“Os Governos são os grandes fomentadores da economia paralela”, eis o que alguns propalam por aí.
Pela minha parte, tenho a quantificação da economia paralela como um caso de Polícia. E daí a culpabilizar este Governo ou qualquer outro, vai uma galáxia de distância. Já quanto aos fiscalistas...
Nada sabendo acerca da componente criminosa e fazendo apenas uma grosseira definição das parcelas não dolosas, encontro-me numa situação que presumo comum à generalidade das pessoas que não se dedicam ao crime nem à investigação criminal. Não me dedico, pois, à sua quantificação.
Dentre as actividades que saíram da economia oficial por motivos não ligados ao crime enquadro as «maquizardes», ou seja, as que tiveram que passar à clandestinidade por não conseguirem suportar as obrigações legais quer no que respeita ao enquadramento regulamentar quer sobretudo à fiscalidade.
Se para as que se baseiam nas actividades criminosas só vislumbro soluções de cariz policial, para as do segundo grupo só vejo como solução a redução da carga fiscal.
Contudo, há um grupo de actividades que não são ilegais e que estão fiscalmente referenciadas mas que pura e simplesmente não emitem facturas para além do estritamente necessário à prova de que estão activas ou à não aplicação do artigo 35º do Código das Sociedades. Não me refiro à economia simplesmente biscateira desenvolvida à sombra de baixas fraudulentas da Segurança Social e do Subsídio de Desemprego mas sim a algo de mais substancial, nomeadamente a algum trabalho independente e até de “porta aberta para a rua”. A todas estas chamo translúcidas uma vez que não são opacas (criminosas) nem transparentes (porque fiscalmente evadidas).
E por que é que essas actividades assim procedem? Porque pretendem manter-se em níveis de rendimentos oficiais tão baixos quanto a decência permita e porque os clientes não têm qualquer interesse fiscal em possuírem um documento relativo à despesa que tenham feito. E, no entanto, bastaria motivar fiscalmente a clientela para que essas actividades tivessem que passar a emitir a documentação apropriada enquadrando-se ipso factu por completo na economia oficial.
Se não se pode descontar no IRS a despesa que se faz com determinado tipo de “confortos”, então mais vale poupar no IVA... Bastaria que se pudesse descontar esse tipo de despesas no IRS (e já nem sequer me refiro ao desconto integral das despesas realizadas mas a uma percentagem de algo comoo 50%, p. ex.) para que os recibos passassem a existir, o IVA a ser cobrado e o volume de negócios sectorial declarado a aproximar-se da dimensão real.
Afinal, até parece que é verdade: são os Governos que, com estas proibições, promovem a evasão fiscal e enviam inteiros sectores de actividade para fora da economia oficial. Fazem-no apenas por nabice, claro está, porque nas Escolas aprenderam doutrinas da Fiscalidade que já não existe.
É com base nestas realidades que nasce a tese que diz que se todos pudermos descontar todas as despesas no IRS, as receitas públicas aumentam. E como não poderia deixar de ser, também existe a antítese que afirma que os novos descontos no IRS ultrapassariam o aumento das receitas pelo que o encaixe público seria menor.
Sim?
O actual método de cálculo da matéria colectável – tanto para efeitos de IRS como de IRC – apenas permite o desconto de algumas despesas.
Imaginemos o seguinte cenário:
Matéria tributável no IRS = 100
Despesas dedutíveis (30%) = 30
Matéria colectável = 70
Taxa aplicável = 30%
COLECTA = 21
Admitamos agora que sobre metade das despesas não dedutíveis (35), o Contribuinte, ao não pedir recibo, permite que nessas transacções o lado da oferta se evada fiscalmente. Ou seja, no nosso modelo, a evasão fiscal assume a dimensão de 35 pelo que só 65 se enquadram na economia oficial: os 30 já “agarrados” pela dedutibilidade das despesas no lado da procura mais os 35 do lado da oferta que não passaram à clandestinidade apesar de corresponderem a despesas não dedutíveis.
Nestas circunstâncias, do lado da oferta, o mesmo modelo será como segue:
Matéria tributável no IRC = 65
Despesas dedutíveis (30%) = 19,5
Matéria colectável = 45,5
Taxa aplicável = 30%
COLECTA = 13,65
COLECTA TOTAL (IRS + IRC) = 34,65
IVA,à taxa de 21% (sobre 65) = 13,65
IVA s/ 100 do lado da procura a 21% = 21
RECEITA PÚBLICA TOTAL = 69,3
Imaginemos agora que o Governo fazia aprovar um novo método de cálculo do IRS permitindo o desconto de mais despesas, agora para 50% em vez dos 30% do exemplo anterior. Introduzindo apenas essa variação no modelo do lado da procura, sucederá o que segue:
Matéria tributável no IRS = 100
Despesas dedutíveis (50%) = 50
Matéria colectável = 50
Taxa aplicável = 30%
COLECTA = 15
Continuemos a admitir que sobre metade das despesas não dedutíveis (25) pela procura, o lado da oferta nessas transacções se evada fiscalmente. Assim sendo, a evasão fiscal assume a dimensão de 25 e ao universo tributável inicial (65), há agora que juntar aqueles que abandonaram a clandestinidade (25) para constituírem um novo universo tributável do lado da oferta já com a dimensão de 90 num total de 100.
