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A bem da Nação

MANIFESTO ANTI-ECOTÓPICO

 

 
 
Uma corrente ideológica domina hoje em Portugal as estratégicas opções energéticas do país: o ecologismo utópico, ou ecotopia!
A ecotopia fantasia um futuro romântico que combina a vida frugal e saudável com a magia tecnológica.
A ecotopia visiona um quotidiano bucólico, cheio de pastos verdes com ovelhinhas "biológicas" e painéis fotovoltaicos nos telhados das casas rurais, acolhedoras e floridas.
 
A ecotopia imagina multidões a deslocarem-se calmamente de bicicleta pelas ruas das cidades coloridas a caminho dos escritórios.
 
A ecotopia devaneia com as paredes das suas futuras casas rurais decoradas com gravuras de torres eólicas em horizontes verdes, muito verdes e soalheiros.
 
Na ecotopia, não haverá engarrafamentos de automóveis, porque a magia tecnológica e a reformatação do homem novo terão abolido a necessidade de deslocações de automóvel.
 
Na ecotopia não haverá doenças, porque "a vida saudável" eliminará a poluição, os pesticidas e os adubos que as causam.
 
A ecotopia tem uma utopia: um mundo ecológico. Verde. Muito verde e feliz.
 
Os ecotópicos querem-nos cobrir os telhados das casas com painéis solares, mesmo que a electricidade daí resultante seja 10 vezes mais cara que a que actualmente pagamos e os painéis deixem de funcionar ao fim de 3 anos.
Para os ecotópicos só haverá energias renováveis: sol, vento e água.
Os ecotópicos querem-nos fazer comprar carros eléctricos para depois os deixarmos em casa a carregar e a descarregar as baterias para estabilizar a energia eléctrica que só haverá quando houver sol, ou vento, ou água nos rios.
Os ecotópicos depois vendem-nos as baterias desses carros eléctricos que teremos de mudar de 3 em 3 anos, mas retomam as baterias velhas para reciclar.
Os ecotópicos vão proibir a circulação de carros nas cidades, pelo menos a quem não possa pagar os altos preços dos parquímetros, por causa das alterações climáticas. Os ecotópicos querem-nos fazer levar os nossos filhos à escola de metro.
Os ecotópicos querem-nos instalar contadores de energia "smart" com tarifas variáveis a cada momento e que estarão sempre mais caras à hora em que precisarmos de ligar a máquina de lavar roupa, ou as luzes do escritório à noite, ou a torradeira de manhã. Para nos encorajar a sermos homens novos.
Os ecotópicos já mandam no Mundo Ocidental e estão a proibir que se estudem outras soluções contra a emissão de CO2, como o nuclear seguro e o carvão limpo.
Os ecotópicos são fortes e conseguiram chegar subrepticiamente ao poder. Surgiram nos anos 80 e têm a sua base principal na Alemanha, mas os herdeiros dos hippies americanos também são ecotópicos.
Todos os dias vários canais da TV nos martelam programas de propaganda ecotópica dizendo-nos que é o que já se faz "lá fora".
Os ecotópicos apresentam-se sempre com propagandistas jovens, para nos fazerem sentir que é com eles que está o futuro.
Os ecotópicos querem fazer de nós homens novos compatíveis com os amanhãs que cantam com que eles sonham.
Para nos mudar, os ecotópicos precisam de nos vigiar.
Os contadores "smart" vão saber tudo sobre os nossos hábitos caseiros de consumo energético.
E os chips que vamos ter nos carros vão permitir saber tudo sobre as nossas deslocações.
O que se vai somar ao que já sabem sobre como, onde e em quê gastamos o nosso dinheiro.
E quem não for ecotópico não terá direito a nada por parte do Governo.
E tudo o que se fizer dependerá da concordância do Governo.
E isso será verdadeiramente o Admirável Mundo Novo, mas em verde!
O Governo é ecotópico e tem nisso a sua melhor bandeira.
A oposição critica o Governo em muitas coisas, mas concorda que ele age bem no que diz respeito "ás energias renováveis e às tecnologias", ou seja, à ecotopia.
Marcelo Rebelo de Sousa elogia no Governo a ecotopia.
O "Compromisso Portugal" elogia no governo a ecotopia.
Até Pacheco Pereira já louvou no Governo a ecotopia.
As empresas também são todas ecotópicas, agora.
(...) 
E de outras razões ecotópicas com que o Governo, ecotopicamente, escolhe a quem distribuir as receitas dos impostos que pagamos.
As Universidades também são todas ecotópicas, agora.
Há dinheiro a rodos para I&D em temas ecotópicos, como as "smart grids".
E há muitas revistas onde publicar temas ecotópicos.
Por isso, não há uma única voz que se erga a questionar a ecotopia.
Mas os ecotópicos não mandam e jamais mandarão na China!
Nem na Índia!
Nem na África!
E haverá sempre quem resista à ecotopia.
Este blog publicará uma série de artigos desmontando a visão ecológica utópica da tecnologia e da energia, nos próximos tempos.
Porque acredito na racionalidade da modernidade e me assumo como adversário do pensamento mágico pós-moderno que suporta a ecotopia.
 In “A Ciência não é neutra” – Prof. Pinto de Sá
http://a-ciencia-nao-e-neutra.blogspot.com/
 
