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A bem da Nação

Independência ou morte

 

                                                    Quadro Independência ou Morte mais conhecido com "O Grito do Ipiranga" (óleo sobre tela - 1888), do acervo do museu 

Óleo de Pedro Américo de Figueiredo e Melo (1843-1905)       

 

 

O brado de “Independência ou Morte” que nos separou de Portugal e tornou D. Pedro I o primeiro imperador do Brasil foi e ainda é actual.

 

Diversas são as formas de um povo ou nação se sobrepor às outras. Independência ou hegemonia pode ser conseguida de maneira consentida ou violenta, usando a força militar, cultural ou económica.

 

Com a globalização as pessoas tornaram-se mais ecuménicas, as novas gerações mais parecidas nos gostos e nos hábitos sociais. Compram de tudo e de todos os lugares nos grandes supermercados que nas grandes capitais são sempre muito parecidos e até mesmo iguais, quando fazem parte de redes internacionais.

 

A prática comercial que consiste em trocar, vender ou comprar produtos ou serviços, visando mercados e lucros, subentende relações sociais amistosas e respeitosas entre as partes, mas também predispõe à formação de grupos ou blocos financeiramente fortes que influenciam na economia dos povos.

 

Em recente viagem a uma das ilhas atlânticas (Flores), ainda no aeroporto soube que a minha bagagem havia-se extraviado. Precisando comprar alguma roupa, verifiquei com surpresa que, apesar de ser Domingo e do comércio estar fechado, havia lojas dos “Chinas” abertas e repletas de imensa variedade de produtos. Sabidamente mais competitivas, por apresentarem preços mais baratos (talvez por terem menor custo) e por abrirem todos os dias da semana, inclusive aos Domingos, numa comunidade pequena e tradicional que tem um comércio limitado, sujeito às regras social e culturalmente mais rígidas e restritivas, praticavam uma concorrência desleal.

 

Foi também com certo espanto, agora em outra região de Portugal Continental, que presenciei numa loja local de vinhos, os empregados atendendo a um grupo turístico, maioritariamente brasileiro, em língua estrangeira, só porque agora os donos do estabelecimento eram estrangeiros.

 

Nas casas do mundo globalizado, pode-se encontrar produtos e electrodomésticos japoneses, louça portuguesa, elementos decorativos italianos. Mesa de imbuia, brasileira, onde se encontra arroz com pequi, quibe, picanha, bacalhau e tabule. Mas quando se compra um Renault ou um Chevrolet, num país lusófono, espera-se ser atendido na concessionária por empregados locais que falem e escrevam português, que, por hábito ou costume regional, gostem mais de feijão com arroz e bife que de fast food, e que prefiram o futebol a basebol. É na língua, nos hábitos e valores culturais, no culto popular aos pequenos” heróis” do desporto, da música ou da TV, que hoje em dia se descobre a nacionalidade.

 

Investir num país é também se comprometer com o desenvolvimento social e respeitar a identidade cultural dele.  Subentende que há uma troca salutar de experiências e riquezas. Aos Governos cabe a preocupação de ter leis claras e efectivas que regulem a entrada estrangeira seja através de dinheiro, gente ou de aquisições para que não se perca o equilíbrio das forças económicas e sociais que garantam a independência nacional.

 

Maria Eduarda Fagundes

Uberaba, 22/10/07

MUROS NA NOSSA CONSCIÊNCIA

            

       Quando, em 9 de Novembro de 1989, caiu o ominoso Muro de Berlim, selando o acto oficial da reunificação das duas Alemanhas, garrafas de espumante rebentaram e foguetes estalejaram. A alegria foi particularmente esfuziante nos dois países até então desirmanados, mas contagiou o mundo ocidental em geral.

No entanto, em outro quadrante civilizacional continuava intacto um outro muro abominável a separar dois povos. Refiro-me ao muro (vedação de arame farpado) de cerca de 250 km que separa as duas Coreias pelo paralelo 38. Mas, implantado em chão europeu, o Muro de Berlim era um tumor muito mais doloroso na consciência da humanidade. Dir-se-á que rasava a jugular da civilização ocidental enquanto o da península da Coreia não passa de um quisto nos subúrbios do mundo. A extirpação do primeiro marcou o fim da guerra-fria e pintalgou o coração do mundo com cores da mais viva esperança. O entusiasmo foi tão contagiante que até homens de reconhecido traquejo na cena internacional se deixaram levar na crista da onda.