Matéria tributável no IRC = 90
Despesas dedutíveis (30%) = 27
Matéria colectável = 63
Taxa aplicável = 30%
COLECTA = 18,9
COLECTA TOTAL (IRS + IRC) = 33,9
IVA,à taxa de 21% (sobre 90) = 18,9
IVA s/ 100 do lado da procura a 21% = 21
RECEITA PÚBLICA TOTAL = 73,8
RESUMO
Descontos no IRS
Colecta
30
50
Δ%
IRS
21
15
-28,6
IRC
13,65
18,9
38,5
IVA
34,65
39,9
15,15
TOTAL
69,3
73,8
25,05
E assim sucessivamente até à exaustão da economia translúcida para o que bastará os Governos, à semelhança do que parece suceder nos EUA, permitirem que a procura – apenas os singulares para efeitos de simplificação do modelo – deduzam todas as despesas na declaração anual de rendimentos para efeitos de cálculo da matéria colectável.
Neste exemplo apenas permiti que os singulares deduzissem mais despesas aos seus rendimentos declarados e nada fiz quanto aos colectivos. Se procedermos de igual modo quanto a estes, poderemos trazer de volta à economia oficial as tais empresas «maquizardes» que não suportam a actual carga fiscal. E se revissemos alguns critérios de ilegalização de certas actividades (prostituição, p. ex.), fazendo algumas delas passarem do campo opaco para o translúcido, o Fisco passaria a obter receitas de fontes em que actualmente não mete o bedelho.
Votos de que os fiscalistas passem a pensar pelas suas próprias cabeças em vez de continuarem formatados por arcaicas sebentas.
Nunca se abriram tantos negócios e tão inovadores na restauração. Afinal, o tal sector esmagado pelo IVA a 23% e pelo aperto do cinto mostra, paradoxalmente, uma vitalidade nunca antes vista.
O IVA da restauração deve baixar? Claro que deve. Tal como o da electricidade. E o da roupa e calçado. E também o dos iogurtes e dos concentrados de fruta. Para não falar do das conservas e sem esquecer o dos ginásios. A carga fiscal é sufocante e tudo o que se possa fazer para a aliviar é bem vindo. No IVA, no IRS ou no IRC. No IMI e no IUC. E no imposto sobre os combustíveis. Vá lá, mantenham-se impostos elevados sobre o tabaco e o álcool que quem quer vícios deve pagá-los – aos vícios e às externalidades sociais e económicas que eles provocam. E, se quiserem, mantenha-se também a nova taxa sobre os sacos de plástico que só nos faz bem reutilizá-los.
Então coloquemos a questão de outra maneira. O sector da restauração deve ser positivamente discriminado e beneficiar de uma baixa do IVA? Claro que os empresários do sector defendem que sim. Mas quem é que não gostava de ter um IVA de 13% em vez de 23% nos produtos e serviços que vende? Todos, verdade? Eu também gostava que os serviços de criação e produção de conteúdos e as colaborações com os media – como este texto que estão a ler – tivesse um IVA mais baixo. O ideal é que estivesse mesmo isento. Já viram o desemprego que por aí anda entre os jornalistas e licenciados em comunicação? Já repararam na dificuldade que as empresas de comunicação social têm tido na última década para equilibrar as contas?
Mas interesses próprios à parte, não vejo qualquer racionalidade económica e fiscal em fazer dos restaurantes e cafés uma excepção. O sufoco tributário é generalizado, a crise afectou de forma idêntica ou muito superior vários outros sectores – basta pensar na construção ou na venda de automóveis, por exemplo – e o desemprego involuntário também se distribuiu pela economia – excepção feita ao Estado, claro, e daí também esta carga fiscal pornográfica.
Mas é certo e sabido que até às eleições este vai ser um dos temas em discussão, já que está transformado numa “bandeira” de querela partidária e de diferenciação de promessas eleitorais. É apenas por isso – e pela capacidade reivindicativa do sector – que ele é discutido e não pela relevância económica do IVA da restauração que não é diferente da fiscalidade de outras indústrias. Infelizmente, o destino do país não muda se tributarmos o bitoque ou a francesinha a 13% em vez de 23%. Era bom que este fosse o grande assunto que temos para resolver.
Eleições rima com mistificações e este caso não é excepção.
Dificilmente o nível do IVA é para este sector um drama maior do que para outros. O problema é que a restauração – como, de resto, outras áreas do comércio e serviços – sofreu outro impacto maior. Foi aquele que resultou do combate à fuga ao fisco, com os novos sistemas electrónicos de facturação e com o incentivo dado aos consumidores para exigirem factura. A “gestão” da facturação declarada ao fisco e do IVA a entregar ao Estado – fosse ele de 13% ou de 23% – deixou de poder ser feita com a mesma amplitude e a rentabilidade do sector ressentiu-se. Mas esse é um problema criado por más praticas dos empresários que tinham que acabar por um imperativo de justiça tributária. Ou vamos defender a fuga ao fisco como meio legítimo de sobrevivência das empresas?
Outro impacto importante para muitos restaurantes foi o corte nos rendimentos das famílias, que as levaram a reduzir drasticamente as refeições fora. Muita gente deixou de almoçar e jantar no restaurante com a mesma frequência porque deixou de ter dinheiro para pagar 10 ou 20 euros por uma refeição e não porque a mesma passou a custar 11 ou 22 euros, respectivamente, por efeito (aproximado) do IVA.
Mas apesar de tudo isto este é um sector em crise? O que vejo olhando à volta é que nunca como agora se abriram tantos negócios e tão inovadores na restauração. Não passa uma semana sem que veja nos jornais várias páginas de sugestões de novos sítios para ir comer e beber. São hamburgueres de todas as formas e feitios, francesinhas do Porto a invadir Lisboa, tapas e copos de vinho, padarias reinventadas, sushi tradicional ou de fusão, mexilhões com cerveja ou com gin, pregos e bifanas gourmet, iogurtes naturais ou em gelado, novos negócios de “street food” que aparecem todos os dias, chefs famosos que não param de abrir novos espaços para todas as bolsas e paladares, esplanadas e terraços para aproveitar o bom tempo, bolos de chocolate ditos os melhores do mundo e tartes com amêndoa verdadeira. E os “brunchs” e as ceias. Com muito ou pouco colesterol. Uns baratos, outros caros. Para comer em pé ou sentado. No centro comercial ou em mercados de bairro reinventados.