 
 
 

NUCLEAR: YES, WE CAN !

 

 
Se há centrais nucleares espanholas velhas e perigosas junto à fronteira,
porque não havemos de ter das modernas e seguras cá dentro, nossas?
 
 
 
Agora que o petróleo começou a descer e bastante – 25 dólares por barril, em duas semanas, atingindo o valor mais baixo dos últimos três meses - é provável que as opiniões contra a energia nuclear em Portugal não se façam esperar e tentem rapidamente sobrepor-se àquelas que, muito por força das circunstâncias, é verdade, se fizeram ouvir à medida que o recente estado de pré-pânico se foi instalando e dominando o pensamento colectivo.
 
Declaração de interesses: nada tenho a ver com a indústria nuclear, nunca tive. Sobre a energia nuclear, formei a minha opinião há já alguns anos. Transformei-a, depois, numa opinião final, digamos, fechada. No entanto, não dogmática. De resto, há cerca de três anos, quando acompanhava Ribeiro e Castro na condução dos destinos do CDS, tive a possibilidade de revisitar o assunto, confirmar convicções e, até, actualizar argumentos. Com a visão política que hoje, mais do que ontem, muitos lhe reconhecem, Ribeiro e Castro achava que o assunto não poderia deixar de ser debatido em Portugal. Mais: devendo deixar de ser um assunto tabu, era cada vez mais urgente discuti-lo num amplo e sério debate nacional. Fazia parte das matérias que Ribeiro e Castro incluíra no que baptizara de “aprofundamento do pensamento estratégico sobre o país” e que o grupo dirigente do CDS de então adoptou e seguiu. O CDS lançou, portanto, o desafio. Iniciámos o debate no partido e também no Portugal do século XXI. Em Junho de 2005. Agora, só agora, em Julho de 2008, alguns fizeram valer o peso da sua voz para quebrar o tonitruante silêncio que tem envolvido o nuclear, isto é, a produção de energia nuclear em Portugal. Mas foi preciso apanhar o petróleo a jeito!
 
Nós podemos debater seriamente o nuclear; é escusado adiarmos mais esse debate. Nós podemos decidir informadamente sobre o nuclear; já não é cedo para tomarmos essa decisão. Por muito que não o queiramos – e, objectivamente, queremo-lo – vamos continuar a gastar cada vez mais energia. E como nós, haverá cada vez mais povos de cada vez mais países a quererem gastar cada vez mais energia. Porque, na sociedade em que vivemos, energia significa desenvolvimento, progresso, conforto. Significa qualidade de vida. E quanto mais necessitarmos de desenvolvimento ou progresso e conforto quisermos ter, mais energia vamos ter de dispender. É por isso que a solução só pode ser: primeiro, dispor de energia; segundo, dispor de energia barata; terceiro, dispor de energia barata e abundante; e, quarto, dispor de energia barata, abundante e limpa.
 
