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A bem da Nação

ÁFRICA

 

Vida Vivida – 2

 

Mais algumas memórias, rebuscadas com saudade e tristeza. O trazê-las de novo à vida faz que não desapareçam.

 

Num dos últimos textos falei de um grande amigo, o Renato Lima, e só me faz bem relembrar mais uma pequena passagem da sua vida. Como já disse o Renato era um bom garfo e um razoável copo. Nada demais, e sobretudo um grande e alegre companheiro.

 

No tempo em que ainda se caçava, com disciplina e sem destruir o meio ambiente, lá fomos, num fim-de-semana, um grupo normalmente “capitaneado por outro Grande Amigo, o Zé Neto – José Ferreira Neto – grande caçador e também um magnífico companheiro.

 

Tanto o Renato como o Zé Neto teriam uns 15 a 17 anos mais do que eu, mas considerávamo-nos como irmãos.

 

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Renato Lima aí por 1960 e... tal

 

Nesse dia, depois de muito penar, caçou-se um antílope, talvez um Sembo ou Nunce (Redunca arundinum), macho solitário, bem grandinho, que devia pesar uns 65 a 70 kilos. E sempre a carne destes antílopes era coisa de reis. Melhor, de imperadores!

 

De Portugal, por navio, um amigo tinha mandado ao Zé Neto dois garrafões dum vinho, safra “especial” da sua propriedade! Então, face a essa gulosa perspectiva, assentou-se que seria em sua casa que se faria a almoçarada acompanhada da viajada preciosidade.

 

Como eu era parte do espólio cinegético, propus levar mais um convidado, o Renato, que não conhecia os donos da casa.

 

A dona da casa, Arlete, era uma excelente pessoa. Nunca a vi reclamar de nada e sempre recebia os amigos com uma especial lhaneza. Uma senhora e mãe de família que sempre admirei e muito estimei. E tinha um óptimo cozinheiro.

 

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Zé Neto, grande amigo e grande caçador

 

Antes do almoço chegar à mesa, abre-se o primeiro garrafão... estragado! E o segundo. As rolhas não aguentaram a viagem e o tal “magnífico”... azedou. (Por isso o bom vinho de garrafão seguia de Portugal para África com um grande capacete de gesso). A garrafeira da casa supria esse lamentável prejuízo, além das Cucas que eu podia providenciar. Entretanto, avança sala dentro o magnífico Sembo, assado, lindas batatas bem coradas à ilharga, que se foi sempre regando, indirectamente, com uns quantos copos de vinho ou de cerveja.

 

No fim do pantagruélico repasto, o Renato, com os seus 90 ou mais kilos estava com um tremendo peso nas pálpebras e só conseguiu dizer que precisava dormir um pouco. Ninguém causou problema.

 

- Nesta casa está à vontade.

 

Foi-se deitar na cama de um dos quatro filhos e roncou umas boas duas horas! Quando acordou estava envergonhadíssimo. Mas fazer cerimónia, em Angola, entre amigos, era coisa inexistente, apesar de ir dormir a sesta quando se vai pela primeira vez a casa de alguém...

 

Voltemos ao meu secretário, o famoso António

 

Como disse em texto anterior, o António era o guardião da minha casa quando eu me ausentava de Benguela, antes da minha mulher lá ter ido.

 

E também contei que tinha ido fazer um estágio numa fábrica na África do Sul. No final do estágio e do jantar de despedida, a fábrica entregou a cada um seu diploma, constando que tinha feito o estágio, de tal a tal dia, assinado por dois diretores, e autenticado, como era de praxe, com um selo de lacre e duas fitinhas de gorgorão (também sei coisas femininas!) nas cores vermelha e amarela, as cores das máquinas. Muito bonitinho.

 

Um mês ou dois depois do regresso, da sede da Lusolanda, em Luanda, o patrão mandou dizer-me que devia emoldurar o diploma e colocá-lo na loja para valorizar a nossa organização perante os clientes. Tudo bem.

 

Como a casa era espaçosa para um jovem casal, um dos quartos serviu durante muito tempo para guardar as tralhas que aos poucos se iam arrumando. Em casa, dei volta a tudo, sobretudo nesse quarto da arrumação, que era uma desarrumação, com o pouco que tínhamos no princípio da nossa vida, mas o tal de diploma, aparecer é que nada. A minha mulher já estava lá em casa e nada sabia do bendito diploma. Mistério!

 

Mesmo com a dona de casa em casa, no início da sua estadia, quase todos os dias, depois do trabalho, o António ia até lá para ajudar a arrumar caixas e minudências, ganhando assim mais um trocado.

 

O António era um tipo sensacional.

 

Foi ele que me ajudou a desencaixotar os trastes, idos de Lisboa, que em Angola viraram imbambas ou bicuatas.

 

Bom a conversa está muito boa, mas e o diploma? Cadê o diploma?

 

É verdade. Depois de me certificar que não o encontrava, conclui que só o António poderia saber do seu paradeiro, visto ser a única pessoa, além do casal, que tinha acesso a nossa casa e àquele quarto, donde nunca, nunca, tirou uma migalha. Já tínhamos contratado um cozinheiro, mas além de mim e da minha mulher só ele entrava no quarto que tinha espalhado no chão um monte de coisas, como louças, livros, bibelôs, etc. Não só não tínhamos móveis suficientes onde os guardar, precisavam de ser separados e arrumados, mesmo que ficassem no chão.

 

Ali, algures, por cima daquela tralha, daquela bagulhada, tinha sido guardado o diploma.

 

O António quando lhe falei nisso fez-se vermelho (é verdade, sim, os pretos também coram, lá por terem a pele escura, vê-se muito bem) e quase jurou que não tinha visto o tal papel bonitinho.

 

Cacei o mistério!

 

- António! Eu quero esse diploma aqui, amanhã! Sem falta.

 

No amanhã o diploma estava lá! Um pouco amarrotado com a viagem de ida e volta até casa do António, claro, mas... o lacre e as fitinhas de gorgorão não regressaram!

 

Aquelas fitinhas e o lacre foram mais fortes do que a resistência do António contra tentações! Pratos, copos e outros quejandos ele conhecia bem, havia visto muitos toda a sua vida, mas um papel com aquele enfeite bonito...

 

Resultado: não se emoldurou o diploma, não voltei a falar nele ao pobre homem que caíra naquela terrível tentação, guardei-o por muito tempo, amarrotado e sujo, porque a história me enternecia e por culpa agora das nossas muitas outras viagens mundo fora, com a casa às costas, o diploma... sumiu!

 

Ficou a saudade. Grande António! Saravá António!

 

--- * ---

O cozinheiro e as pescadinhas

 

Como não é difícil de imaginar, a dona da casa... não demorou a ficar à espera do primeiro filho. E passou por aquela clássica fase do enjoo!

 

Um dia chego a casa para almoçar, mamãe deitada, enjoada, nem sequer podia ouvir falar em comida! Almocinho, que é bom, nada!

 

O cozinheiro aguardava instruções, paciente, sentado na mureta exterior da entrada da cozinha, em equilíbrio de fazer inveja ao Cirque du Soleil, e a uns 4 ou 5 metros de altura dormia que nem um justo, que era.

 

Passo-lhe a mão por fora, para que ele não se assustasse quando o chamasse, não fosse cair dali abaixo, dou um grito (meio grito!) perto do ouvido dele, que em vez de se assustar, abriu tranquilamente os olhos.

 

- Sebastião (faz de conta que ele se chamava assim), não tem almoço!

- Não, patrão.

- E agora?

- Se o patrão quiser eu vou ali ao mercado e compro umas pescadinhas.

- Quando custam?

- Um e quinhenta, seis.

 

Achei um disparate. Seis pescadinhas por um angolar e meio! Dei-lhe meia cinco, isto é, dois e cinquenta, e lá foi ele. E eu fiquei à espera que ele voltasse a dizer que o dinheiro não tinha chegado.

 

O mercado era perto da nossa casa. Não tardou muito o Sebastião voltou com as seis pescadinhas, lindas, fresquinhas, enfiadas num junco e... um angolar de troco!