O tal sector esmagado pelo IVA a 23% e pelo aperto do cinto mostra, paradoxalmente, uma vitalidade nunca antes vista.
Parecem, de facto, dois países diferentes. Estarão os milhares de empresários que têm lançado estes novos negócios todos enganados? Não saberão fazer contas ao IVA e às margens de lucro? Não ouviram falar da crise no país e no sector? Ou, pelo contrário, acreditam na inovação, na diversificação da oferta, na qualidade dos produtos e do serviço que prestam para atrair clientes?
Nestas discussões sobre o IVA da restauração não me esqueço de como tudo começou. Estámos a meio da década de 90 e António Guterres decidiu dar um bónus ao sector em nome de um alegado problema de competitividade – não fossemos todos começar a ir almoçar e jantar a Espanha. Criou a taxa intermédia de 12% para os restaurantes e cafés numa altura em que a taxa máxima de IVA era de 17% (que saudades). Os preços não mexeram e as margens aumentaram cerca de 5%. Na altura ninguém se preocupou com o pobre do cliente. A vida é difícil. Mas é difícil para todos.
Senhor Dr. Salles da Fonseca, agradeço a sua resposta mas a minha dúvida subsiste.
Vejo que a sua resposta, aliás corroborando o pensamento exposto no seu texto, afinal se funda num conceito ideológico puro e duro. Com o qual desde já lhe digo que merece a minha discordância, tal como a de muitos daqueles que entendem que a lógica do mercado não deve ser o mandatário do nosso destino. Por outras palavras, não deve sobrepor-se à vontade soberana dos Estados, ainda mais quando a realidade nos vem demonstrando que a lógica funcional do dito mercado é, na generalidade dos casos, uma perversa distorção dos princípios humanitários que deviam nortear a humanidade nesta fase da nossa civilização. É que a tão festejada globalização afinal de contas pariu um mercado dogmático que preza muito mais o interesse das elites financeiras do que a ideia de um mundo mais justo e mais equilibrado, que é o que nos faz pensar a liberalização desregulada dos mercados de capitais e a existência de paraísos fiscais (como foi o Luxemburgo), com toda a sorte de infracções, conúbios secretos e patifarias, de que temos tido sobejas provas. Vide as falências bancárias chez nous, para não falar de outras por esse mundo fora.
Ora, essa concorrência fiscal que defende, assim como alguns comentadores, não será mais que a expressão dessa desenfreada liberdade do mercado transferida para o seio de uma União Europeia fundada por gente de visão que acreditava que a solidariedade dentro do seu espaço era essencial para evitar as dissensões e os conflitos bélicos que dilaceraram o continente no século passado. Infelizmente, os actuais líderes da Europa estão a atirar para a sarjeta a cartilha dos bons princípios fundadores e a criar condições para a instalação larvar de uma nova onda de descontentamento e clivagens que não podem conduzir senão a rupturas de consequências imprevisíveis.
Portanto, ao contrário daquilo que defende, bom seria que a Europa voltasse aos carris que vinha percorrendo. O Estado Social, em que o Senhor não acredita, é obra da Europa e não me parece que esse projecto esteja comprometido só por causa do mercado livre, desregulado e desumano. Julgo que a Europa é ainda depositária de um património ideológico suficiente para enfrentar o odioso capitalismo que pode estar a ameaçar a segurança e a paz mundial. Desde que o queira, a Europa tem ainda capacidade para ter uma palavra diferente, tenha para isso líderes que conheçam a História e possuam outra visão do mundo. Penso que o código de vida da humanidade não pode subordinar-se à dissuasão do “pisganço” de gente sem alma.
Prometi há dias, quando sugeri alterações aos impostos e outros encargos estatais que incidem sobre os custos dos produtos produzidos em Portugal, que escreveria também acerca do IRC.
Aqui estou a cumprir essa promessa.
À questão de saber se os problemas que as Empresas Portuguesas têm de resolver por efeitos do IRC estão no facto de a sua taxa ser de 30%, 25%, ou 15% ou outra taxa qualquer, responderei inequivocamente, que NÃO.
Em minha opinião os problemas do IRC estão sobretudo no facto de o Fisco ter sempre aproveitado o IRC para se intrometer na contabilidade e nos serviços administrativos das Empresas. Os gastos que estas intromissões do Fisco na área da Contabilidade das Empresas e nos serviços administrativos adicionais inerentes são de longe superiores ao valor que deriva da própria taxa.
Do que estou a falar? Estou a falar que infelizmente não só pela intromissão fiscal mas também pelo conteúdo de certas normas (exº a NCFR Nº 28) são autênticos atentados à verdade contabilística, e obrigam a que, por exemplo, os Balanços das Empresas que optaram pelo “justo valor” não correspondam à verdadeira situação patrimonial dessas Empresas. Há muitas normas que os legisladores (?) mais bem dito normalizadores, inventaram com a falsa ideia de que se trata de normas de precaução, para que os accionistas ou sócios não tomem decisões para que as Empresas não estariam financeiramente habilitadas.
Isto é, os normalizadores, vêm normalizar de modo a suprir, no superior julgamento deles as “deficiências de bom senso” dos Empresários que, serão uns insensatos. Certamente não leram René Descartes.
Estes normalizadores – quem têm em comum o facto de não saberem contabilidade – intrometem-se deste modo abusivo numa área que é e tem de ser da exclusiva competência dos Empresários e Gestores.
