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A bem da Nação

JUROS NEGATIVOS

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Caro Dr. Palhinha Machado:

Se, por exemplo na Bolsa de Kuala Lumpur (finjamos, para teorização), os juros são negativos, que interesse tenho eu em «investir»? Não valerá mais guardar as poupanças no colchão onde os juros são não negativos?

Abraço,Dubrovnik-réveillon 2016-17 (2).jpg

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 Henrique Salles da Fonseca

 

 

PRATOS LIMPOS – I

 

O MISTÉRIO DOS JUROS NEGATIVOS

 

Por estes dias muito se tem falado de “juros negativos”. Estranho. Então o mutuante (o credor) ainda vai ter que pagar para emprestar dinheiro (um mútuo de capitais)?

 

Quando se fala de “juros negativos”, fala-se de quê, afinal?

 

Fala-se da taxa de retorno para o capital mutuado (emprestado) pelo credor – o que é dizer, a posição de crédito que ele detém em carteira?

 

Ou fala-se da taxa nominal do cupão de juros - que o devedor se obrigou a pagar pontualmente e que é parte do serviço dessa dívida?

 

Desde logo, há-que distinguir entre uma e outra. A taxa nominal do cupão de juros é um dos vários parámetros que são necessários para determinar o montante de juros que o devedor/mutuário (o emitente de dívida) terá de pagar. A taxa de retorno, por sua vez, mede a rentabilidade que a posição de crédito proporcionará ao credor/investidor. Uma, serve para calcular os juros; a outra sustenta decisões financeiras (seja emprestar, seja pedir emprestado).

 

E há que distinguir também entre mercado primário (aquele onde a dívida é emitida e colocada) e mercado secundário (aquel'outro onde os investidores, entre eles, vão comprando e vendendo títulos de dívida).

 

No mercado primário, a taxa nominal do cupão de juros e as comissões pagas pelo emitente vão formar um custo de capital (para o devedor). À taxa nominal do cupão de juros e às comissões suportadas, agora pelo subscritor/investidor, vai corresponder uma taxa de retorno que só terá significado se ele mantiver em carteira, até ao respectivo vencimento, o título de dívida que subscreveu.

 

No mercado secundário entra em cena um novo parâmetro: a cotação do título de dívida no mercado, a qual vai variando, quer de sessão para sessão, quer no decorrer de cada sessão. No mercado secundário pode acontecer que a cotação se situe de tal modo acima do par (isto é, seja maior que o montante do cupão de reembolso deduzidos os encargos certos que o credor/investidor terá de suportar no acto de reembolso) que a taxa de retorno (então denominada  tradicionalmente yield) seja negativa. Não é algo excepcional, longe disso. Como se tem visto com os Bunds (Dívida Pública Titulada alemã), e não só, os investidores, por vezes, estão dispostos a pagar para deter:

(i) dívida de entidades que oferecem um risco de crédito desprezável;

(ii) dívida cujo mercado secundário é perfeitamente líquido;

(iii) dívida que é instrumental para o acesso às facilidades de liquidez deste ou daquele Banco Central;

(iv) enfim, dívida que é geralmente aceite como colateral em mercados financeiros especializados (como é o caso das Treasuries dos EUA, das Bunds e de uns quantos títulos de dívida soberana mais).

 

Taxas nominais de cupão de juros negativas, essas sim, são, à primeira vista, raríssimas - mas, nestes últimos tempos, têm ocorrido com alguma frequência em emissões do tipo “Obrigações sem Cupão (de juros)” (como os Bilhetes do Tesouro, por exemplo, que só têm cupão de reembolso) – fruto das políticas monetárias de Quantitative Easing. Agora, são muitas as razões que podem colocar um título de dívida, no mercado secundário, acima do par a tal ponto que a yield é negativa (como é evidente, à medida que o prazo remanescente para a respectiva Data de Reembolso vai encurtando, assim a cotação no mercado secundário se vai aproximando do cupão do reembolso, podendo mesmo ficar abaixo do par se houver dúvidas sobre a capacidade financeira do respectivo devedor).

 

Mas o mercado financeiro da dívida tem mais que se lhe diga. Na verdade há dois mercados de dívida:

(i) o da Dívida Soberana;

(ii) o da Dívida (dita) Corporativa. Há até mais compartimentos no mercado da dívida, mas não vêm agora ao caso.

 

O mercado secundário da Dívida Soberana (refiro-me, obviamente, à Dívida Soberana investment grade) tem um ciclo de liquidez bem desenhado:

(i) fase "on-te-run" (apreciável liquidez);

(ii) fase "off-the-run" (liquidez mais fraca, logo, custos de transacção mais elevados);

(iii) fase "off-off-the-run" (liquidez escassa e, por consequência, custos de transacção muito significativos). Nada de semelhante ocorre no mercado secundário da Dívida Corporativa – e o grosso de dívida das empresas, por não ser livremente transmissível, nem sequer dispõe de mercado secundário.

 

O que entender, então, por "juros negativos"?

 

A expressão "juros negativos" confunde. Se usada para caracterizar o mercado primário, traduz uma situação em que o credor/investidor paga ao emitente/devedor, no cômputo global da emissão de dívida:

(i) ou porque, se trata de uma “Obrigação sem Cupão” em que o preço de colocação é superior ao cupão de reembolso:

(ii) ou porque se trata de uma emissão de dívida com taxa nominal do cupão de juros negativa. No contexto do mercado secundário, significa, de facto, yield negativa porque a cotação do título está muito acima do par – e nada tem a ver, seja com a taxa nominal do cupão de juros, seja com o esforço financeiro que recai sobre o emitente/devedor (o custo de capital).

 

Yields negativas são estados possíveis do mercado secundário, mas só têm um módico de racionalidade nas circunstâncias que mencionei mais acima:

(i) risco de crédito praticamente nulo;

(ii) mercado secundário perfeitamente líquido;

(iii) elegibilidade para aceder às facilidades de liquidez de um Banco Central;

(iv) aceitabilidade como colateral em mercados financeiros de primeira grandeza. Se as política monetárias tipo Greenspan Put (como o Quantitative Easing) podem acrescentar uma circunstância mais à racionalidade das yields negativas? Podem - por períodos muito curtos. Mas, então, o fumo de irracionalidade envolve a Autoridade Monetária (como se viu ao longo da primeira década deste século).

 

Pode uma Bolsa de Valores estar a negociar títulos de dívida com yields negativas? Pode, pelo que ficou visto. Desde que não seja a Bursa Malaysia Berhad, por duas razões:

(i) porque nenhuma Instituição Financeira internacionalmente relevante depende das facilidades de liquidez do Negara Bank of Malaysia;

(ii) porque "juros" são "riba" e “riba” é "haram" na finança islâmica onde o Negara Bank of Malaysia tem um papel preponderante.

 

Em resumo: Yields negativas justificam-se quando preocupações de segurança jurídica, ausência de risco de crédito e de liquidez se sobrepõem, na mente dos investidores, ao desejo de rentabilidade. Ou, então, nos depósitos bancários, quando as comissões cobradas ao depositante são superiores, no ciclo anual, aos juros líquidos que o Banco lhe paga. Mas estes são outros contos.

 

Abraço

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António Palhinha Machado

A GÉNESE DA CRISE

 (*)

 

É agora evidente que a principal causa da crise do euro reside na renúncia do direito de emitir moeda por parte dos estados-membros, a favor do Banco Central Europeu. Os estados-membros não compreenderam tudo o que essa renúncia implicava – e as autoridades Europeias também não o compreenderam.

Quando o euro foi introduzido, os reguladores permitiram que os bancos comprassem quantidades ilimitadas de obrigações de dívida pública sem constituir quaisquer reservas de capitais próprios e o BCE garantiu todas as obrigações de dívida pública da zona euro em condições equivalentes. Os bancos comerciais encontraram vantagens na acumulação de obrigações dos países mais fracos para auferir mais alguns pontos base, o que causou uma convergência de taxas de juro por toda a zona euro. A Alemanha, lutando com o fardo da reunificação, empreendeu reformas estruturais e tornou-se mais competitiva. Outros países aproveitaram fortes expansões na habitação e no consumo sustentadas por crédito barato, tornando-os menos competitivos.

Depois veio a crise de 2008. Os governos tiveram que resgatar os seus bancos. Alguns deles viram-se na posição de um país em desenvolvimento que se endividara pesadamente numa divisa que não controlava. Reflectindo a divergência no desempenho económico, a Europa tornou-se dividida entre países credores e devedores.

