Hoje, refiro-me a um fenómeno sobre que nunca pensara e sirvo-me da linguística da Fonte da Telha.
Trata-se da «murreta» que é o nome que por ali se dá ao lixo acumulado no fundo mar desde que o homem por ali anda. Noutras localidades, os resíduos sólidos marítimos receberão outros nomes, mas aqui é a murreta,
Então, prosseguindo na terminologia local, as correntes marítimas «areiam a murreta» (tapam o lixo com areia) e o mar revolto «desareia a murreta» (destapa o lixo) que fica à deriva e dá ao mar uma cor castanha.
Considerando apenas a nossa orla marítima, duvido que haja quem consiga calcular com rigor mínimo de quantos milhares de toneladas de resíduos sólidos marítimos se deve medir o problema.
Portanto, se se pretende limpar o mar, a primeira coisa a fazer será saber qual a composição desse lixo para, só então se imaginar o que lhe fazer. Serão materiais susceptíveis de alguma utilidade economicamente válida? Serão materiais com interesse na «valorização energética» (eufemismo de incineração)?
Quero acreditar que parte importante desses RSM (resíduos sólidos marítimos) terá encaminhamento pelo engenho humano com uma economicidade que pague a sua retirada dos mares.
Falta só que um responsável ambiental (público ou privado) se decida por estudar TUDO.
CENÁRIO – Salão nobre da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
PERSONAGENS E INTÉRPRETES – Presidente do Júri de Doutoramento – Professor Doutor Marcello Caetano; Doutorando – Fulano de Tal cujo nome omito propositadamente.
CENA ÚNICA
O Doutorando expõe longuissimamente a sua tese e conclui com os cumprimentos mais ou menos louvaminheiros aos Ilustríssimos membros do Júri. Nitidamente cansado, senta-se na cadeira que lhe estava destinada no centro da cena e aguarda pelo início da discussão a que deverá responder prontamente.
Algo inesperadamente, é o Presidente do Júri que toma a palavra e diz…
Professor Marcello Caetano: - O Senhor apresentou ideias boas e ideias originais. Mas as boas não são originais e as originais não são boas…
A propósito dos ilustres comentadores televisivos que de todos os círculos e de todos os quadrados tudo sabem, lembrei-me hoje de uma historieta que o meu pai contou à mesa do jantar já lá vão cerca de sessenta anos ou mesmo mais.
Eis do que me lembro:
«Antes de emigrar para os EUA, Einstein reunia-se regularmente em Zurique com uma tertúlia de eruditos composta sobretudo por filósofos e historiadores. Todos falavam sobre as respectivas confabulações histórico-filosóficas e Einstein deixava-se ficar discretamente num canto, calado e encantado com o que ouvia.
Até que, instado a que dissesse algo, respondeu que não tinha nada de interessante nem sequer imp0ortante a dizer mas que, sendo assim tão simpáticos para o convidarem a falar, ele avisaria quando tivesse alguma coisa que merecesse ser ouvida por tão distinta assistência.
Chegado o dia que Einstein considerou apropriado, avisou o grupo e este reuniu de imediato para escutar o que há tanto tempo estava calado.
E Einstein, recorrendo a sua encantadora simplicidade, escolheu a linguagem mais comum para que a silenciosa, atenta e reverente audiência não se enfadasse, explicou as funções matemáticas que deram origem à teoria da relatividade.
Consta que os “sábios” ouvintes não perceberam patavina da exposição mas que se convenceram de que o mundo acabava de dar uma grande reviravolta».
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E hoje, com o mundo à beira de um ataque de nervos por causa do perigo do lançamento de uma bomba atómica, reconheçamos a inocência de Einstein no mau uso que outros fizeram dos seus prolegómenos nucleares.
Cheguei ao fim do presente texto sem que nenhum azougado carregasse num fatídico botão vermelho.
Deo gratias!
No extremo ferroviário oposto a Vladivostok, 22 DE Setembro de 2022
Este texto esteve para se intitular «Trompe l’oeil» ou «Eppatant les innocents» mas lembrei-me de que já somos poucos os que sabemos francês e, vai daí, fiquei-me por algo mais directo.
