local está um terceiro hotel do mesmo grupo.
Além das fortalezas citadas, em Goa há ainda a da ilha de Angediva, na parte sul, que teve a sua função de defesa, mas já há muito tempo desguarnecida. Há também o Forte de Mormugão, a proteger o rio Zuari, hoje em precário estado de conservação.
De grande beleza e imponência são as construções que ainda restam da Velha Goa, que foi a capital do Estado da Índia, nos primeiros tempos, até ao surto de uma peste, no século XIX, que levou as populações a buscarem refúgio na actual Nova Goa (ou Pangim, a cidade capital de Goa), ficando os edifícios de Velha Goa abandonados; muitos terão desabado cedendo à força das chuvas das monções.
Na fase final da presença portuguesa, alguns dos edifícios foram aquartelamentos e casernas de militares e apenas depois da anexação pela Índia foram reconstruídos uns e escorados outros, sendo hoje amplamente publicitados como uma grande atracção para os turistas, referidos em folhetos que mostram as belezas e a monumentalidade de Goa. É, pois, um local obrigatório de visita para qualquer português, para reviver o passado e ver muito especialmente a sala que alberga os retratos de todos os vice-reis da Índia, completados pelos dos governadores-gerais, da última fase da Goa colonial.
A UNESCO agrupou sob a designação de igrejas e conventos de Velha Goa um conjunto de monumentos de carácter religioso, para o declarar Património Mundial, no ano de 1986. Os monumentos e as igrejas mais importantes, que subsistem e estão abertas ao culto, são a Basílica do Bom Jesus, que conserva o corpo incorrupto de São Francisco Xavier; a Sé Catedral de Santa Catarina, a Igreja e Convento de São Francisco de Assis, a Igreja de São Caetano, a Igreja de Santo Agostinho... além de muitas outras que desapareceram.
Apesar da concentração de edificações de tipo religioso nesta cidade, abundam ao longo de toda a Goa igrejas de grande porte, de uma presença digna, todas caiadas de branco, de alto a baixo. A fé que moveu os missionários a irem instruir as populações locais também fez construir, com a sua ajuda, igrejas de traça nobre e de grande dignidade. A mensagem cristã ficou assim também gravada em pedra.
14 de Janeiro de 2017
Eugénio Viassa Monteiro
Prof. da AESE Business School e Dirigente da Ass. Amizade Portugal-Índia
A propósito da próxima visita do PM à Índia, pode ser interessante referir factos que se prendem com Portugal.
Em 1961, após tentativas frustradas de negociação, Goa foi anexada pela Índia. Dado o pacifismo, a acção revestiu-se de grandes cuidados para minimizar os efeitos e atrair os cidadãos a aceitar o facto consumado; foram tomadas medidas para que a população fosse respeitada na sua identidade e cultura e pudesse ver benefícios rápidos da anexação.
Dentro da linha habitual de actuação mandou-se fazer um estudo da situação económica de Goa, com o levantamento do que existia e do muito que havia a fazer para recuperar os atrasos e dar condições mínimas de bem-estar à população.
Daí saiu um plano com prioridades para os dirigentes: melhoria das infraestruturas; criação de rede de saneamento, inexistente; abastecimento de electricidade, quase inexistente; muito mais ensino, acesso à saúde, à cultura, aos empregos, inexistentes fora da agricultura; melhoria da agricultura, da indústria e dos serviços...
O último governador-geral, nos estertores do regime, fizera o seu melhor, decidindo fazer um pouco de tudo onde tudo faltava. A sua actuação, apesar de tardia, foi positiva e instaurou uma nova dinâmica de fim de regime, que terá servido de pauta para os novos governantes. Por exemplo, nos últimos dois ou três anos deu um grande impulso ao ensino primário, a apontar para a sua generalização, coisa que veio a acontecer poucos anos depois.
Após uma "expedição internacional ao oceano Índico", em 1960, o governo central indiano tomou a decisão de criar o NIO – National Institute of Oceanography, integrado no CSIR – Conselho para a Investigação Científica e Industrial. Ter-se-á posto o problema da localização, pois procurava-se que cada instituição de investigação do CSIR pudesse ficar num dos estados da Índia. Optou-se por pô-lo em Goa, perto de Pangim, num local conhecido por Dona Paula. Não terá sido estranho à localização o saber e domínio português dos oceanos durante séculos, com os conhecimentos desenvolvidos pela Escola de Sagres.
O NIO é o mais importante laboratório indiano dedicado à oceanografia. Aspectos relevantes do seu trabalho incidem no estudo do comportamento do Norte do oceano Índico, uma bacia tropical batida por fortes ventos sazonais das monções: os 200 metros superiores formam a parte mais activa do oceano e os estudos do NIO mais citados são sobre a sua circulação e a biogeoquímica dessa camada. O NIO conta hoje com 170 cientistas, dos quais 120 doutorados; tem 210 pessoas no staff técnico e de apoio, além de 120 no administrativo. A própria instituição proporciona, aos que nela trabalham a oportunidade de aproveitar a investigação para as suas teses de doutoramento. São inúmeros os doutorados que emigraram para os Estados Unidos, trabalhando em temas que investigaram no NIO e onde ganharam as competências.
