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A bem da Nação

ARÁBIA FELIX – 18

 

Notada a ausência de relatos sobre monumentos, venho trazer agora umas quantas vistas do que nos foi apresentado tanto en passant como em detalhe:

033-Moldura, Dubai.JPG

Dubai - foto tirada de dentro do nosso autocarro, daí o reflexo do vidro

Trata-se de uma moldura gigante que mais não é do que um miradouro

Meu comentário: pobre dinheirinho, o que de ti fazem…

038-Burg Khalifa, Dubai.JPG

O edifício à direita é o chamado «Burj Khalifa», tido como um dos mais altos do mundo a cujo piso 145 subimos

112-Monumento ao incinerador de incenso, Mascate.J

Monumento ao incinerador de incenso junto ao porto de Mascate, Omã

 

Muitas mais fotos poderia juntar mas desde já informo que na Internet há imagens muito melhores do que as que a minha mulher e eu fizemos.

 

Contudo, se os monumentos por que passei me motivaram menos do que os meus leitores esperavam, isso deve-se a que me interesso muito mais por outros aspectos da realidade, nomeadamente a perspectiva humana.

 

Sim, vi algumas mesquitas, arranha-céus e outros monumentos laicos mas gostei muito mais de saber que, afinal, em Omã, a versão religiosa não é o Sunismo nem o Xiismo mas sim o Ibadismo o qual pugna pela exegese conducente à concórdia, ao contrário dos sunitas que negam qualquer exegese e cumprem literalmente os respectivos textos sagrados numa lógica de Talião; os xiitas, fazendo a respectiva exegese, também assentam toda a sua filosofia na mesma lógica de Talião. Eis por que fiquei a admirar muito mais a beleza da mesquita de Mascate do que outras por que passei. Mas como, na altura da visita, eu não sabia da existência do Ibadismo, não me apercebi de nada e passei em falso aquela beleza arquitectónica. Fica a imagem com aprovação tanto do soft como do hardware.

 

097-Mesquita de Mascate.JPG

Mesquita de Mascate, Omã, o mais importante local de oração Ibadista

 

Sobre a paisagem humana ainda tenho alguma coisa a dizer: na nossa perspectiva, ocidental, aqueles regimes políticos são medievo-anacrónicos, criticáveis pela lógica democrática e denunciáveis ao abrigo dos nossos actuais conceitos de humanismo.

Ócio em Mascate-2.png

Petra modernista-2.png

 

As imagens falam por si: medievalismo e laivos de modernismo na comunicação. Resta apurar que mensagem transmitida: de ódio ou de compaixão? Na foto de cima, em Mascate, devem ser ibadistas, os da concórdia, mas na de baixo, num qualquer outro local por onde passei, é por certo um sunita e, então, a «coisa» pia muito mais fininho. Ou piará grosso?

 

Mas – e há sempre um «mas» - perante realidades como a da Irmandade Muçulmana e outros grupos fundamentalistas sunitas wahhabitas, é imprescindível que os mullahs temam mais o ditador terreno do que a ira divina.

 

Eis por que os monumentos me passaram ao lado mas a linha verde do combate ao deserto me encantou e a referi.

 

Abril de 2019

À porta do palácio do Emir do Dubai.jpg

Henrique Salles da Fonseca

(Dubai – palácio do Emir)

ARÁBIA FELIX – 17

 

Demorámos 12 horas a percorrer o Canal de Suez de um extremo ao outro. Não sei se é habitual que assim seja ou se a nossa velocidade foi especial de passeio. Deu para ver tudo em detalhe, a curta distância, pois estava tudo ali, à mão de semear. E o que vimos? Muito. Diria mesmo mais: muitíssimo!

Cidade turística no Sinai-2.jpg

 

O incrível volume de obras em curso na margem do lado do Sinai dá que pensar. Trata-se de cidades e cidades seguidas umas às outras com finíssimas zonas de permeio. A maior parte delas com nítida vocação habitacional ou até mesmo turística e algumas outras em que vi militares e equipamentos da Engenharia egípcia a trabalhar. Estas, poderá ser que estejam vocacionadas para o lazer de militares mas achei lazer em demasia. Do que se tratará? Não havia a bordo quem me soubesse esclarecer pois este era o primeiro cruzeiro que o nosso Armador por ali fazia e, pelos vistos, o pessoal sabia tanto como eu: nada. Fica o registo de que na margem do Sinai está tudo numa polvorosa de obras grandes, médias e pequenas, civis e militares.