 

Fê-las de “rabo na boca”, batatinhas cozinhas, eu almocei correndinho e voltei para o trabalho.

 

Mamãe, mesmo o cheiro, magnífico, das pescadinhas não quis testar!

 

Ah! Como eram lindos aqueles tempos!

 

E como era, e ainda é, maravilhoso o peixe daquelas águas!

 

23/10/2016

 

Francisco Gomes de Amorim

Francisco Gomes de Amorim

ÁFRICA

 

VIDA VIVIDA

 

Quando dizíamos à nossa primeira neta para ela “puxar pela cabeça”, ela tentava, com as mãos, puxar a cabeça para cima!

 

Agora sou eu que puxo pela cabeça para ver o que ainda lá dentro encontro de historinhas “daquele tempo”, quando o mundo girava à nossa volta, visto que agora somos nós que giramos à volta da canalhice institucionalizada!

 

Eram bons tempos? Eram, sim, sem dúvida.

 

Sem computadores, Internet, desenfreada especulação financeira, os povos primitivos, alguns, ainda felizes e sem fome, ignorados pelos “simpáticos” exploradores/cooperantes, havia alguns resquícios de escravidão, como hoje continuam, enfim, mas quer parecer que havia mais respeito, mais ética, mais hombridade nas relações, individuais e mundiais.

 

Mas vamos às historinhas.

 

A primeira galinha “à cafreal”!

 

Chegado a Angola, Luanda, começo de Agosto de 1954, quinze dias depois fui levado pelo meu colega, e chefe (!), a uma volta pelo interior para conhecer e me acostumar àquela terra.

 

Primeira visita na Quibala.

 

Uns irmãos, transmontanos, cujos nomes já estão fora do meu arquivo cerebral, estavam a montar, ou organizar, uma fazenda. O mais novo assumiu essa tarefa enquanto os dois mais velhos continuavam a trabalhar para arranjarem o necessário dinheiro. A visita baseava-se numa consulta para a compra de um tractor, e implicava uma demonstração.

 

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1954 – Com o Soba da Quibala

 

De manhã, tractor a postos, um pouco de terreno arado, discussão sobre os mais indicados implementos, condições de pagamento e outros assuntos chatos, chegou entretanto o meio-dia e todos com os estômagos a reclamar.

 

O proposto cliente tinha um único ajudante angolano para todas as tarefas necessárias, inclusive cozinhar. Era o Lisboa.

 

Enquanto o fazendeiro foi à “cidade” buscar uns garrafões de vinho, o meu chefe e eu ficámos a colaborar com o “mestre” Lisboa para apanhar uma das muitas galinhas que já ali criavam, à solta. Foi uma festa! O Lisboa fazia de goleiro enquanto nós corríamos atrás delas e as encaminhávamos para que ele as apanhasse. Lisboa voava, mas as ladinas aves sempre “metiam” golo. Eu já chorava de tanto rir, quando finalmente ele cai em cima de uma penosa, mete-lhe a indispensável faca na goela, depena-a e começa a assar, sempre com um punhado de penas na mão, que mergulhava num copo cheio de gindungo (piripiri) e pincelava a dita.

 

Entretanto o fazendeiro chegara com o vinho, fomo-nos sentar dentro da cubata improvisada, mas que, à boa moda transmontana, tinha pendurado do tecto um magnífico presunto! Talvez até de Chaves.

 

Lisboa, junto ao lume virando e pincelando a galinha e nós confortavelmente sentados em caixotes ou pedaços de árvores, cortando pequenas lascas do presunto, uns pedaços de pão (bom) e bebendo uns tragos.

 

Chegou a galinha! Linda. Gorda. Bem assada. Rapidamente destroçada e dividida, parte entregue ao artista da cozinha, e vá de saborear aquela maravilha.

 

O gindungo fora generosamente aplicado. As beiças ardiam desde perto do nariz até quase ao queixo, como se fossem elas que tivessem estado no fogo. O vinho, tinto de garrafão de capacete, num instante secou.

 

Já não lembro se o meu chefe fechou negócio. O Norte de Angola era área dele. A minha ficou o Sul.

 

Mas o que até hoje lembro com uma saudade imensa é do Lisboa e da galinha. A melhor galinha que comi em toda a minha vida!

 

* * *

O meu “ajudante”

 

Na Lusolanda, o meu primeiro trabalho em Angola, em Benguela (terra de tanta saudade), eu era o responsável pelo departamento de máquinas agrícola na metade sul de Angola.

 

Na loja, que incluía, no stand de vendas, o meu lugar de trabalho (mesa e um pequeno armário com catálogos e arquivos), depósito de peças lá atrás e mais um pátio para outras máquinas e caixotes ainda por abrir, além de mim, agora “chefe”, trabalhava o encarregado do depósito, o Mário Brás, um pseudo comunista, que me divertia em filosofias e discussões políticas, e o ajudante, António, super humilde, atencioso, sempre pronto a atender qualquer pedido que lhe fizesse.

 

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O António (ao fundo, a minha mesa e a estante)

 

Volta e meia precisava duma ferramenta, chamava o António, e dizia:

- Vai lá dentro e traz-me...

 

Não tinha tempo de dizer o resto. António, prestimoso, corria lá dentro para ir buscar... o quê?

 

Apanhava a primeira coisa que lhe viesse à mão e voltava então, ar envergonhado, mãos atrás das costas, segurando qualquer objecto! Eu tentava ver o que ele trazia e quando descobria, dizia-lhe

- António: você nem ouviu o que disse “Eu queria um martelo!”

 

António, sorrindo, feliz, mostrava então que tinha trazido “o” martelo! Mas não era o que eu precisava.

- Muito bem. Agora escuta e não vai embora. Traz-me um alicate (ou qualquer outra coisa).

 

Vapt, vupt, António em poucos segundos estava de volta com o requerido alicate!

 

Esta cena repetiu-se inúmeras vezes, mas o António nunca deixou de querer resolver tudo a correr.

 

António, secretário particular

 

Os primeiros quase três meses em África, vivi-os “solteiro”. Já casado, tive que para lá seguir sozinho porque nos planos da empresa havia, além de uma estadia de duas semanas na África do Sul, num estágio na fábrica da Massey-Harris em Vereeniging, cerca de 50 kms a sul de Johannesburg, e percorrer parte do interior que me estava atribuído, para começar a conhecer o país, e, óbvio, alguns agricultores.

 

De Portugal levara uns quantos móveis, tinha alugado casa, que fui montando com a ajuda do “secretário particular” que nas minhas ausências dormia lá para “tomar conta”.

 

Estando em Benguela, o programa era simples. No fim do dia de trabalho, montava na minha bicicleta, António sentado no quadro e lá íamos até casa.

 

À noite saíamos, na mesma condição veicular, levava o António até perto da casa dele e eu ia jantar.

 

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O “chefe”, sua viatura (de dois lugares e um “cavalo” de força) e a casa alugada (o andar de cima – óptimo!)

 

Uma noite, cortando caminho por ruas pouco frequentadas (eram todas assim, mas...) o farol da bicicleta aceso, surge no meio da rua uma cobra! Imensa! Aí com um metro e pouco? Talvez. António saltou logo fora e afastou-se como se tivesse visto o demo! Eu aproximei-me com a bicicleta. Consegui pôr-lhe a roda da frente em cima, atrás da cabeça, e... e depois? Ah! E depois disse ao António para arranjar alguma coisa, um pau, por exemplo, para matar a dita e aterrorizante serpente, que ninguém sabia se era venenosa ou não!

 

António lá encontrou a conveniente arma, mas não era capaz de se aproximar!

 

Naquele tempo o traje para andar em África era simples: calção e bota grossa, daquelas que se ensebavam com sebo de carneiro... e eram magníficas. Como a cabeça da bichinha estava imobilizada não foi difícil resolver o “perigo” com uma forte pisadela.

 

Só então, e depois de atirarmos o cadáver para um canto, António se aproximou, entrou no seu lugar na “viatura” e seguiu até casa!