O que é estranho, é que estes atentados à verdade contabilística passem sem reparo por Organizações como a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas e pela Ordem dos Revisores Oficiais de Contas. Talvez não seja difícil perceber porquê. O que já não será tão fácil de perceber é a passividade das Organizações Empresariais, CAP, CIP, CCP, CEP. Julgarão que isso é tarefa de TOC’s, Revisores de Contas e de Empresas de Auditoria, que quais “médicos” são eles que saberão da saúde dos doentes? Se julgam assim estão bem enganados.
Quanto ao IRC, que é o objecto básico deste artigo, direi que em minha opinião ele deveria incidir sobre o EBITDA, depois de deduzidos os Encargos Financeiros. As “Depreciações, Amortizações e Previsões” não contariam para efeitos da base de cálculo do IRC, e logo aqui teríamos muito mais verdade nos Balanços das Empresas que hoje estão afectados pelo valor de Amortizações e Provisões, que não são factos ocorridos e que por isso não passam de “visões” que o Fisco aproveita para “normalizar”. O chamado “Resultado Fiscal” é fiscal mas não é resultado.
É um facto que as Amortizações Fiscais, não são verdade contabilística, e que por isso as Empresas acabam por contabilizar no Capital Próprio, “Excedentes de Revalorização” que na realidade e na maior parte dos casos não passam de “Excedentes de Amortizações” em exercícios anteriores. Anda meio mundo a enganar outro meio e o que é pior a enganar-se a si próprio.
Certo, que se as Amortizações e Provisões não contassem para efeitos de IRC, cada Empresa amortizaria e aprovisionaria de acordo com a sua realidade e não de acordo com uma ”visão” ou uma “norma” irreal. Por outro lado, Técnicos e Revisores Oficiais de Contas aumentariam drasticamente a sua produtividade e eficácia, passando a preocupar-se com a Contabilidade e não com este tipo de “normas” ditas “contabilísticas e fiscais”. O tempo que lhes sobraria seria muito bem aplicado na análise contabilística e no verdadeiro apoio às Administrações das Empresas. E até os Serviços Fiscais teriam muito menos com que se preocupar, passando a concentrar-se na verdadeira actividade e resultados das Empresas.
Com esta sugestão estamos a alargar o valor base de incidência do IRC. Sugerimos que, para manter o mesmo valor de receita fiscal, se fizesse um estudo que é simples, sobre os montantes anuais de amortizações e provisões incluídos pelas Empresas nos seus custos fiscais, para a partir daí recalcular a nova taxa de IRC.
Pensamos, contudo, e sujeito ao escrutínio sugerido no parágrafo anterior, que as taxas a aplicar seriam aproximadamente as seguintes:
5% na Indústria, agricultura e Pescas
7,5% nos Serviços
10% no Comércio
Pensem os leitores só nisto. O Estado manteria a mesma receita fiscal, as Empresas gastariam menos e o País poderia proclamar que tinha a taxa de IRC mais barata da EU.
Estou certo que estas minhas sugestões jamais serão aceites, não porque não tenha razão, sim porque a inércia nestas áreas é de tal força que a energia necessária para a vencer é incomensurável.
Pode (e deve) o Estado, enquanto taxador e cobrador de impostos ir para além da simples cobertura das despesas do seu Orçamento?
A minha ideia é de que não só pode, como deve.
Vejamos. O Estado, para sobreviver precisa de receitas, as receitas são parte da riqueza criada no País, logo, para cobrar impostos o Estado precisa que se crie riqueza.
Para criar riqueza as ideias, a inovação, os investimentos, o trabalho, são condições essenciais.
O que é que então se deve esperar de um Estado que cobre impostos com inteligência?
Certamente que crie o ambiente para que o entusiasmo leve os cidadãos a ter ideias, os Empresários a Inovar e a investir, a criar emprego e aos trabalhadores em geral a aceitar esse emprego e a trabalhar.
Trabalhando os cidadãos, não só participam activamente na criação da riqueza como, através do salário e das prestações sociais inerentes, participam na distribuição da riqueza criada.
Com o proveito dos seus salários os cidadãos vão pagar impostos, vão consumir e, com isso, criar as condições económicas para produzir mais riqueza que, para ser criada precisa de novos investimentos de novos empregos, e assim sucessivamente rumo ao desenvolvimento e ao bem-estar geral.
O Estado tem por tudo isto de ser amigo da inovação e do investimento sem o que se entrará, não no rumo do desenvolvimento e do bem-estar, mas no rumo da crise, da fome e do mal-estar geral.
Para ser amigo da inovação e do investimento, o Estado não deve nem pode criar sistemáticas dificuldades burocráticas à inovação e ao investimento, nem criar impostos que pela sua natureza representem factores de custo dos produtos produzidos no País, que têm de competir interna e externamente com produtos de outros Países onde tais impostos não são cobrados.
E não são só impostos, estrito senso, são também os diferentes encargos ambientais, sociais e burocráticos que as Empresas em Portugal, são obrigadas a suportar.
Poderia fazer a infindável lista de burocracias e de normas insensatas a que as nossas Empresas são permanentemente submetidas. Irei faze-lo noutro artigo que publicarei em breve.
Falemos agora dos impostos, estrito senso, que de modo não inteligente, são aplicados às Empresas Portuguesas:
Impostos Energéticos, sobre a energia eléctrica, o gaz natural, o fuelóleo, os dissolventes e o gasóleo.
Impostos ambientais sobre a água e utilização de alguns recursos naturais como os portos fluviais,
Impostos sobre os salários
Não falo do IRC que não é factor de custo de produção e sim redistribuição da riqueza criada. Não deixo porém de manifestar a minha desilusão perante a anunciada proposta da Comissão criada para a sua reforma, de redução da taxa em 2%, que não tem qualquer impacto. Terá a montanha parido um “ratinho”? Aos “reformadores” só digo que no IRC, mais grave que a sua taxa, é a intromissão que, em seu nome, o Fisco entende fazer na Contabilidade das Empresas, destruindo a função de instrumento de gestão e controlo e informação sobre a situação real das Empresas,
Vou então escrever só acerca dos três tipos de impostos acima referidos e esclarecer já, que não tenho em vista, reduzir as receitas do Estado, antes pelo contrário.