Sempre me pareceu de enorme interesse uma aproximação do Instituto de Investigação do Marportuguês e do NIO, para projectos comuns de investigação e transferência de conhecimentos mútuos, como faz a Fundação Champalimaud, em temas da visão, com o Prasad Eye Institute, de Hyderabad.
Todos os laboratórios do Estado, indianos, dedicados à investigação científica e Industrial deveriam rever os seus métodos de avaliação dos cientistas, talvez ainda marcados por um estilo enraizado no socialismo indiano igualitário, sem reconhecer méritos pessoais. Apesar de alguma dinâmica no registo de patentes, elas são em número exíguo comparadas com instituições de países inovadores como os EUA. Estes valorizam as patentes, que são um valor que se pode negociar. É preciso encontrar formas de remunerar com justiça, com prémios pecuniários na proporção do que cada um produz com o seu esforço ordenado e inteligente. Dos cientistas muito qualificados é de esperar resultados de grande alcance; há que estimulá-los para tal.
2 de Dezembro de 2016
Eugenio Viassa Monteiro
Professor da AESE-Business School
e dirigente da AAPI – Associação de Amizade Portugal-Índia
São Francisco Xavier ainda não foi substituído por uma vaca, como fingia recear o Doutor Adriano de Sousa, grande advogado do pretório de Lourenço Marques, para levantar o orgulho dos seus patrícios, mas Goa está amoxamada... É o que observa quem lá vai. Há um debate para saber se a insidiosa perda dos valores ocidentais é culpa dos que já estão fora e dos que vão para fora ou dos que ficam lá em Goa.
Na realidade dos factos históricos, a culpa está muito bem definida e identificada. Não é dos Indo-portugueses, nem dos Goeses.
Tudo foi combinado fora de Goa, pelo PCP, que começou em Moscovo e acabou por conseguir fazer programar tudo em Nova Delhi e em Goa. Depois foi tudo executado, dentro de Goa e de Portugal, pelos marxistas-leninistas infiltrados, pelo PCP, no exército português, o marechal Francisco da Costa Gomes, cognominado Rolha durante o PREC, a instalar como governador o humanista general Vassalo e Silva, que não era vassalo de Portugal e só queria salvar a pele bem curtida nas praias de Goa, em desmentido do juramento que tinha feito na sua carta militar.
O Professor Doutor Oliveira Salazar nem teve tempo para mudar de ideias e fazer um referendo, que os goeses não teriam hesitado em votar em massa para ficarem portugueses.
Se houve tiros contra o exército e marinha do invasor, foram disparados por uns poucos goeses, entre eles o comandante duma instituição militar, que devia ser libertada por um grupo de blindados, pelo subchefe Aniceto do Rosário, que morreu, no seu posto defendendo Dadrá, pelos descendentes dos escravos de armas caboverdeanos de Diu, que só içaram uma bandeira branca depois de esgotadas as munições contra a marinha de guerra da União Indiana, e pela marinha portuguesa, nomeadamente a lancha Vega comandada pelo segundo-tenente Oliveira e Carmo fardado de branco e morto em combate, em Diu, pelo aviso Afonso de Albuquerque, com o seu comandante gravemente ferido, em Mormugão. Também em Damão houve tiros. Em Damão, nas festividades do dia feriado pela libertação ou invasão, antigos oficiais do exército português também vão pôr coroas pelos caídos, em Dadrá e Nagar Aveli. Para quem não acreditar, há um filme, na Internet.
Segundo os invasores, a conquista de Goa (ou de Goa com Damão e Diu) durou 36 horas e, em Goa, as tropas portuguesas foram recuando até Vasco da Gama, na península de Mormugão, onde o governador humanista trazido para Goa pelo marechal Rolha, que dali levou tropas e armamentos, por serem necessários em Angola, solicitou o cessar fogo, sem condições, aos Excelentíssimos Senhores seus Inimigos e Amigos, depois da rendição incondicional do Comandante Chefe das Forças Armadas do Estado Português da Índia, ele próprio e a mesma pessoa (Valentino Viegas, 2012, Goa, o preço da identidade, Lisboa, Livros Horizonte, Lda, 165 p.). Antes disso o general Vassalo e Silva, para afastar qualquer dúvida sobre o cabal cumprimento da sua missão, tinha já combinado com o seu Inimigo e Amigo, general Chaudhury, comandante do exército invasor, como devia fazer, para entregar Goa à União Indiana. Quem ficou irritado com essa formalização, foi Krishna Menon, ministro dos negócios estrangeiros, que desejava confinar a aparatosa invasão a um problema interno da União Indiana e daí lavar as suas mãos, mas, agora o seu exército tinha recebido e deferido um requerimento a pedir rendição de um exército, que para ele era estrangeiro (Mariana Manuel Stocker, 2011, Xeque-Mate a Goa, O Princípio do Fim do Império Português, Alfragide, TextoEditora Lda., 440 p.).