Perguntar-se-á, então: deveremos apostar tudo no nuclear? Deveremos apostar tudo na produção de energia nuclear em Portugal? Não, claro que não. Não devemos tornar dispensável o que é indispensável – e a verdade é que toda a energia é indispensável. Não, não deveremos apostar tudo no nuclear. Mas, se em Portugal já consumimos energia produzida em centrais nucleares – portanto, virgens não somos – e se em Espanha, e até na sua fronteira com Portugal, há já muitos anos que existem centrais nucleares – e não agimos para que a Espanha as desmantele – porque será, afinal, que não podemos produzir energia nuclear em Portugal?
 
 
 
Lisboa, 1 de Agosto de 2008.
 
Martim Borges de Freitas
 
 

Curtinhas nº 59

 

Com a verdade me enganam
 
v   As voltas que a vida vai dando só agora me permitem concluir a série de comentários sobre a situação que se tem vivido por cá nos preços dos combustíveis rodoviários (vulgo, gasolina e gasóleo).
v   A Autoridade da Concorrência (AdC), entretanto, publicou sobre este assunto dois documentos (um longo Relatório e a Newsletter n.º 19) nos quais é evidente a preocupação de coligir e organizar o máximo da informação disponível, quer sobre o enquadramento legal do negócio de refinação e distribuição de combustíveis em Portugal, quer sobre dados estatísticos domésticos e internacionais. Questão resolvida, ponto final? Nem por sombras.
v   Continuaram, e continuam ainda, sem resposta as perguntas fulcrais no debate que a recente alta de preços veio desencadear. Como se tivesse havido a preocupação de passar de largo, de as contornar, mantendo-as longe da vista através de uma pesada cortina de informações cujo propósito seria desviar as atenções e, em simultâneo, deixar a sensação de que o problema tinha sido exaustivamente tratado.
v   Há, de facto, muito de academismo naqueles documentos, tanto na abordagem descritiva, como na escolha dos indicadores estatísticos – e só ficou a faltar mesmo um ajustamento econométrico e alguma matemática sofisticada para que os cânones da boa tese universitária tivessem ficado totalmente preenchidos.
v   E, afinal, o que havia a esclarecer era bem simples:
(a) Serão os preços CIF Roterdão, adoptados pela GALP, e seguidos pelas restantes distribuidoras, um bom indexante para os preços no mercado interno?;
(b) Sob que condições a actual estrutura do mercado de combustíveis rodoviários será compatível com um ambiente de razoável concorrência?;
(c) Como fazer para que os preços no retalho reflictam com fidelidade, em todas as circunstâncias, as variações registadas pelo indexante escolhido?
v   Não molestou a AdC que o indexante há muito adoptado por todas as distribuidoras (facto que é do conhecimento público) fosse um preço CIF – ou seja, um preço que inclui, além do custo industrial, do custo da armazenagem e da margem de lucro do produtor/vendedor (suficiente para cobrir as perdas esperadas em quebras e incobráveis), também o custo do frete (no caso, frete marítimo) e o prémio do seguro de transporte até ao local de destino (Roterdão).
v   Ora, quando as distribuidoras vendem no mercado interno não têm de suportar o custo do transporte marítimo até Roterdão, nem o respectivo prémio de seguro. Mas, por outra parte, como a AdC claramente descreve, adicionam aos preços CIF Roterdão as despesas com a entrega nos postos retalhistas. O que é dizer: somam dois custos de transporte (e dois prémios de seguro) que não correspondem à movimentação real do produto – e transformam uma dessas parcelas (por acaso a maior delas) em sobre-lucro.