A minha ideia é que aqueles três tipos de impostos deveriam, simplesmente ser abolidos, por serem insensatos e contrários aos interesses da Economia e do Estado.
Abolir impostos? E ao mesmo tempo aumentar as receitas do Estado? Como é isso possível?
Resposta: Pensando e inovando. E como é simples. Basta cobrar um imposto “Imposto Energético, Ambiental e Social” de valor equivalente sobre os produtos e serviços no momento da sua introdução no consumo em território português.
O Estado vai receber muito mais impostos, como e porquê? Porque o Estado passa a cobrar imposto sobre todos os produtos introduzidos no mercado, incluindo os importados, por ser um imposto universal sobre todos os produtos e serviços introduzidos no consumo em território português. E assim, a receita do Estado será muito maior do que a receita actual, que só incide sobre os produtos e serviços produzidos em território português.
Mas esta vantagem ainda não é nada. A partir do momento em que esta medida fosse adoptada, os custos de produção em Portugal seriam comparados vantajosamente com os custos dos produtos importados – certamente que as grandes redes de supermercados não teriam razões para importar, por exº batatas e frutas de Marrocos, as Empresas produtoras de componentes automóveis que se deslocalizaram para a Zona Franca de Tânger regressariam de novo ao nosso País, as nossas importações diminuirão drasticamente e as nossas exportações serão enormemente facilitadas. Até o custo de produção dos Automóveis da Auto Europa baixariam enormemente.
Claro, que nas exportações, como não há introdução no consumo no território português, o Estado não cobrará nenhum “Imposto Energético, Ambiental e Social”
Leitores, por favor não venham já dizer que as regras da Organização Mundial de Comércio e a EU e o Corão e Bíblia, não permitem este tipo de acção, porque, sendo a regra de taxação quando ao produtos e serviços são introduzidos no consumo em território português, universalmente aplicada, incluindo como é óbvio os produtos e serviços produzidos em Portugal, é uma regra que cumpre todos os compromissos internacionais.
Claro que a economia portuguesa cresceria enormemente, terminaria o flagelo do desemprego, o Estado cobraria muito mais IVA, muito mais IRC, muito mais IRS e deixaria de pagar os subsídios de desemprego (subsídios que realmente deveriam ser um encargo da “federação económica e financeira” que a EU mais o BCE realmente são.)
O Orçamento de Estado ficaria milagrosamente equilibrado, a nossa Balança Comercial seria favorável, e afinal, nós os Portugueses passariam também a ser (como de resto somos mesmo) um Povo trabalhador e muitas das nossas Empresas realmente competitivas.
Basta o Estado assumir as suas responsabilidades e o Governo cobrar impostos de modo inteligente!
Quanto ao IRC e às “normas” contabilísticas e burocráticas que além de “sugarem o sangue” das Empresas Portuguesas as impedem de apresentar Balanços verdadeiros, será objecto de novo artigo
Anda por aí um gráfico com elementos estatísticos que, não estando errado, se não for considerado um outro conjunto de circunstâncias, pode ser altamente enganador e levar a conclusões erradas. Descreve a percentagem de impostos que, em média, os cidadãos pagam em diferentes países, aquilo a que se chama "carga fiscal".
O valor mais alto é o da Dinamarca, seguido de perto pelo da Suécia. Portugal encontra-se algo abaixo do meio da tabela e os Estados Unidos ainda mais abaixo.
Isto é o que o cidadão paga ao estado. Mas nos Estados Unidos a educação superior é muito cara. Na Dinamarca e na Suécia é gratuita. (Lembro que em Portugal, contra o que determina a Constituição, os estudos superiores e particularmente os mestrados e os doutoramentos, são muito caros). Nos Estados Unidos, a saúde é caríssima. Na Dinamarca e na Suécia há apenas taxas moderadoras, realmente uma pequena quantia, simbólica, cujo objectivo, como o nome indica, é evitar que recorram aos serviços de saúde quem deles não necessita e não obter receita para pagar os serviços.
Assim, se juntarmos aos impostos todas as despesas que não há que pagar noutros países, as posições no gráfico serão muito diferentes.
Acresce ainda que a distribuição dos pagamentos ao fisco, segundo é conhecido e até já foi divulgado em tempos, mesmo que tenha sido algo atenuada, continua a ser muito desequilibrada, havendo em Portugal muita gente que leva para casa, todos os meses, em dinheiro e em género, quantitativos elevados e paga menos do que a maioria, especialmente dos trabalhadores por conta de outrem.
Também há a considerar o nível dos ordenados e o que fica depois de tirados os impostos e as despesas que noutros países não é preciso pagar. Tirar 10% a quem tem 1.000, deixa 900; tirar 20% a quem tem 5.000, deixa 4.000; e tirar 30% a quem tem 10.000, deixa 7.000.