Quanto aos jornalistas e outras personalidades, que tinham estado presentes, o jornalista brasileiro Leopoldo de Melo declarou em Caráchi, que a rendição das forças portuguesas lhe parecera “vergonhosa” e que estas forças “actuavam como se estivessem privadas de comando, deslocando-se continuamente sem aparente finalidade, acabando por retirar-se em direcção a Vasco da Gama”. O Patriarca José Alvernaz desmentiu ter dado qualquer conselho de rendição e afirmou, que desde o primeiro dia da invasão, quando se encontrou com ele, o governador já tinha decidido que os portugueses se deviam render. Os jornalistas americanos regressaram de Goa frustrados. Só poucas pontes tinham sido cortadas à última da hora. Não tinha havido praticamente combates e os tiros tinham escasseado. Do lado português vinte mortos, entre eles o telegrafista Piedade do aviso Afonso de Albuquerque e o segundo-tenente Oliveira e Carmo da lancha Vega, do lado indiano vinte e uma baixas (Mariana Manuel Stocker, 2011), entre elas o oficial indiano ingénuo que comandava os tanques que foram atacar uma instituição militar de Goa guarnecida por goeses. Saiu a peito descoberto para negociar a libertação com o oficial goês, que comandava esse quartel ou forte, o qual, sem hesitar, o abateu (Valentino Viegas, 2010, A morte do Herói Português, da guerra em Angola à invasão de Goa, um testemunho, Lisboa, Livros Horizonte, Lda.). Este infeliz oficial sabia que a guarnição era goesa e julgava que os goeses se queriam libertar de Portugal, como a Índia se tinha libertado do imperialismo britânico. Como oficial superior, estava no segredo dos deuses e sabia que o general Vassalo e Silva obedecia ao PCP e ao KGB, não obedecia às ordens de Salazar. Não tinha reparado, que o general tinha deixado de comandar, abandonando as suas tropas à sua sorte, por motivos de grande humanismo marxista-leninista. Também não sabia, que, quando Ghandi dirigia o partido do Congresso, uns goeses líricos lhe tinham escrito de Bombaím, pedindo para trabalharem pela libertação com o Congresso Indiano, porque tinham em Goa a mesma luta e a mesma situação de colonizados. Ghandi tinha iniciado a sua carreira de advogado, em Durban, onde lutou para ser considerado sujeito do Reino Unido e seu Commonwealth e deixar de ser discriminado pela lei do apartheid da África do Sul, votada pelo parlamento britânico, no início do século XX. Ghandi respondeu aos líricos goeses de Bombaím, que estavam muito enganados e que, em Goa, só o governador era português e que tudo o resto, incluindo o poder judiciário estava nas mãos dos goeses, situação muito diferente daquela, que vigorava na Índia Inglesa, onde os indianos até estavam impedidos de frequentar lugares públicos reservados aos Ingleses.
O aviso Afonso de Albuquerque afrontou sozinho três fragatas indianas acompanhadas por um cruzador e um porta-aviões, na baía de Mormugão: “… muitos foram aqueles que observaram com os seus próprios olhos, assistindo à distância à batalha naval travada… Com extraordinária coragem, grande determinação e invulgar valentia, os marinheiros portugueses enfrentaram as modernas fragatas inimigas (…), sabendo de antemão que a qualquer momento elas podiam ser apoiadas pelo cruzador (…) e pelo porta-avões (…). Apesar de o comandante do navio, o capitão-de-mar-e-guerra António da Cunha Aragão, ter sido dos primeiros a ser alvo do fogo inimigo e estar gravemente ferido, pois logo na fase inicial do ataque fora atingido por um estilhaço junto ao coração, o aviso Afonso de Albuquerque deu grande luta e conseguiu acertar e danificar fragatas indianas. Combateu enquanto pôde, enfrentando o inimigo numa peleja desigual. Com as máquinas destruídas, impossibilitado de continuar a travar a batalha que vinha travando, cerca das treze horas do dia 18 (de Dezembro de 1961) o aviso Afonso de Albuquerque foi encalhado pela tripulação não muito longe do cais de D. Paula” (Valentino Viegas, 2012), onde, já depois de encalhado, continuou a defender o acesso ao canal do porto de Mormugão, disparando com a única peça de artilharia que lhe restava (Mariana Manuel Stocker, 2011).