v   O indexante poderia ser o preço do próprio crude numa qualidade de referência, ajustado para a qualidade que a GALP (só esta tem refinarias em território português) habitualmente refina – e, aí sim, CIF Roterdão (por não haver dados publicados, fidedignos e comparáveis, sobre preços CIF Sines, ou CIF Leixões, de crude). Mas, se assim fosse, a GALP estaria a repercutir no consumidor eventuais ineficiências na condução das suas duas refinarias (Sines e Matosinhos).
v   Melhor seria que o indexante fosse construído a partir dos preços ex-works (à saída da refinaria) das gasolinas e do gasóleo em refinarias de referência. Só que esses preços também não são objecto de divulgação. O que mais se aproxima deste indexante ideal é o preço net back – ou seja, o preço CIF Roterdão, ao qual teria de se deduzir: o custo do frete marítimo Sines/Roterdão e o correspondente prémio do seguro de transporte marítimo.
v   Estranhamente, passou despercebido à AdC que são frequentes os swaps de produto no mercado do petróleo e derivados. Num swap quem fornece de facto não é quem factura – e, assim, todos os produtores intervenientes poupam custos de logística.
v   Por isso, em Portugal, a quota da GALP nas quantidades de combustíveis rodoviários (sobretudo, a gasolina) consumidas é superior àquela que resulta das estatísticas de vendas (facto a que a AdC não prestou a menor atenção). Isto significa que só estão abertas à concorrência as componentes “lucro bruto na distribuição ao retalho” e “lucro bruto do retalhista” – ou seja, nem 20% do preço final antes de impostos. Seria grande ingenuidade esperar que a concorrência em campo tão estreito fosse visível nos preços finais – mas a AdC parece acreditar que sim.
v   Num mercado com tal estrutura, como é possível evitar que se formem cartéis de facto, com um líder – e todos os restantes fiéis e satisfeitos seguidores? Simples: contratualizando a regra de formação de preços.
v   Cada distribuidora será, então, livre de escolher a regra que melhor lhe pareça, desde que essa regra satisfaça os seguintes dois requisitos:
(a) O indexante ser pertinente – isto é, ter a ver com os mercados internacionais do crude e dos seus derivados;
(b) A regra ser simétrica – para variações do indexante iguais em valor absoluto, mas de sinal contrário, as correspondentes variações no preço de um qualquer dos combustíveis rodoviários são também iguais em valor absoluto, embora com o sinal trocado.
v   Com esta regra, vigiar em tempo real (e, não, com meses de atraso, como hoje acontece) pelo efectivo primado da concorrência que aproveite ao consumidor estará ao alcance de qualquer um. Não ocorreu à AdC. Fica para a próxima. (FIM)
Lisboa, Agosto de 2008
A. PALHINHA MACHADO

O preço do biocombustível

 
 
 
 
 
 Acordei com a sensação desagradável de boca seca e narinas ardendo. Fui à janela, no ar parado um cheiro de queimada. Cobria o chão da varanda de minha casa uma fuligem preta de palha de cana incinerada. O noticiário avisava:
-Nas estradas uma névoa seca, espessa de fumaça, prejudicava a visibilidade.
Ao chegar da fazenda, passando pela minha casa, meu genro dá-nos a notícia que no canavial um dos empregados foi picado por uma cobra, e precisou ser levado para o hospital. Felizmente passava bem, o bote foi de raspão, não o feriu gravemente. Apesar de saber da importância histórica e econômica dessa planta para nós, confesso , tive vontade de praguejar contra aqueles que a  trouxeram  para o Triangulo.  
 
