O que é verdade para os produtos da terra aplica-se «ipsis verbis» aos do mar com o acréscimo da mudança do absurdo leilão descendente para ascendente a fim de instalar a concorrência dentro da procura em lota e dificultar o cambão. Neste mercado, há que instituir a «Bolsa de Congelados» para, nomeadamente, evitar a sobrepesca…
… e cá estamos nós nos excessos que referi no final do texto anterior.
Sobrepesca nas épocas de afundamento dos preços unitários com vista a sustentar as receitas globais, o mesmo se dizendo de outras unidades de produção cujos custos fixos globais têm que ser cobertos sob pena de colapso financeiro.
O excesso oposto é castigador da procura imediata (grossista) e da procura final, o consumidor.
Os preços sobem e descem por diversas razões como todos sabemos e eu já referi ao longo dos textos anteriores, mas cujas causas agrupo em dois áreas: as naturais que se traduzem nas variações sazonais e as artificiais que provocam a aceleração do ritmo e das amplitudes naturais. As naturais são isso mesmo, naturais; as artificiais (sobretudo as «fake news») devem ser contrariadas. Devemos louvar a especulação bolsista, devemos combater a manipulação dos mercados. Não podemos deixar-nos guiar por uma «mão invisível» ou um «big brother» nem sempre benignos, temos que dispor de instrumentos dissipadores dos excessos.
Eis porque é fundamental deixarmos preços formarem-se livremente no confronto transparente da oferta e da procura, deixando-os evoluir de modo a não defraudar as espectativas da saudável especulação bolsista, mas devemos poder contar com importantes operadores, com suficiente capacidade de intervenção – compra na baixa (tentando suster a descida para além de um determinado limite a baixo de um preço historicamente médio), armazenagem e venda nas altas (tentando suster as subidas para além de um certo nível a cima do tal valor historicamente médio).
Eis, em matéria de preços, a «ténue» diferença entre o liberalismo puro e a democracia-cristã.
Xipamanine era uma praça na periferia urbana de Lourenço Marques. Era ali a fronteira entre a cidade de cimento e o caniço, teria sido um mercado municipal, mas os autarcas devem ter percebido que era mais importante dar largas à economia informal do que espartilhá-la em ridículas, entorpecedoras e quiçá revoltantes licenças e taxas de importância nula na tesouraria municipal. Desde toda a variedade de produtos oriundos das maxambas (hortas) circundantes da cidade às especiarias de paladares e aromas exóticos ali trazidos pelos indianos que também vendiam linha de coser a metro e negociavam em câmbios, aquele era o local que todos tínhamos de visitar se queríamos começar a conhecer Moçambique. Não me lembro de ouvir referências a problemas de segurança: na generalidade, o moçambicano é civilizado.
Em Xipamanine reinava a economia informal, aquela não era uma «feira da ladra» nem «Roque Santeiro»onde girassam produtos roubados. Ali, sim, vigoravam os preços verdadeiros, formados sem taxas ou subsídios nem influenciados por «fake news». Mas, como na generalidade dos mercados primitivos, quem tudo definia era a oferta e, mesmo assim, sem orquestração.
Era assim até há 50 anos. Espero que assim continue porque a cidade de Maputo tem tido à sua frente esse verdadeiro sábio que é Eneias Dias Comiche, economista que honra a Universidade do Porto.
Na sua rude dimensão física, a confusão quântica dos mercados primitivos é sinónima de caos e, contudo, foi a partir deles que emergiu a economia livre, ou seja, aquela em que livremente se encontram a oferta e a procura. E aí está ela, a grande diferença entre o primitivismo e a modernidade, a transparência no método de formação dos preços.
Diz-se que um mercado é transparente quando nele se confrontam a oferta e a procura em total liberdade, os agentes actuam sob anonimato e todos os lances são do conhecimento púbico.