O general Vassalo e Silva era engenheiro militar, tal como o seu ilustre colega Vasco dos Santos Gonçalves. Foi trazido para Goa pelo ilustre marechal Francisco da Costa Gomes por duas razões: era um tubarão do PCP e tinha sido aceite pelo Ministro da Guerra Salazar, só por ser engenheiro militar. Estava incumbido de preparar Goa para a invasão, criando o maior número possível de obstáculos à progressão do exército invasor. Teve tempo para cumprir a sua missão, mas não fez nada ou praticamente nada, só ficou documentada a falta de comando, ordens e instruções às tropas portuguesas e a sua fidelidade ao PCP e traição a Portugal. Com o pouco ou nada que fez na sua especialidade de engenharia militar, sobrou-lhe tempo para praia e festas (J., 2007, O último Imperador de Portugal, Volume I, Uma história verídica, Lisboa, Enke Editions, 400 p.), no dia anterior ao da invasão estava numa festa de casamento.
A estratégia de Salazar, no Estado da Índia, consistia em atrasar o inimigo, ganhando tempo, para poder mobilizar os aliados de Portugal e fazer queixas nos areópagos internacionais. Porque, no subcontinente indiano, por exemplo, Portugal tinha um poderoso aliado e muitos pequenos, mas activos aliados. Ainda hoje, no Paquistão, os goeses, que não quiseram submeter-se aos libertadores, ocupam postos de relevo, como funcionários do estado. Ainda hoje, emigrantes de nações da União Indiana emigram para a Europa, via Portugal, em vez de irem para o Reino Unido. A fronteira do Caxemira não é a única fronteira do Paquistão disputada com a Índia. A fronteira do Gujarate, ao norte de Diu, também é disputada. Com a guerra relâmpago do exército indiano retardada, o Paquistão tinha uma oportunidade única para avançar, no Gujerate e Diu podia passar para o outro lado da fronteira.
Segundo Franco Nogueira, o pandita J. Nehru teria ficado arrependido por ter usado a força em Goa, Damão e Diu. A verdade é que ele só respondeu afirmativamente à pressão de militares do seu exército, porque tinha garantias diplomáticas secretas, duma das duas grandes potências, de que o PCP controlava a situação em Goa e que tudo se passaria rapidamente. Em Setembro de 1961 Nehru tinha visitado a URSS e em Dezembro, antes da invasão, foi a vez de Nikita S. Khruchtcov visitar a União Indiana. Na primeira edição incompleta do seu livro, Maria Manuel Stocker (2011) prometeu esclarecer definitivamente este ponto pela “análise dos arquivos soviéticos”. Parece que já deviam estar disponíveis e até temos, em Portugal, um grande e bom especialista, que já esclareceu vários mistérios das histórias recentes de Moçambique e Angola, graças às fontes soviéticas.
Numa carta de Goa a um dos seus amigos, em Lisboa, Luís de Camões (Carta II, 1948, Obras Completas com prefácio e notas do Prof. Hernâni Cidade, Volume III, Autos e Cartas, Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa, 379 p.), já, há muito tempo, tinha pedido meninas feias lisboetas, mas corajosas para fazerem uma viagem a enjoar durante seis meses. Segundo Camões as venerandas meninas reinóis de Goa tinham ultrapassado a idade da reforma. A sua experiência pessoal também lhe tinha mostrado que as meninas que a terra dava, as meninas goesas estavam amoxamadas. Para ele, ninguém havia como as meninas do reino para chiarem, na fervura, como “pucarinho novo”. Parece que, só agora, o nosso príncipe dos poetas e dos amores infelizes e tristes foi ouvido pelas meninas russas bonitas, segundo os padrões do Renascimento e do “povo vão” (Endechas à Bárbara Escrava, 1948, Volume I): pele branca como a neve sem melanina, olhos azuis de azurite ou verdes de malaquite, cabelos de ouro.
Goa tornou-se um estado da União Indiana separado de Damão e Diu, território da União Indiana. Assim, em Damão e Diu, os descendentes de caboverdeanos, que não se deixam amoxamar, como provaram sobejamente, em Timor Leste, ficaram mais isolados.
Para ser completo, este sítio sobre Goa, a bem da Nação, só precisava ainda de um relato ou entrevista a um tripulante do navio escola Sagres sobre a festa de despedida, que lhe foi feita, uma surpresa dos goeses, a 14 de Novembro de 2010. Essa festa parece ter ultrapassado de longe a cerimoniosa recepção dos canecos do século XIX a um príncipe de Portugal, o único da história, que foi visitar os seus fidelíssimos vassalos do vice reino. Para essas grandes festas, não faltaram recursos, em Goa, tolerância de ponto, canecos (= chapéus altos) e fraques para todos os funcionários sem distinção, no século XIX, barcos e motas, bandeiras das quinas verdes e encarnadas, música e vinho espumante para todos, juventude e trabalhadores, assim como liberdade de palavra para os auto-proclamados combatentes da liberdade, no início do século XXI.
«Bolanda» significa «baldão» e este significa «desventura», «contrariedade», «trabalho em vão»; «andança» significa «andar, mudar-se daqui para ali...».
Antes da nossa História, Goa andou em bolandas durante muito tempo entre várias hegemonias hindus até que caiu sob o domínio muçulmano durante uns tempos (cerca de um século) ao que Afonso de Albuquerque pôs fim em 1510, conquista que prevaleceu até 18 de Dezembro de 1961, faz agora 55 anos.