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Então, já que o princípio não é como devia ser, vai tudo às avessas e começo pela conclusão:
Conclusão – As Divindades não se deixam enganar e mal vai quem o tente.
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As vestes antigas eram de outras modas e não faria sentido que a nossa actual Primeira Dama se apresentasse num qualquer acto público vestida como a D. Urraca o faria se por cá andasse. Não faltaria quem dissesse que a solenidade se transformava numa mascarada.
Dizem as pinturas antigas que tanto homens como mulheres de elevada condição usavam aquilo a que hoje chamamos saias e o povo usava tangas. Os sacerdotes egípcios usavam um «chapéu» alto, cilíndrico e que à frente ostentava uma cobra, o símbolo da Divindade invocada nas respectivas solenidades.
Claramente, todo o aparato vestimental tinha como propósito convencer os fiéis de que aquela pessoa assim paramentada possuía o poder de comunicar com a Divindade, o que estava vedado ao comum dos mortais. E os fiéis acreditavam nessa mediunidade.
Hoje, sabemos que essas Divindades do politeísmo eram falsas e que não podia haver mediunidade com algo que, afinal, era falso. Mas as pessoas impressionavam-se com as solenidades, a simbologia de gestos, vestes, ornatos e preces.
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Nos primeiros anos deste século, morreu uma das minhas inquilinas cujo único familiar era o Patriarca de uma Igreja de rito ortodoxo a quem tive que transmitir a infausta notícia e perguntar qual o destino a dar ao recheio do apartamento. Temas bem prosaicos para um Patriarca. Fiz-me anunciar com alguns dias de antecedência para que Sua Eminência tivesse tempo de pensar em assuntos tão vulgares e no dia aprazado compareci no templo uns minutos antes da hora combinada e não me fizeram esperar: abriu-se uma porta igual a qualquer porta de casa antiga na parte alta de Alfama, em Lisboa. Depara-se-me uma sala relativamente pequena e apenas iluminada por três ou quatro velas. O suficiente para me aperceber de um vulto mediano envergando uma veste longa negra e com decorações (bordados?) doirados. Na cabeça, um gorro do feitio dos cofiós, negro e com decoração doirada. Tive alguma dificuldade em me adaptar à escuridão e foi no último instante que retive alguma manifestação de surpresa (alguma gargalhada) pelo espectáculo que inesperadamente se me deparava. Logo me imaginei num cerimonial de veneração a Amon ou Zaratustra mas contive-me e comportei-me com o respeito devido a fé alheia. Tratámos dos assuntos que lá me tinham levado, despedimo-nos cerimoniosamente e regressei ao século XXI.
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Creio que o misticismo não carece de balandraus, gorros nem casulas ou tiaras. Mais creio que todo esse «décor serve apenas para impressionar (enganar) os inocentes mortais pois Deus e os Santos de altar não se deixam enganar.
Bem sei que a todo o cerimonial religioso cumpre o respeito pelas Divindades invocadas e, às gentes cumpre um formalismo igualmente respeitoso pelo que, não aceitando indumentárias desrespeitosas, também creio que os celebrantes e a assembleia de fiéis deviam trajar com formalismo da época e sem ornatos enganadores. A fé não se confunde com balandraus.
A conclusão está no quase início do presente texto.
Entre a sala de jantar da Senhora Yasmin, em Constantinopla e a sala de estar do Senhor Iussuf, em Kalzedónia, à distância de um olho nu, passa a esperança dos da fome no mundo e eu pergunto-me se é sensato deixarmos que os grandes problemas mundiais dependam de um qualquer problema urbano de Istambul. E que acontecerá se, num ataque de mau feitio, o actual Pasha mandar entupir os Dardanelos ali afundando uns quantos ferro-velhos?