Quando os mercados financeiros descobriram que obrigações soberanas supostamente livres de risco poderiam ser forçadas a um incumprimento, aumentaram dramaticamente os prémios de risco. Isto tornou potencialmente insolventes os bancos comerciais, cujos balanços continham grandes quantidades de obrigações deste tipo, dando origem à simultânea crise Europeia da dívida soberana e da banca.

A zona euro está agora a imitar o modo como o sistema financeiro global lidou com essas crises em 1982 e novamente em 1997. Em ambos os casos, as autoridades internacionais infligiram sofrimentos na periferia de modo a proteger o centro; agora a Alemanha está a desempenhar inadvertidamente o mesmo papel.

Os detalhes diferem, mas a ideia é a mesma: os credores estão a transferir o fardo inteiro do ajustamento aos devedores, enquanto o “centro” evita a sua própria responsabilidade pelos desequilíbrios. Interessantemente, os termos “centro” e “periferia” entraram em uso de um modo quase desapercebido. Contudo, na crise do euro, a responsabilidade do centro é ainda maior do que era em 1982 ou 1997: o centro desenhou um sistema monetário defeituoso e falhou na correcção dos defeitos. Nos anos 1980, a América Latina sofreu uma década perdida; um destino similar espera a Europa.

No início da crise, uma desagregação do euro era inconcebível: os activos e responsabilidades denominados numa moeda comum
estavam tão interligados que uma desagregação teria levado a um colapso incontrolável. Mas, à medida que a crise progrediu, o sistema financeiro tem-se reordenado cada vez mais ao longo das linhas nacionais. Esta tendência ganhou ímpeto em meses recentes. A operação de refinanciamento de longo prazo do BCE permitiu aos bancos espanhóis e italianos comprar as
obrigações dos seus próprios países e beneficiar do diferencial de taxas
.
Simultaneamente, os bancos preferiram eliminar activos fora das suas fronteiras nacionais e os gestores de risco tentaram equilibrar activos e responsabilidades internamente, em vez de no seio da zona euro como um todo.

Se isto continuasse por alguns anos, uma desagregação do euro seria possível sem um colapso, mas deixaria os países credores com grandes direitos sobre os países devedores, que seriam difíceis de cobrar. Para além das transferências e garantias intergovernamentais, os direitos do Bundesbank sobre os bancos centrais dos países periféricos no âmbito do sistema de compensação Target2 totalizavam 644 mil milhões de euros (804 mil milhões de dólares) a 30 de Abril e o montante está a crescer exponencialmente, devido à fuga de capitais.

Portanto, a crise continua a crescer. As tensões nos mercados financeiros atingiram novos máximos. Mais revelador é que o Reino Unido, que reteve o controlo da sua divisa, goza das remunerações de dívida mais baixas da sua história, enquanto o prémio de risco sobre as obrigações espanholas está num novo máximo. A economia real da zona euro está a decair, enquanto a Alemanha está a florescer. Isto significa que a divergência está a aumentar. As dinâmicas políticas e sociais também estão a contribuir para a
desintegração. A opinião pública, como ficou expresso em recentes resultados eleitorais, está cada vez mais oposta à austeridade e é provável que esta tendência continue até que a política seja revertida. Algo terá que ceder.

Na minha opinião, as autoridades têm uma janela de três meses durante a qual ainda conseguirão corrigir os seus erros e reverter as tendências actuais. Isso requererá medidas políticas extraordinárias para levar as condições mais perto do normal e que deverão respeitar os tratados existentes, que poderiam então ser revistos numa atmosfera mais calma para prevenir a recorrência de desequilíbrios.

É difícil, mas não impossível, identificar algumas medidas extraordinárias que cumprissem estes duros requisitos. Teriam que atacar os problemas da banca e da dívida soberana simultaneamente, sem negligenciar a redução das divergências de competitividade.

A zona euro precisa de uma união bancária: um esquema Europeu de seguros de depósitos para refrear a fuga de capitais, uma fonte europeia para financiar a recapitalização bancária, e supervisão e regulação por toda a zona euro. Os países altamente endividados precisam de alívio dos seus custos de financiamento. Há vários modos de o fornecer, mas todos requerem o suporte activo da Alemanha.

É aí que está o bloqueio. As autoridades alemãs estão a trabalhar febrilmente para encontrar um conjunto de propostas a tempo da
cimeira da União Europeia no fim de Junho mas todos os sinais sugerem que só oferecerão o mínimo em que todas as partes podem concordar – implicando, mais uma vez, apenas alívio temporário.

Mas estamos num ponto de inflexão. A crise grega é susceptível de atingir um clímax no Outono, mesmo se a eleição produzir um
governo que esteja disposto a respeitar o actual acordo entre a Grécia e os seus credores. Nessa altura, a economia alemã também estará a enfraquecer e a chanceler Angela Merkel achará ainda mais difícil que hoje persuadir o público alemão a aceitar responsabilidades europeias adicionais.

Excluindo um acidente como a bancarrota do Lehman Brothers, a Alemanha fará provavelmente o suficiente para manter o euro unido, mas a UE tornar-se-á algo de muito diferente da sociedade aberta que uma vez incendiou a imaginação do povo. A divisão entre países devedores e credores tornar-se-á permanente, com a Alemanha a dominar e a periferia a tornar-se uma região secundária e deprimida.

Isto aumentará inevitavelmente a suspeita sobre o papel da Alemanha na Europa – mas qualquer comparação com o passado da Alemanha é deveras inadequada. A situação actual é devida não a um plano deliberado, mas à falta de um plano. É uma tragédia de
erros políticos. A Alemanha é uma democracia funcional com uma maioria esmagadora a favor de uma sociedade aberta. Quando o povo alemão se aperceber das consequências – espera-se que não tarde demais – quererá corrigir os defeitos no desenho do euro.

É evidente o que faz falta: uma autoridade fiscal europeia que seja capaz e esteja disposta a reduzir o fardo da dívida na periferia, bem como uma união bancária. O alívio da dívida pode tomar várias formas para além das eurobonds, e seria restrito aos devedores respeitadores do pacto orçamental. Retirar todo ou parte do alívio em caso de incumprimento seria uma protecção poderosa contra os riscos morais. Cabe à Alemanha assumir as responsabilidades de liderança que o seu próprio sucesso lhe acarretou.

 

 George Soros

 

In Remarks at the Festival of Economics, Trento, Italy

http://www.georgesoros.com/interviews-speeches/entry/remarks_at_the_festival_of_economics_trento_italy/

 

Tradução de António Chagas

 

(*)http://www.google.pt/imgres?q=eurobonds&um=1&hl=pt-PT&biw=1024&bih=735&tbm=isch&tbnid=vhLUxA0GnaP7cM:&imgrefurl=http://bravenewfinance.wordpress.com/2011/01/13/euro-bonds-%25E2%2580%2593-the-answer-to-the-e-crisis/&docid=-zBXQ9rvxGCz_M&imgurl=http://bravenewfinance.files.wordpress.com/2011/01/how-a-euro-bond-would-work.jpg&w=850&h=518&ei=lPvhT-nUC-qS0QWHkKWpCg&zoom=1&iact=hc&vpx=266&vpy=153&dur=3270&hovh=175&hovw=288&tx=171&ty=114&sig=109573699884915906692&page=1&tbnh=102&tbnw=168&start=0&ndsp=20&ved=1t:429,r:1,s:0,i:71

“WARUM”?

 (*)

A POLÍTICA MONETÁRIA RESTRITIVA

E O «NÃO» AOS EUROBONDS

 

 

 

 

A vitória da demagogia na «grande Grécia» poderá obrigar a mudanças na política monetária restritiva a nível do BCE e poderá impulsionar os apetites do “Club Med” por Eurobonds.

 

A restrição monetária e a inexistência de um sistema comum de endividamento têm sido a melhor forma de cortar as pernas aos políticos que têm tentado eternizar-se no Poder comprando os votos dos eleitores pela prática demagógica (e inerentes promessas eleitorais) utilizando dinheiros públicos e «estando-se nas tintas» para os défices orçamentais.

 

É claro que são esses mesmos políticos esbanjadores que, depois de irem perdendo as eleições, acicatam os povos contra os «mercados» (a que eles próprios recorreram para poderem manter-se no Poder), bradam pelo regresso do investimento público e pugnam pelo agravamento da progressão tributária na escala ascendente dos rendimentos dos contribuintes (vulgo, «os ricos que paguem a crise»).