E os goeses sempre a amoxarem apesar de, no Estado Português da Índia, as elites terem tido um reconhecimento único entre todos os povos não totalmente autónomos. Mais: essas elites reforçaram o seu desempenho quando emigraram para a Metrópole colonial. Que outros colonizadores proporcionaram um tal estatuto?
E agora, o que se passa?
Agora continuam a amoxar sob a hegemonia hindu, a invasão ganti (a dos gantis, os oriundos dos montes Gates). Só resta saber durante quanto tempo. Séculos? Muito provavelmente, até que a cultura goesa desapareça por completo.
Como é que isto é possível? Falta de coragem. Só!
Só? Não! Também porque há muita vilania, inveja, acomodação, traição, tudo provocado por uma pequena palavra: receio. E, receoso, o goês mostra que, afinal, é quase indiano. Porquê quase? É que a genética introduziu uma importante diferença: a diferença entre o receio cerimonioso e o medo cobardolas.
Goeses: mostrem-me onde é que eu estou errado... se tiverem coragem.
Novembro de 2016
Henrique Salles da Fonseca
(frente ao Arco dos Vice-Reis, Cidade de Goa, NOV15)
O seu som dominou outrora as grandes igrejas e a catedral de Goa.
Hoje, sete órgãos de tubos apenas sobrevivem nesta antiga colónia portuguesa. No entanto, a sua grandeza não é esquecida e várias são as tentativas em curso para restaurar os seus teclados e pedaleiras.
Os órgãos de tubos produzem som canalizando ar pressurizado através dos tubos seleccionados pelo teclado manual. Os mais pequenos podem ter apenas uma oiu duas dúzias de tubos e apenas um teclado; os maiores podem ter mais de 20 000 tubos e sete teclados. O teclado é tocado com as mãos e a pedaleira com os pés cada qual com os respectivos registos. Os órgãos têm origem hidráulica no 3º século a. C. na Grécia onde a água corrente era utilizada para provocar o vento necessário..
“Há sete dúzias de órgãos de tubos nas várias igrejas em Goa”, afirma Joaquim Loiola Pereira, Padre secretário do Arcebispo de Goa e que é conhecido pelas suas próprias capacidades musicais, particularmente na guitarra. “O de Rachol (Seminário situado no Sul do Goa, a cerca de 8 kms de Margão) é o único em condições de funcionamento”, disse-nos ele.
Natural de Sydney, o investigador David Rumsey produziu um papel de índole académica sobre Os Órgãos de Goa, Índia, em 1994 e referiu que os edifícios em que os órgãos estão instalados têm “excelentes condições acústicas para a música”. Lisboa governou Goa durante a sua idade de ouro da construção organeira portuguesa.
Cinco dos sete órgãos actualmente existentes são oriundos do organeiro Gebrüder Link de Wurtemburg, Alemanha. Os outros dois têm origem numa empresa organeira anglo-indiana de Calcutá, os Hurry Brothers. Todos eles datam da mesma época estilística tendo os Link provavelmente sido fabricados entre 1888 e 1907, de acordo com a opinião de Rumsey.
Mas manter os órgãos em funcionamento é hoje um desafio maior. “São necessárias afinações periódicas. Também são necessários vazamentos”, diz o Padre Romeu Monteiro, grande responsável pela manutenção do órgão de Rachol em funcionamento. O instrumento de Rachol usa um sistema “muito entediante” quando comparado com os electro-magnéticos. “O nosso usa uma grande roda manual”, diz o nosso entrevistado.
Certos tubos vazam sem sequer se tocar um botão. “Nós tocamos todos os Domingos. Os seminaristas (rapazes, futuros Padres), fazem-no eles próprios”, informa. “É bastante agradável tocar órgão”.
Os organeiros vêm todos de Inglaterra e cobram meio milhão de rupias por viagem. “O que chamámos prometeu vir em Outubro passado mas ainda não chegou. Esperamo-lo lá para o fim do ano”, disse o Padre Monteiro.
“Temos que treinar alguém de cá para fazer as reparações”, diz Monteiro. Refere Fernando Fernandes, o afinador de pianos em Goa, que consegue fazer algumas reparações. “Apelei a muitas instituições de caridade através da Net”, diz Monteiro.
Loiola, o Padre conhecido pela sua encantadora guitarra, vê três razões principais para os órgãos de tubos caírem em desuso. A quase total inexistência de organeiros em Goa ou em qualquer sítio próximo, o aparecimento de teclados electrónicos que imitam o som de um órgão de tubos, a música da Igreja tanto em inglês como em concani “já não é ao estilo clássico ocidental que exige o acompanhamento de um verdadeiro órgão de tubos”.