A nossa antiquíssima tradição mercantil levou-nos ao baptismo dos dias da semana com a numeração das feiras que, no entanto, se fossilizaram sob o mando da procura com total desprezo pela oferta. Creio que é nesta realidade que assenta parte substancial da inércia secular ao nosso desenvolvimento.
Em 2022, o PIB a preços constantes teve uma variação positiva de 6,7% e a inflação foi de 7,8% pelo que o PIB a preços variáveis cresceu 14,5%
Dá para podermos imaginar o que poderia ter sido o crescimento…
… se não tivéssemos ainda uma vergonhosa taxa de analfabetismo de 3,1% e se TODA a população em idade activa tivesse, pelo menos, o ensino obrigatório;
… se os nossos mercados fossem transparentes com os preços a resultarem do confronto anónimo entre a oferta e a procura em vez de estarem condicionados por um oligopsónio (nomeadamente nos agrícolas e agrícolas transformados) nem a distorções institucionais (pescas);
… se a iniciativa empresarial não fosse encarada com desconfiança e amiúde alcunhada de ganância nem os lucros
… tivessem sido inculcados como diabólicos nas mentes populares;
… se as condicionantes legais e burocráticas à iniciativa privada não fossem tantas;
… se a carga fiscal não fosse asfixiante;
… se, como informa a comunicação social, não houvesse tanta «volatilidade» na gestão da «coisa» pública…
«HOC TEMPUS VINDICTA» que é como vulgarmente se diz «esta é a hora da vingança».
Vingança de quem contra quem?
De quem, já lá vamos, mas seguramente contra Mário Draghi e os «seus» juros negativos, da política desculpadora dos países sulistas, os perdulários, em desfavor dos nortistas, os frugais, do apadrinhamento dos devedores da banca em desfavor dos credores, os titulares dos capitais.
Por palavras maledicentes, esta é a hora da vingança dos aforradores de direita contra a demagogia protectora dos «coitadinhos», os consumidores. Pior dizendo… não digo; da mão invisível do «big brother» contra o «peão da brega». A Porta de Brandemburgo contra a Praça Sintagma.
Tudo o resto vem por acaso e muito a despropósito.
E o que é esse resto?
É «só» o Putin e os seus complexos imperialistas, a destruição física do maior fornecedor de cereais à Europa (obrigando-nos a virarmo-nos para Marrocos e para a imprescindível irrigação do Sahara), a busca de fontes energéticas alternativas (não nos esqueçamos de que não foi por falta de pedras que acabou a Idade da Pedra), a tomada (finalmente!) de consciência de que o «colonialismo XX» eufemisticamente chamado «globalização» estava a mostrar-se mais inconveniente do que proveitoso – feitiço vs feiticeiro.
Tudo, ao mesmo tempo, dá esta confusão em que nos encontramos:
Os juros só deixarão de subir quando a remuneração líquida dos capitais fôr confortavelmente positiva;
A «fronteira» dos US$ 70,00/barril de petróleo sendo confirmada como aquela a baixo da qual há um determinado número de poços exploráveis (definindo um nível determinado de oferta mundial) e acima da qual a viabilização da exploração sobe para quase o dobro do número de poços (aumentando significativamente a oferta mundial e puxando a cotação de novo para baixo), até que consolidemos a substituição dos fornecimentos russos ou os «petroleiros» russos substituam Putin;
Algo não muito diferente para o gás natural com os nossos amigos moçambicanos prestes a entrar na oferta mundial.
Concluindo, estamos sujeitos a uma vaga de aumento de preços (vulgar e erradamente chamada inflação) com duas origens – interna e externa – e duas causas fundamentais: 1) A necessidade de repor a remuneração líquida positiva dos capitais; 2) A especulação desenfreada que se mede pela chamada «inflação subjacente» que é a que nada tem a ver com as questões acima referidas e que em Portugal ascendeu a mais de 7% neste final de Outubro de 2022 calculada sobre o período homólogo - esta, sim, a merecer atenção no curto prazo pois que mais não é do que a vingança dos mercados opacos sobre o consumidor inocente e indefeso.