 

A propósito duma eventual desvalorização do Euro, continuo a crer que o efeito cambial é momentâneo, quase tão rápido como um flash
fotográfico, pois que os preços se adaptam muito rapidamente aos novos valores intrínsecos das moedas. Tenho a desvalorização monetária por decreto como uma falácia no prazo que ultrapasse o quase instantâneo e atribuo-lhe efeitos perniciosos (falta de credibilidade) nos curto, médio e longo prazos. A Alemanha não esquece as nefastas consequências da política monetária da sua República de Weimar. Por isso se quer manter em funcionamento com uma moeda credivelmente forte que possa servir de refúgio às poupanças de quem está submetido a moedas fracas e, desse modo, manter o Bundesbank (e o sistema bancário alemão, grosso modo) como receptor líquido de depósitos transfronteiriços. Dito de outro modo, a Alemanha deve ser um centro de confiança (monetária,
económica, política). Uma moeda forte não afecta minimamente as exportações alemãs que se caracterizam pela alta tecnologia e não pretendem fazer concorrência em mercados mais vocacionados para «chinelas de meter o dedo».

 

A crítica alemã aos Eurobonds tem tudo a ver com o que se passou com a nossa (portuguesa) entrada no Euro: - Já não somos
responsáveis pelas nossas dívidas porque temos o «chapéu» do BCE, vá de gastar com largueza de espírito
. Todos sabíamos como isso era mentira mas o facto de
nós o sabermos não impediu os demagogos que foram ganhando as eleições de fazerem... o que fizeram. O mesmo se diga dos gregos, dos espanhóis, dos italianos, dos franceses, em suma, do «Club Med». (Não conheço o caso belga). E como gato escaldado de água fria tem medo, admito que os alemães não queiram criar uma nova oportunidade para a criação de mais problemas em tudo semelhantes aos que estamos agora a sofrer.

 

Os problemas intrínsecos das economias têm que ser estruturalmente resolvidos se queremos funcionar com uma moeda credível; se
queremos continuar no Carnaval, então temos que abandonar uma moeda credível.

 

O problema estrutural português é o do nível médio de instrução da nossa população mas também se torna imperioso (e fácil de
resolver) retomar a produção de bens transaccionáveis.

 

Junho de 2012

 

 Henrique Salles da Fonseca

 

(publicado na revista INDÚSTRIA, da CIP, ed. Abril-Maio-Junho 2012)

 

(*)http://www.google.pt/imgres?q=eurobonds&um=1&hl=pt-PT&sa=N&biw=1024&bih=735&tbm=isch&tbnid=-gikAt2ftts0TM:&imgrefurl=http://www.ariva.de/forum/Eurobonds-sind-Teufelszeug-447265%3Fpage%3D2&docid=kx4UdKgVJ88JsM&imgurl=http://www.ariva.de/eurobonds_a432419&w=400&h=295&ei=CKTVT8qMHvGR0QW0s4y6BA&zoom=1&iact=hc&vpx=722&vpy=342&dur=1217&hovh=193&hovw=262&tx=147&ty=111&sig=109573699884915906692&page=2&tbnh=159&tbnw=216&start=20&ndsp=16&ved=1t:429,r:11,s:20,i:171

AS GRANDES CRISES

(*)

 

Rebuscando na história à procura de “Crises”, encontram-se montes delas. Umas provocadas por guerras, outras por epidemias, ainda outras por desastres naturais, as mais incómodas são as das greves, mas a grande maioria vai para a culpa da ganância dos homens, e seu total, TOTAL, desprezo pelo Outro.

 

Um dos problemas que ajudou a reduzir a influência da Igreja de Roma, foi a sua pregação contra o lucro sobre dinheiro, juros, já que era considerado pecado ganhar dinheiro sem trabalhar. As divisões cristãs que se impuseram depois da Reforma, defenderam a ideia de que o homem, enquanto está na terra, deve aproveitar TUDO que Deus “pôs” à sua disposição, incluindo emprestar dinheiro a juros. Os miseráveis e até os babacas estão à disposição!

 

Os judeus têm neste campo uma filosofia muito mais “descarada”, quando a sua lei lhes diz que não devem cobrar juros entre irmãos judeus, mas à vontade a todos os outros. Daí a história nos mostrar um dos porquês os judeus, desde sempre, dominaram o mundo da finança.

 

Hoje vamos às crises financeiras, as que, além das guerras, são provocadas pelos homens e acabam por afectar milhões dos “servos”!

 

Quando a Inglaterra se viu dona dos mares, da maior e mais potente frota de navios naquela época – século XVII – iniciou uma expansão mundo fora, achando-se com o direito de dominar o mundo! Pelo comércio ou pelos canhões! Foi mais sangrenta a guerra pela Independência da América do que as guerras coloniais de Portugal!

 

Em 1600 fundaram a “Honourable East India Company” (gosto muito do “honourable”!), que não conseguia rivalizar com a sua concorrente holandesa, de enorme sucesso, a “Veereennigde Oostindishce Compagnie”, de capitais privados. De repente é feito rei dos britânicos o holandês William de Orange e sua mulher Mary (que reinaram em simultâneo) que levou consigo a “técnica holandesa”: onde buscar capitais. Para desenvolver o comércio e arranjar dinheiro para o rei fazer as suas guerras, dois monstros foram criados: em 1694 o Bank of England, só de capitais privados, e em 1711 a nova “South Sea Company”. Movimentava-se muito dinheiro e os navios que iam e vinham à América, Índia e Oriente, davam lucros imensos. Em 1719 os directores da nova companhia britânica “inventaram” transformar uma enorme fatia da dívida pública em empréstimos em que o governo pagaria juros inferiores aos que tinha contratado. E criou o “mercado” de acções, os “bonds”, £1 para £1 do débito do governo, para logo a seguir venderem esses títulos a preços bem mais altos. E começa a especulação desenfreada. Não tardou a que se emprestasse £250 a quem tinha £100 de títulos e garantindo um juro de 5%. A manipulação de preços variou de £1 a £1.000. O comércio crescia e todo e qualquer cidadão britânico queria ficar rico. Todos queriam mais e mais dinheiro. Gente houve que empenhou tudo quanto tinha para aplicar nesse mercado fictício, à espera de lucros imensos.

 

Em 1720 a “bolha” cresceu demais, e a “South Sea Company”... estourou! E na miséria ficaram milhares de otários!

 

Em 1929 foi Wall Street que estourou. Por razões muito iguais: a loucura do dinheiro fácil inflacionou o valor das acções da Bolsa, o povo desconfiou que estava a ser enganado e decidiu livrar-se daqueles “malditos papéis” de qualquer forma. Depois correu aos bancos para levantar o que ainda lá pudesse encontrar. E na miséria ficaram mais uns milhares ou milhões de americanos.

 

Há ainda poucos anos os japoneses “inventaram” outro sistema de “fazer” dinheiro. Como o bem material mais precioso para qualquer família é a posse da sua casa, a sua propriedade, os economistas bancários decidiram que quanto mais alto fosse o valor deste bem mais dinheiro se poria a circular. E concedendo créditos para a compra do imóvel a 30 anos, a rentabilidade da banca ficaria assegurada por muito tampo. E assim fizeram: os preços dos imóveis foram às alturas, a japonesada toda achou que estava rica, endividou-se e... chegou a um ponto que não podia mais pagar!

 

Os Estados Unidos, sempre bonzinho$$$, decidiram ajudar o Japão a não se enterrar muito, mas de qualquer forma aquelas levas de turistas japoneses, de repente, sumiram.

 

Finalmente a crise de 2008. Tal qual, tal qual. A repetição da ganância, do dinheiro fácil, do empréstimo à vontade para qualquer um, até inadimplentes, para depois cada banco vender a outro a sua “carteira de clientes”, até que chegou o mesmo, mesmissimo, momento da verdade.

 

Governos e povo achando-se sob uma torrente de maná! Outro estouro. E não foi, nem será o último.

 

Os países da Europa e os EUA ficaram de calças nas mãos. O povo então já nem as calças deve ter, mas, e os bancos?

 

Ah! Os bancos sempre saem dando risada. Nunca ganharam tanto dinheiro como agora, porque carregaram nos juros, e o dinheiro para alguns nasce mesmo na seca.