Miguel Mota
Publicado no Linhas de Elvas de 29 de Dezembro de 2011
António é um quadro técnico da máxima qualidade, especialista no que quer que seja. Um daqueles tipos que são muito valiosos por serem muito espertos, muito inteligentes e muito trabalhadores, muito dedicados e muito sensatos, absolutamente geniais e muito do que quer que seja. O António não tem empresas, não recebe dividendos, não herdou, não tem aplicações financeiras de milhões, não é proprietário de imóveis, não acede a private banking, não tem contas nas Ilhas Caimão, não tem pais ricos e nunca foi a Gibraltar. O António entrega a sua declaração de IRS em Março. Não tem nenhum rendimento para lá do seu ordenado. No recibo de vencimento do António pode ler-se o montante de 4.300 Euros mensais brutos a que acresce subsídio de refeição. (Nota: 4.300*14=60.200). O António é invejado por muitas empresas. Andam por aí umas multinacionais que não se importavam nada de o ir buscar e as head-hunters fazem-lhe propostas sedutoras. Pagam-lhe mais, se ele quiser ir para Espanha ou para os EUA. O Dr. Silva, patrão do António, não o quer perder. Faz contas e decide premiar o esforço e a dedicação do seu melhor técnico atribuindo ao pacote salarial do António mais 10.000 Euros por ano. O António fica muito feliz. 10.000 Euros por ano parece muito bom. Mas depois faz contas. 1. 10.000 Euros a dividir por 14 meses = 714 Euros/mês.
2. Taxa Social Única suportada pela empresa = 136 Euros/mês.
3. Taxa Social Única suportada pela empresa mas atribuída ao António = 64 Euros/mês.
4. IRS marginal (escalão dos 42%) = 234 Euros/mês.
5. Imposto de Selo = 3 Euros Sobram ao António 269 Euros/mês que lhe permitirão adquirir 226 Euros de produtos com IVA a 21% excluindo, portanto, álcool, tabaco, combustíveis ou automóveis. Feitas as contas, para o Dr. Silva «agarrar» o António, por cada 31,5 Euros que lhe der a mais, tem que alimentar o monstruoso Fisco com 68,5 Euros. É mais do dobro. Dos 10.000 Euros, nem sequer 1/3 são para premiar o António. Há quem ache que isto está bem, que é assim que deve ser...
Mas não é. Trata-se apenas da institucionalização do absurdo, da destruição da Economia pela via fiscal. Final da história: O António vai trabalhar para Espanha. A nova empresa para que ele agora trabalha abre uma delegação em Portugal e conquista metade da quota de mercado da empresa do Dr. Silva que é obrigado a despedir 50 trabalhadores. Para protestar contra os despedimentos, o Sindicato organiza greves e estoira de vez com a empresa. O Dr. Silva, cansado, vende as acções a uma multinacional coreana e protege os dinheiros recebidos numa offshore bem longe de Portugal. Os coreanos encerram a produção em Portugal e passam a importar todos os produtos da Coreia e da China. Para fazer face às crescentes necessidades das políticas sociais e ao aumento de desemprego, o Governo aumenta o IVA para 23% e cria um novo escalão marginal de IRS de 48%.
Seguem-se histórias semelhantes com outros protagonistas mas todos submetidos a fiscalistas da mesma «escola».
vNuma crítica bem medida a um anterior artigo meu com igual título, H. Salles da Fonseca comenta que a neutralidade fiscal em matéria de juros e dividendos pouco fará pelo investimento – e assim arruma no sótão dos detalhes pouco menos que irrelevantes a medida em que eu depositava tantas esperanças. E ele tem razão.
vTodavia, as virtudes que eu associei a esta medida eram bem outras: (a) transparência no dia a dia das empresas; (b) redução do endividamento para níveis mais razoáveis; (c) saída da zona de risco onde a nossa economia tem vivido; (d) enfim, tudo coisas que por cá não tiram o sono a ninguém. Neste contexto, a maior eficácia fiscal nada mais era que um efeito lateral, trazido à conversa apenas porque o artigo ia cair no meio do debate sobre a redução da taxa nominal do IRC.
vO ponto de partida do meu raciocínio (já volto ao investimento...) é que a transparência na governação (da coisa privada e da coisa pública, por igual) não se impõe por decreto, nem se protege com polícias. Em abstracto, consagra-se como princípio. No concreto, resulta, melhor ou pior, da tensão entre interesses legítimos que se confrontam – os famosos “checks andbalances”.
vDito de outro modo, pugnar pela transparência da governação ou envolve quem esteja na primeira linha para colher os ganhos e suportar as perdas, ou não vai longe. E é justamente por aqui que passa a distinção entre investidores (sócios) “idiossincráticos” e “não idiossincráticos” (que a teoria, apressadamente designa por “racionais” - como se os primeiros o não fossem também).
vExemplo de investidor idiossincrático é dado por aquele accionista de referência de um grande Banco que discorda do modo, para ele demasiado generoso, como os quadros superiores desse Banco estão a ser mimados. Quando se lhe pergunta porque é que não se manifesta, usando o peso das suas acções, responde “Julgam que eu sou doido? Então depois como é que era com os financiamentos de que necessito?”. Estes são os investidores que esperam do seu investimento outros retornos para lá dos dividendos e das eventuais mais valias (semelhantes, aliás, àqueles que criam a sua empresa só para terem finalmente onde trabalhar).
vOs ganhos do investidor “não idiossincrático”, esses, serão sempre e só os lucros distribuídos e as possíveis mais valias. Mas faço notar que um investidor não nasce “não idiossincrático”: pode muito bem mudar de campo e passar a integrar o grupo “idiossincrático” - e vice versa.
vSe os sócios maioritários (individualmente ou em grupo) propendem para idiossincrasia (ou seja, para colherem por antecipação, numa qualquer das rubricas da Conta de Exploração, os seus proveitos, dispensando lucros e valorização do capital - e, vantagem não despicienda, reduzindo desse modo a carga fiscal das suas empresas), aos sócios minoritários, por regra, só restam os lucros distribuídos e as mais valias para justificar o investimento que fizeram.
vPor isso, é de esperar que sócios minoritários activos vigiem de perto o que se passa no interior das suas empresas e contrariem as tentativas de quem não quer que os proveitos cheguem à última linha da referida Conta. Em suma: a transparência (e, já agora, a rendibilidade registada na tal última linha) é do interesse dos sócios não idiossincráticos – e, no plano “micro”, só deles.