 

Ainda tem outra história com o António, já contada no meu livro “Se as minhas Imbambas falassem”, escrito entre 1999 e 2000, mas vou deixar para a próxima!

 

17/10/2016

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Francisco Gomes de Amorim

DE ANGOLA, COM MUITA SAUDADE

 

 

No meu livro “Contos Peregrinos a Preto e Branco” faço um pequeno e extremamente incompleto “retrato”, entre outros, de um grande amigo que há tempos descansa das agruras da vida.

 

Sempre o recordo com imensa saudade e, apesar de ter perdido a sua companhia, é impossível não sorrir, ou rir, lembrando a sua contagiante alegria e muita amizade.

 

Houve uma época da minha vida em que fui, durante alguns anos o responsável comercial das famosas, e muito saudosas cervejas

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 Uma ou outra vez reunia-se todo o pessoal comercial para lhes falar sobre técnicas de venda, psicologia do vendedor e do comprador, etc., essas coisas um bocado “chatas” sobretudo para quem tinha o “carrego” de botar faladura.

 

Duravam esses “cursos” talvez uma hora de manhã e outra à tarde, de que já não recordo bem porque se passaram há... mais de meio século!

 

Não havia computadores, nem modernices, e então munia-me de folhas de papel almaço com frases chaves, sobre isso tentava transmitir alguma coisa e, sobretudo, segurar o máximo de tempo possível a atenção dos pacientes ouvintes, sem os cansar muito!

 

Técnica de vendas é como qualquer técnica: tem que se estudar e aprender, apesar de haver “vendedores natos”, como natos há engenheiros, curandeiros, escritores, etc.

 

O mais velho dos que tinha que me ouvir, nas sessões da parte da tarde, dava-lhe um peso nas pálpebras, a que se costuma chamar sono, a que não conseguia resistir; um dos mais antigos empregados nessa Companhia, sempre como Encarregado das Relações Públicas, o Renato Lima.

 

O Renato, além de ser um óptimo companheiro e um grande amigo, era um bom garfo, e apreciava, como ninguém, um bom petisco.

 

Uma das frases chaves, que deveriam ser repetidas até hoje, todos os dias, em todo o lugar, é:

 

SE QUERES COMANDAR A NATUREZA TENS QUE OBEDECER ÀS SUAS LEIS”.

 

A seguir era indicado o autor da frase: Francis Bacon!

 

O Renato só ouviu o bacon! Nada tinha ouvido até ali. Abre os olhos e diz:

- Ah! Bacon, eu adoro.

 

Foi uma gargalhada geral!

 

Em nossa casa, Luanda, criou-se a certa altura aquilo que se chamou o “almoço dos solteiros”. Como era comum os portugueses a cada três ou quatro anos terem direito a férias na “Metrópole”, muitos casais mandavam a mulher e filhos à frente, muitas vezes para aproveitarem algum período de aulas em Portugal, ficando os maridos um tempinho “solteiros”.

 

O tal almoço não obrigava a convidar ninguém porque a regra era simples: quem estiver solteiro às quartas-feiras podia aparecer.

 

Nunca sabíamos quantos convivas viriam, mas nunca isso criou problema.

O Renato era solteiro... mesmo. Divorciado, só bem mais tarde arranjou uma companheira, excelente pessoa, baixinha, com quem ficou até fechar os olhos, a quem ele chamava, carinhosamente, “o Pincelinho”!

 

Quando podia aparecer para o almoço, de manhã telefonava a minha mulher fazendo sempre a mesma pergunta:

- O almoço é do livrinho?

 

Livrinho era, e ainda é até hoje, o livro de receitas, escrito à mão com tudo quanto de boa mesa se havia recolhido até à altura, de ambas as mães, algumas tias e até avó, que Dona Bela lia, ar de magister, ao cozinheiro, para que este seguisse as convenientes e muito boas instruções culinárias. Depois deixava a cozinha, e o cozinheiro que, à medida que tinha ouvido as instruções culinárias e os vários passos e tempos para a feitura do petisco, a tudo assentira com a cabeça como se tivesse decorado o “andamento” do concerto. Por fim dava o seu toque, quase sempre tocando um tanto ou quanto no garrafão de vinho tinto, à disposição da cozinha (e do cozinheiro, que num tempo foi o “magnífico” Miguel!) e do patrão que nunca deixou de, às refeições, mesmo tendo cerveja de graça, devido à função, beber esse incomparável remédio vinífero.

 

Esse telefonema era a forma simpática com que o Renato marcava presença nesses almoços!

 

Quando, como tantos de nós, foi obrigado a sair de Angola, passou pelo Brasil onde não se deu bem e “retornou” a Portugal. Já estava entrado em idade e as oportunidades de trabalho não apareciam, até porque naquela altura os amigos também sofriam a era pós-25 de Abril e não o conseguiam ajudar. Não tardou que a saúde se deteriorasse.

 

Um belo dia, em Lisboa, numa rua, cruza-se com uma senhora da idade dele, aí pelos setenta anos, que lhe cai nos braços! De entrada o Renato não a reconheceu, mas logo viu a sua primeira namorada dos tempos de adolescente e que nunca mais tinha visto desde...! Foi uma festa a o que “Pincelinho” assistia sem saber o que dizer.

 

A antiga namorada então diz-lhe que tinha casado, o marido fizera uma boa fortuna, já tinha morrido fazia tempo, e vivia sozinha, felizmente com bastante dinheiro.

 

Fez uma proposta, no mínimo inusitada: Venham os dois viver comigo (“Honnit soit...”). Tenho uma casa grande, dinheiro e vocês não têm com que se preocupar com finanças.

 

Proposta aceite. Lá vai o Renato e seu Pincelinho para novo e aconchegante Lar.

 

A Saúde agravou-se e não tardou a ter que ser internado. A ex, sempre carinhosa, fez com que fosse para uma das melhores clínicas de Lisboa. Cara. Mas para ela isso não significava nada.

 

Ainda o fui lá visitar. Reconheceu-me, mas pensava que estava em Luanda. Fechou os olhos pouco tempo depois e as “duas viúvas” do Renato continuaram a viver juntas, amparando-se assim na terceira idade.

 

Bonita história de Amor.

 

# # #

 

Nessa longínqua e simpática época, precisamente em 1963, chegou a Luanda o Movimento dos Cursos de Cristandade.

 

Com algum esforço e argumentação pouco convincente me apanharam, e me meteram três dias numa espécie de clausura com mais uns trinta leigos e meia dúzia de padres.

 

Lá dentro fomos divididos em grupos de dez, tendo cada grupo um padre que fora convidado, não para ouvir a palavra do Evangelho, mas para apreender o Movimento e poder expandi-lo.

 

No meu grupo ficou um padre, escuro como um tição, idade indefinida, baixinho, cara redonda, batina sempre impecavelmente branca, mas que não parecia ter quaisquer intenções de mostrar os dentes, não só para os leigos como até para alguns dos outros padres.

 

Enquanto lá estávamos chegou-nos, à boca fechada, que aquele padre, já cónego, teria ligações com o MPLA, considerado na altura mais ou menos como o principal grupo terrorista!

 

E o “Curso” chegou ao fim. Reunião final, domingo já noite, todos reunidos, onde foi pedido a cada um que desse o seu testemunho da vivência que acabara de ter.

 

Eu, que me entusiasmo com relativa facilidade – pelo menos quando andava pelos trinta anos! – saí com o coração cheio.

 

Mas todos estávamos preocupados com a cara fechada do cónego, receando até que viesse a dizer que aquilo tinha sido uma perda de tempo. Quando chegou a vez de se manifestar, levantou-se, tranquilo, e disse:

- Pela primeira vez na minha vida vi uma marreta que pode derrubar o muro que separa os brancos dos pretos.

 

Nada mais precisou dizer para entusiasmar aquele grupo, todo.

 

Eu logo quis aproximar-me dele, e passei a assistir às missas que ele dizia. As suas homilias eram algo que ninguém queria que acabassem. Misturava cultura africana com a europeia, as fábulas e contos tradicionais, acabando sempre por lhes dar o sentido da Boa Nova.