 

A Administração do Canal situa-se na margem africana, a que está humanizada há mais tempo, relativamente próxima do Cairo e de Alexandria.

Sinai-portão mistério.png

Um dos mistérios que deixo por resolver é o de estradas que, na margem do Sinai, saem a 90º do Canal em direcção a nenhures mas que, logo ali à nossa vista, são interrompidas por um muro de pedra em que a única passagem (um relativamente pequeno portão) está descentrado da via e colocado sobre uma das bermas, aparentemente em descontínuo com qualquer trânsito que por ali se aventure.

Ponte em Port Saïd.JPG

E lá vem o companheiro «Costa» quase a passar por baixo da ponte de Port Saïd

 

Nos arrabaldes de Port Saïd, uma ponte magnífica (ainda por inaugurar) que ligará ao porto marítimo que se situa na outra margem, a do Sinai.

 

E por aqui saímos das Arábias, nos fizemos ao mar e seguimos rumo ao Pireu.

 

Haja calma e ninguém vai suster o Egipto.

 

Inch Allah!

 

Questão final: «Arábia Felix» - porquê «felix»?

 

E por aqui me fico que os meus leitores já devem estar fartos.

 

Abril de 2019

Pôr do Sol nas dunas do Dubai.JPG

Henrique Salles da Fonseca

(ao pôr do Sol no deserto do Dubai)

ARÁBIA FELIX – 16

 

Regressados, não nos pararam na Alfândega da Zona Franca e chegámos a Aqaba já estava o Sol posto. Foi-nos, então, proporcionada uma volta pela cidade que à noite é muito mais bonita do que de dia. Não nos apeámos do autocarro e seguimos para o barco; eram horas de jantar e o pessoal de bordo tem direito a que os passageiros não se atrasem muito.

 

Estávamos a jantar quando vimos as luzes de Eilat a mexerem-se de um lado para o outro do janelão do restaurante. Zarpávamos para fazermos o périplo da Península do Sinal, nos lançarmos pelo Canal de Suez além e abandonarmos as Arábias por Port Saïd rumo ao Pireu.

 

Foi durante a minha noite dormente que passámos frente a Sharm El Sheik que eu já conheço vista do ar num espectáculo fabuloso de luzes, tornejámos o cabo Ra’s Muhammad, extremo Sul do Sinal e rumámos a Norte.

 

Península do Sinai.png

 

Amanheceu um pouco antes da entrada do Canal de Suez e coube-nos liderar um comboio de alguns navios que pretendiam o mesmo que nós, subir o Canal. Vindo de Eilat, o nosso companheiro «Costa» alinhou a trás de nós; depois dele, vários cargueiros que perdi de vista lá para trás. Pena, pena, foi termos perdido as vistas do Golfo do Suez; mas não se pode ter tudo, paciência.

 

E, uma vez entrados no Canal, eis-nos com terra à vista de ambos os lados. E que vimos? Muito!

 

Linha verde Canal de Suez.jpg

 

Parece pouco mas é muito: uma linha verde contínua, paralela à costa, autêntica barreira de contenção do deserto. E isto, em ambas as margens. Perante o clima local, a linha no Sinai só pode ser mantida à custa de água dessalinizada enquanto a do lado africano ainda posso admitir que venha do Nilo. Virá? De qualquer modo, é uma obra magnífica seja ela com água daqui ou dali. E desde já faço notar que estas linhas se mantiveram ininterruptamente, apesar das obras, cidades e outras ocorrências que entretanto acontecem de permeio. Parece pouco? Talvez pareça, mas a mim pareceu-me muito e bom. Outras linhas se lhes seguirão e o futuro está por ali definido como uma luta titânica contra o deserto. E digo deserto, não digo desertificação porque naquelas paragens não é possível desertificar mais a Natureza que já o é plenamente; a mudança aponta no sentido da des-desertificação, da verdificação. É evidente que muito está por fazer mas o caminho está por ali traçado e é com esperança que vejo o Egipto a olhar para a frente.