O presente escrito vem na sequência dos dois anteriores acima Identificados e respectivos comentários mas com uma anotação fundamental: aqueles foram escritos e comentados numa época em que não sabíamos que a pandemia estava a chegar e o presente é escrito depois de muitos milhares de mortos e antes de se dispor de uma vacina comprovadamente eficaz. Ou seja, num período em que o mundo está todo desorientado – tanto como os nossos antepassados medievais com a peste negra e os nossos avós com a tuberculose. Pouco melhor do que o empirismo e com alguma religiosidade a despontar em círculos de desespero. Como nos tempos de antanho, anteriores aos antibióticos, aos antinflamatórios e aos antipiréticos.
Às escuras científicas, dentre as medidas mais eficazes, ressalta o confinamento e o dilema que se coloca é precisamente entre esse confinamento das populações (o que significa o colapso económico) e a reabertura económica que passa pelo desconfinamento acarretando, por si só, (e antes da descoberta de um tratamento eficaz da virose e de uma vacina), um dramático recrudescimento da virose com fatalidades imprevisíveis.
Não tenho um mínimo de conhecimentos que me permita especular sobre a eventualidade de a vacina contra o Covid 19 chegar às prateleiras das farmácias já esse vírus desaparecido e, em sua substituição, estarmos a contas com um qualquer sucessor ao estilo de Covid 20, 21,…
Num condicionalismo deste género, creio fundamental rever a oportunidade de mantermos certos objetivos de equilíbrio orçamental e de atribuição da maior prioridade à redução do stock da dívida pública. Estes, os critérios que eu sempre mantinha no meu consciente como prevenção de insuportável serviço da dívida na qualidade de vida de todos nós, cidadãos.
E assim renasce a questão da coesão europeia com os frugais a quererem o regresso a uma política monetária protectora dos credores (da poupança) e os perdulários a quererem a manutenção da política deixada por Draghi dos juros baixos (negativos, de prteferência) e da prática das quantitative easings por parte do BCE.
Sabidos que são os argumentos de parte a parte (ver textos anteriores), dou por mim a dizer o que antes da pandemia tinha por certo nunca dizer: que não nos podemos agora preocupar com défices orçamentais nem com o nível do stock da dívida pública.
E digo mais: quem tenha fé, reze a todos os santinhos para que o BCE não mude de política até que uma vacina eficaz chegue às prateleiras das farmácias portuguesas.
Para já, em tempo de guerra, não estamos numa de limpar armas mas, logo que apareça a vacina, será tempo de travar a fundo o desequilíbrio a que, entretanto, tenhamos chegado nas contas púlicas de modo a retomarmos o caminho interrompido de saldos primários positivos e, de seguida, encaixarmos o serviço da dívida com alguma tranquilidade.
Antes que a mostarda chegue ao nariz de Lagarde fazendo com que o nosso leão perca a juba e nós fiquemos sem anéis e sem dedos.
A sequência é mais longa do que o título pois, mesmo num esquema super-simplificado, começa em receitas e despesas cujo saldo, sendo positivo, gera poupanças e é destas que saem os investimentos. E são os investimentos que geram novas receitas e assim sucessivamente num acumular de poupanças e investimentos…[i]
Quando a série é truncada pelos impostos, a acumulação de riqueza, de poupanças e de investimentos é directamente reduzida e a pergunta que fica é a de saber se o uso público dessas reduções é mais proveitoso para o conjunto da sociedade do que a hipótese de a série cumulativa de riqueza se manter intocada.
A resposta nunca será dada com rigor matemático pois é hoje para nós óbvio que as funções de soberania, nomeadamente as Forças Armadas, têm que ser financiadas e elas são improdutivas no sentido da acumulação de riqueza na série com que abro este escrito[ii].