 

Homem duma cultura e inteligência raras.

 

Um dia procurei-o e perguntei-lhe se ele queria fazer o favor de almoçar um dia em nossa casa. Disse logo que sim.

 

E apareceu, batina quase brilhando de tão branca, um sorriso que enquanto não apareceu a todos preocupou, e logo acarinhou os nossos filhos, na altura ainda só (!) cinco.

 

A nossa casa viveu um momento grande. Os nossos filhos não largavam o senhor a quem chamavam de tio.

 

E assim o cónego Eduardo André Muaca, entrou para a nossa família, como o tio Muaca, e quando nos encontrávamos perguntava: - Como estão os meus sobrinhos?

 

 

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Em 1967, no baptizado do “sobrinho” Tiago

 

Um dia, 1966, desapareceu de Luanda, de Angola. Sabíamos dos seus contactos com dirigentes do MPLA e imaginei que tivesse sido trama da famigerada PIDE. Fiquei furioso e triste. Consegui o endereço dele, estava em Roma, e escrevi-lhe, querendo saber o que se passava.

 

Respondeu-me que tinha sido chamado por Sua Santidade, o Papa Paulo VI para estudar, licenciou-se em Filosofia na Pontifícia Universidade Gregoriana em 1968. Em seguida foi para Madrid diplomar-se em Pastoral Catequética e frequentou o curso de Sociologia Religiosa em Lovaina na Bélgica. Regressado a Angola, eleito Bispo Titular de Isola e Auxiliar de Luanda e ordenado a 31 de Maio de 1970 na igreja de S. Paulo.

 

Foi recebido com imensa alegria.

 

Na véspera da sua ordenação, em Luanda, ainda conseguiu um tempinho para passar em nossa casa e deixar-nos um convite para assistirmos à cerimónia, nos lugares reservados à “família”!

 

Foi o primeiro padre natural de Angola, de Cabinda, a ser ordenado bispo.

 

Em 1973 foi nomeado Bispo de Malanje. Viveu momentos dificílimos na fase da transição para a independência de Angola com calúnias, ameaças e detenções, que abalaram muito a sua saúde. A detenção na qual foi ameaçado de morte foi na Missão de Lukembo na diocese de Malanje.

 

Em Agosto de 1975 é nomeado Arcebispo-Coadjutor de Luanda e em Janeiro do ano seguinte passou a Arcebispo Metropolitana cargo que exerceu durante dez anos (1975-1985) e que por motivos de saúde pediu a sua dispensa ao Papa João Paulo II.

 

Muito padeceu nesta situação. Com a proclamação da independência a situação mudou da noite para o dia. Devido a eclosão da guerra houve uma grande fuga das aldeias para as cidades, um êxodo de milhares de europeus para Portugal, uma fortíssima diminuição do pessoal missionário. Foram confiscados e ocupados os internatos masculinos e femininos. Também foram tomados e saqueados os edifícios, residências missionárias e missões. As estruturas pastorais, sociais, económicas ficaram danificadas, é neste quadro que D. Eduardo Muaca se encontrou quando ascendeu a Arcebispo Metropolitana.

 

Não admira que a sua saúde não tivesse aguentado.

 

Guardo como preciosos momentos algumas cartas que nos escreveu.

 

# # #

 

Porque escrever duas pequenas memórias, de duas pessoas tão diferentes, e juntá-las?

 

Em primeiro lugar porque ambos já partiram faz tempo, e continuam a fazer-me muita falta.

 

Depois porque sempre lembro que o dia 9 de Outubro é o aniversário do nascimento dos dois.

 

O Renato deveria fazer talvez cem anos. Há cerca de trinta nos deixou.

 

Dom Eduardo Muaca faria 92.

 

Vou beber hoje, já não às suas saúdes mas às minhas saudades.

 

Não tarda que os vá encontrar.

 

Que bom ter tido estes amigos.

 

 

9 de Outubro de 2016

 

FGA-2OUT15.jpg

Francisco Gomes de Amorim

 

DE ANGOLA, ALGUMAS HISTÓRIAS

 

 

1.- História quase triste

 

A Crise do Congo ex-belga entre 1960-1966 foi um período de imensa agitação que terminou com a tomada do poder por Mobutu. A crise tomou várias formas, entre elas as lutas anti coloniais (de uma forma geral os belgas eram detestados), conflitos tribais, uma guerra separatista no Katanga, um descalabro, com uma onda de violência e de selvajaria assolando todo o país, que causou a morte a mais de 100.000 pessoas.

 

Os brancos que lá viviam, muitos deles desde nascença, tiveram que fugir de qualquer modo. A Bélgica mandou buscar os seus súbditos. Portugal parece que até hoje não sabe o que são súbditos!

 

Um grupo de cerca de uma dúzia de pessoas, em dois jeeps, um deles carregando uma metralhadora, que felizmente não foi utilizada, conseguiu atravessar por pequenas picadas até Angola.

 

Desse grupo fez parte um casal, com dois filhos pequenos. Ele dizia que tinha trabalhado numa fábrica de cerveja e foi pedir emprego na Cuca, onde foi admitido para um departamento que se criou, de estatística.

 

Calado, cumpridor, mas sempre um ar de infelicidade. Volta e meia não ia trabalhar. O seu abatimento psíquico não recuperava com facilidade. Tudo quanto tinham haviam perdido. Agora estavam mais tranquilos, vida a refazer-se, crianças na escola, apesar de em Angola ter já começado o “terrorismo” que não se fazia sentir em Luanda.

 

Um belo dia o Dias – era este o seu sobrenome – sentiu-se pior e foi internado na casa de saúde com quem a Cuca tinha convénio.

 

Fomos visitá-lo. Estava abatido e o médico, um coimbrão inveterado, tratava-o de transtornos psíquicos. Todos os dias procurávamos saber da sua saúde, sem receber nenhuma notícia de melhora.

 

Uma tarde, estava eu a entrar para o meu carro para seguir para Nova Lisboa (Huambo) o porteiro vem a correr dizer que a esposa do Sr. Dias queria falar comigo e era muito urgente. Fui atender.

 

“Só para informar que vou levar o meu marido para casa. Assim ele morre ao pé da mulher e dos filhos.”

 

Fiquei aterrado! O que se passaria? Ela disse que o médico não o tratava, que ela estava a vê-lo definhar e via que ele ia morrer logo.

 

Pedi-lhe para não fazer nada. “Vou já para aí.”

 

Já não fiz a viagem para o sul. Pedi na Companhia que procurassem o médico dele e que corresse para a casa de saúde, onde fui encontrar o doente com um aspecto horrível: muito magro, cor acastanhada, sofrendo.

 

O médico não apareceu; entretanto entrou o director da clínica, um bom cirurgião, a quem contei o que se passava. Respondeu-me que era responsabilidade do médico dele.

 

“Não, não é, doutor. É sua. O senhor é o director da clínica, e pode ter a certeza que se acontecer alguma coisa vou processá-los.” Foi ver o doente, e eu ao lado a acompanhar.

 

Levantou o lençol e viu que a barriga do doente parecia de um defunto. Septicemia, grave. Pediu os exames que deveriam ter sido feitos, e a enfermeira disse que não havia exames!

 

“Quero os exames.... (uma porção deles) prontos em meia hora. Chame o anestesista, porque vamos ter que operar já. Depois virou-se para mim e disse: “Eu não toco neste doente sem que o médico dele esteja aqui. Porque se ele morrer durante a operação ele é quem vai assumir a culpa.”

 

Sai um batalhão de gente à procura desse coimbrão. A sala de operações pronta: cirurgião, anestesista, auxiliares, e nada de começar.

 

O Dr. coimbrão avisado da gravidade do caso em vez de ir ver o doente foi ver o futebol! A Académica jogava nesse dia em Luanda contra um clube de Luanda.

 

Um colega da Cuca descobriu-o ali, agarrou-o por um braço e levou-o para a clínica. Mal entrou puseram-lhe uma máscara, o cirurgião mandou-o ficar num canto, quieto, dizendo-lhe que se acontecesse alguma coisa ele iria ser responsabilizado.