 

Oxalá o verde chegue a tempo de ocupar os radicais muçulmanos e de os distrair do ócio e das ideias abstrusas a que o deserto os tem condenado.

 

(continua)

Abril de 2019

155-Canal de Suez 4.JPG

 

Henrique Salles da Fonseca

ARÁBIA FELIX – 15

 

Chegados à placa toponímica de Petra, logo começámos a descer por uma estrada em rampa sinuosa através de filas de casas em socalco que nem percebi bem como lá se chega se se for com pressa. Mas como não vi ninguém apressado, pode ser que esse não seja um problema.

 

E descemos, descemos… até que demos com um parque de estacionamento de autocarros de turismo completamente apinhado. Mas, lá estava outro socalco logo ali por baixo com mais lugares de estacionamento, desta vez disponíveis.

 

O hotel onde haveríamos de almoçar era no socalco por baixo deste local de estacionamento e a entrada do sítio arqueológico era por baixo da entrada do hotel.

 

Até ali, tudo funcionava a descer mas o pior seria na volta em que tudo funcionaria a subir.

 

O já «famoso» guia disse-nos que poderíamos alugar uma charrete ou um cavalo para descermos até aos locais a visitar e que, de preferência, deveríamos estabelecer logo o preço para o regresso, na subida. Que seriam cerca de dois quilómetros em cada sentido, o que corresponderia a € 40,00.

 

Se o cavalo era hipótese do meu agrado, já o mesmo não disseram os outros membros do meu grupo: a minha mulher que, sabendo montar, não o pode fazer por causa de um problema nas costas, o outro casal porque nunca montou a cavalo na vida. A charrete seria a solução. Mas não foi porque um jordano de ar rude e «dono» daquele negócio rugiu para o nosso «famoso» que já não havia charretes disponíveis, que teríamos que descer a pé e contratar lá em baixo quem nos trouxesse para cima.

 

Pelo mapa do campo arqueológico ficámos então a saber que a distância completa a descer (e, depois, a subir) não eram dois quilómetros mas quase oito. E descemos… mas chegámos todos lá a baixo em boas condições para sermos lançados ao guano. Depois de não sei quantos dias de inactividade no barco, descer custa quase tanto como subir porque, apesar de os músculos serem outros, também estão habituados a não fazer nada e queixam-se amargamente. E o cansaço era tanto que a minha mulher e eu decidimos que dávamos uma vista de olhos na primeira fase, a da fachada do «Tesouro» e trataríamos de contratar a tal charrete que nos levasse até lá a cima. Quanto ao resto, haveríamos de voltar a ver na Internet, agora que tínhamos uma noção do local e da dimensão fantástica de tudo aquilo.

147.JPG

 

Então, vendo por ali uma charrete vazia, logo tratámos de a contratar mas o timpanas viu que estávamos derreados e explorou a situação de um modo que se assemelhou à diplomacia dos piratas do Mar Vermelho: o preço da subida seria, afinal, igual ao que o «famoso» nos tinha dito que correspondia à ida e volta, € 40,00. Tudo bem, nem discutimos. O que nos chocou mais foi, contudo, o facto de a charrete ao lado desta que arrematáramos estar já contratada por alguém que pagara na origem, lá em cima, a descida e a subida e cujo timpanas, vendo que por ali havia outras situações de grande exaustão, fechou outro negócio por € 100,00 só pela subida deixando o cliente inicial sem outra solução que não fosse perder o dinheiro que já pagara e subir a pé.

 

Mas o que mais me chocou ainda estava para vir: a nossa exaustão não foi nada em comparação com a dos cavalos das charretes quando chegavam lá a cima em haustos de grande aflição e um deles, cheio de «cornage», ouvia-se à distância. Um verdadeiro crime cuja cessação deveríamos promover com a maior urgência. Um Governo que permite tal «cartão de visita», presta um muito mau serviço ao prestígio da sua Nação. Só animais tão voluntariosos e generosos como os cavalos é que se submetem a tal situação e o bicho homem, selvático, explora-os ignobilmente até à exaustão. Um verdadeiro crime!