”Um dos órgãos em Velha Goa é tido como comparável ao da Catedral de S. Paulo em Londres. Mas não tem manutenção, embora gente como o (falecido maestro e Padre-músico) Lourdinho Barreto tenham mostrado grande interesse por esse instrumento”, diz o Prof. Antonio Peregrino da Costa, antigo professor de Linguística e Educação Musical na Universidade de Maringá, Paraná, Brasil, actualmente de volta a Pangim. Costa é também o Representante Honorário Local da Royal School of Music de Londres.
Sedeado no Reino Unido, diz o emigrado goês Gabe Menezes: “Os órgãos de tubos são de cara reparação. Reparámos recentemente o órgão da nossa igreja e o custo alcançou umas gritantes £500,000. Tivemos o financiamento de uma Herança no montante de £250,000 e o resto foi financiado pelos paroquianos”. A página Web da Arquidiocese refere que os “seminaristas são instruídos ... neste raro e impressionante instrumento”.
“O Inventário Arqueológico da Índia não considera prioritária a manutenção de um tão raro e único órgão (em Velha Goa), seguramente um dos mais antigos fora da Europa. A corrosão dos elementos metálicos e o caruncho podem empurrar o órgão para uma situação que ultrapasse qualquer hipótese de reparação”, argumenta João Paulo Costa, um dos promotores da Sociedade Musical Goesa baseada no Reino Unido.
Gabriel de Figueiredo, um emigrante goês na Austrália cujo pai desempenho um papel fundamental na promoção da educação musical na anterior geração goesa, afirma: “Talvez que a necessidade de uma pessoa para dar ao fole, o que é um trabalho pesado, mais a falta de um organista apropriado, provocaram o desuso dos órgãos de tubos de Loutolim e de outras localidades. De qualquer modo, a existência de teclados electrónicos há uma década significa que os órgãos de tubos estejam invadidos por traças e assim ficarão até que alguém surja a substituir os foles manuais por um equivalente sistema eléctrico silencioso”.
O órgão de tubos do Seminário Maior de Rachol (fundado em 1762) onde são educados os Padres Católicos em Goa, é virtualmente o único totalmente restaurado. Outro, na Sé Catedral de Velha Goa, a antiga capital colonial a cerca de 6 kms de Pangim, estava a trabalhar “antes de eu ir a Roma em 2000 pois eu tocava nele habitualmente”, diz Monteiro. No regresso, encontrou o órgão atolado de lixo e sem pedaleira.
O da Basílica do Bom Jesus, também em Velha Goa, é maior e melhor mas de um estilo diferente. Necessita de muitas reparações e o orçamento é de Rupias 20 milhões, o que “não é exequível” afirma Monteiro. Padres como Eufemiano Miranda, Bernardo Cota e Maurelio Cotta ganharam reputação pelas suas preocupações musicais, incluindo os órgãos de tubos.
Loiola, um Padre na casa dos 50 anos de idade, afirma: "Eu tive o privilégio de ter escutado os seguintes órgãos: o da Catedral, o da Basílica, o de Margão e o de Curtorim; e eu próprio toquei no do Seminário de Rachol. O que tinha o melhor som era, na minha opinião, o da Catedral”.
Loutulim, uma vila próxima de Margão e Curtorim, também consideradas centros culturais e musicais, têm os seus próprios órgãos de tubos, o primeiro relativamente pequeno. O da Igreja do Espírito Santo em Margão está “em mau estado”. “O de Curtorim é um belo órgão e parece em bom estado. Quero pôr-lhe as mãos em cima (para tocar)”, diz Monteiro.
Goa é o Estado da União com o mais elevado PIB per capita sendo o turismo um elemento fundamental da sua economia. Contudo, há agora um elemento destabilizador no modelo já enraizado por que ninguém esperava: a queda abrupta do Rublo.
Os americanos passaram à auto-suficiência energética e o Estado Islâmico aí está a fornecer petróleo a troco de armas, a cotação do barril de petróleo caiu e a Rússia faliu. Tão simples como isto. A mesma falência aconteceu a Angola mas esta nada tem a ver com Goa enquanto os turistas russos eram muito importantes para a economia goesa. Havia também umas «prestadoras russas de serviços» – ligadas à mais velha profissão do mundo – que ficaram sem a clientela a que estavam habituadas. Sim, Goa estava a transformar-se num mega prostíbulo russo. Consta que os miríficos casinos flutuantes – propriedade da Máfia russa, segundo se diz à boca cheia – também estão a passar por alguma recessão. Os cartazes em russo anunciando não sei o quê (sou analfabeto em cirílico e não sei russo) estão baços e sem a iluminação feérica a que, diz-se, estavam habituados.
Há também os hippies arqui-velhos que ainda não perceberam que o mundo já deu umas quantas voltas desde que ali aportaram e que o flower power já era... Mas se foram importantes há décadas, agora limitam-se a exibir a degradação a que chegaram, não passam de um fait divers e não têm mais qualquer relevância económica.