 

Demorou uma hora a operação e quem estava lá, como a esposa do Dias, e mais dois colegas da Cuca, num total silêncio. Por fim o médico que o operou sai, chama-me e diz: “Se tivesse sido feito na hora, era uma facadinha e dois pontos. Assim tivemos que cortar um pouco do intestino, limpar tudo, e agora as primeiras 48 horas são fundamentais. Se as vencer pode ser que se recomponha.

 

Vivemos essas horas num sobressalto. Passadas, o médico volta a dizer que fica mais uma semana na clínica e se tudo correr bem poderá ir para casa!

 

Santo Deus! Que alívio. O Dias estava fora de perigo. A mulher chorava de comoção e eu consegui seguir para Nova Lisboa.

 

***

 

Histórias alegres

 

2.- O telegrama

 

Lá por volta do final dos anos 40 ou 50 do finado século XX, foi quando Portugal reparou que tinha territórios excepcionais no ultramar, e começou devagarinho, e a medo, a abrir as portas à “emigração” sobretudo para Angola e Moçambique.

 

Chamar emigração dentro do mesmo país...

 

Há absurdos na história que, hoje contados, as pessoas pensam que é mentira, como por exemplo ser necessário para ir para Angola, uma “Carta de chamada”, obrigando-se o “chamador” – empresa – a responsabilizar-se por devolver o cidadão à metrópole em caso de... nem se sabe mais do quê!

 

São histórias que pertencem não ao século findo, mas na verdade aos séculos muito passados!

 

Vale contar duas histórinhas:

 

- Um jovem português sai do pátrio lar e decide ir para Angola. Os pais, chorosos, pedem-lhe insistentemente que assim que lá chegue dê notícias. África ainda era o continente onde cobras e leões se passeavam nas ruas das pequenas cidades, as doenças tropicais grassavam e matavam sem que o doente disso se apercebesse e o terror ficava na família que, junto à lareira, chorava de saudades à espera de notícias.

 

O emigrante, a quem chamaremos Nuno (porque precisa de um nome) nunca mais disse nada e os pais sofriam. A todos os conhecidos e até desconhecidos que iam para aquela terra pediam, pelo amor de Deus e dos anjos, que lhes dessem notícias do filho e, sobretudo, que lhe pedissem para escrever aos pais.

 

Os portadores dessa incumbência se encontravam ou não o “fugitivo” também pouco ou nada diziam, mas alguns insistiam: “Deixa de ser preguiçoso. Escreve aos teus pais. Estão a ficar velhotes e sofrem muito com a falta de notícias.”

 

Nuno dizia a tudo que sim, que tinham razão e iria escrever. Mas... nada.

 

Um dia, depois de muito instado, Nuno tomou uma atitude heróica, apesar de passados já uns três ou quatro anos depois que chegara a Luanda.

 

Foi aos correios e mandou um telegrama aos pais:

 

FGA-angolana 2.png - CHEGUEI BEM STOP NUNO

 

3.- O casamento

 

Outro emigrante, mais ou menos da mesma época. Os pais menos preocupados com o recebimento de notícias, mas com o ambiente que o filho iria encontrar, advertiam:

 

- Meu filho, quando começares a ver que as mulheres negras afinal não são tão escuras, toma cuidado.

- Meu pai, não precisa se preocupar. Vejo muito bem e jamais irei confundir as cores das peles.

 

Não passou muito tempo, mas como o Nuno, André, o novo personagem, também não era dado a escritas, recebe uma carta do pai que volta a aconselhá-lo que tomasse atenção ao olhar para as mulheres, e... “se vires que estão a ficar mais claras...”

 

André encheu-se de coragem e respondeu:

 

“Pai: não precisas ficar preocupado comigo. Sei muito bem distinguir o que me pretendes avisar. Quando aqui cheguei vi milhares de mulheres negras, por todo o lado, o que muito me impressionou. Mas não sei o que passou nesta terra porque desde há algum tempo que não vejo a não ser uma ou outra bem velhinha. De resto, podem não ser louras, mas não encontro mais mulheres negras. Todas têm uma pele linda, clara, muito mais bonita que as trigueiras dessa nossa terra.

FGA-angolana 1.png E olha pai: já estou casado com uma linda senhora desta terra, tenho um filho e vivo entusiasmado, para não dizer excitado ao ver todas as outras com quem me cruzo nas ruas, ou encontro nas lojas.”

 

Era assim.... em Angola.

 

8 / 09 / 2016

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Francisco Gomes de Amorim

ÁFRICA - HISTÓRIAS E CONTOS

 

 

 

Ibondeiros.jpg

 

 

Angola, como todos os países africanos, usa muito provérbios. Faz parte inseparável da sua cultura e têm sempre uma profundidade grande. Vamos começar por um, angolano:

 

Muezu ua muadiakimi, a-u-sung ni ndunge (*)

Barbas de homem idoso, com jeito se puxam

(Com brandura, tudo se consegue)

 

Antes de continuar com contos tradicionais, duas histórias de portugueses em Angola, muito conhecidas da velha gente daqueles tempos, mas ainda hoje recordá-las é um prazer grande.

 

Henrique Galvão, que chegou a ser um homem da confiança do Salazar, depois o seu mais terrível adversário, foi preso em Lisboa, evadiu-se da cadeia, fez o primeiro sequestro mundial de um avião, da TAP, obrigando-o a ir para Casablanca, depois repetiu a iniciativa ao sequestrar o navio “Santa Maria” que deu um tremendo brado internacional, mas ninguém lhe pode negar que não tenha sido uma personalidade de valor. Meio louco como o seu compadre Humberto Delgado. Aliás, não simpatizavam um com o outro!

Delgado e Galvão.jpg

 

Quando Inspector Superior Ultramarino, numa das suas inspecções a Angola, quis visitar alguns Postos da Administração que jamais tinham sido inspeccionados por alguém.

 

Chega um dia a um desses postos, lá bem “perdido” no interior da savana africana; o Chefe do Posto, espantado, vê ao longe a poeira levantada por um carro, caso inédito, imaginando que seriam caçadores perdidos, espera que os viajantes desembarquem. Sai um deles que se lhe dirige e se apresenta:

- Henrique Galvão, Inspetor Superior Ultramarino.

O Chefe de Posto sabia que nunca ali tinha ido qualquer superior a ele, desconfiado, pensa que é piada e responde:

- Não precisa vir com essa conversa de Inspector, que aqui jamais veio gente dessa. Mas nem por isso deixarei de o receber o melhor que posso, neste fim do mundo onde tudo falta. Mas “papo” de Inspector é que não tem graça!

 

Henrique Galvão gostou da atitude do jovem Chefe de Posto, que acabou por saber que era mesmo o “chefe máximo” da Administração Ultramarina, elogiou-o e parece que depois o promoveu!

 

Lá no canto sudeste de Angola havia um outro Posto, junto à fronteira com o Sudoeste Africano, hoje Namíbia, igualmente isolado do mundo dos brancos e cuja função, além da política de ocupação, era mandar relatórios mensais sobre as actividades da sua área: chuvas ou secas, quantos nascimentos, quantas mortes, do povo e do gado, eventuais doenças que não havia nem brigas entre etnias, enfim um sossêgo, para que se fosse tendo noção do que ali se passava e, talvez, talvez, se fizesse no fim uma estatística geral de Angola! De mentirinha.

Como é de calcular, esses relatórios não tinham qualquer valor porque os nativos não iam ao Posto declarar nascimentos e mortes, nem informavam quantas vacas ou cabras tinham nascido. Era tudo “conversa fiada”, mas o Chefe do Posto tinha que enviar, mensalmente, um relatório com esses dados para o Administrador da Circunscrição que ficava talvez a uns 200 ou 300 quilómetros de distância. Essa entrega era confiada a um cipaio, uma espécie de polícia rural, a maioria analfabeta. Chamava-se a esse relatório, uma carta, mukanda!

 

Todos os meses o cipaio tinha que percorrer centenas de quilómetros e levar as mikanda, que, possivelmente o Administrador nem lia.