 

Zangados com tudo aquilo, arrastámo-nos até ao hotel para o almoço. Tudo bem, mas cada pessoa só tinha direito a um copo de água. Se quisesse outro, tinha que comprar uma garrafa de litro e meio que eles vendiam ao preço de quem a tinha ido buscar às neves eternas do Kilimanjaro mas se quisesse álcool, então teria que pagar uma bula salvadora do crime de lesa não sei quem.

 

Um amigo meu diz-me que gosta muito da Jordânia porque conhece lá muita gente muito civilizada. Pena eu não ter conhecido essa elite e me ter limitado a esta ralé do mais vil com que alguma vez me cruzei. E eu até já conheço um bocado do mundo - mas tão reles como isto, nunca tinha visto.

 

(continua)

 

Abril de 2019

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Henrique Salles da Fonseca

ARÁBIA FELIX – 14

 

Alvorada pelas 6 da manhã, pequeno almoço pelas 7, início da excursão a Petra pelas 8. Rodas à viagem para fora de Aqaba pelas 8,30 em estrada relativamente boa, paralela ao caminho de ferro, vale acima por onde Lawrence da Arábia veio por ali a baixo.

 

Aridez seguida de mais aridez, mesmo assim topei com 4 ou 5 muros de contenção das chuvas e respectivos aluviões, antes que assolem a cidade lá no fundo. Noutros locais, chamaríamos represas ou mesmo mini-barragens mas ali não passam de muros de contenção de lamas. Mas estão cheios pelos aluviões anteriores e que, caso aí venha nova chuvada, servirão mais de trampolim do que de retenção. Perguntado, o guia não me respondeu sobre há quanto tempo por ali não chove; já não lhe perguntei sobre a previsão meteorológica porque ele vive em Amman, não deve saber destas particularidades do extremo Sul e estava ali para receber as comissões dos lojistas, não para nos responder a curiosidades não previstas no programa que lhe tinham consignado na agência de turismo.

Jordânia-Sul-4.png

Jordânia – no caminho de Aqaba para Petra

 

Até que o vale subiu, subiu e se transformou num planalto onde há vida com aldeias e seus minaretes, culturas (de sequeiro, claro) e animais por aqui e por ali.

 

Miséria? Não no conceito que eles próprios possam atribuir à condição de miserável mas, para nós, aquela é por certo uma vida muito contida. E, mesmo assim, o grau de insatisfação leva aquela gente a emigrar com uma certa militância. Vê-se o investimento feito pelos emigrantes que ali vão construindo casas algo desenquadradas das outras construções, como aquelas a que no nosso Norte chamamos as «casas tipo maison».

 

Foi também por causa deste afluxo de capitais que admiti que o câmbio da moeda jordana, o Dinar, equivalente a cerca de USD 1.50, não seja assim tão absurdo como de início me pareceu. Absurdo, sim, mas não tanto como pensei antes. É que a Jordânia – à semelhança de outros que bem conhecemos… – vem sendo apoiada financeiramente por várias instituições tais como o FMI e a UE. Em 2016, o pretexto para o apoio foi o acréscimo de custos que o país teve com os refugiados sírios. Mas, porquê aquele câmbio? Não me vou deter mais no tema pois que estou em turismo, não numa conferência sobre finanças internacionais ou de mercados de capitais. De uma coisa tenho a certeza: aquele câmbio não resulta das forças económicas naturais mas apenas de algum Decreto.

 

Assim meditei durante as cerca de duas horas de viagem por meio de paisagens lunares ou marcianas, até que chegámos a Petra, cidade enclausurada num desfiladeiro que os jordanos actuais não resgataram assim tanto lá das profundezas em que os nabateus se enfiaram nos tempos idos. Porquê tão fundo? Água, certamente.

 

(continua)

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Henrique Salles da Fonseca

(junto a um neo-nabateu que cobra € 1,00 por foto)

 

ARÁBIA FELIX – 13

 

Como dizem os franceses, Aqaba é um «cul de sac» ou, à nossa maneira, um beco. E já foi o fundo de um saco de gatos assanhados pois ali se encontram os extremos de Israel, Jordânia, Arábia Saudita e Egipto. Para já, tudo calmo, até prova em contrário.