 

E vai ser sempre assim.

 

O contra-senso de todo este drama, primeiro é não se atender aos exemplos da história. Mas disso ninguém quer saber. O preciso é enganar o otário.

 

Mas, como se justifica o crescimento vertiginoso do numero de milionários? Com a China, Rússia e até Brasil?

 

Sempre a mesma coisa: crise é para os que estão por baixo. A crise é de homens, de ética, vergonha, fraternidade. E isto será para todo o sempre, enquanto neste planeta houver homos que sapien se apropriar de tudo. Como Caim, Jacó e outros milhões.

 

Rio de Janeiro, 04/04/2012

 

 Francisco Gomes de Amorim

 

(*)http://www.google.pt/imgres?q=dinheiro+f%C3%A1cil+e+r%C3%A1pido&start=265&um=1&hl=pt-PT&biw=1024&bih=735&addh=36&tbm=isch&tbnid=nIZPysIWB64X9M:&imgrefurl=http://www.dinheiroextraweb.xpg.com.br/&docid=yApjlOkOgsHBUM&imgurl=http://www.dinheiroextraweb.xpg.com.br/imagens/riosdedinheiro.jpg&w=224&h=225&ei=B3ahT8-NCsnn8QPPk6jJCA&zoom=1&iact=hc&vpx=574&vpy=229&dur=890&hovh=180&hovw=179&tx=100&ty=115&sig=109573699884915906692&page=17&tbnh=171&tbnw=169&ndsp=17&ved=1t:429,r:2,s:265,i:194

O SEU A SEU DONO

Curtinhas XCVIII

 

 

v     Os principais Bancos portugueses fecharam o exercício findo com prejuízos que absorvem praticamente a totalidade dos seus Resultados Líquidos nos dois anos imediatamente anteriores.

 

v     “Foi esta maldita crise”, ouve-se dizer a torto e a direito, com aquele ar fatalista que é tão nosso (sim, por cá, o que corre mal nunca, por nunca ser, é obra humana – antes, fruto do insondável destino).

 

v     Peço vénia para discordar: Não, não foi! Foi, sim, em larguíssima medida, o resultado inevitável, e há muito esperado, de uma complacência de décadas em sede de regulação e supervisão (leia-se: BdP).

 

v     Que a crise das Dívidas Soberanas europeias tenha apanhado todos de surpresa, concedo. Ainda que, desde o instante em que França e Alemanha violaram ostensivamente (e impunemente) as regras de Maastricht, os deficits gémeos (da BTC e do Orçamento) em muitos países comunitários (e não só os PIIGS) apontassem para desequilíbrios estruturais que ninguém queria ver.

 

v     As próprias regras de Maastricht também não ajudavam. Segundo elas, a virtude estaria toda no equilíbrio orçamental e numa Dívida Pública estabilizada. O resto não interessava. E esse resto poderia ser, por exemplo, uma estratégia de política monetária que, ao premiar o endividamento e a apetência pelo risco, e ao penalizar o aforro, empolava as receitas fiscais e desequilibrava as contas externas.

 

v      O que esta crise veio tornar evidente é que há mais perigos para lá dos deficits orçamentais. Há, por exemplo, os deficits da BTC, a Dívida Externa (sobretudo, o peso do serviço da Dívida Externa no PIB), o facto de só se poder pagar os juros e encargos que se vencem com mais empréstimos - ou a ideia tonta de que numa união monetária tudo se financia.

 

v     Poder-se-ia ter visto à distância como se agravava o risco nalgumas Dívidas Soberanas? Poderia. Mas convém não perder de vista também que:

-            Em retrospectiva, quase tudo é óbvio – o difícil é perceber o que o futuro reserva, antecipar;

-            O quadro prudencial dos Bancos (Acordo de 1988, primeiro, Basileia 2, mais recentemente, as próprias Directivas comunitárias) não exigia que fossem afectados Capitais Próprios aos investimentos feitos em Dívida Soberana europeia - tornando-os, assim, numa
espécie de “almoços grátis”;

-            Muito frequentemente, as legislações nacionais impunham (e ainda impõem) percentagens mínimas de Dívida Pública a Instituições Financeiras que aí operem (por exemplo, Seguradoras).

 

v     Quanto às menos valias na Dívida Soberana, estamos conversados: foi o que o destino quis, ponto final. Destino a que o BST (uma Filial) escapou. Por mérito próprio? Talvez. Mas também porque os Bancos com melhor percepção do risco há muito sabem que o mercado das Dívidas Soberanas é cada vez mais volátil (ou especulativo; explicar porquê fica para melhor oportunidade) – e, por isso, gerem-no a partir das “Casas Mães”, não deixando que as Filiais ponham a mão naquela massa.

 

v     Destino cuja força não seria, porém, suficiente para impor os prejuízos que os Bancos de cá registaram.

 

v     Uma outra causa de tão grandes prejuízos foi a transferência dos Fundos de Pensões dos Bancos para a Segurança Social. Escapou a CGD (cujo Fundo de Pensões já tinha levado o mesmo caminho anos atrás, numa operação rodeada de polémica), mas não escapou o lado Santander do BST (o lado Totta esteve sempre integrado na Segurança Social).

 

v     Como assim? Perguntará o Leitor. Simples. O BdP tolerava que os patrimónios dos Fundos de Pensões dos Bancos fossem inferiores ao valor actuarial das pensões de reforma e sobrevivência que eles, Bancos, se tinham obrigado a pagar. E alguns desses Fundos nunca conheceram, mesmo, outra situação.

 

v     Dito de outro modo, também aqui havia deficits – e deficits que deixavam intactos Balanços e Contas de Resultados, com o consentimento do BdP (que, como bom pater famílias, protegia os seus filhotes, os Bancos supervisionados), aplauso dos accionistas (que recebiam dividendos empolados) e do Fisco (que cobrava uns impostos mais).

 

v     Certamente por isso, os Bancos, de tempos a tempos traziam à baila o tema da integração dos seus Fundos de Pensões na Segurança Social - mas, naturalmente, não nos termos em que viram, agora, os seus desejos tornar-se realidade.

 

v     Para que a operação de cosmética não agravasse o deficit orçamental, o valor (a preços de mercado) dos patrimónios a transferir para o Estado (e que este se apressou a contabilizar como receita) não poderia ser inferior ao valor actuarial das responsabilidades indeclináveis (perante os pensionistas de hoje e os pensionistas de amanhã) que o mesmo Estado estava a assumir em contrapartida.

 

v     E lá tiveram os Bancos (excepto a CGD) de entrar, de uma só vez, com o dinheiro necessário para cobrir a diferença que, até essa data, nunca tinha afligido o BdP – e de levar o desembolso a Resultados, como custo. Diferença que, afinal, não era tão pequenina assim.

 

v     Mas a maior perda estava guardada para o valor realizável das Carteiras de Crédito Bancário. Desde tempos imemoriais que os Bancos se iludem relativamente às perdas potenciais nos empréstimos que ainda se não venceram. E o BdP, a quem compete vigiar pela solidez do sistema bancário, lá vai comungando, de ânimo leve, da mesma ilusão.

 

v     Eu explico. Por tradição, os Bancos, seguindo instruções do BdP, consideram:

(1) que os empréstimos vencidos e não pagos são acasos que não reflectem o risco de crédito a que se encontram efectivamente expostos;

(2) que, no máximo, 1% da Carteira de Crédito Bancário cairá em incumprimento, não importa o que a dura realidade esteja a mostrar;

(3) que, provisões, só para os empréstimos vencidos e não pagos. E, vários deles, nem mesmo estes mínimos tinham provisionado.

 

v     Não é só o facto de não relacionarem o crédito que cai em malparado com os empréstimos ainda por se vencer, como se todos eles não saíssem da mesma realidade económica. É, também, o modo como medem a sinistralidade de crédito que estão a registar: o rácio “Crédito Vencido/Crédito Total”.

 

v     Não repara o BdP, e fingem não reparar os Bancos:

(1) que o Crédito Vencido é o acumulado de valores passados da Carteira de Crédito Bancário, diminuído por utilização de provisões (uma espécie de subsidiação cruzada entre os diversos negócios a que os Bancos se dedicam);

(2) que o saldo da Carteira é o resultado da política comercial seguida e da conjuntura económica recente.