vPara que existam investidores “não idiossincráticos”, as empresas têm de oferecer perspectivas de retorno aliciantes aos investimentos que eles façam. Mas como – se a parcela do Resultado Operacional afecta ao pagamento de juros chega livre de qualquer forma de tributação directa ao património do investidor/credor (e só então é tributada), mas essa mesma parcela, distribuída como dividendo, será tributada em sede de IRC antes de ser recebida pelo investidor/sócio (onde é de novo tributada)?
vE não falo já no facto de a lei fiscal tratar com maior benevolência os prejuízos de capital que sobrevenham num empréstimo ou noutra forma de crédito) do que aqueles que ocorrerem numa participação societária.
vNeste quadro de discriminação fiscal não espanta, pois:
a)Que, entre nós, os investidores “não idiossincráticos” se mantenham afastados da generalidade das empresas (excepto naquelas de capital aberto, mas aí o propósito deles será realizar mais valias tão depressa quanto possível, com nula intervenção no controlo da governação);
b)Que muitas das nossas empresas sejam realidades opacas, até para os investidores “idiossincráticos” (os quais não poucas vezes se deparam com aquilo com que não contavam);
c)Que os capitais próprios sejam substituídos por capitais alheios, já como hábil estratégia para minimizar a carga fiscal consolidada (isto é, no conjunto do par empresa/investidor), já porque não há alternativas para os fundos de que a empresa carece (e aqui começamos a tocar na história do investimento);
d)Que a mediana do endividamento nas empresas portuguesas (ou seja, 50% das empresas apresentavam um rácio de solvabilidade superior a este que vai indicado) é ligeiramente superior a 3 (dito de outro modo, os capitais alheios são mais do triplo dos capitais próprios) – e é manifestamente excessivo à luz dos padrões internacionais;
e)Que quanto maior for endividamento de uma empresa, maior é o risco de crédito que ela representa para os seus credores, e maior será o risco-preço a que os que nela investiram se encontram expostos (e fecha-se assim o círculo vicioso para os investidores “não idiossincráticos”);
f)Que, através do endividamento bancário que sustenta directa e indirectamente esta cadeia de dívidas (ou “bolha” de endividamento), o risco de crédito que emerge das empresas portuguesas contamina os Balanços dos Bancos;
g)Que para os Bancos portugueses, eles também muito endividados junto de Bancos estrangeiros, não é fácil, nem a tomada (roll over) de fundos nos mercados interbancários externos, nem a titularização de carteiras de crédito bancário cujo risco não conseguem demonstrar;
h)Que.... fico por aqui.
vO interessante é que a idêntica conclusões se chega através de um raciocínio mais formal que envolve explicitamente os conceitos de risco, de capital económico e pouco mais (quem quiser saber mais, contacte-me).
vDefender à outrance o investimento sem ter em linha de conta o risco que representa a entidade que vai levá-lo por diante (e sem imprimir transparência, comparabilidade, consistência e tempestividade à informação financeira que essa entidade irá divulgar) é, objectivamente, esperar que apareçam investidores “não idiossincráticos” dispostos a dar o seu capital por perdido: Mais prosaicamente, é continuar a depositar todas as esperanças no investimento público, pois só os Governos podem investir, sem preocupação nem remorso, o dinheiro dos outros (os contribuintes).
vSalvo melhor opinião, esta história do “investimento” (e, em paralelo, a “poupança”) é um dos vários maus serviços que a macroeconomia tem prestado ao pensamento económico.
vContrariamente ao que se lê nos manuais e aprende nas escolas (mas algo que nós, portugueses, já deveríamos saber de olhos fechados, por experiência própria) investimento, com as virtudes que a teoria lhe reconhece, é um conceito a posteriori, ex post.
vSob este ângulo, os “investimentos” são como os melões – só depois de os abrir é que sobre eles podemos opinar.
vDe certeza, certezinha, só há a despesa – e, a priori, poderão manifestar-se as mais variadas intenções de investimento. Mas só as despesas que aumentem directamente o produto potencial (definição forte), ou que evitem a redução do produto potencial (definição fraca), são “investimento” (no sentido da teoria) – o que é dizer, são intenções de investimento concretizadas.
vO investimento, desligado por um momento do modo como seja financiado, faz-se - e é, ele próprio, uma via exposta a vários riscos. O que se promove, sim, com maior ou menor vigor, são as intenções de investimento. Mas essas são como os melões.
Ainda não há muito, um partido político fez da redução da taxa do IRC (imposto directo sobre o rendimento das pessoas colectivas) o seu estandarte - proclamando aos quatro ventos que se tratava de um fortíssimo "choque fiscal". Um pouco mais de reflexão, e um pouco menos de paixão, ter-lhe-iam feito ver que, no concreto da realidade portuguesa, baixar a taxa deste imposto só por sorte seria estímulo bastante para relançar a actividade económica. Quando a grande maioría das empresas aqui estabelecidas apresenta, ano após ano, ou prejuízos, ou lucros insignificantes; quando muitas das restantes pessoas colectivas, ou gozam de isenção em sede deste imposto, ou sentem-se dispensadas de o pagar; quando o grosso da receita fiscal arrecadada provém de umas, poucas, empresas sobejamente conhecidas - não era fácil perceber onde o anunciado estímulo iria produzir efeitos (esperar-se-ia que as empresas retribuíssem a gentileza do legislador fiscal passando a pagar impostos?). Mas já não seria difícil antever quem iria beneficiar com isso. Restava o Investimento Directo Estrangeiro (IDE), atraído pelas novas condições de tributação. Mas nem tal era garantido - por duas razões principais: (i) em vários os países europeus, e em muitos países por esse mundo fora, a fiscalidade continuaria a ser, apesar de tudo, bem mais favorável ao investidor do que aquela que Portugal passaria a oferecer; (ii) para o IDE, são mais decisivas as externalidades disponíveis e a segurança em sentido lato (política, social, jurídica, no relacionamento com a burocracia estatal do país de acolhimento), do que as facilidades fiscais. Por tudo isto, baixar a taxa do imposto, assim, sem melhorar simultâneamente o quadro em que Fisco e contribuintes se relacionam, deveria ter parecido pouco avisado: quem não pagava, continuaria a não pagar; quem já pagava, não descansaria enquanto não pagasse menos (como hoje, aliás); a única certeza estaria na diminuição da receita fiscal.