Sim, o cenário é de evidente fragilidade e todo aquele equilíbrio está colada com cuspo. Ou seja, tudo aquilo depende dos humores de alguns autocratas mais ou menos belicosos – e há-os por ali muito irritadiços. O cenário agrava-se substancialmente quando a frota militar russa, sedeada em Sebastopol, está também ela, afinal, encurralada num mar interior cujo acesso aos mares altos se faz por um caneiro entre a sala de jantar da Senhora Yasmin e o varandim do Senhor Iussuf. E se o Czar decide fazer aqui o que está a fazer na Ucrânia? E, já que então estará com a mão na massa, lá irão os Dardanelos e mais o se lhe opuser…
Daqui resulta a necessidade imperiosa de se alterar o cenário actual. E já que a geografia é imutável, seria da maior conveniência substituir a autocracia pela democracia sem ofender os Valores Pátrios de ninguém mas introduzindo o diálogo como instrumento de uso permanente.
E quanto ao aprovisionamento mundial de cereais, duas hipóteses se devem colocar: manutenção das actuais grandes fontes de abastecimento – Ucrânia e Rússia ou escolha de fontes alternativas.
Prevalecendo os actuais grandes fornecedores, a Rússia que continue a usar a via do caneiro de Madame Yasmin mas aos cereais ucranianos dever-se-ia criar uma via alternativa ferroviária de grande porte com destino, por exemplo, a Trieste.
Optando pela criação de fontes alternativas de abastecimento, recordemos a hipótese sahariana que acumularia as formidáveis vantagens de amenização climática e de melhoria das condições de vida de toda zona norte africana. Não será por falta de energia solar nem eólica que a ideia chumbara para a irrigação do Sahara por água dessalinizada.
E o trapézio mundial dos cereais deixaria de estar suspenso em frágeis filamentos.
E o que é isso da «ferrovia de grande porte»? Não sei exactamente mas os engenheiros devem saber. É para isso que eles são engenheiros.
Hoje, pouco depois do Sol despontar, a passarada calou-se de repente e eu achei estranho. Fiquei alerta a pensar que os animais têm campos auditivos diferentes dos nossos e pudessem ter ouvido ruídos telúricos anunciadores de tremores da terra. É que, aqui no litoral algarvio, houve no séc. XVII um tsunami que na zona a nascente de Tavira entrou 6 quilómetros pela terra dentro e eu, a poente da cidade, estou a muito menos dessa distância da costa.
Até que, no relvado, poisa uma pega que por ali se deixa ficar exibindo os seus belos azul quase preto e branco até concluir – digo eu – que por ali não havia láparos ou répteis que lhe servissem à goela. Qual Tupolev de Putin a dizer que vai onde lhe apetece e que não teme nada nem ninguém. E a passarada, sabendo que não há quem a defenda, encolhe-se e fecha o bico tentando passar despercebida.
Deixando-nos de parábolas, não esqueçamos que a putativa chegada de um Tupolev será seguramente saudada por lenços escarlates nas mãos dos russófilos seus amigos que optam pela suserania do Czar por cima da nossa soberania. Antes, tinham um ideal por que davam a vida; agora, caído o ideal, revelam-se apenas aquilo que sempre foram: adeptos do inimigo. Foi Camões que disse que «também entre os portugueses, traidores houve algumas vezes».
Mais do que bradarmos pelos nossos Valores Pátrios, vale pensar na fronteira que nos separa do Tupolev e de tudo o que ele representa:
Nós temos a liberdade como um Valor superlativo e um conceito unicitários; eles falam nas «mais amplas liberdades» significando um conceito fraccionável e um valar condicionado aos ditames do Poder;
Nós temos a democracia como o sistema político em que todos os cidadãos são chamados a opinar livremente; eles têm a democracia como a situação alcançada pelo despojamento total dos cidadãos de todos os bens materiais nivelando por baixo uma falsa equidade;
Nós consideramos que ao Estado cumpre servir os cidadãos; eles consideram que ao cidadão cumpre servir o Estado;
Nós temos a vida humana como inviolável; eles têm as pessoas como instrumentos descartáveis…
A nossa Civilização assenta em raciocínios livremente concebidos numa estrutura de exploração especulativa-dedutiva-conclusiva; a deles assenta no determinismo conclusivo. Nós pensamos e agimos munidos do livre arbítrio; eles agem conforme as deliberações unânimes do Poder Central.