 

v     Quer dizer, quando a Carteira cresce aceleradamente (como aconteceu por cá até 2009), só esse facto é suficiente para que um Banco que não cometa loucuras apresente um rácio da ordem dos 2%, ou menos, subestimando a sinistralidade realmente registada e a perda potencial nos empréstimos ainda em Carteira. E lá se felicitam os Bancos, Relatório após Relatório, pela prudência com que desenvolvem os seus negócios e gerem o risco de crédito.

 

v     Quando a Carteira se contrai por efeito de uma conjuntura recessiva, aquele rácio quase que “explode”, sobrestimando a real sinistralidade – que, como é de prever, aumenta. Nisto estamos (para sua referência, Leitor, a perda esperada nos empréstimos do tipo Banca de Retalho - que predominam nos “nossos” Bancos - rondará os 4%; por cá oscilava, de facto, entre os 3% e os 7-8%, até 2008).

 

v     Graças à troika, BdP e Bancos viram, por fim, a luz:

(1) a exposição ao risco de crédito mede-se pelo peso dos empréstimos que, num dado período, ficaram por pagar no total dos empréstimos que deveriam ter sido pagos, nesse período;

(2) esse peso (ou rácio) pode, mesmo, ser ajustado em função do ciclo económico;

(3) constituir provisões burocraticamente, como quem preenche formulários, raramente dá bons resultados.

 

v     Alto lá! Então os Bancos, durante todos estes anos, apresentaram lucros excessivos, não porque fossem obscenamente rentáveis, como tantos clamaram, mas porque, mais prosaicamente, não financiaram adequadamente os seus Fundos de Pensões nem provisionaram suficientemente as perdas potenciais nas suas Carteiras. Pois é! A realidade tem destas ironias.

Palhinha Machado A. Palhinha Machado

Fevereiro de 2012

Chinesices

Curtinhas XCVI

 

 (*)

 

v     “A Dívida Pública portuguesa é lixo (junk)!” Proclamam aos quatro ventos as Agências de Rating que, como é sabido, têm pêlos no coração e a sensibilidade de um pedregulho. E se não é isto que elas, de facto, dizem, é assim que os nossos comentadores as citam – para grande desespero dos indígenas, que se vêem, desde há tempo, enfiados numa gafaria.

 

v     Só que as coisas não são exactamente como estes avisados opinadores as pintam. Na lógica das Agências de Rating, as dívidas que por aí circulam distribuem-se por quatro grandes grupos:

-      Investment grade” (vão de AAA a BBB) - recomendáveis a quem só pretenda o pinga-pinga de rendimentos previsíveis e nenhumas surpresas, chegado o momento de receber o capital de volta;

-      Speculative grade” (que vão de BB+ a B) - boas para quem não tema expor-se a perdas já bastante prováveis, na expectativa de obter ganhos acima da média do mercado;

-      Junk” (que vão de CCC a C) - investimentos do tipo “Tudo (rentabilidades exorbitantes, se os deuses forem gentis) ou Nada (perda total do capital investido, se os deuses estiverem de mau humor)”.

-      Enfim, as que já se encontram em incumprimento (D de “Default”), com os credores a terem de lutar por umas migalhas na massa falida - ou de perdoar parte do capital emprestado, na esperança de que nem tudo esteja ainda perdido.

 

v     Dita a experiência que, numa dívida a 10 anos, a probabilidade de perda total: é ligeiramente inferior a 2%, quando tenha sido inicialmente classificada investment grade”; oscilará entre os 5% e os 25%, se for “speculative grade”; e rondará os 50%, se “junk”. Estas probabilidades já contemplam os casos, quer de morte súbita (quando a dívida cai num ápice para a classe D), quer de degradação
progressiva (quando a dívida vai rebolando lentamente, letras acima, até D).

 

v     Os ratings são opiniões e avisos à navegação nos mercados de dívida. Enquanto opiniões, assentam em princípios, hipóteses, metodologias e dados - mas só os três primeiros são do conhecimento público (basta aceder aos sites das tais Agências). É, por isso, possível apanhá-las em incoerências (dá trabalho, dá...). Agora, pôr em causa ratings, discuti-los, contrapor-lhes opiniões ou palpites diferentes, não faz qualquer sentido.

 

v     Já enquanto avisos têm mais que se diga. São, desde logo, acolhidos por quase todas as Entidades de Investimento Colectivo (Fundos de Investimento, Fundos de Pensões, etc.), solução expedita para fixar critérios de investimento que os investidores possam facilmente verificar.

 

v     Compreensivelmente, são também adoptados pelas principais Bolsas de Valores, quando se trata de estabelecer colaterais (ou
contas margem) que garantam a actividade de quem nelas opere.

 

v     Mais surpreendente, porém, é o facto de os Bancos Centrais da Europa e dos EUA confiarem nestas opiniões para determinar
os Capitais Próprios que consideram necessários à estabilidade e à solidez dos respectivos sistemas financeiros. Poderia ser diferente? Poderia, se os Bancos Centrais reconhecessem que são plenamente responsáveis por tudo aquilo que fazem ou deixam de fazer.

 

v     Em vista disto, as consequências para uma dívida que veja o seu rating despromovido são fáceis de enunciar:

(1) Entidades de Investimento Colectivo a ter de retirá-la das suas carteiras - mas outras (talvez em menor número) a lançar-lhe olhos gulosos;

(2) Bolsas a exigirem dos operadores, ou que reforcem garantias, ou que reduzam a sua actividade (aqui não há comportamentos em sentido inverso, que contrabalancem as intenções de venda);

(3) Supervisores a fazerem finca-pé, ou em mais Capitais Próprios, ou em menos Balanço (aqui, também, o movimento é de sentido único).

 

v     As coisas são como são, e as Agências de Rating só têm a temer o dia em que os Reguladores de todo o mundo exijam, a elas
e a quem emite dívida notada, que divulguem também, e na íntegra, os dados que inspiram essas opiniões e esses avisos – já que tais dados nunca chegam ao conhecimento dos mercados (uma vez mais, a cumplicidade negligente de Reguladores e Supervisores).

 

v     Eu sei, Leitor, que isto é uma chinesice. Mas alguém tem de vir a público dizer que a Dívida Pública portuguesa ainda não é lixo (junk). Talvez lá chegue um dia, empurrada pela mediocridade que nos rodeia. Por enquanto, é só “speculative grade”.

 

v     Virando a página. A entrada de uma empresa chinesa no capital da EDP tem dado pano para mangas – e eu, perplexo, sem saber o que opinar. Até ao instante em que os órgãos sociais da empresa ficaram finalmente guarnecidos.

 

v     Veio-me, então, à ideia que o longínquo povo português ainda faz parte do mito nas culturas nipónica e chinesa. Para uma, a do Japão, foi a chegada dos portugueses a Tanegashima, no primeiro quartel do séc. XVI, que pôs termo a um período feudal (o shogunato) que não dava mostras de evoluir. Para outra, a da China, apesar da longa convivência em Macau, foi o papel dos jesuítas portugueses na corte imperial - sobretudo no séc. XVIII, com o Imperador manchu Quang Xi e a “questão dos ritos”.

 

v     É por de mais evidente que a China de hoje percebeu há muito aquilo que os nossos políticos de todas as cores ainda não conseguiram ver: a importância estratégica do ocidente ibérico no mundo multi-polar que está em gestação (quase metade do Atlântico Norte e todo o Atlântico Sul estão aqui ancorados). Algo muito apetecível para um Estado que não disfarça a sua ambição de super-potência.

 

v     Mas, estou em crer, era também a oportunidade de emparceirar com o mito que o Governo chinês (alguém tem dúvidas sobre a autoria da decisão que trouxe até nós a “Three Gorges”?) não quis desperdiçar.

 

v     Com este triste episódio das nomeações (que poderá não ter tido o dedo do nosso Governo, mas que espelha na perfeição o que move as nossas pretensas elites) ficou claro para todos, até para quem viva no outro lado do planeta, que, por cá, ainda não saímos da época dos shoguns. Com a singularidade histórica de os nossos shoguns, em vez de se guerrearem na boa tradição samurai, pactuam - para melhor repartirem entre eles os despojos.

 

v     A mensagem de tudo isto é clara: com a nossa venalidade e os nossos interesses mesquinhos, não nos demos ao respeito como parceiros. Falhámos. E, segundo a boa tradição oriental, quem não é respeitado como parceiro, ou é visto como inimigo, ou é tratado como um servo. Chinesices, está bem de ver.