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Note-se que se trata do único porto marítimo jordano pelo que é vital para o país que se estende por ali a cima com tudo longe através duma paisagem que nos faz duvidar se se trata de Marte ou da Lua. Agora, acaba em Aqaba (ou começa, conforme o sentido da marcha) o caminho de ferro construído no tempo do Império Otomano que liga a Amman e que de início se estendia bastante mais para Sul pela Península Arábica além… É por Aqaba que a Jordânia exporta fosfatos e é por ali que importa tudo, até turistas.

 

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Aqaba, Jordânia

 

Trata-se duma cidade aprazível na época em que por lá passámos (Março) mas que no Verão alcança vulgarmente os 50º Centígrados com a água do mar a rondar os 30º. Já lá vai o tempo em que não havia ares condicionados; já lá vai o tempo em que até os camelos se davam mal por ali. Não me informaram se também há estábulos para camelos com ar condicionado. Mas tiveram o cuidado de nos lembrar que aqueles a que habitualmente chamamos camelos são dromedários (apenas com uma bossa) e que os verdadeiros camelos são os da Ásia profunda e que têm duas bossas. Já sabíamos, mas é sempre bom recordar. Como se isso fizesse alguma diferença para o nosso propósito de apreciação do estado daquela Nação. E mais nos disse o guia que os camelos são animais de carga e que os dromedários são animais de sela ou de corrida. Os guias anteriores já no-lo tinham dito com mais erudição do que este jordano mais interessado nas comissões que os lojistas lhe dariam nas compras que nós, turistas, fizéssemos.

 

Uma curiosidade histórica: Lawrence da Arábia conquistou Aqaba aos otomanos vindo por terra quando os atacados esperavam o inimigo pelo lado do mar. Sim, o segredo é a alma do negócio da guerra.

 

Para além do porto marítimo, Aqaba é também uma estância turística que se está a fazer muito cosmopolita mas fica a menos de um tiro de obus da israelita Eilat.

 

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Eilat, Israel

 

E se este extremo de Israel é o acesso ao Mar Vermelho e a todos os mares do Sul, agora adquiriu novo valor estratégico quando está em vias de se tornar no ponto de abastecimento de água (a dessalinizar) que irrigará todo o Deserto do Neguev e o transformará integralmente em terra muito mais produtiva do que tem sido até ao presente.

 

A meia dúzia de quilómetros de Eilat fica a fronteira com o Egipto e a 17 de Aqaba fica a da Arábia Saudita. Ficámos a saber que há muito movimento turístico transfronteiriço de Israel com a Jordânia e com o Egipto mas não me informaram se o mesmo acontece entre Israel e a Arábia.

 

(continua)

 

Abril de 2019

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Henrique Salles da Fonseca

(pelas Arábias, algures)

ARÁBIA FELIX – 12

 

Continuando…

 

Admito que exista um sistema de comunicações inter-piratiano que tenha informado os interessados que aqueles dois navios de cruzeiro não eram alvos fáceis e que poderia ser mais proveitoso dedicarem-se a outros passantes. E, na verdade, não voltámos a ser perturbados na nossa rotina pelo Mar Vermelho acima.

 

Mar Vermelho a fugir.png

- Lá vem o «Costa» na nossa esteira!

 

Ao contrário do que os mapas da Senhora Professora lá da escola primária podem dar a entender, a partir de certo momento, o Mar Vermelho é suficientemente largo para que, navegando pelo meio, não se avistem as margens e isso faz com que, à falta de pirataria, tudo seja muito monótono.

 

E sendo praticamente impossível chegar a horas cristãs à piscina e encontrar uma cadeira disponível (quanto mais quatro que era o número que nos convinha), continuámos a optar pelo deck 10 da ré pois poderíamos tomar banhos de Sol sem o vento que zunia pela vante.

 

Pela minha parte, fui entrando por um livro de André Maurois (que não tive paciência para ler até ao fim, devolvendo-o à biblioteca do barco e que rapidamente substitui por outro que levara de Lisboa sobre Leon Blum, Albert Camus e Raymond Aron acerca do qual escreverei brevemente alguma coisa) e por imaginar a História que passara por cima das ondas antepassadas daquelas que estávamos a navegar.