O cerrado mineiro tem verões chuvosos e quentes, e invernos secos e pouco frios,  clima ideal para esse tipo de cultura, agora transformada, pela política do governo, como a" salvação da pátria”. Com a possibilidade não muito distante do esvaziamento dos recursos energéticos fósseis, querem os políticos do país, através de planos estratégicos, transformar a velha cana colonial, matéria prima do nosso álcool combustível, no produto brasileiro da vez.
Embora o governo diga que não, pelo menos na nossa região, muitos agricultores trocaram boa parte da área plantada com soja, milho e feijão pela cana. O motivo é o estimulo financeiro dado aos produtores para que se tenha mais álcool, combustível mais barato e que pode ser utilizado também nos carros mais novos, os que bebem os dois tipos de combustível (gasolina e álcool), os FLEX.
 
Depois que o álcool derivado da cana passou a ser empregado, através do domínio de novas tecnologias, em áreas criticas e essenciais como no transporte, o Brasil levantou a bandeira:
É um produto renovável, “quase limpo", que tem pouco impacto ecológico sobre o meio ambiente, que poderá transformar o país numa espécie de Arábia Saudita Verde do novo milênio. Mas nem todos aceitam essa possibilidade. Os Estados Unidos gritam:
-. Estão prejudicando a produção de alimentos, contribuindo com a fome crescente do mundo, ´”esquecendo” do biocombustivel que tiram do milho. A Europa alerta;
 -Com a crescente área plantada a  Amazônia está ameaçada, “esquecendo” que após a exploração da madeira em florestas primárias, ao longo de séculos,  tem as menores áreas verdes de reserva nativa do mundo. O Oriente Médio “ se preocupa” com a falta de petróleo,  e o rei saudita declara, para o alivio geral, que seu país vai aumentar a produção diária  de cru e que parte do dinheiro arrecadado será repassado para os países mais pobres, imaginem,  para que apliquem em tecnologia!
 
Enquanto o mundo se debate entre a possibilidade da exaustão dos recursos fósseis não renováveis, e o desenvolvimento de outras fontes alternativas de energia, de preferência menos poluentes, aqui no Cerrado Mineiro, a gente  já está pagando pela produção renovável e "quase limpa” do biocombustível.
 
Maria Eduarda  Fagundes
Uberaba, 25/04/08

 

Curtinhas nº 53

 