 

 

 A. PALHINHA MACHADO

 

(*)http://www.google.pt/imgres?q=grafico%2Bd%C3%ADvidas&um=1&hl=pt-PT&sa=N&biw=1024&bih=735&tbm=isch&tbnid=u7u82JQFQJrS_M:&imgrefurl=http://memoriavirtual.net/2011/10/18/&docid=K7XET5o4PUdJhM&imgurl=http://memoriavirtual.files.wordpress.com/2011/10/debtchampions.png%253Fw%253D455%2526h%253D386&w=455&h=386&ei=lCwUT57eHcXtOZy30P0C&zoom=1&iact=hc&vpx=740&vpy=215&dur=3569&hovh=207&hovw=244&tx=163&ty=123&sig=108364103958560163334&page=1&tbnh=122&tbnw=141&start=0&ndsp=20&ved=1t:429,r:19,s:0

 

 

 

Curtinhas CIX- III

 

É gosto de complicar! III

 

 

v     Não sei se já reparou, Leitor, que crise financeira é sinónimo de sistema bancário em dificuldades. Em dificuldades para se financiar – e em dificuldades para criar e fazer circular a liquidez (recordo que criar e fazer circular a liquidez é a razão de ser de todo o sistema de pagamentos).

 

v     No começo é sempre um monte de dívidas por pagar que cresce, cresce. A crise só se instalará, porém, quando os Bancos deixam de pagar: ou a outros Bancos; ou directamente aos depositantes. Em suma, uma crise financeira é uma crise de dívida que vai arrastando os Bancos, uns após outros.

 

v     Os “derivados” de que se fala, quando se fala na actual crise, são os “derivados de crédito”, negociados para dispersar prejuízos se se der o caso de o devedor não pagar. Em palavras simples, são fianças. Por vezes, muito rebuscadas – mas fianças. E sendo fianças, só ganham vida quando os créditos que garantem não sejam pagos. Por isso, nunca poderão desencadear uma crise de dívida.

 

v     Mas podem muito bem propagá-la pelos fiadores (os vendedores dos “derivados de crédito”), sobretudo se estes, na ânsia de cobrar mais umas comissões (pelos “derivados” que vão vendendo), acumulam enormes passivos contingentes (que a crise se encarregará de tornar exigíveis) – sem que Reguladores, Supervisores, ou uma gestão sensata lhes exijam Capitais Próprios na proporção.

 

v     Foi o que aconteceu. Com um sem número de Bancos desejosos de participar de alguma maneira no festim que era, ao tempo, o modelo “originador/distribuidor” dos Bancos de Investimento, sobretudo norte-americanos, britânicos e suíços (referi este ponto no escrito anterior). E eis como uma crise de dívida nos EUA contamina meio mundo – graças aos Bancos que venderam “derivados de crédito” como se não houvesse amanhã para as dívidas cujo bom pagamento estavam a garantir.

 

v     E a desregulação? A desregulação (a eliminação de regras prudenciais a eito) não converteu a actividade financeira numa rebaldaria sem rei nem roque, que deu neste triste estado de coisas?

 

v     É isto que se impinge ao vulgar cidadão, mas não corresponde à verdade. O que se passou é que, em 1999 (nos EUA, com a abolição da Lei Glass-Steagal), o princípio organizador das actividades financeiras que até então tinha prevalecido, o da regulamentação (tudo o que não está expressamente autorizado, é tacitamente proibido), foi substituído, nas economias mais desenvolvidas, pelo da regulação (tudo o que não é expressamente proibido, está tacitamente autorizado).

 

v     E os Reguladores, ainda no doce enleio da regulamentação que mantinha ao largo a inovação financeira (antes, só se fazia o que eles deixavam), foram por ela surpreendidos, não se esforçaram por compreendê-la – e não souberam detectar e proibir aquelas novidades capazes de desestabilizar os sistemas financeiros que lhes competia proteger.

 

v     Ou, se se quiser, não estiveram à altura da inovação financeira que relações económicas cada vez mais complexas (aqui sim, faz sentido falar de complexidade) exigiam. Desde logo, por força da livre movimentação de mercadorias e capitais. Mas também pela crescente importância dos Fundos de Pensões, extraordinariamente sensíveis a toda a espécie de riscos.

 

v     Nós, por cá, não tínhamos, nem temos, Bancos de Investimento capazes de empreender o modelo “originador/ distribuidor” (os que há são simples extensões de Bancos Comerciais, e têm, se tiverem, diminuta dimensão internacional). Quando muito, alimentavam esse modelo vendendo a terceiros, de tanto em tanto, umas carteiras de crédito (crédito hipotecário, crédito ao consumo e coisas assim).

 

v     E negociar em grande com “derivados” de qualquer espécie, já comprando-os, já vendendo-os, excedia amplamente as capacidades técnicas dos Bancos de cá. A crise em que mergulhámos tem causas mais prosaicas – e muito mais profundas. Em linha, aliás, com os ciclos de fossados e presúrias nas fronteiras do reino, do açúcar, das especiarias, de novo o açúcar, do ouro e pedrarias, dos escravos, peles e marfim, das matérias-primas coloniais, das remessas de emigrantes, dos fundos comunitários.

 

v     A crise actual tem como causa única o endividamento externo. Todos os anteriores ciclos tiveram em comum uma qualquer forma de extorsão – de bens que nunca teriam de ser repostos, ou de fundos que nunca restituiríamos. Distraídos, pensámos que a Dívida Externa também não era para pagar. Vemos agora quão enganados andávamos.

 

v     Endividavam-se lá fora as poucas empresas que investiam no exterior (que em nada contribuíram para este descalabro). Endividavam-se lá fora as empresas públicas cujas receitas não cobriam os custos operacionais (uma pequena parcela da Dívida Externa total). Endividavam-se lá fora, sem conta nem medida, os Bancos e o Estado – e está aqui a origem da nossa crise.

 

v     Endividavam-se lá fora os Bancos (nos mercados interbancários e a curto prazo) para competir cá dentro por quota de mercado. Escolhiam a via mais fácil: financiar a procura interna (aquisição de casa própria, crédito ao consumo, crédito para viajar, etc.) – uma variável que, se houver quem empreste, não conhecerá limites. É certo que o portuguesinho gastou em excesso, mas fazia-o porque havia sempre alguém, por cá, disposto a emprestar-lhe mais algum dinheiro.

 

v     Todavia, não era fatal que a sobreliquidez das economias além-fronteiras e a novel capacidade dos Bancos de cá para se endividarem lá fora descambassem numa bolha de dívida. A bolha só acontece porque, além disso:

-          Os Bancos não cuidavam de reflectir nas taxas de juro dos empréstimos que faziam o risco de crédito a que se expunham (tivessem-no feito, ou tivesse o BdP sido mais vigilante neste ponto, e o custo do dinheiro daí resultante teria, certamente, desmobilizado boa parte da nossa propensão atávica para contrair dívidas);

-         O BdP tolerava que os Bancos não tivessem Capitais Próprios suficientes, à luz da evidência do passado, para absorver os riscos a que se iam expondo (fosse ele mais rigoroso e os Bancos pensariam duas vezes antes de se lançarem numa corrida por quotas de mercado a qualquer risco, que iria exigir-lhes Capitais Próprios cada vez mais elevados).

 

v     Falta de regulação? Qual quê. Aí estava o Comité de Basileia e o “acquiscomunitário a exigirem tudo aquilo. O BdP, porém, estava mais preocupado em verificar se o débito era igual ao crédito.

 

v     Endividava-se lá fora o Estado para gastar cá dentro e, desse modo, aquecer ainda mais a procura interna: já, mandando fazer obra pública; já, comprando internamente bens e serviços; já colocando rendimentos (remunerações, subsídios em dinheiro e subsídios em espécie) nos bolsos das famílias.

 

v     Como não poderia deixar de ser, toda esta liquidez que Estado e Bancos despejavam em catadupas sobre a procura interna ia moldando o tecido económico: empresas e emprego concentravam-se cada vez mais em actividades que não exportam. E, para mais, uma fatia importante da procura interna ia agravar o deficit da BTC – o qual, entre 1999 e 2010, nunca foi inferior a 8% do PIB. Uma enormidade patológica que todos (FMI, CE, Governos, BdP, Bancos) olhavam com indiferença.