 

Lembrei-me dos cerca de 400 portugueses chefiados por Sebastião da Gama (filho de Vasco da Gama) que estavam fartos de servir como tropas de elite do Preste João, que decidiram abandonar a Etiópia no que foram perseguidos por tropas etíopes que não os queriam deixar sair, das batalhas que foram tendo até finalmente avistarem os barcos portugueses que ali os tinham ido resgatar, da batalha que foi travada na praia (hoje eritreia) em que morreu Sebastião da Gama mas de que o Dr. João Bermudes saiu ileso, ali embarcou e regressou a Lisboa onde tudo contou; lembrei-me de Afonso de Albuquerque que quis conquistar e destruir Meca, intento gorado por falta de vento e por o reino de Judá lhe ter faltado com os 500 cavalos prometidos; lembrei-me de Pêro da Covilhã que, como emissário de D. João II, já tinha, antes de todos os outros, ido a pé de Alexandria até encontrar a corte então itinerante do Preste João…

 

Sim, foi pelo Mar Vermelho que o sonho português tentou muitas das aspirações de dar a volta ao poderio do Segundo Império Romano, o do Vaticano, apertando-o entre a Igreja monofisista abexim e os milenaristas franciscanos refugiados em Alenquer; lembrei-me de que o primeiro tempo foi o do Pai, o segundo foi o do Filho e de que este, em que nos encontramos, é o do Espírito Santo tão celebrado nos Açores (para onde os milenaristas tinham entretanto sido enviados); lembrei-me dos jesuítas que, gorando esse sonho de entendimento, tentaram converter os monofisistas etíopes ao catolicismo; lembrei-me da guerra que noutras paragens mas por motivos não muito diferentes já tinha oposto os cátaros a Roma, da rainha Santa Isabel que, sendo simpatizante cátara, foi canonizada por Roma naquilo que me parece um absurdo teológico…

 

Lembrei-me de tanta coisa que a monotonia da navegação sem piratas se me tornou agradável e «lembrativa».

 

Então, ao fim de cinco dias de navegação, acordámos atracados em Aqaba, extremo sul da Jordânia, Eilat à vista.

 

(continua)

 

Abril de 2019

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Henrique Salles da Fonseca

(por águas corânicas)

ARÁBIA FELIX – 11

 

 

Foi então que vimos a estibordo um barco de «pescadores» sem redes nem linhas mas com uns quantos homens atentos ao nosso navio. Estavam parados e assim nos ficaram a ver. Os seguranças, que já estavam a postos por baixo de nós no deck 8, assestaram os binóculos sobre eles e alertaram alguém por walkie talkie. Mas esse alguém já devia estar mais do que atento porque logo de seguida vimos um semi-rígido que meteu motores a fundo e nos fez companhia por estibordo a uma velocidade que nos poderia ultrapassar. Assim nos observaram durante uns minutos mais do que suficientes para nos soltarem a adrenalina.

 

Piratas.png

(imagem de piratas somalis que fui buscar à Internet pois não tive tranquilidade para fotografar e não ver a nossa cena directamente – os «nossos piratas» não estavam aparentemente armados como estes da foto)

 

Não se aproximaram mais do que uns 400 metros mas deixaram de acelerar tanto e afastaram-se a pouco e pouco. Não chegámos a receber ordem de retirada para o interior do navio mas a observação estava feita e certamente que transmitida a quem dela se serviria para…

 

Foi no dia seguinte que soube que, dormindo eu profundamente pelas 3,30 h da manhã, a música parou repentinamente na discoteca e os foliões foram mandados para os respectivos camarotes sem passarem pelos decks exteriores; espreitando por uma nesga da cortina, uma passageira de um camarote próximo do nosso, viu que estávamos parados em paralelo com outro navio; sem me acordar, a minha mulher ouviu uns barulhos que não identificou mas lembrou-se de que por cima de nós havia um dos postos de tiro dos snipers.