 

O Chefe do Posto de tantas mandar acabou por considerar aquilo um trabalho idiota e talvez inútil e decidiu agir de outra “melhor” forma: escreveu meia dúzia de pré monitorados relatórios, envelopou-os todos, com as datas exteriores programadas e bem destacadas, entregou-os ao cipaio e disse-lhe:

- Como você sempre fez, continuará a ir todo o mês levar uma mukanda à Administração. Eu vou deixar todas as mikanda aqui, e você, uma vez por mês tira a de cima e leva.

- Tá bem, patrão.

O Chefe deixou o Posto onde nada havia para fazer, passou a fronteira e foi passar uns meses de férias em Portugal, certo de que ninguém daria por isso.

 

Mas o cipaio, no começo do terceiro mês, olhou para as mikanda, ainda havia três para entregar, e pensou:

- Para quê ir lá todo o mês. Vou só mais uma e levo logo tudo.

 

Se bem pensou. assim o fez e a manobra foi descoberta! O Chefe já não retornou ao Posto!

 

Os contos tradicionais africanos, quer sejam de Angola ou de outro país são quase sempre de animais, por onde se tiram lições para os humanos e revelam um profundo conhecimento da vida animal e as transpõem, com humor, para a dos homens.

 

Um tigre voltava para casa depois de um dia a caçar, quando de repente se encontra num curral de carneiros. O tigre que nunca havia visto um carneiro, aproximou-se com ar humilde e perguntou: “Como te chamas, amigo?”

 

O carneiro, com a sua voz rouca e colocando uma pata no peito do tigre respondeu: “Sou um carneiro. E tu quem és?” “Um tigre”, respondeu cheio de medo. Mais morto do que vivo, despediu-se do carneiro e correu para casa.

 

Um chacal vivia perto da casa do tigre e este disse-lhe: “Amigo chacal, estou sem alento e meio morto do susto, pois acabo de me encontrar com um animal de aspecto horrível, com uma grande cabeça, que me disse com uma voz rouca: “Sou um carneiro.”

Mas tigre que tonto és!” gritou, rindo o chacal. “Deixar escapar um pedaço de carne tão tenra e assustar-se por um carneiro! Porquê? Amanhã de manhã iremos lá os dois e o comeremos juntos.”

 

No dia seguinte caminharam os dois para o curral do carneiro e quando este, que havia saído para ver onde encontrava comida fresca, viu que no alto do morro apareciam o tigre e o chacal, temeu que aquilo acabasse mal, correu para avisar a sua esposa, e disse-lhe: “Temo que hoje seja o nosso último dia porque o tigre e o chacal vêm contra nós. O que vamos fazer?” – Não te assustes – disse a esposa – toma um dos filhos nos teus braços, sai com ele e belisca-o para que chore como se tivesse fome.” Assim fez o carneiro, enquanto os dois companheiros se acercavam. Quando o tigre voltou a ver o carneiro encheu-se de medo outra vez, queria voltar-se e ir embora, mas o chacal, prevendo isso, amarrou-se ao tigre com uma tira de couro, e dizia-lhe - “Anda. Segue-me ” - quando o carneiro gritou alto e forte enquanto beliscava o filho:

- “Fizeste bem, amigo chacal, de trazer-me este tigre para comer, pois ouves como chora o meu filho pela fome que tem?”

 

Ao ouvir estas terríveis palavras o tigre, apesar dos rogos do chacal, arrancou a correr cheio de pânico, o mais rápido que podia e arrastou o chacal por montes e vales, através de arbustos espinhosos e rochas chegando a casa com o chacal quase morto.

 

E assim se escapou o carneiro!

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Ikumbakumba yoñhosi ihai imbi engolo okunwa (**)

Os urros do leão não impedem a zebra de beber água.

 

(*) Provérbio quimbundo – Missosso – Vol 1 – Óscar Ribas

(**) Provérbio cuanhama – A sabedoria do povo Cuanhama – Padre Charles Mittelberger

 

06/06/2016

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Francisco Gomes de Amorim

QUEM SERÁ SOLANGE?

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SOMOS UM POVO ESPECIAL

 

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Por Solange (angolana, residente em Angola)

 

“Angola, meus Amigos, é de todos os Angolanos (negros, mestiços e brancos). Ninguém é dono de país nenhum e muito menos da sua felicidade, por isso não entregue a sua alegria, a sua paz, a sua vida nas mãos de ninguém, absolutamente de ninguém!

 

Somos livres e não podemos querer ser donos dos desejos, da vontade ou dos sonhos de quem quer que seja. A razão de ser da sua vida, é você mesmo. A limpeza do lixo que ficou para trás, para todos os efeitos, não temos mais marcas físicas mas outro lixo muito mais extenso e perigoso ficará para trás, o nosso lixo!

 

O lixo dos sentimentos negativos, ressentimentos e mágoas que respondemos ao ataque com ataque, seja ele com a palavra oral ou escrita e, assim, contribuímos para aumentar o problema em vez de atenuá-lo ou mesmo solucioná-lo. Assim, contribuímos efectivamente para realizar o que tememos.

 

Em suma, nas palavras do ditado popular, o feitiço volta-se contra o feiticeiro. Somos o “povo especial” escolhido do Sr. Engenheiro José Eduardo dos Santos. E como povo especial escolhido por ele, não temos água nem luz na cidade. O asfalto está cada dia mais esburacado. Os que, de entre nós, vivem na periferia, não têm nada. Nem asfalto! Só miséria, lixo, mosquitos, águas estagnadas. Parasitas.

 

Hospitais?!! Nem pensar. O povo especial não precisa. Não adoece. Morre apenas sem saber porquê. E quando se inaugura um hospital bonito e ficamos com a esperança de que as coisas vão melhorar, mudar minimamente, descobre-se que as máquinas são chinesas, com manuais chineses, sem tradução, e que ninguém sabe operá-las… Estas são opções especiais, para um povo especial.

 

Educação?!! O povo especial não precisa. Cospe-se na rua (e agora com os chineses, temos que ter cuidado para não caminharmos sobre escombros escarrados de fresco…); vandalizam-se costumes, ignoram-se tradições. Escolas para quê? E para ensinar o quê? O Sr. Engenheiro é um herói, porque fugiu ali algures da marginal, acompanhado de outros tantos magníficos?! Que a Deolinda Rodrigues morreu num dia fictício que ninguém sabe qual, mas nada os impediu de transformar um dia qualquer em feriado nacional!?

 

O embuste da história recente de Angola, é tão completo e manipulado que até mesmo eles parecem acreditar nas mentiras que inventaram. Se incomodamos o Sr. Engenheiro de qualquer forma, sai a guarda pretoriana dele e nós ficamos quietos a vê-los barrar ruas, anarquicamente, sem nos deixar alternativas para chegarmos a casa ou aos empregos.

 

O povo especial nem precisa ir trabalhar, se resolvem fechar as ruas. Se sairmos para almoçarmos e eles bloqueiam as ruas sem qualquer explicação, só temos uma hipótese: como povo especial, que somos, não precisamos de comer, dá-se meia volta de barriga vazia e…volta-se para o emprego. E isto quando não ficamos horas e horas parados, à espera que o Sr. Engenheiro e sua comitiva recolham aos seus luxuosos lares e nos deixem, finalmente, circular.

 

Entramos em casa às escuras e saímos às escuras. Tomamos banho de caneca. Sim! Bem à moda do velho e antigo regime do MPLA-PT do século passado. Luanda, que ainda resiste a tantos maus-tratos e insiste em conservar os vestígios da sua antiga beleza, agora é violentada pelos chineses. Sodomizada, sistematicamente, dia e noite. Está exaurida; de rastos, de cócoras diante dos novos “amigos” do Sr. Engenheiro.

 

Eles dão-se, inclusive, ao luxo de erguerem dois a três restaurantes chineses numa mesma rua. A ilha do Cabo, tem mais restaurantes chineses que qualquer outra rua de qualquer outra cidade ocidental ou africana: CINCO! A China Town instalada em Luanda! As inscrições que colocam nos tapumes das obras em construção, admirem-se, estão escritas na língua deles. Eles são os “novos senhores”. Os amigos do Sr. Engenheiro! A par do Sr. Falcone…a este, foi-lhe oferecido um cargo e passaporte diplomático.