 

v     Este sobreaquecimento da procura interna teve três efeitos que foram fatais para a nossa economia:

-      Os deficits anuais da BTC obrigavam a mais Dívida Externa (dos Bancos e do Estado), e a possibilidade de mais endividamento externo induzia deficits da BTC cada vez maiores;

-      A bolha de dívida estimulava a procura interna, que empolava o Sector de Bens não Transaccionáveis, o qual, por sua vez, inflacionava as receitas fiscais – criando a esperança, falsa, de que o equilíbrio orçamental poderia ser alcançado com uma redução relativamente suportável da despesa pública (daí o relativo falhanço desta sucessão de novos impostos);

-      Como sempre, era o Sector dos Bens não Transaccionáveis que fixava os níveis salariais e a taxa de inflação, tornando a economia, em geral, e a sua capacidade exportadora, em particular, cada vez menos competitivos no contexto internacional.

 

v     Há coisa de uma semana, num programa de debates na RTP 1 (Prós & Contras, 24/10), alguns dos intervenientes não se cansaram de repetir, com ar sabedor e contrito, que as causas da crise que nos aflige eram muito complicadas, porque muito, mas mesmo muito complicada era a crise internacional de que a nossa não seria mais do que uma excrescência periférica. Não é, como se vê.

 

v     Felizmente que não havia por lá ilustres comentadores estrangeiros que teriam usado palavras bem mais acutilantes: na origem da crise estariam “produtos financeiros” (leia-se, instrumentos de dívida) muito sofisticados, manejados por gente igualmente sofisticada e super-qualificada. Fomos assim poupados à humilhação de nos atirarem à cara um “Ne sutor supra crepidam!” (*) de desprezo. Valha-nos isso.

 

v     Será que consegui descrever, em linguagem compreensível, como chegámos ao ponto em que hoje nos encontramos? É que, por mais voltas que se dê, por mais complicações que se invoquem, a actividade financeira será sempre um simples jogo do “rapa, tira, põe e deixa”...liquidez, está bem de ver.

 

(FIM)

 

Outubro de 2011

 

 A. PALHINHA MACHADO

 

(*)

Não suba o sapateiro além da chinela.

Cada qual em seu ofício.

Cada macaco no seu galho.

Ninguém se meta onde não é chamado

 

CURTINHAS CIX-II

 

É gosto de complicar! II

 

v     Um “derivado” nada mais é que um contrato. Um contrato que tem de prever uma pluralidade de circunstâncias (os cenários futuros que referi no escrito anterior) e os direitos que cada uma dessas circunstâncias torna exigíveis. Por isso, redigi-lo não é tarefa fácil - ainda que bastantes vezes pudesse ser desempenhada com mais clareza e maior competência.

 

v     Difícil, difícil mesmo, é saber se quem paga para dispor desses direitos (o “comprador” do “derivado”) não estará a pagar de mais - e se quem deve satisfazê-los (o “vendedor” do “derivado”) não estará a receber de menos por isso. Dúvidas que a matemática pode
desfazer a priori – mas que só mercados bem organizados conseguem desvanecer de vez.

 

v     Todavia, nas vésperas da crise, o grosso dos “derivados” era negociado “ao balcão” de uns tantos operadores financeiros (onde os Bancos de Investimento norte-americanos tinham a parte de leão) – e cada operação dessas era um caso único, com cláusulas próprias que nunca haviam passado pelo crivo do litígio e da apreciação por um tribunal. Ninguém, de boa fé, poderia dizer o que valiam.

 

v     Em vez de mercados organizados, prevaleciam, então, feixes de negócios avulsos sobre os quais só aqueles operadores pivots (pivots porque apareciam, ora a comprar, ora a vender “derivados”) dispunham de alguma informação confiável. Pouca, mesmo assim.

 

v     Para uma actividade que fazia girar o equivalente ao PIB mundial (cerca de USD 60 biliões) e se concentrava nuns poucos sistemas financeiros, a matemática tinha feito o seu dever, mas as Autoridades de Regulação permaneciam inexplicavelmente apáticas (só a ISDA/International Swaps and Derivatives Association, um organismo de auto-regulação, revelava preocupação e iniciativa).

 

v     Uma das razões para tal apatia residia, creio eu, no facto de os “derivados” serem “contratos contingentes” (uma das partes renuncia, logo de início, a exercer os direitos que o contrato lhe reconhece, nomeadamente, o direito a ser indemnizada se a parte contrária não tiver interesse em levá-lo por diante) - e a contabilidade jamais se sentiu à vontade com este tipo de contratos: como registar direitos e obrigações que podem não ser reclamados nunca? (Curiosamente, os seguros são o exemplo mais antigo de “contratos contingentes”, mas só há bem pouco a analogia começou a ser aproveitada para efeitos de regulação prudencial).

 

v     Se os “derivados” baralhavam as regras da contabilidade tradicional, confundiam ainda mais Reguladores e Supervisores – e durante todo este tempo, nem direitos, nem obrigações emergentes de “derivados” contaram para os Capitais Próprios mínimos exigidos aos Bancos.

 

v     Nestas condições, negociar em “derivados” era, para os Bancos de Investimento (os operadores mais activos), um verdadeiro maná: proveitos (comissões) à cabeça, sem ser necessário provisionar activos, reconhecer passivos e afectar Capitais Próprios. Um almoço grátis, enfim - até a factura ser apresentada a pagamento sob a forma de créditos impossíveis de cobrar ou dívidas a solver de pronto. Foi o que aconteceu, desencadeada a crise – e não antes.

 

v     Tudo começou nos EUA com a confusão entre Bancos que integram o sistema de pagamentos (os Bancos Comerciais) e Bancos de Investimento (cujos passivos não desempenham funções monetárias). Como todos recebiam o nome “Banco” na pia baptismal do legislador, permitia-se que estes últimos se endividassem junto dos Bancos Comerciais através dos mercados interbancários, dos Fundos de Tesouraria e de outros “veículos de financiamento” - expondo assim o sistema de pagamentos, directamente, aos riscos de mercado. Má regulação, pois.

 

v     E foi com a “política Greenspan” (ao menor sinal de instabilidade, baixa-se a taxa a que o FED cede liquidez) que esta confusão deu para o torto: liquidez a expandir-se aceleradamente e taxas de juro inferiores ao crescimento potencial do PIB empurravam os Bancos de Investimentos (e não só) para estratégias de negócio cada vez mais assentes no endividamento e em mais-valias.

 

v     Endividavam-se por atacado a curto prazo (nos mercados interbancários, etc.) para se exporem em crescendo a riscos de mercado, na busca de ganhos excepcionais que sustentassem os lucros exigidos pela tradição. Má condução da política monetária, está bem de ver. E alguma má regulação, também.

 

v     O golpe seguinte na estabilidade do sistema financeiro veio em 2005, quando o Regulador (a SEC) lhes permitiu que os seus Passivos pudessem ser mais de 30x os seus Capitais Próprios (para os Bancos Comerciais, o FED impunha o limite de 11.5x). Má regulação, de novo.

 

v     Entretanto, a moda de taxas de juro historicamente baixas estendeu-se aos outros países desenvolvidos e não animavam só a esfera real dessas economias. Dificultavam também a vida a Seguradoras, Fundos de Pensões, Fundos de Investimento e aos próprios Bancos, obrigados a proporcionar a accionistas, pensionistas, investidores, um retorno minimamente decente que só seria possível obter correndo mais riscos. E aí estavam os Bancos de Investimento a originar e a distribuir instrumentos de dívida com taxas de retorno generosas. Mas quanto a risco?

 

v     É aqui que as Agências de Rating entram em cena, ao qualificarem de “bom risco de crédito” muitos desses instrumentos que os Bancos de Investimento tinham para oferecer a sistemas financeiros sequiosos de rentabilidades que se vissem.

 

v     Foram elas que viabilizaram a vertente “distribuidor” do modelo “originador/distribuidor” que os Bancos de Investimento vinham adoptando com a alma em hossanas. A vertente “originador”, essa, era financiada com empréstimos de muito curto prazo que teriam de ser renovados sem parar.

 

v     É claro que a confluência da política Clinton (“Todos têm direito a ser proprietários da sua casa”) e de uns organismos com nomes pacholas (FREDDIE MAC, GINNIE MAE, FANNIE MAE) que prestavam garantias aos empréstimos para aquisição de casa própria (e que, dizia-se, gozavam da contra-garantia do Tesouro dos EUA) teve também um papel importante no avolumar da crise.