A imprescindibilidade dos gastos públicos financiados pelos impostos é, contudo, discutível e também aí se deveria situar a fronteira entre os vários Partidos. Rareiam as discussões políticas em torno dos custos de contexto, da análise comparativa dos benefícios sociais (globais, claro!) entre a gestão pública e a privada na Instrução (educação é a família que a ministra, não a escola) e na Saúde, os dois sectores de gestão mais sovietizada que por cá temos.
Os temas têm muito de discutível e não colhe a atitude de pré-vencidos dos Partidos que se renderam à derrota eleitoral a qual, eventualmente, resultou de não terem anunciado propostas inovadoras nestes e noutros tópicos que agora não me ocorrem. Os vencidos deixaram-se conduzir para temas que não os distinguiam dos que ganharam e sofreram as consequências que as urnas lhes ditaram por falta de imaginação ou por concordarem com o statu quo que o seu eleitorado tradicional queria ver modificado.
Não faltará numa putativa discussão desta temática quem se assanhe nas políticas de redistribuição da riqueza e na protecção dos mais desfavorecidos mas certamente também haverá quem considere importante não se continuar a hostilizar os que criam essa riqueza, os que criam postos de trabalho, ou seja, os que financiam todos os custos públicos.
É hora de falar de ideias, não mais de factos e muito menos de pessoas.
Novembro de 2019
Henrique Salles da Fonseca
[i] - Os comunistas, ao combaterem o lucro, impediram a constituição de poupanças e disponibilidades para investimentos donde resultou a «glória» de Novembro de 1989
[ii] - Há, como é sabido, modos de redução da dita truncagem mas a chamada «indústria de guerra» só pode ser lucrativa por via do comércio internacional, não na dimensão doméstica. Se os lucros gerados pelas exportações de material de guerra superarem os custos internos dessa função de soberania, a minha conjectura negativa deixa de fazer sentido.
Austeridade é a imposição de condicionantes ao esbanjamento de dinheiros públicos com que tradicionalmente os Governos compram os votos dos eleitores para se eternizarem no Poder.
A austeridade é, portanto, uma política virtuosa.
Mas há mais: a moral nórdica assenta no princípio do dever (a famosa ética kantiana) a favor do bem comum pela dedicação ao trabalho (a que os madraços chamam «alienação»). Nada disto tem a ver com as «carnavaladas» sulistas; tudo isto tem a ver com a orientação genérica dos países que mais contribuem para o Orçamento Comunitário.
E agora os «carnavalistas» refulgiram em congressos e convenções esquerdistas com a perspectiva do dinheiro a rodos vindo do BCE esquecendo-se (propositadamente?) de que Frankfurt intervirá APENAS a nível dos mercados secundários. Ou seja, esses rios de dinheiro que aí vêm destinam-se a financiar a banca e não os Governos.
E agora entra outro problema: haverá em Portugal projectos aprováveis em número suficiente para corresponderem à benesse do BCE? É claro que me refiro a projectos enquadráveis no novo modelo de desenvolvimento (produtivo de bens e serviços transaccionáveis), não no «modelo» que nos atirou para a ruina baseado nessa falácia do consumo como motor do desenvolvimento.
Mas 2019 é ano de eleições legislativas e, portanto, será ano de facilitações o que, em economia política, significa demagogia.
Como compatibilizar a demagogia financiada por dinheiros públicos com a falta de verbas comunitárias? Muito simplesmente, recorrendo à doutrina de Mazarino, sobrecarregando a classe média com mais impostos, os directos.
O que diz o OE19? Não me interessa pois a única coisa que sei é que só dirá mentiras e que o Carnaval de Fevereiro ou será amargo ou nem sequer será.
A caminho que estamos de mais uma situação de insolvência, ocorre tentar encontrar solução para um problema que considero verdadeiramente bicudo: as medidas estruturais necessárias são impopulares e, portanto, como pedir ao povo que vote em quem o vai zurzir?