 

Aos outros, que andam aos “bandos”, é-lhes oferecida carne fresca das nossas meninas. Impunemente. Alegremente. Com o olhar benevolente dos cs de fato e gravata. Lá fora, no mundo civilizado, sem povos especiais, caçam os pedófilos. Aqui, em Angola, criam e estimulam pedófilos. Acham graça.

 

Qualidade de vida é coisa que o povo especial nem sabe o que é! Nem qualidade, nem quantidade de vida, uma vez que morremos cedo assim que fazemos 40 anos. Se vivermos mais um pouco, ficamos a dever anos à cova, pois não nos é permitida essa rebeldia. E quem dura mais tempo, é castigado: ou tem parentes que cuidem ou vai para a rua pedir esmola! Importam-se carros e mais carros. De luxo! Esta é a imagem de marca deles: carros de luxo em estradas descartáveis, esburacadas.

 

AH!!... E telemóveis!! Qualquer Prado ou Hummer tem que levar ao volante um elemento com telemóvel. Lá fora, no mundo civilizado, sem povos especiais, é proibido o uso do telemóvel enquanto se conduz. Aqui, é sinal de “status”, de vaidade balofa! Pobre povo especial! Sem transportes, sem escolas, sem hospitais. À mercê dos “Candongueiros”, dos “dirigentes” e dos remédios que não existe.

 

Sem perspectivas de futuro. Os nossos “Amanhãs”, já amanhecem a gemer: de fome, de miséria, de subnutrição, de ignorância, de analfabetismo, de corrupção, de incompetência, de doenças antes erradicadas, de ira contida, de revolta recalcada. O GRITO está latente. Deixem-nos sair: BASTA!



Fiz um acordo de coexistência pacífica com o tempo: nem ele me persegue, nem eu fujo dele, um dia a gente se encontra”!

 

ERA UMA VEZ... ANGOLA – 1991/2

 

 

Angola vivia em final de 1991 e começo de 92 uma trégua para negociações de paz, onde ninguém confiava em ninguém. Era uma espécie de conversa de surdos. A prova é que a trégua durou pouco e a guerra civil ainda durou mais dez anos. Pobre gente.

 

À chegada, aguardava-me um antigo parceiro de caça, de caçadas inesquecíveis, grande amigo, uma boa disposição contagiante, o querido companheiro Nelson Peixoto, o famoso “Ninocas” de quem contei já algumas peripécias.

 

Deixar as malas no hotel e depois almoçar num restaurante que a TAP tinha lá para os lados do Bungo.

 

Garoupa. Cozida. Huummm! Que maravilha. Já não me lembrava como era delicioso o peixe de Angola. Não tem igual.

 

Entretanto expus o que ia fazer a Luanda e ele foi-me dizendo que falar com gente do governo era pior do que nas nossas velhas caçadas! Dificilmente encontrava alguém no trabalho. Entravam e saíam logo em seguida para o “esquema”!

 

O “esquema” foi uma modalidade criada pela fértil imaginação do angolano para ganhar um dinheirinho a mais. A moeda local, Kwanza, estava desvalorizadíssima; encontrar comida era uma sorte e, ou se pagava no mercado negro, o famoso e imenso Roque Santeiro, ou então tinham que ir comprar nos mercados “oficiais”, em dólares, e depois revender “cá fora” por preços incríveis. TODA a gente andava no “esquema”. Directores de serviço, contínuos, qualquer um.

 

O Ninocas mandava vir legumes do sul, Benguela ou Namibe, vendia, isto é, entregava na fábrica de tabaco e, em vez de receber dinheiro pagavam-lhe em cigarros. Cá fora valiam muito mais e assim ele ia sobrevivendo!

 

Tudo o que vinha do sul era por mar, e atracar era coisa de lotaria. Queria que eu lhe procurasse pela Europa uma barcaça de desembarque, que certamente haveria muitas como sobra de guerra. Com isso ele não tinha que esperar: levava a barcaça a uma praia, descarregava, voltava a carregar qualquer coisa para o sul e faria um grande negócio. Ainda procurei. Havia alguma coisa lá pela ex-URSS mas o custo do transporte tornava a operação inviável.

 

Como a empresa para quem eu trabalhava era espanhola, a primeira visita foi ao Embaixador de Espanha.

 

Don Antonio Sánchez Jara, uma pessoa por quem fiquei com enorme consideração. No dia seguinte recebi no hotel um telefonema da sua secretária. O Embaixador pedia desculpa de me convidar à última da hora para jantar em casa dele! Mandou-me buscar de carro; à mesa, o Embaixador e a Senhora, única senhora (ambos extremamente simpáticos, para quem envio bons “saludos”), dois técnicos da Repsol, dois do Banco Mundial, o secretário da Embaixada, e eu. Um jantar delicioso, simpático, com gente muito agradável. Conversa: sobre os problemas de Angola, como é evidente, mas o único que conhecia um pouco aquele país era eu. Os outros eram “estrangeiros novatos”!

 

Novangola.jpg

 

Um dos projectos que o Banco Mundial estava a analisar era o da recuperação de algumas estradas principais, mas chocavam com o elevado custo do asfalto que teria que ser importado. Entrou o “angolano” – eu – na conversa: Asfalto? Há dois lugares, aqui perto de Luanda, que eu conheço e por onde tanta vez passei, com o asfalto aflorando à superfície!

 

Incredulidade do “mundiais e dos repsóis”: Como é possível? Ninguém nos falou nisso! – Tem razão, mas eu vivi aqui vinte anos, cacei por todo o lado e posso garantir-lhe que isto é a realidade. Só tem que lá ir com uma escavadeira e caminhões e.... carregar! Amanhã de manhã vou estar com o meu antigo companheiro de caça e ele vai dar-me, com precisão a distância a que se encontram os dois afloramentos. – Se isso for assim, o projecto custará menos um milhão de dólares.

 

O Ninocas confirmou e precisou a distância a que cada um se encontrava. À tarde encontrei o pessoal do Banco Mundial que ficaram encantados e tiveram que rever todo o estudo feito com as “autoridades” angolanas!

 

Acompanhando o Embaixador, visita ao ministro dos Transportes que era também o director do Caminho-de-ferro de Luanda, quase inteiramente destruído e que só ia da Estação do Bungo até à Estação dos Muceques! Uns 8 ou 9 quilómetros. Uma espécie de Metro urbano, onde não havia uma única carruagem que tivesse um vidro nas janelas: tudo quebrado. Para o interior a guerra civil havia destruído pontes, trechos de linhas, estações, etc. Intransitável. O projecto a discutir era estabelecer o custo da análise da situação, ao longo dos mais de 400 quilómetros de Luanda a Malange. Teria que se percorrer toda a via para o que era indispensável uma forte segurança armada, logística de apoio – onde dormir e comer – e que só o governo poderia fornecer.

 

Sexa o ministro recebeu-nos esparramadão numa poltrona, ar de “grand seigneur”, sentindo-se um sheik das arábias, foi dizendo que não podia dispor de segurança nem garantir a logística, que qualquer país podia executar em Angola os projectos que entendesse que eram muito bem-vindos, tanto mais que Angola não iria pagar nenhum deles! Eu quase explodi, mas na maior calma disse a sexa: - Angola vai pagar, pode ter a certeza que vai. E caro. Para já os bancos fazem de bonzinhos. A conta vem depois! Não quis mais interpor-me ao diplomata que se comportou como um ... grande diplomata! À saída eu ainda lhe disse: - Pobre Angola, com estas bestas!

 

Esse projecto nasceu já morto.

 

Outro que o governo tinha anunciado, seria a recuperação da agricultura rural da Baixa de Cassange, e isso me interessava muito porque conhecia bem o problema. Interlocutor: o director do Departamento de Agricultura... já nem sei do que. Um jovem, todo engravatado, teria menos de 30 anos, formado na Checoslováquia, que não fazia ideia do que era um pé de mandioca, de algodão e muito menos onde ficava a Baixa de Cassange.