 

Com pena de tudo me ter escapado, ao acordar fui saber o que se tinha passado. Então, terá sido assim: o radar identificara 3 ou 4 barcos suspeitos na nossa rota, o Comandante dera ordem de alerta aos snipers e mandara fazer alto para ver no que a «coisa» dava. A companhia de outro navio (seria um «Costa» que há dias navegava por perto?) terá sido reconfortante não só por somarmos os meios de defesa como os putativos atacantes teriam que se dividir por dois alvos. Terá sido por este tipo de circunstâncias que os tais barcos suspeitos se afastaram da nossa rota para distância considerada segura e seguimos avante em toda a normalidade.

 

Os piratas devem ter ficado tristes por não terem feito «negócio» e eu fiquei triste por não ter participado nesta quase aventura. O que dá ter sono pesado, ser passageiro, não ser sentinela e não ter sido avisado de que alguma coisa se estava a passar.

 

Infelizmente (ou felizmente), não devo conseguir que nas minhas redondezas se volte a passar alguma coisa deste género porque não é assim tão comum sermos emboscados por piratas em alto mar. Mas como a esperança é a última a morrer, fico à espera duma próxima oportunidade.

 

Então, este foi o primeiro dia do resto do nosso cruzeiro.

 

(continua)

 

Abril de 2019

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Henrique Salles da Fonseca

(próximo do posto de tiro dos snipers sobre o nosso camarote)

ARÁBIA FELIX – 10

 

Anda por aí muita «fake new» e estou em crer que foi nesse estilo que se enquadrou a versão que há tempos circulou sobre a pirataria no Corno de África.

 

Dizia essa fake que os navios europeus iam despejar resíduos perigosos e pescar desalmadamente nas águas somalis, eritreias e iemenitas e que os cidadãos desses países, escandalizados com o desplante estrangeiro, tinham decidido combater tal prática fazendo o policiamento das respectivas águas e atacando os navios prevaricadores.

 

Não sei se não terá havido ilegalidades daquele género ou outras vilanias ainda mais torpes mas do que eu duvido seriamente é que os eritreus, somalis ou iemenitas se tenham alguma vez preocupado com esse tipo de assuntos. O que eles são é, pura e simplesmente, piratas.

 

Assim foi que alguém tentou culpabilizar as vítimas desculpando os atacantes. Uma completa inversão de valores, esta, sim, torpe.

 

E, zarpando de Salalah, foi para essas águas que nos encaminhámos…

 

Então, aí vamos nós de peito feito às balas da pirataria. Mas como homem prevenido vale por dois, o Comandante – seguindo as orientações da prudência – fizera embarcar em Mascate uma equipa de 14 atiradores especiais (snipers) que estavam autorizados a atirar a matar tudo o que bulisse à tona da água e de que eles desconfiassem. Disseram-me que se tratava de um grupo tunisino pelo que descartei a hipótese de serem «piratas reciclados».

 

Tinha sido precisamente em Mascate que me cruzara com dois deles na escada do portaló e fiquei com a certeza de que optaria pela piscina em vez de tentar nadar à volta do navio. Os fuzis deviam ir desmanchados dentro das malinhas «à James Bond» que levavam discretamente na mão; duvido que fossem explosivos para afugentar tubarões ou para a pesca ao candeio. Viemos a saber mais tarde que a observação nocturna era feita também com infravermelhos.

 

Os simulacros de emergência já tinham sido feitos antes de chegarmos à zona problemática que é a que vai das águas somali-iemenitas, passa o Estreito de Áden, entra pelo Mar Vermelho e chega mesmo à boca do Golfo de Aqaba. Para além do simulacro com passageiros, houve também mais dois apenas para os tripulantes em que um dos exercícios era o da evacuação dos camarotes e condução dos passageiros para os respectivos locais de concentração e eventual resgate. A minha trincheira era no casino, a trás duma slot machine. Passei a associar pirataria a «Bally», a marca da dita máquina.

 

Foi de noite que passámos ao largo da ilha de Socorotá (hoje, iemenita) pelo que não a vislumbrei assim registando um desaire da minha curiosidade. Sim, essa ilha era o ponto de apoio dos navegantes portugueses quinhentistas na rota entre a amiga Etiópia (a do Preste João) e Diu. De clima horrível, até as árvores (poucas) assumem formas estranhas.

 

SOCOROTÁ.png

 

Nunca a povoámos devidamente e apenas os Franciscanos ali instalaram uma missão para prégarem… às pedras.

