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A bem da Nação

DALMÁCIA – 3

 

Dalmácia, algures, DEZ16.jpg

 

Quanto mais velho, menos horas de sono, mais leituras e escritos nocturnos. Foi por isso que levei para Dubrovnik um livrinho que me apetecia reler, «O Regresso da Princesa Europa», de Rob Riemen[1].

Rob Riemen, O Regresso da Princesa Europa.gif

 Porquê e para quê?

 

Porque já tinha gostado dos livros dele que lera antes, «NOBREZA DE ESPÍRITO» e «O ETERNO REGRESSO DO FASCISMO», ambos traduzidos em português e publicados pela Bizâncio, editora que, também ela, merece o meu respeito; para verificar até que ponto os croatas, bósnios e montenegrinos são mais ou menos europeus que nós, os velhos europeus.

 

Recordando, a síntese do que escrevi e publiquei depois da leitura de cada um daqueles livros:

 

  • A verdadeira nobreza é a do espírito por via das artes, das humanidades e da filosofia que permitem à Humanidade a descoberta e reivindicação da sua forma mais elevada de dignidade, aquela que faz distinguir a pessoa daquilo que também é: um animal[2];

 

  • Uma filosofia em que o objectivo mais elevado é o poder e que resulta claramente de um espírito de permanente competição. Como cada vitória tenderá a elevar o nível dessa mesma competição, o final lógico de tal filosofia é o poder ilimitado e absoluto. Aqueles que buscam o poder podem não aceitar as regras éticas definidas pelos costumes, a tradição e, pelo contrário, adoptam outras normas e regem-se por outros critérios que os ajudam a obter o triunfo. Tentam mesmo convencer as outras pessoas de que são éticos no sentido do objectivo supremo por eles definido tentando conciliar o poder e o reconhecimento da moralidade.[3]

 

Neste, que levei até à Croácia para ocupar o vazio das insónias, depois de referir as questões essenciais dos dois livros anteriores, Rob Riemen centra-se na questão da verdade para nos dizer que, sem ela, não haverá mais Europa.

 

Então, o que é a verdade?

 

A verdade científica nunca é mais do que a realidade, os factos, o que podemos observar, tocar e calcular e, mesmo assim, pode variar ao longo dos tempos até ter levado Karl Popper a afirmar que ela não é mais do que um ponto no infinito. E também Wittgenstein disse algo como «quando todas as questões científicas possíveis e imagináveis tiverem sido respondidas, os problemas da vida – a tragédia, o sofrimento, a felicidade, o significado das nossas vidas – permanecerão completamente intocados» porque a ciência e o mistério da vida são dois mundos diferentes. E, neste sentido, a ciência priva-nos da verdade. Então, com todo o Ocidente dedicado ao materialismo, é a própria Europa que, também ela, se perde num amontoado de verdades transitórias e parciais.

 

Perdido o sentido da metafísica, nenhuma verdade pode existir, a mentira domina e triunfa o nihilismo da missão do homem na vida. E esta vacuidade leva forçosamente à filosofia do poder, ao «salve-se quem puder». E foi nesse desespero que Nietzsche pôs termo à vida.

 

O drama do Ocidente – e, nele, a Europa – está em evitar que a nossa velha Civilização continue na senda nietzschiana.

 

Foi nesta busca que fui à Dalmácia, tentar perceber ao que andam croatas, bósnios e montenegrinos depois da débâcle por que passaram com a desintegração da sociedade jugoslava.

 

Concluo que a Europa ganhará com a adesão plena destas três repúblicas mas duvido que elas ganhem muito ao aderirem ao nihilismo por cá reinante.

 

E a questão é: estará o Ocidente ainda a tempo de arrepiar caminho?

 

Quero acreditar que sim.

 

Finalmente, perguntarão os meus companheiros de viagem que lerem este escrito se foi isto que por lá andei a fazer. E a resposta é: sim, foi; até porque nem só de pedras se faz o turismo.