O episódio tem, contudo, o mérito de suscitar novas reflexões sobre os tradicionais fundamentos da fiscalidade das empresas. Em quase todas as latitudes, os lucros das empresas têm sido objecto de uma óbvia discriminação fiscal - comparando, por exemplo, com o tratamento que é dado aos juros de empréstimos contraídos. Enquanto estes últimos são considerados custos fiscais, os lucros, se distribuídos, são tributados duplamente: primeiro, no património da empresa que os apura; depois, no património do sócio que os recebe. Este estado de coisas é correntemente justificado como sendo um corolário lógico do princípio daequidade fiscal, exemplarmente traduzido no carácter progressivo dos impostos sobre pessoas singulares - mas a lógica do corolário, quase sempre, fica por provar. E os que assim argumentam esquecem: (i) que as empresas são, antes do mais, arranjos por meio dos quais os indivíduos se integram no processo produtivo e participam na distribuição do rendimento; (ii) que a progressividade resultante da dupla tributação dos lucros distribuídos pode ser brutal, em total desproporção com o que se passa nas outras cédulas do imposto directo sobre os rendimentos das pessoas singulares; (iii) que a referida discriminação fiscal é um convite ao empolamento dos custos das empresas, logo à ineficiência financeira; (iv) que, por via disto, as empresas são subrepticiamente empurradas para o endividamento, em detrimento da capitalização, agravando assim o risco na economia; (v) que este regime fiscal mina a dispersão do capital das empresas, favorecendo aquelas com sócio único ou dominante - o qual fica sempre mais à vontade para manipular proveitos e custos em prejuízo do Estado; e (vi) que, neste domínio da tributação das empresas, a dispersão do capital por muitos sócios actuantes e interessados, para os quais os lucros recebidos sejam uma fonte de rendimentos importante, é porventura o melhor aliado dos Ministros das Finanças. Quem diria que as fragilidades do tecido empresarial português podem, afinal, conhecer outras causas que se somam à nossa tão comentada tendência para a desorganização e o improviso.
Por mais voltas que dê, não encontro um argumento sólido a favor da tese que equipara as pessoas colectivas às pessoas singulares em matéria de distribuição do rendimento - tanto mais que os lucros retidos (ou as alíquotas que caberiam aos respectivos sócios) estão, por norma, excluídos de qualquer estatística nacional sobre a concentração de rendimentos.
A dupla tributação dos lucros distribuídos pode ser evitada: (i) já, fazendo incidir o imposto, por uma só vez, sobre o património da empresa - e tornando os lucros distribuídos isentos ou, mesmo, inincidentes de imposto no património dos sócios; (ii) já, considerando os lucros distribuídos um custo da empresa para efeitos fiscais (em pé de igualdade, portanto, com os juros do passivo remunerado) - e tributando-os apenas no património dos sócios. À primeira vista, dir-se-ia que estas soluções são equivalentes. Uma análise mais atenta revelará, porém, que aquela primeira solução: (i) mantém intacta a discriminação fiscal de que os lucros distribuídos têm sido vítima; (ii) viola, de modo flagrante, o princípio da progressividade no imposto sobre o rendimento das pessoas singulares; (iii) não afasta nenhuma das consequências negativas que enumerei mais acima; e (iv) torna bem mais complicado, seja, articular o regime tributário geral, supletivo, com regimes fiscais específicos, seja, lidar com os problemas da dupla tributação internacional. Resta a segunda solução. Essa sim significaria um verdadeiro "choque fiscal", não tanto em resultado de umas quaisquer mexidas na taxa do imposto, mas porque colocaria um travão ao empolamento dos custos e ao endividamento - e na medida em que passava a ser fiscalmente indiferente para o investidor realizar entradas de capital ou emprestar, constituiría um incentivo explícito ao reforço da base de capital das empresas. Finalmente, o IRC seria um imposto neutro relativamente à cobertura financeira da actividade económica - sem complicar, muito pelo contrário, o respectivo processo de liquidação. Suspeito mesmo que, nas empresas portuguesas, nada ficaria como dantes quanto a governação, prestação de contas e divulgação de informações financeiras.
Ministrar um verdadeiro "choque fiscal", sem abandonar o modelo que desenha a base tributável do IRC como um resíduo (o lucro), é bem simples:
·Para efeitos do apuramento da matéria colectável nas empresas, considerar como custo os lucros apurados no exercício e imediatamente distribuídos pelos sócios;
·Na distribuição de reservas tributadas, conceder um crédito fiscal calculado à taxa do imposto que, nesse ano, incidir sobre os lucros não-distribuídos (evita-se assim a abertura de uma subconta de Reservas Livres por exercício, com prejuízo, reconheço, da aplicação minuciosa do princípio da equidade fiscal)
·Equiparar a lucros distribuídos os dividendos pagos antecipadamente, por conta do resultado do exercício.
Poder-se-ia não ganhar eleições - mas ficava-se com uma economia mais saudável, sem sobrecarregar o orçamento.