Baga by night
E, contudo, a costa a norte de Pagim, desde Sinquérim a Baga passando por Candolim e Calangute, fervilha de gente animada round the clock, com cafés, bares e restaurantes porta sim-porta sim, praias cheias sobretudo à noite com a festa da música, das luzes e dos fogos de artifício a pretexto de tudo e de nada... É que, de facto, nem só de russos e de hippies caducos vive o turismo de Goa. Nós, os outros, somos a maioria e os indianos de outros Estados encheram os hotéis por lá terem ido passar o Diwali. O quê? O Diwali é para os indianos o mesmo que o ano novo e o Natal são para nós, dois em um, motivo de festa, de votos positivos, de presentes.
Tivemos alguma dificuldade em conseguir alojamento no hotel que queríamos, o do Forte Aguada, tendo corrido o «risco» de irmos parar a outra zona menos animada. Mas conseguimos o que queríamos e pudemos testemunhar que Goa é actualmente o pólo central do turismo indiano. Mais uma razão para que Goa preserve a sua própria cultura em vez de se deixar igualar aos demais Estados da União.
Mas serão os goeses capazes de definirem a política no seu próprio Estado ou continuarão por muito mais tempo à mercê dos interesses dos grandes Partidos colonialistas, o do Congresso e o BJP? Pelo ambiente político de que tomei conhecimento, temo que Goa se dilua na União.
E foi com esta ideia bem pesada que tomei o avião com destino a Bombaim.
Foi preciso chegar perto de Margão para ver o sorriso mais bonito que alguma vez vi em toda a Ásia. E quem é a dona desse sorriso? Pois muito bem, é a minha amiga Margarida Távora e Costa, mais conhecida por Margarida Nostalgia, que tem um restaurante às portas de Margão. Não hesitei em trocar as voltas à Agência de Viagens que nos queria mandar não sei para onde e impus um almoço no restaurante da Margarida.
Henrique, Margarida e Pepe Damas Mora
Recebidos principescamente, tivemos a Margarida sentada à nossa mesa e a conversa fluiu tão agradavelmente que ficámos com pena de serem horas de continuar viagem. Mas o que tem que ser tem muita força e aí vamos nós a caminho de Margão.
São estes verdadeiros heróis da lusofonia que me comovem e me inspiram para que me dedique cada vez mais intensamente a esta causa, a de trazer os «portugueses abandonados» ao convívio com o Portugal pós colonial. E quem são eles? Pois são todos aqueles cujos antepassados, algures no mundo e algures na História, foram administrados por Portugal e que ficaram nas suas terras quando as vicissitudes da História nos obrigaram a deixá-los por lá, abandonados. E, rodeados de hostilidade ou, pelos menos, de desdenhosa indiferença, eles ficaram nas suas terras defendendo os valores que lhes legámos, língua, religião e nostalgia de uma Pátria longínqua que continuam a venerar.
E que fazemos nós por eles? Pouco, muito pouco.
Aceito companhia nesta missão. Venham ideias, estabeleçam contactos, sejam positivos, atirem as desgraças para trás das costas, olhem para o futuro com esperança e não se esqueçam da frase de Gandhi: «You must become the change you want to see».
A ilha de Capão (Vanxim, actualmente) no rio Mandovi era uma propriedade que a Igreja de Goa pusera à disposição dos agricultores locais que assim formaram há muito uma comunidade agrícola e piscatória. Mas em 2006, a proprietária dos terrenos (cerca de 8 hectares) decidiu vendê-los para que no local se fizesse um empreendimento turístico resultando deste modo que a comunidade agro-piscatória se passou a ver na contingência do despejo.
O Padre Bismarck Dias insurgiu-se contra a decisão da sua própria Igreja e liderou o movimento de defesa dos agricultores e pescadores da ilha.
Depois de também ter liderado a contestação a outros empreendimentos imobiliários, no dia 7 de Novembro de 2015 o seu corpo foi encontrado a boiar no rio Mandovi.
Não há quem convença os goeses de que se tratou de um acidente e os ânimos políticos estão bem acesos.
No dia seguinte à minha chegada a Goa, uma manifestação em Pangim exigindo o apuramento da verdade sobre a morte do Padre Bismarck foi alvo de uma acção policial que fez com que o Secretário-Geral de um Partido genuinamente goês fosse agredido com alguma violência. Dessa agressão policial ficaram registos em vídeo entretanto muito divulgados na Internet. Esse mesmo Partido procurou-me à noite no hotel para me alertar para o actual condicionamento da liberdade de manifestação em Goa e para o que consideram o atropelo dos direitos dos cidadãos por parte da corrupção. E, dizem, se o resto da Índia está nas mãos da corrupção, eles, goeses, não querem que isso aconteça a Goa.
Na minha qualidade de estrangeiro, tenho que ter muito cuidado para que não se diga que estou a intrometer-me nas decisões internas de um Estado soberano mas contar estas realidades de que a televisão local fez enorme eco, não me parece que seja intromissão. Dá-se a circunstância de vivermos actualmente na «sociedade de informação» e de as redes sociais não estarem submetidas a eventuais lobbies dos grandes meios da comunicação escrita, da rádio ou da televisão. O mundo já não é como era até há muito pouco tempo e é impossível calar as gentes. As gentes vieram falar comigo e eu relato o que elas me disseram para que se saiba que recaem dúvidas sobre a transparência da actual política goesa. Mais: vieram pedir-me que divulgue os seus temores quanto à segurança física que correm ao contestarem as iniciativas de que discordam.