      Todavia, a realidade não tardou a vir ao de cima, surpreendente realidade, ou talvez não, qual crisálida que rasga o seu invólucro para libertar um novo ser. Enquanto o problema do Médio Oriente continuou sem solução credível, a nova realidade desvendou logo novos e diferentes cenários de conflito: a violenta implosão da República Socialista Federal da Jugoslávia em 1991, com os episódios horrorosos da Bósnia-Herzegovina e do Kosovo, que não se julgavam já possíveis em plena Europa; a deflagração em 1991 da primeira guerra do Golfo, mais tarde reiterada em 2003 (invasão do Iraque) em outro capítulo, prosseguindo com nova mas não menos medonha fácies nos nossos dias, numa escalada de acções terroristas que parece não ter solução viável; o tenebroso atentado terrorista da Al Quaeda de 11 de Setembro de 2001 em Nova York, accionando a ignição do terror hodierno em que vivemos; a intervenção retaliadora no Afeganistão para derrubar o governo dos Talibans e destruir a Al Quaeda, mas sem extinguir o lume brando do conflito; a guerra da Chechénia iniciada em 1994; e, sobretudo, em África, com os odiosos, sangrentos e quase permanentes conflitos de origem étnica, sobretudo no Planalto dos Grandes Lagos, mas também no Sudão, no Chade, na Somália, no Congo, para não referir os distúrbios de menor duração, mas sempre imprevisíveis, que ocorrem na África Ocidental (Libéria, Serra Leoa, Costa do Marfim, Guiné-Bissau, etc).     

      Portanto, o fim da guerra-fria não aliviou o ambiente de crispação e confrontação, antes parece tê-lo acirrado de forma insidiosa. É como se tivesse sido aberta uma válvula de escape para caucionar toda a libertinagem na cena política mundial. De início, ainda se pensou que a erosão do bloco leste pudesse dar lugar a uma nova e mais concertada ordem mundial, expurgada da hegemonia política de qualquer potência, ou seja, a emergência de um mundo multipolar. Mas quem tinha a faca e o queijo na mão não entendeu assim. Os Estados Unidos, pois claro, a superpotência subitamente triunfante, não quiseram deixar os seus créditos por mãos alheias e não tardaram a reivindicar a sua hegemonia. Se com o presidente Clinton houve uma fase inicial de aparente introversão estratégica, pautada por uma certa hesitação sobre o novo papel dos Estados Unidos no teatro mundial, as dúvidas caíram por terra quando aquele país não diminuiu praticamente o seu orçamento militar e começou a intervir em força no plano externo e em várias regiões. Ainda assim, nada que se visse como prelúdio da arrogância que o segundo George Bush viria a assumir mal conquistou o poder, iniciando uma postura que se tem classificado como “unilateralismo” ou “isolacionismo”. Basta lembrar a posição de Bush face ao Tribunal Penal Internacional e ao Protocolo de Quioto. 

      Com a queda da economia marxista, a palavra “globalização” entrou no nosso léxico na década de 1990, quando os novos meios de comunicação electrónicos, os investimentos e o marketing a nível mundial abriram as portas a uma economia que se pretendia global. Tendo como objectivo esbater o fosso entre o terço do mundo que vive na abastança e os dois terços que vivem em graus variáveis de miséria, a globalização vai, no entanto, dividindo opiniões. Não é um tema pacífico. E que resultados se viram até agora, a não ser cavar-se o fosso cada vez mais fundo, sem solução à vista para os problemas do mundo mais pobre? Segundo dados oficiais, o flagelo da fome atinge cerca de 800 milhões de pessoas nos países subdesenvolvidos, cerca de 270 milhões nos países em transição e cerca de 11 milhões nos países desenvolvidos. Estima-se que 820 milhões de seres humanos em todo o mundo sejam vítimas de grave subnutrição. Em África, o continente mais martirizado, são pouco animadoras as perspectivas de desenvolvimento, porque se a agricultura podia em muitos países ser uma arma estratégica para o combate à pobreza, o seu crescimento sucumbe face à esmagadora concorrência dos países ricos (UE e EUA), cuja agricultura é fortemente subsidiada pelos respectivos governos. Quando se sabe que há já populações em África com um consumo diário de apenas 57 dólares, choca lembrar o desperdício permitido em outras paragens.