É pagar e rezar - II
v    Desde há anos que o terreno nos mercados do crude (o mercado à vista e os mercados a prazo) está coberto de restolho. Restolho que alguns Bancos Centrais (com o FED à cabeça) têm vindo a aspergir com o material mais ígneo que se conhece: a liquidez.
v    Mas foram os capitais que não cessam de afluir ao mercado, e a pressão cada vez maior sobre os investidores institucionais para que apresentem taxas de retorno decentes, a chama que pôs tudo aquilo a arder. Uma fogueira que arderá até consumir liquidez, capitais e poder de compra.
v    Para perceber o que se passa por cá, é conveniente conhecer um pouco da economia do petróleo. Quatro tópicos bastam:
v    A refinação do crude é um processo de co-produção de onde saem, inevitavelmente, como que de braço dado, “voláteis” (etano, propano, etc.), “naftas” (gasolinas, etc.) e “pesados” (gasóleo, thick fuel, asfaltos) – e, por vezes, um sub-produto residual (o coque de petróleo);
v    O tipo de crude determina o peso relativo dos co-produtos no refinado (peso relativo esse que se designa por “composição do barril”);
v    Não é frequente as refinarias, principalmente as mais antigas, poderem processar todos os tipos de crude disponíveis no mercado (por exemplo, a refinaria de Sines, nos seus primórdios, não podia refinar o crude de Cabinda, por ser demasiado “pesado” - o que diz bem da qualidade dos nossos planeadores encartados);
v    Enfim, a gestão de uma refinaria pode fazer variar o peso relativo dos seus co-produtos, mas sempre dentro de limites particularmente estreitos – limites esses completamente determinados pela composição do barril que estiver a ser refinado e pelas características técnicas dos equipamentos existentes.
v    E cá vai mais uma das nossas muitas singularidades. A gestão das refinarias portuguesas há muito que tem de atender ainda a uma terceira condicionante: a política fiscal.
v    O paradoxo arrepia, mas ninguém parece preocupado: (1) no mercado internacional, o gasóleo, por ser mais escasso, é mais caro do que as gasolinas; (2) nós, porém, importamos gasóleo e exportamos gasolinas, não porque a capacidade de refinação instalada seja insuficiente, mas porque não existe tancagem que dê para armazenar as gasolinas co-produzidas, que o mercado interno não absorve e que o mercado externo, aliás, paga mal; (3) o mercado interno prefere o gasóleo à gasolina porque esta, cá dentro, é tradicionalmente mais cara; (4) e é mais cara, não porque custe comparativamente mais produzi-la (na realidade, até custa menos), mas porque suporta uma carga fiscal superior à do gasóleo. Nisto estamos.
v    No tempo dos combustíveis tabelados, o preço de referência do crude para refinação era obtido através de uma fórmula em que uma das parcelas reflectia o custo do transporte por mar. Que todo o crude provinha do Golfo Pérsico pressupunha a fórmula – e era com base no custo do frete Golfo Pérsico/Roterdão que as contas se faziam.
v    Só que – o grosso das importações de crude não vinha de tão longe, nem fazia tão longa viagem. Como é bem de ver, nem a fórmula, nem os preços tabelados se preocuparam alguma vez com semelhantes detalhes.
v    Vemos assim que a manipulação mais grosseira de todas as parcelas que formam o preço final dos combustíveis tem, entre nós, direitos adquiridos. E que um dos dedos mais manipuladores e atrevidos é justamente o do Fisco.
v    A gasolina que se consome hoje em Portugal é, na sua maior parte (uns 90%), produzida e fornecida pela GALP, que abastece, quer a rede de retalho própria (diz-se “sob embandeiramento próprio”), quer os restantes distribuidores. Estes, por sua vez, colocam-na nos postos que têm sob o seu embandeiramento.
v    Apesar de, em determinadas épocas do ano, o preço das gasolinas no mercado internacional alinhar pelos custos varáveis de produção, os distribuidores (não a GALP, obviamente) não aproveitam desse facto por quatro ordens de razões: (1) não existe, por cá, tancagem livre suficiente; (2) o mercado potencial de cada distribuidor, na presença da GALP, não justifica o investimento em tancagem própria; (3) a dimensão do mercado interno, com a estrutura actual, também não justifica que eles se ponham de acordo para investir num parque de tanques comum; (4) tente o Leitor, julgando ver nestes distribuidores apetecíveis clientes “naturais”, explorar o negócio da tancagem logística de combustíveis.
v    E com o gasóleo é igual, apesar de a componente importada ser um pouco maior.
v    Só um legislador em delírio é que poderia acreditar que de uma tal estrutura de mercado brotasse um ambiente de concorrência exemplar. Quando, para todos os efeitos, existe um só fornecedor, a cartelização é uma fatalidade, não uma tramóia.
v    Tradicionalmente, as refinarias formam os preços dos refinados tendo por base o preço de reposição dos seus stocks de crude – e daí não virá mal ao mundo. A concorrência nos mercados dos refinados estabelece-se, então, em torno: (1) da composição do barril que cada refinaria processar; (2) das condições técnicas de refinação; (3) do maior ou menor acerto no peso relativo de cada co-produto; e (4) do maior ou menor controlo sobre os custos (aprovisionamento, produção e logística).
v    Variáveis bastantes para gerar um clima de sã - mais do que sã, aguerrida concorrência nos mercado mundiais do crude (e dos refinados) e para fazer surgir mercados financeiros eficientes, onde são transaccionados activamente instrumentos que têm subjacente o crude (e vários dos seus refinados).
v    Visto tudo isto, creia-me Leitor que no meio do bruá-á que por aí vai, só duas questões merecem ser debatidas:
v    Como assegurar a transparência dos preços finais num mercado pequeno e com um só fornecedor (as importações são marginais)?
v    Como vigiar para que a regra do preço de reposição seja escrupulosamente cumprida em todas as circunstâncias – e não apenas quando convém a esse fornecedor?
v    O mais é só fumaça...Erre-se numa qualquer, numa só destas duas questões (e eu aposto que vem aí uma das tais respostas astuciosas que deixam tudo na mesma) e só em Eça encontraremos refúgio e consolo:
O povo paga e reza. Paga aos que o exploram e reza aos que o enganam.
Lisboa, Maio de 2008
A. PALHINHA MACHADO