 

Entrámos no Golfo de Áden e navegámos paulatinamente até ao Estreito (que Afonso de Albuquerque tentou debalde conquistar) onde amanheceu. Tomámos o pequeno almoço e fomos para o deck 10 da ré onde o vento (entrando pela proa) não incomodava. Vimos o mar a fugir por baixo de nós, peguei num livro e apanhei Sol.

 

Até que a velhota baixinha se sentou ao meu lado e pôs os pés sobre a banqueta que estava à sua frente a ver o mar a fugir. Fez-me lembrar a minha professora de geografia no liceu que nos falara dos tubarões que enxameavam o Mar Vermelho durante uma viagem que ela fizera de Goa a Lisboa. Cheguei-me à amurada e só vi água. Disse-lhe em castelhano (a maior parte dos passageiros era de espanhóis) e depois em inglês, que não havia tubarões. Não esboçou qualquer reacção e admiti que se considerava superior à minha insignificância ou que era apenas malcriada. Deixei passar o não-incidente e regressei à minha confortável cadeira. Daí a pouco, chegou outra velhota que lhe gesticulou qualquer coisa que não percebi. Sim, é verdade, nunca aprendi língua gestual, não consigo comunicar com surdo-mudos.

 

E foi então que…

 

(continua)

Abril de 2019

150-Canal de Suez 1.JPGHenrique Salles da Fonseca

(no deck 10 da ré do Horizon)

ARÁBIA FELIX – 9

 

Já faz alguns anos quando, passeando pelo Nordeste brasileiro, cruzei uma localidade que não consegui levar muito a sério por causa do nome que algum pândego lhe fez aprovar: Itapipoca. Bem sei que «ita» significa «pedra» nas línguas tupi-guarani (?) mas a «pipoca» tira-lhe condição para entrar com um mínimo de prosápia na Academia Brasileira de Geografia.

 

O mesmo se passou agora quando me preparava para arribar a Salalah (صَلَالَة) mas tenho que dar a mão à palmatória pois que ela foi a capital do Sultanato até 1970 quando Qaboos se mudou para Mascate (a hora e meia de avião) com a sua corte e, o mesmo é dizer, com o Governo.

 

No último recenseamento (2010), tinha cerca de 160 mil residentes mas a guerra no Iémen fechou a fronteira que dista curtos (estrada boa) 170 km e, vai daí, falhou a vocação de grande cidade fronteiriça. Resta uma abertura não garantida na fronteira de Al Mazyunah a relativamente longos (estrada assim-assim, segundo me disseram) 258 km.

 

Mas o interland salalaiano tem petróleo em abundância e é também a região onde existem as «florestas» de Pittosporum undulatum que produzem o muito valioso incenso. Não nos referiram se também há ouro ou mirra mas fiquei a matutar se os Reis Magos não seriam omanitas. Aceito sugestões alternativas.

 

É também naquela região que se faz a criação extensiva de camelos de corrida e é na cidade que se localiza a única fábrica de cimento do país. E, claro está, é também lá que funciona a refinaria de petróleo que abastece o consumo interno. Ou seja, a cidade mexe e, não se expandindo em altura, tem avenidas largas e condomínios algo misteriosos com muros a trás dos quais se avistam casas que devem ser boas à séria.

 

Omã-árvore do incenso.jpg

Admito que o incenso possa ser um bom negócio mas a «floresta» que nos foi mostrada, dá uma ideia muito sui generis

 

E como se sabe da geografia económica, um interior desenvolvido implica quase sempre um litoral desenvolvido (o vice-versa não é garantido), a cidade tem no porto marítimo a sua grande motivação.

 

Omã-praia de Salalah.jpg

Praia da Salalah - o turismo está a crescer e a costa é aprazível já que o interior…

 

E tudo isto, sem contar com S. Joaquim que esse, no estado fúnebre em que se encontra, não se importa nem se exporta.

 

Tudo visto e gozado, zarpámos pela hora de jantar rumo à pirataria.

 

(continua)

 

Abril de 2019

Omã-praia de Salalah-2.jpg

Henrique Salles da Fonseca

(praia de Salalah)

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