      A situação lastimosa prevalecente no chamado terceiro mundo não pode modificar-se se as ajudas que recebe do mundo rico não excedem os 0,25 por cento do PIB daquele. Seria necessário muitíssimo mais, mas é a própria FAO que não prevê que a fome possa extinguir-se nem daqui a dezenas de anos. E o resultado é esta demanda que diariamente milhares de seres humanos tentam empreender em direcção aos países ricos para fugir à pobreza, calculando-se, segundo as Nações Unidas, em 200 milhões o número de emigrantes em todo o mundo. Esses 200 milhões já lá estão, mas receia-se a grande retaguarda que vai engrossando assustadoramente os seus efectivos. O futuro será negro se não subirem ao palco das decisões internacionais mais homens da envergadura moral de Muhammad Yunus, o prémio Nobel da Paz de 2006. Homens como estes podem reformatar a consciência das grandes empresas transnacionais que dominam as finanças e a produção mundial, sob a égide de um capitalismo globalizado. Por enquanto, o que se vê é criar riqueza, mas não promover a sua distribuição equitativa; globalizar os mercados, mas sem verdadeira solidariedade; eliminar barreiras comerciais, mas ao mesmo tempo impedir a circulação das pessoas; defender o livre mercado como um direito, mas dificultar o acesso aos direitos básicos.

 Muhamad Yunnus: a evidência do desenvolvimento endógeno

      E perante esta (des)ordem mundial, perante a ineficácia das políticas ou a falta delas,  como reage o mundo rico? Cerca-se com muros. Protege-se para não ser invadido por aqueles que violam as suas fronteiras para tentar mudar o seu destino. Apetece dizer que não houve suficiente exorcismo à beira das ruínas do Muro de Berlim, antes pelo contrário, tudo indica que o feitiço se virou contra o feiticeiro, donde se pode dizer que a globalização está a produzir um grande e terrível paradoxo. E é assim que vimos construir o muro na fronteira dos Estados Unidos com o México, o muro israelita na Cisjordânia, o muro de Marrocos e os muros de Ceuta e Melilla, enquanto o da Coreia continua impregnado do cimento ideológico de quem o mandou construir. Não vale a pena falar do “muro” que envolve Cuba, por obra e graça do seu presidente, porque isso é já do domínio da arqueologia.

 Fronteira entre os México e os EUA: globalização sim, mas ...

      À excepção dos muros de Israel, da Coreia e de Marrocos, que têm finalidades mais de ordem política e de segurança, os muros dos Estados Unidos e os de Ceuta e Melilla destinam-se a barrar as ondas de emigrantes ilegais que demandam a direcção norte. No caso dos de Ceuta e Melilla, estão em causa os emigrantes africanos, magrebinos e subsaharianos, mas a esses muros há ainda que acrescentar os “muros” flutuantes constituídos pelas unidades navais que patrulham as fronteiras marítimas do Sul da Europa, com especial destaque para a Espanha e as ilhas Canárias. O muro construído pelos Estados Unidos, iniciado há pouco tempo e não sei se já concluído, visa impedir o fluxo da emigração clandestina de mexicanos. Com uma extensão de 1.100 km e um custo avaliado em cerca de 6 biliões de dólares, este muro será porventura um dos mais tristes paradigmas dos nossos dias, a prova real de que a globalização pode não passar de uma falácia ou então de um mero artificio para ocultar a feição mais descarada do capitalismo globalizado. Ou então terá razão o académico Samuel Huntington com a sua teoria do “choque das civilizações”, com o argumento de que a globalização é um processo de expansão da cultura ocidental e do sistema capitalista sobre os demais modos de vida e de produção do mundo. Se assim é, os alinhamentos passarão a ser em bases civilizacionais em vez de ideológicas e nacionais. E se a China vier a breve trecho a tutelar o outro eixo civilizacional, poderá então confirmar-se a visão de Huntington.

      Por enquanto, auspiciamos que a União Europeia não siga o exemplo dos Estados Unidos e venha a murar também toda a sua orla meridional, o que seria a prova derradeira de que o mundo ocidental perdeu o norte. Mas mais preocupantes que muros de alvenaria ou de arame farpado são os muros que erigimos na nossa consciência.

 

                                      

Tomar, 10 de Fevereiro de 2007

 

 Adriano Miranda Lima

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