O projecto empresarial traduz-se em planos e estes em orçamentos habitualmente submetidos a análises periódicas de desvios como o modo de que as Administrações se servem para correcção de estratégias, de apreciação da qualidade das decisões tomadas, de reformulação de produtos e serviços, de desempenho dos recursos humanos, etc; é das normas que parte substancial desta informação seja regularmente submetida à apreciação e votação em Assembleia Geral de accionistas cuja representatividade é periodicamente registada. Nos Estados fazem-se os Planos (em Portugal chamamos-lhes as GOP’s – Grandes Opções do Plano) que se traduzem no Orçamento do Estado, à Administração corresponde o Governo, a Assembleia Geral tem o seu paralelo no Parlamento, aos accionistas correspondem os eleitores cujos representantes em Assembleia Geral são os deputados.
Mas a dinâmica empresarial é sempre diferente da de um Estado e os parâmetros em jogo também são diferentes. O que é válido para uma dimensão pode não ter nada a ver com a outra e, se a estrutura empresarial é criada de acordo com um projecto e quantificada em conformidade, já a mesma exactidão não se consegue alcançar com a economia de um país. E a primeira constatação que podemos empiricamente fazer é a de que a economia de um Estado não é apenas a que corresponde à soma das economias das empresas nele localizadas uma vez que há muitos outros factores que não são facilmente quantificáveis e cuja dinâmica não é controlada ou sequer controlável.
As constantes tentativas de parametrização das variáveis em jogo numa economia são tarefa da Econometria. Assim se tenta matematizar um modelo que represente a economia de um país ou de uma região de modo a que se possa imaginar o que sucederá ao conjunto se se mexer numa certa variável. Que consequências ocorrerão no PIB se o Investimento aumentar? Tratamos do investimento público ou deixamos o privado avançar? O que sucederá às importações se o consumo privado crescer? Que efeitos terão as variações no PIB sobre as receitas do Estado?
Estas questões são importantes para os Governos mas também o são para as empresas para quem não é indiferente saber se vai haver uma forte variação do PIB, se o investimento público vai regredir, se há possibilidades de o consumo privado crescer. Tudo isto é importante para as estratégias empresariais, tudo isto tem a ver com todos nós, públicos e privados, vivendo dos rendimentos ou do trabalho por conta de outrem, activos e reformados, estudantes ou professores.
É devido a esta reconhecida importância que os Governos se apresentam regularmente a dizer o que vai suceder no futuro de curto e médio prazos. Para além dos Governos temos também a OCDE, o FMI, a Comissão Europeia e os Bancos Centrais, todos a augurarem o futuro com base nos tais modelos econométricos que pacientemente vão construindo e com base também nas mudanças que cada um considera prováveis em determinadas variáveis. São famosas as previsões da Primavera e do Outono feitas pela CE para cada um dos seus actuais 15 Estados membro, são muito estudadas as previsões feitas pela OCDE para todos os seus membros, são no nosso país amplamente divulgadas as projecções do Banco de Portugal, são muito escutadas as profecias do FMI.
Com algumas excepções, todas estas entidades se pronunciam sobre a variação do PIB, dos consumos privado e público, do investimento, das importações e exportações, da inflação e do saldo orçamental. Não será por falta de informação que hesitaremos nos nossos procedimentos.
Entre Outubro de 2000 e Janeiro de 2001 todas aquelas instituições prognosticaram o que sucederia em Portugal em 2001 e eu comparei os prognósticos e a realidade oficialmente medida no final do período. Assim, para um PIB que encerrou com um crescimento de 1,9 por cento, a média dos desvios dos prognósticos daquelas cinco instituições foi de 52,6 por cento do resultado final; no consumo privado, a média dos desvios foi de 248,8 por cento e no investimento foi de 590 por cento. Parei o cálculo e revi todas as contas. As minhas contas estavam certas, os prognósticos é que estavam errados!