 

v     Liquidez excessiva + garantias excessivas + bênção política, eis uma equação que em todo o lado conduz invariavelmente a um mesmo resultado certo: bolha especulativa alimentada por uma bolha de dívidas. Surprise! Surprise! Foi precisamente isso que aconteceu.

 

v     Esvaziada a bolha dot.com nas Bolsas (2000/2001), com as economias emergentes na ressaca das crises financeiras dos anos ’90, o mercado hipotecário residencial surgia, assim, como a oportunidade que restava para se obter rentabilidades satisfatórias e, ainda para mais, garantidas. Garantidas pelo contribuinte norte-americano, por intermédio dos tais organismos GSE (Govern Sponsored Entity), e pela convicção inabalável de que uma casa, haja o que houver, nunca perde valor.

 

v     Num ápice, a linha de produção ficou pronta:

(1) a bolha especulativa “fabricava” dívidas;

(2) os Bancos de Investimentos adquiriam essas dívidas por grosso aos credores no terreno (Bancos locais, etc.);

(3) cortavam-nas, retalhavam-nas e cosiam-nas para com elas montarem novos instrumentos de dívida de risco bem medido;

(4) as Agências de Rating aí estavam para certificar que assim era e melhor não havia;

(5) os investidores do mundo inteiro faziam bicha para os comprar.

E saia nova fornada, que há clientes à espera.

 

v     Para compor o ramalhete, os Supervisores, abdicando das suas competências específicas, louvavam-se unicamente nas opiniões das Agências de Rating: se elas afirmavam que determinado instrumento de dívida tinha um risco insignificante, quem eram eles para dizer o contrário?

 

v     Assim, quem por esse mundo fora comandava as exigências em matéria de Capitais Próprios dos Bancos (e, por consequência, a estabilidade dos sistemas financeiros) eram as Agências de Rating - não as Autoridades de Supervisão, criadas, mantidas e pagas justamente para isso. Ontem como hoje.

 

v     De um momento para o outro, vá-se lá saber porquê (diz-se que terá sido o HSBC quando, em fins de 2006, riscou dos seus livros quase USD 10 mil milhões em créditos subprime), os investidores esfumaram-se - e alguns Bancos de Investimento mais atrevidotes (leia-se, mais endividados) não mais puderam pagar a pilha de empréstimos que tinham contraído e esperavam renovar.

 

v     Do incumprimento de uns, poucos, ao clima de dúvida generalizada sobre quem teria o diabrete (os créditos subprime, alcunhados agora de “produtos tóxicos”), foi o tempo de o diabo piscar o olho. Os mercados interbancários secaram, os Fundos de Tesouraria entraram numa espiral de resgates - e os sistemas de pagamentos nacionais ficaram a um passo do colapso total.

 

v     Da desregulamentação de mercados e actividades - apenas vestígios. Da complexidade dos “derivados” - ainda não era chegado o tempo. O que houve, sim, e em abundância, foi política social voluntarista a mais, má política monetária, má regulação prudencial e ainda pior supervisão.

 

v     E nós, por cá? (cont.)

 

Outubro de 2011

 

 A. Palhinha Machado

Curtinhas CIXi

 

É GOSTO DE COMPLICAR! I

 

 

v     Pode crer, Leitor. A matemática que está na origem de muitos instrumentos financeiros, designadamente dos chamados “derivados”, é fascinante, recheada como está de símbolos cabalísticos. “Inebriante” seria, talvez, o termo apropriado – e já revelo porquê.

 

v     Na sua origem, é bem simples:

-            Parte de uma evidência (o futuro é sempre um leque mais ou menos vasto de possibilidades);

-            Reconhece que a cada futuro possível (ou cenário) corresponderá um resultado (nuns casos, favorável; noutros, desfavorável);

-            Imagina que o investidor, colocado perante a incerteza do futuro, quer tomar, ou uma decisão que o leve ao cenário para ele mais favorável (apetência pelo risco), ou uma decisão que o afaste de cenários reconhecidamente desfavoráveis (aversão ao risco).

 

v     O modo mais racional de desbravar este ambiente de incerteza consiste em atribuir a cada cenário uma probabilidade (um número entre 0 e 1, mas tal que a soma de todas as probabilidades atribuídas seja sempre igual a 1). Recorre-se, para tal, à experiência pessoal, à analogia com situações passadas - ou, na falta de melhor, ao palpite.

 

v     Deste modo, quantifica-se a incerteza para torná-la manejável. Como o fazer, porém, fica ao critério de cada um. E que se pode dizer sobre esses critérios? Que uns serão mais plausíveis do que outros, mas não que este esteja certo e aquele errado. Saber o que o futuro reserva, não é para comuns mortais.

 

v     Acontece que a tal matemática inebriante assenta em certas e determinadas maneiras de atribuir probabilidades aos cenários de incerteza a partir de fórmulas acessíveis ao cálculo e com propriedades muito convenientes. Infelizmente, fórmulas destas não andam por aí aos pontapés - e as que há são, em geral, complicadas. Mas daí não virá mal ao mundo.

 

v     Tudo muda, porém, quando se pressupõe que esta ou aquela fórmula particular, mais do que ser plausível (e já sustentar a sua plausibilidade é um bico-de-obra), retrata com fidelidade a incerteza inscrita no futuro. Ora, no preciso instante em que uma fórmula se converte em dogma, a matemática deixa de ser uma maneira de gerar consistentemente probabilidades para ser vista como o verdadeiro modo como o futuro gera a incerteza. E perde-se o tino.

 

v     Foi o que aconteceu (e acontece) nos mercados financeiros, que passaram a girar em torno de “certezas” (as tais fórmulas para atribuir probabilidades aos cenários possíveis) sobre a “incerteza” (o que irá ocorrer no futuro).

 

v     “Certezas” que os académicos defendiam com unhas e dentes, e o restante pessoal adoptava sem pestanejar – reverente e grato porque se embalava no doce engano de decisões que todos consideravam certas à partida. Logo, óptimas por definição. Um alívio, está bem de ver - pois ninguém ignora que sustentar plausibilidades e fundamentar decisões dá uma trabalheira dos diabos.

 

v     Mas não se confunda a matemática inebriante com os “derivados”. Estes são instrumentos financeiros, são contratos. Aquela serve, apenas, para atribuir, com um módico de coerência e razoabilidade, preços (os chamados “preços teóricos”) aos direitos que esses contratos consubstanciam – o que já não é pouco.

 

v     Haverá, assim, para um mesmo leque de cenários futuros, tantos “preços teóricos” quantas as fórmulas utilizadas – o que é dizer, quantas as maneiras de lhes atribuir probabilidades. Felizmente, porque é esta diversidade de “visões” sobre o futuro que cria mercado: uns a comprar, outros a vender.

 

v     Só que – a preferência dos académicos por determinadas fórmulas (uma meia dúzia, se tanto), a convicção de que essas fórmulas representavam fielmente a incerteza relativamente ao futuro, e o prestígio do pensamento universitário (e “nobelizado”) cedo contagiaram os que operavam nos mercados financeiros.

 

v     Não tardou muito para que a maioria “visse o futuro” da mesma maneira e, consequentemente, tomasse como referência nas suas decisões “preços teóricos” muito parecidos. Neste ambiente, o mercado dos “derivados” mais parecia uma pequena embarcação onde os passageiros se empilham, ora num dos bordos, ora no outro, em correria. Tanto balança, tanto balança, que só por sorte não se afunda.

 

v     É certo que os “derivados”, enquanto contratos, são invariavelmente textos densos, por vezes redigidos com frases arrevesadas e que raramente primam pela clareza. Mas, com paciência, consegue-se sempre descodificá-los.

 

v     E descodificá-los significa duas coisas:

(1) caracterizar com rigor os direitos das partes (e, uma vez por outra, tropeça-se em surpresas que os advogados muito apreciam);

(2) quantificar os movimentos de liquidez a que o exercício desses direitos dará lugar (é aqui que entra a tal matemática inebriante que vai calcular “preços teóricos”).

 

v     Mas não foram os “derivados” e a sua matemática superlativa que estiveram na origem da crise financeira que se instalou em 2007 - e que está para durar. Nem são eles tão opacos ao ponto de não deixarem ver os movimentos de liquidez que implicam. Liquidez é, aqui também, a palavra-chave.

 

v     O que terá sido, então? (cont.)

 

Outubro de 2011

 

 A. PALHINHA MACHADO

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