É para mim óbvio que é a qualidade da política goesa que está em causa, ou seja, dá para questionar se não será a democracia que está a ser cilindrada por quem não tenha escrúpulos.
Mas, agora sim, meto a foice em seara alheia e culpo os goeses de emigrarem deixando a sua terra à mercê dos imigrantes que assim invadem e destroem a cultura de Goa. Agora é a vez de o Governo do Estado (comandado a partir de Delhi pois é do mesmo Partido que o do Governo da União, o BJP) mudar o nome das cidades como se prepara para fazer com Vasco da Gama substituindo-lhe o nome por outro que nada diz aos locais.
Mas se os goeses emigram, como se pode defender a cultura goesa contra a invasão?
Os goeses na diáspora dizem que a culpa é dos que lá ficaram – a culpa morre sempre solteira – mas é muito triste ver-se uma Nação a cometer suicídio.
Quando há oito anos estive em Goa pela primeira vez, não consegui visitar o meu amigo mais antigo naquelas paragens – e certamente dos mais ilustres – o Padre Joaquim Loiola Pereira, Secretário do Patriarca do Oriente e Arcebispo de Goa, mas desta vez não me permitiria nova falta e, portanto, troquei as voltas ao guia turístico e fui mesmo ao Paço Patriarcal.
P. Joaquim Loiola Pereira
Sem aviso prévio, apresentei-me no hall de entrada e o porteiro, amável mas sem saber quem eu era nem ao que ia, indicou-me prontamente a sala no primeiro andar e apontou-me a escadaria como se eu fosse o enviado de algum Arcanjo. Evidente falta de segurança. Fiquei depois a pensar que o dito porteiro, algo idoso, já tinha poderes especiais depois de tanto tempo próximo da espiritualidade conseguindo distinguir os bons dos malandros só olhando para a cara de cada um. Ou será que me viu a aura e que ela é azul?
Paço patriarcal de Goa
Subi as escadas, virei no sentido indicado pelo porteiro e a porta do gabinete do meu amigo estava aberta e ele sentado à secretária ao lado da janela. Anunciei-me com um toque na dita porta aberta e logo o Padre Loiola, de sotaina branca, me reconheceu e me abraçou. Parecia que tínhamos acabado de conversar na semana anterior e que retomávamos a conversa com o entusiasmo em que a deixáramos antes. E falámos de tantas coisas e não falámos de tantas outras que, não há dúvida, teremos conversa para os próximos decénios...
Contei-lhe da visita que acabara de fazer ao Sri Lanka e da minha tentativa de localização do túmulo de S. José Vaz. Busca infrutífera, aliás. Então, o Padre Loiola contou-me que ele próprio e um colega tinham sido encarregues pelo seu Patriarca de irem a Kandy para tentarem identificar o túmulo do primeiro Santo genuinamente goês.
Deslocando-se num carro com motorista da Diocese de Colombo e acompanhados de um Padre diocesano cingalês, lá foram até Kandy onde pararam em frente do Templo do Dente de Buda, local onde consta que S. José Vaz foi enterrado. Mas o Governo cingalês decidira demolir a igreja que ali se situava (e onde estaria a sepultura do Santo) para construir uma Esquadra de Polícia e qual não foi o espanto quando foi descoberta uma sepultura e um esqueleto. Foi então com enorme entusiasmo tanto das Autoridades civis como religiosas (católicas, claro!) que se procedeu a tudo o que era possível para identificar o esqueleto. E qual não foi o desânimo quando se concluiu que aquele esqueleto não era o do Santo.
História interessante, sem dúvida e que não se conclui enquanto não for descoberto o esqueleto que todos procuram afanosamente. Mas o mais curioso está no que o Padre Loiola contou de seguida: tanto o motorista como o Padre, ambos cingaleses, mesmo dentro do carro, falavam em surdina nas cercanias do local em que a tradição aponta como o da sepultura para não afligirem os espíritos que por ali possam vaguear. É fantástico como dois católicos militantes, um deles Padre, possam estar imbuídos de crenças tão sentidas sobre a presença de espíritos vagantes que se possam afligir com alguma voz mais sonante que ande em busca dos restos físicos de outro espírito, amigo dos potencialmente aflitos.
A busca continua mas, pela graça divina, sem ofensa para os espíritos vagantes.
E a conversa continuaria se os meus companheiros de viagem não tivessem telefonado lá de baixo, do hall do Patriarcado, a dizer que estavam fartos de esperar.
Logo o Padre Loiola me acompanhou até junto do autocarro e, na pressa das despedidas, esqueci-me de fazer a foto que aqui falta.