Qual seria o futuro profissional de um gestor que errasse desta forma tão grosseira nos planos e orçamentos que gizasse para empresa da sua responsabilidade?
Perante cenários tão errados, como podem os agentes económicos decidir acertadamente? Mais valerá que ignorem pura e simplesmente tais prognósticos a fim de não cometerem erros que os possam levar à bancarrota. E se tal sucedesse e o falido invocasse a desinformação como a causa da desgraça, certo seria que ninguém lhe daria razão e todos alijariam responsabilidades.
Para além do custo que a feitura destes prognósticos representa nos impostos que pagamos, que outra dimensão podem ter na vida do contribuinte colectivo ou singular? Não passarão de meros exercícios académicos?
Recordo que desde tempos imemoriais vem a Humanidade procurando adivinhar o futuro e que foi assim que proliferaram as pitonisas na Grécia antiga. Foi também por essas épocas que Epimenides, sacerdote de Apolo, imaginou um paradoxo que desde então deixou a Humanidade perplexa: “Nós, os cretenses, só dizemos mentiras”.
Lisboa, Fevereiro de 2004
Henrique Salles da Fonseca
(*) Creta, foto na Internet
Publicado no Suplemento de Economia de O Independente em 20 de Fevereiro de 2004
CAPACIDADE/NECESSIDADE LÍQUIDA DE FINANCIAMENTO DE PORTUGAL
O crédito não é um direito: merece-se ou não; conquista-se e perde-se. Portugal mereceu crédito, perdeu-o e tenta agora recuperá-lo.
Mereceu crédito enquanto era ou parecia ser viável e os detentores dos capitais acreditavam que os empréstimos que faziam consistiam em operações de tesouraria atenuantes das cavas nos ciclos económicos; perdeu o crédito quando os credores se aperceberam de que o «modelo de desenvolvimento» português era absurdo; tenta agora recuperá-lo introduzindo mudanças estruturais no modelo vicioso, despesista, transformando-o em produtivo.
O esgotamento da capacidade de crédito externo do sistema bancário foi o maior incentivo à produção interna de bens transaccionáveis; a substancial redução dos meios de pagamento em poder dos consumidores, foi o maior incentivo para que o empresariado consciente e dinâmico enveredasse pela exportação.
O escol empresarial português não perguntou ao Governo o que deveria fazer: fez!
E os resultados são evidentes com a balança de bens e serviços a sair de negativismos que já todos julgávamos eternos e a apresentar sucessivos saldos positivos.
Mas a pergunta que nos ocorre agora tem a ver com a capacidade do sistema bancário se redimir do desbragamento creditício ao consumo que praticou até há pouco, com a capacidade de reforço dos capitais próprios reintegrando substanciais volumes de crédito concedido mais ou menos «à la diable» e hoje logicamente mal parado, com a capacidade de relançamento de linhas de crédito à produção de bens e serviços transaccionáveis.
A recuperação económica de Portugal não pode passar ao lado do sistema bancário mas é imprescindível que quem concede crédito também seja credível. A começar pelo próprio Banco de Portugal e sua actividade de supervisão.
Chamemos-lhe como cada um de nós quiser mas os próximos dinheiros que Portugal vier a receber a título de apoio à recuperação não poderão ter outro destino que não a consolidação bancária. Por mais que as esquerdas políticas blasfemem.
Mas esperemos que essa nova situação não sirva para repetir os erros que nos atiraram para o buraco pela vulgata consumista. Não nos esqueçamos de que devemos ser dos países com maior propensão marginal à importação; não nos esqueçamos de que o consumidor tem agora que pagar o que ficou a dever na crise anterior; não nos esqueçamos de que deverão ser as actividades produtoras de bens e serviços transaccionáveis a absorver as hostes de desempregados pela falência das actividades típicas do «modelo de desenvolvimento» que definiu um capítulo da vida nacional que queremos ver encerrado.
Até porque democracia não é sinónimo de facilitismo; pelo contrário, é-o de responsabilidade.