Curtinhas nº 52

 

 
É pagar e rezar - i
v    O povo barafusta porque os preços da gasolina e do gasóleo não param de subir.
v    Os transportadores barafustam porque não conseguem repercutir nas tarifas que praticam os aumentos no preço dos combustíveis que têm vindo a suportar.
v    Os retalhistas barafustam porque uma fatia cada vez maior da revenda de combustíveis líquidos está a ser perdida para Espanha.
v    A GALP, acusada não se sabe muito bem de quê, sente-se injustiçada – e barafusta também.
v    Os restantes distribuidores não barafustam, encolhem os ombros - e murmuram umas coisas vagas.
v    O Governo, esse, medita - dividido entre dois sentimentos contraditórios: mais receita fiscal que acabará por arrastar mais despesa pública, como ele bem sabe.
v    Por onde andará a racionalidade de tudo isto? Andará, se bem vejo, por causas remotas e por causas próximas, tanto externas como muito nossas. Vejamos quais.
v    Externamente, à oferta de crude vinha a apetecer-lhe, de há uns tempos a esta parte, umas subidas de preços. Não eram só os países exportadores a queixarem-se de que já tinham conhecido melhores dias. Nem os fabricantes de equipamentos para a fileira do petróleo a deitarem contas à vida porque os investimentos por essas bandas andavam meio parados.
v    Eram também as grandes petrolíferas ocidentais que tinham sido apanhadas numas pequenas falcatruas contabilisticas: distraídas, continuaram a registar nos seus Balanços jazidas de crude (e gás natural) que não era rentável explorar aos preços de então - e isso violava gravemente normas em vigor nas Bolsas onde estavam cotadas.
v    Ora, a subida do preço do crude viria mesmo a calhar: (1) permitir-lhes-ia contabilizar como reservas conhecidas jazidas até então mantidas fora do Balanço; (2) reforçaria as respectivas estruturas financeiras, um pouco depauperadas com os ajustamentos contabilísticos que lhes tinham sido impostos; e (3) dispensaria boa parte dos aumentos de capital que as autoridades de supervisão não cessavam de lhes exigir.
v    Enfim, a guerra do Iraque teria de ser paga – e lá só há crude por onde pagar. Quanto mais elevado estivesse o preço do crude, mais depressa a guerra ficaria paga (ou o custo de mantê-la ficaria amortizado), sem deixar nos iraquianos a sensação desagradável de estarem a ser espoliados.
v    Em data mais recente, o anúncio, um tanto exagerado, mas habilmente esgrimido, de que estavam à porta mil e trezentos milhões de chineses e quase outro tanto de indianos a exigirem o seu quinhão de crude e prontos a consumirem-no como norte-americanos, fez o resto. E o resto foi criar nas economias desenvolvidas uma paranóia de escassez.
v    O golpe decisivo veio, porém, dos investidores institucionais. Escaldados no mercado das acções (a “bolha” dot.com), escaldados no mercado imobiliário (a crise dos créditos hipotecários subprime e não só), restava-lhes os mercados das commodities, suficientemente líquidos e bem organizados, para cuidarem das suas vidas - antes de se lançarem de cabeça no jogo suicida da especulação cambial.
v    E que melhor commodity para especular (isto é, para correr riscos elevados na expectativa de ganhos ainda mais elevados) do que aquela que faz girar a economia mundial, cujo mercado vivia em equilíbrio algo instável, em que a oferta anunciava vezes sem conta que não conseguiria responder de imediato a eventuais acréscimos da procura e onde começava a instalar-se um sentimento de escassez?
v    A tentação dos investidores puros e duros era irresistível: (1) tirar partido da lógica dos contratos “de futuros” sobre crude, onde é possível fazer e desfazer posições (quer compradoras, quer vendedoras) a qualquer momento; (2) aceder a ganhos fortemente alavancados; e (3) constituir com dinheiro emprestado as contas margens que são necessárias para operar nos mercados “de futuros” pagando as taxas de juro extremamente baixas que a política monetária do FED tem vindo a praticar com desvelo.
v    Para se fazer uma ideia do esquema: uma posição de USD 100 no mercado “de futuros” exige uma margem inicial de não mais que USD 6; se esta margem inicial for totalmente financiada em USD, como é usual, o custo efectivo de a manter durante seis meses será de 6x3%x6meses/12meses = 0.09 (9 cêntimos); uma variação favorável de 10% no valor da posição (o preço do activo subjacente) corresponderá a um proveito bruto de USD 10 com um custo de 9 cêntimos - ou seja, um lucro limpo de 11000%, só em 6 meses!
v    Quem voltaria as costas a uma oportunidade destas, quando o sentimento do mercado era que o preço do crude, daí em diante, só poderia subir? Mas, acima de tudo, quando não se avistavam alternativas de investimento credíveis no horizonte?
v    O sentimento, algo manipulado, de escassez; a liquidez no sistema financeiro internacional, que a há em abundância; a sobreliquidez de muitos investidores internacionais, designadamente dos Fundos de Pensões; e a ineficiência dinâmica nos mercados financeiros denominados em USD - levaram o mundo ao ponto em que nos encontramos hoje. (cont.)
Lisboa, Maio de 2008
A. PALHINHA MACHADO
 