 

Janeiro de 2017

Dubrovnik-réveillon 2016-17 (2).jpg

Henrique Salles da Fonseca

 

 

BIBLIOGRAFIA:

O Regresso da Princesa Europa, Rob Riemen – ed. Bizâncio, 1ª edição – Setembro de 2016

 

[1] - https://fr.wikipedia.org/wiki/Rob_Riemen

[2] - http://abemdanacao.blogs.sapo.pt/educando-1733196

[3] - http://abemdanacao.blogs.sapo.pt/428177.html

 

DALMÁCIA – 1

 

Dubrovnik.jpg

 

Cansados, foi quando deixámos de andar na lufa-lufa e nos sentámos por nossa própria conta num comprido banco de pedra estendido ao longo da muralha do velho porto de Dubrovnik. O Sol haveria de nos fazer companhia até ao meio-dia exacto quando todas as igrejas da cidade repicaram e, desaparecido, deixou cair a sombra em cima de nós. Foi então que mudámos de poiso. E o gato que estava deitado sobre um cartão que o dono pusera ali mesmo ao nosso lado, acompanhou-nos para o lugar que seria soalheiro por mais algum tempo. A certeza do caminho com que nos acompanhou, levou-me a duvidar se ele, o gato, veio mesmo connosco ou se fomos nós que o acompanhámos até ao lugar que ele tomava sempre que o Sol passava por cima da muralha e entrava na cidade. Conversa calada, não lho perguntei e ele não mo disse. Fiz-lhe mais uma festa a agradecer a companhia e ele disse que estava «mau» com um «i» lá pelo meio. Sotaques... Foi então que me lembrei da Simone de Oliveira e do seu «Sol de Inverno». Não fui capaz de cantarolar; esqueci-me da melodia que, por certo, a teria.

 

Simone de Oliveira.jpg

 Aquela a que continuo a chamar «de beau voir, pas d'écouter»

https://www.youtube.com/watch?v=HsAbEjCh8oU

 

Acalmado o movimento de barcos a levar e a trazer turistas em passeios de périplo a Loktrum, a ilha verde, que nós fizéramos na véspera, pude então copiar James Joyce na sua epifania dos lugares mágicos. E o velho porto de Dubrovnik é mesmo mágico! Imaginei e quase vislumbrei os marinheiros de todas as gerações que por ali passaram, os comerciantes chegados de Alexandria ou a caminho de Veneza, os turcos às ordens do «magnífico» Suleimão que por ali passavam em busca do tributo anual de muitos milhares de moedas de oiro, o preço da paz que a Bósnia não foi capaz de negociar. Lembrei-me das gerações de banqueiros que por ali assentaram arraiais, dos humildes frades menores franciscanos que ainda por lá estão assim como dos seus vizinhos à distância de poucos quarteirões, os soberbos pregadores dominicanos. Mas lembrei-me também dos sábios professores jesuítas que já não cabem na cidade velha e fizeram dois colégios extra muros. Mais prosaicamente, lembrei-me das sucessivas vagas de políticos e de outros malandrins...

 

Olhando quase na vertical, vi bem lá em cima a fortaleza que Napoleão mandou construir no cimo dos penhascos bem íngremes a que hoje se chega de teleférico. Dali, puderam os franceses bombardear a cidade transformando o tiro curvo da artilharia em tiro tenso sem necessidade de fazerem cálculos de pontaria para acertarem nos alvos cá em baixo, à disposição. As tropas de Milosevic também. Napoleão ainda se aguentou na pilhagem durante oito anos; Milosevic, não[1].

 

Stradun-Dubrovnok.jpg

 

Sem fome, é uma da tarde do dia 2 de Janeiro e o relógio aconselha a comer qualquer coisa num daqueles quiosques de comes e bebes na “Stradun”, a Rua Direita lá do sítio, para mais logo tomarmos o transporte para o aeroporto e o rumo de Lisboa. E como no avião só serviriam uma «sandocha», abalancei-me a umas «french fries» com mostarda de Dijon e mais não disse.

 

E que mais levo da Croácia? Logo direi...

 

Janeiro de 2017

Dubrovnik-réveillon 2016-17 (1).jpg

Henrique Salles da Fonseca

 

[1] A agressão militar sérvio-montenegrina à Croácia decorreu de 1991 a 1995.

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