CHILE - 2
SERÁ ESTA A HISTÓRIA DO FUTURO?
Aterrámos em Santiago que se situa numa planície encaixada entre a Cordillera Costera e os Andes pelo que as influências externas são difíceis. Para o bem e para o mal: mosquitos, ácaros e outras pragas não conseguem passar por cima das montanhas mas a humidade marítima também não e, portanto, a água é oriunda dos glaciares mas o ambiente é mesmo muito seco. Um dos cenários habituais na cidade é o smog mas as divindades incas devem ter querido que gostássemos do país e fomos dispensados desse inconveniente.
Catedral
Quando a estadia é breve, nada melhor do que recorrer a profissionais que nos mostrem superficialmente o que há para ver em vez de nos metermos em museus mais ou menos bafientos ou de andarmos «ao Deus dará» sem rumo, ou seja, aos baldões da sorte e do azar. Assim fizemos e não nos arrependemos.
Tivemos um guia que se revelou mais interessante do que as coisas que nos mostrou. Sei o nome dele mas não lhe pedi autorização para o citar e, portanto, vou referi-lo apenas como W.
W morreu de pé e fracturou o crânio quando caiu desamparado. Felizmente, acudiram-lhe de imediato, puseram-lhe o coração a bater novamente e trataram-lhe da fractura craniana mas o coma prolongou-se e W só acordou 3 meses depois de ter morrido. Capitão-de-Mar-e-Guerra da Armada Chilena, compreende-se que não tenha voltado ao activo. Mas W não é homem para «encostar às boxes» e decidiu continuar a ser útil. Fez um curso de guia turístico e ei-lo a mostrar Santiago a quem tenha a sorte de lhe caber nas voltas pois que dá verdadeiras aulas da História do seu país em vez de apenas papaguear os manuais que referem o número de lugares do estádio de futebol ou a altura da torre de não sei quê.
Um companheiro de circuito, jovem mexicano que devia estar em lua-de-mel, saudoso do socialismo chileno (é fácil ter-se saudades das experiências alheias e, de preferência, passadas em casa do vizinho), perguntou-lhe se ele achava possível que o socialismo voltasse ao Chile. W não hesitou muito na resposta: - A ética do guia turístico leva-o a não tecer comentários políticos. Fim de papo!
Mas foi só necessário chegarmos à Plaza de Armas e, frente ao Palácio de La Moneda, o mesmo jovem mexicano entusiasmou-se com a estátua de Allende e perguntou onde estava a de Pinochet. W sentiu-se picado e pediu para abrir uma excepção à questão dos comentários políticos. Todos lha concedemos (éramos só 10 turistas) e ele respondeu com a maior naturalidade: - Este cavalheiro (apontando para Allende) arruinou o país, deu liberdade aos maiores desmandos contra a propriedade e fracturou a Nação mas oficialmente respeitou os Direitos Humanos pelo que tem aqui esta estátua; Pinochet acabou com os desmandos, pôs o país a funcionar e promoveu o regresso da paz social mas não poupou os prevaricadores e por isso não tem estátua.
Minha conclusão: as estátuas são mandadas erigir pelos prevaricadores.
Estátua daquele que afundou o país fracturando a Nação
Recordo que Allende presidiu aos destinos do Chile de 1970 a 1973 no âmbito de um processo muito «acompanhado» por Fidel Castro.
Descortino uma estratégia soviética de apertar os EUA por uma tenaz constituída por Cuba e Chile à semelhança do que fez de seguida em 1974 com a Europa apertando-a entre ela própria (a URSS) e Portugal. As «coisas» não correram exactamente como planeadas no Kremlin mas, mesmo assim, os comunistas mantiveram Cuba e apropriaram-se do Império Português.
Mas W está muito incomodado com a perda de soberania chilena pois as comunicações são da grande telefónica espanhola, a finança está dominada pelo banco com nome basco, as auto-estradas foram concedidas a empresas espanholas e mais não disse para ter a certeza de que o pace-maker não desatava aos pulos. Disse-me que está a crescer a ideia um pouco por todo o Chile de que se torna necessário enveredar pela «segunda conquista». Ele próprio não sabe ao certo o que isso possa vir a significar mas quando lhe referi a linha de Eduardo Frei ele ficou cheio de vontade de me dizer que sim. Mas não disse.
Finalmente, uma referência ao período de 25 anos entre cada dois grandes terramotos. O último foi há dois anos e, a cumprir-se o ritmo factualmente registado, faltam 23 anos de reconstrução nacional com um formidável volume de obras. Pergunto: o que andam as nossas empresas de obras públicas a fazer em vez de abrirem escritórios em Santiago do Chile para entrarem nesses trabalhos?
E como é desta que concluo as mini-crónicas sobre esta minha viagem, sinto-me no direito de estabelecer um paralelo entre a Argentina e o Chile: a Argentina é um país estupendo apesar dos políticos; o Chile seria um segundo Afeganistão se não fosse a qualidade da gente que lá tem dentro.
Haja saúde e continuemos...
Henrique Salles da Fonseca
(na cadeira do Poder Regional, Santiago)