ALERTA PETROLÍFERO

 

 

 

 

A propósito de um pedido de boicote à Galp e à BP que circula na Internet, peço aos leitores residentes em Portugal que meditem no seguinte.

 

 

Essa é a estratégia das petrolíferas espanholas para combaterem a Galp em Portugal. A BP está lá só para disfarçar assim como a origem francesa da mensagem. A especulação com os preços é mundial e se fizermos isso só em Portugal, estaremos apenas a dar um tiro nos nossos próprios pés, não resolveremos nada a nível global e só daremos espaço aos espanhóis no nosso mercado, o português. Os espanhóis não toleram a soberania política portuguesa e estão agora a combater o que nos resta de soberania económica. Esta é uma estratégia claramente contrária ao interesse nacional. Espoliado por espoliado prefiro sê-lo por portugueses do que por estrangeiros.

 

Temos que procurar outra forma de actuação. Creio que vai ser necessário levar os 27 Governos da UE a tabelarem os preços de venda ao público de todos os combustíveis derivados do petróleo e do gás natural. Acredito que desse modo se possa mexer na manipulação global; Portugal, isolado, não faz absolutamente nada.

Mas é necessária uma pressão política forte e conjugada porque os Governos - todos os Governos, a nível mundial - são claramente coniventes nesta manipulação pois os lucros das petrolíferas têm crescido desmesuradamente e os IRC's também!

 

Portanto, peço grande ponderação nesta atitude. Pelo meu lado, não alinho e mesmo quando vou a Espanha de carro só me abasteço na Galp. Note-se que não sou accionista nem funcionário da PETROGAL. Sou apenas português, vítima da manipulação global dos preços dos combustíveis e dos cereais… até ver.

 

Mas se avançarem mesmo assim para o boicote, façam-no também às petrolíferas espanholas.

 

Se estragarem este Portugal ninguém nos dá outro.

 

Henrique Salles da Fonseca

 

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