Mais do que os emotivos Valores Pátrios de cada Nação, esta é a fria fronteira que os adeptos do Tupolev constantemente violam na Ucrânia.
Mais do que um país, é uma Civilização que está em vias de ser desafiada de morte. Para nosso azar, a nossa.
«Loromonu» é como em tétum se diz «Sol poente» e é a essa hora que a grande árvore se enche da chilreada da passarada que recolhe a ninhos. O júbilo por um dia bem passado e, para eles, pássaros, sem data.
Mas, para nós, gentes, teve data, sim. Foi o dia em que Putin deixou sair 80 mil toneladas de cereais dos 50 milhões (informação do telejornal da TVI em 5 de Agosto de 2022) retidos nos portos ucranianos. A manter-se este ritmo, o escoamento total demorará 625 dias, não contando com as novas colheitas que se acumularão. Entretanto, o mundo esfomeado mendiga que Putin deixe passar mais cereais. Enquanto esta distribuição de migalhas vai acontecendo, o resto do mundo (leia-se a NATO) não se mexe para não perturbar o processo de escoamento e a Rússia vai retalhando a Ucrânia.
E a pergunta é: - Será que este é um cenário admissível?
Resposta: - Não, este não é um cenário admissível.
Na imprescindível mudança de cenário, a última coisa que seria necessária era a viagem de Pelosi a Taiwan. Já nos bastava uma frente de batalha, não precisamos de mais nenhuma.
Sim, este dia tem data, a que assinala a chegada da mostarda ao nariz do mundo livre e em que se corre o risco duma «caça às bruxas».
Destas coisas nada sabem os pássaros da árvore do meu «Loromonu» como também não sabem que a 5 de Agosto de 1109 nasceu D. Afonso Henriques. Anda por aí muita passaeada que nada sabe de muita coisa. E até se pode dar o caso de nem quererem saber. Mas refilam contra tudo apesar de nada saberem sobre quase tudo.
«Lorosae» significa «Sol nascente» em tétum, língua oficial, a par do português, de Timor-Leste.
Tenho uma janela por onde, no Verão, o Sol nascente entra a rodos – o meu «Lorosae».
Sempre tive o Sol nascente como a glorificação da vida e o Sol poente como a finura do infinito, a vida eterna. Tive pena que Timor deixasse de ser Lorosae e passasse a Leste, a triste memória europeia. Fica a minha janela tanto pela bela fonética - «Lorosae» - como também pelo sentido da vida.
As rolas turcas são as primeiras a acordar; seguem-se os melros a correr pela relva a debicar o que eles lá sabem; a pardalada é serôdia. Mas já lá vem o Sôr Zé Fernandes a abrir a rega temporizada e, «Bom dia» para lá e para cá, é ver a passarada a deixar-se salpicar antes de abalar para fora da minha vista.
E, por serem turcas, as rolas trouxeram-me à ideia a questão da legitimidade da nossa decisão ocidental de termos nomeado os ucranianos carne para os nossos canhões. E, para além da legitimidade, pergunto-me se podemos confiar em quem desconfia de si próprio. Dessa desconfiança fazem prova as purgas que Zelensky vem fazendo em toda a hierarquia do Estado Ucraniano. Aquela é uma Nação fracturada por sentimentos de pertença incompatíveis e por conceitos tão diversos de pragmatismo como a rejeição ou convivência com a corrupção. Quem espia quem? Será que o ladrão é o polícia ou é o contrário?
Poderemos confiar numa sociedade destroçada?
Zelensky foi eleito com base numa vigorosa campanha contra a corrupção. Os inimigos de Zelensky são três; os russos, os ucranianos russófilos e os gatunos quer estes sejam polícias ou ladrões.
Duas questões que deixo em aberto:
- Conseguirá um Estado apodrecido ganhar uma guerra?
- A que distância do alvo estava a base de descolagem do drone que há dias matou o chefe da Al Kaeda que se julgava escondido algures no Afeganistão?
Nota de rodapé – Seria um erro estrondoso tentar acabar com Putin.
Urge atrair para a política pessoas com inequívoco mérito académico e profissional pondo um ponto final no recrutamento de generalistas e também não dando mais aso a garotadas.