 

Recebeu-me, acolitado por outros dois eminentes técnicos e a conversa foi outra desgraça.

 

Assim mesmo estudei bem o assunto e voltei a Luanda pouco depois para entregar o projecto pronto. Entretanto acabou-se a trégua, recomeçou a guerra e todos os projectos foram para o lixo!

 

Na esperança de poder ganhar o projecto da agricultura, em conversa com os técnicos do Banco Mundial disse-lhes que havia um outro projecto do maior interesse para Angola e para o mundo, que era recuperar a Reserva de Cangandala, com a Palanca Preta Gigante, animal único, e que estava bastante destroçada, como tudo. Foram unânimes em me dizer que esse projecto seria rapidamente aprovado pelo interesse que demonstrava. Eu embandeirei porque me propunha administrar os dois projectos que... nada!

 

Fiquei hospedado no Hotel Tivoli, que um ou dois dias depois recebeu a delegação da Unita para as conversações de paz, e todo um andar, creio que o 5°, do hotel foi-lhe reservado.

 

Uma ocasião em que eu subia para o meu quarto, o elevador parou nesse andar; ao abrir-se a porta fui recebido com uma metralhadora encostada à barriga! – Que estás a fazere aqui? – A caminho do meu quarto, no andar de cima!

 

No bar encontrei o chefe da delegação, cuja cara me lembrava alguém que tivera conhecido. Perguntei se me podia sentar a seu lado para conversarmos, ao que disse logo que sim. Não conseguimos saber de onde nos conhecíamos, mas encontrámos amigos ou conhecidos comuns; tivemos uma conversa interessante, durante a qual percebi que ele não tinha esperança em qualquer negociação com o MPLA! Com razão. O zédu não iria largar da mão o que tanto lhe rendia e ainda rende.

 

No dia seguinte tive que esperar talvez uma hora antes de poder sair do hotel. A tropa do MPLA estava ali na frente e já tinha metralhado o hotel!

 

Alugadoras de carro... não havia. O Ninocas conhecia alguém que fazia esses biscates: alugava um Ford Cortina, aí com vinte anos, já sem amortecedores, folga de mais de meia volta na direcção, mas andava, foi-me muito útil e também paguei bastante por ele!

 

Uma tarde saí de Luanda, contra todas as advertências possíveis e quis dar uma volta pelo Cacuaco e lagoa do Panguila onde tantas vezes tinha ido caçar. No regresso meti um pouco pelo interior, estradas, aliás picadas, de terra, pelo Quifangondo, e num cabeço encontrei um pequeno aglomerado. Muita criança e adultos ficaram espantados de verem aparecer um carro, e com um branco, sozinho, lá dentro. Rodearam o carro, sempre amistosos, chamaram o chefe que era o “delegado do partido” (estrutura ainda soviética). Conversámos um pouco e num outro cabeço mais adiante eu via, acima do capim, umas manchas azuis. Estranho! O que é aquilo? – É dos bugres! – Dos bugres? – Sim. Eu só conhecia essa palavra do Brasil que significa mais ou menos “indígena não cristão”, o que nada tinha a ver com Angola. Veio então a explicação:

- Os bugres, depois que acabou a União Soviética foram todos embora, e deixaram ali aquelas máquinas!

 

Entendido. Búlgaros, que tinham ido para Angola “ensinar” os angolanos a trabalhar a agricultura com máquinas. Uma imensa vigarice. Eles que nada, nada, sabiam de agricultura em clima tropical! Não ensinaram nada, não produziram nada, o povo evitava o contacto com eles, tanto que estava, não proibido, mas implícito, que ninguém tocaria naquelas máquinas que ali ficaram a enferrujar. Sempre deu para a URSS explorar um pouco mais os pobres africanos.

 

Estava nessa altura a trabalhar em Luanda, no Pão de Açúcar, um querido sobrinho, o João Carlos. Voltávamos, sábado de manhã da Ilha e fomos mandados parar por dois polícias, com duas motos novinhas, Harley Davidson, fardamento novíssimo, ar triunfal. Pediram os documentos, tudo estava em ordem e foram embora. Pararam pouco adiante para fazerem “banga” com dois colegas que estavam com as fardas podres bem como o carro. Ao passarmos ali mandam-nos outra vez parar. – Seu guarda, o senhor parou-nos agora mesmo alia atrás. – Ah! Tudo bem. Então tenham um óptimo fim de semana!

 

Domingo, para despedida, com o meu amigo Ninocas fomos à Ilha comprar marisco para o almoço em casa dele. Umas lagostas, muitas gambas, um precinho aceitável, umas garrafas de vinho. A empregada, que creio que era para TODO o serviço, pôs a mariscada na chapa.... e surgiu o milagre das coisas boas!

 

Despedi-me de Angola, com o coração partido pelo estado em que o país se encontrava, mantive algum contacto com o meu amigo que um dia emudeceu. Deve ter ido descansar o que tanto merecia, mas deixou muita saudade.

 

Só lá voltei, de barco, catorze anos depois.

 

25/05/2016

FGA-Mar 3-o homem do leme.jpg

Francisco Gomes de Amorim

LUANDA DE 1962 (OU 3?)

 

Cervejas e baratas

 

Faz muito tempo e pode ser que a memória apresente algumas falhas, mas o que vamos contar, em poucas linhas, retrata como era o tempo em que quase se via o Tarzan a passear nas matas dos arredores daquela cidade que nos ficou “cá dentro”!

 

Vai já lá para o tempo do Kaparandanda! Quando eu ainda trabalhava da Cuca!!!

 

FGA-Cuca.jpg

Estes copos da “Cuca” têm uma história curiosa. Qualquer dia eu conto.

 

Volta e meia, raras vezes, felizmente, aparecia uma reclamação de tal forma violenta que parecia que o mundo vinha abaixo: alguém tinha encontrado uma garrafa, fechada como de fábrica, com uma enorme baratona dentro.

 

“Aqui d’El-Rei – o pessoal da Cuca são uns porcos, nem as garrafas lavam, isto vai render um monte de dinheiro que é para eles aprenderem, etc.”

 

Lá ia o pessoal do serviço de vendas falar com o cliente, quase sempre muito renitente em aceitar que aquilo era obra de terceiros, porque a garrafa parecia, efectivamente, inviolada.

 

Como é de imaginar a Companhia não pagava um cêntimo, e o assunto acabava por se resolver no papo, nuns copos, e pronto.

 

A verdade é que para todo o pessoal da Cuca, serviços de produção e comerciais, aquela baratas sempre foram um mistério! Garrafas lavadas em máquinas, com água a 90° graus, soda cáustica, depois detergente, etc., as garrafas saíam da máquina de lavar mais limpas do que quando novas e não havia a menor condição de uma barata, um prego ou que fosse permanecer lá dentro.

 

Antes do enchimento passavam pelo menos por duas funcionárias que viam até mosquito na outra banda e o mesmo se passava após cheias e capsuladas.

 

Baratas? Um mistério que ficou por desvendar! Sabotagem? Azar? Chi lo sa?

 

Um dia, num miserável comércio de beira de estrada, onde depois todos os brancos sumiram, dia quente, para variar, de regresso lá dos interiores, parei para refrescar a goela, saber como estava o abastecimento e... beber uma cervejinha. Lá dentro um outro cliente berrava que lhe tinham servido uma cerveja com a tal baratinha dentro. Aliás baratona. Imensa.

 

Não me dei a conhecer como funcionário da Cuca, mas tentei explicar que conhecia a fábrica e que tal situação era impossível de acontecer. O cliente deve ter-me mandado para algum lugar pouco conveniente e quem estava a servir ao balcão era um garoto dos seus 12 ou 13 anos que logo quis meter mais gasolina no fogo: “Eu sei que “eles” lá não lavam as garrafas. Contou-me um cliente que aqui passou!”

 

Já a só, identifiquei-me e convidei-o a visitar a fábrica, o que fez brilhar os seus olhos de jovem ignorante do mato.

 

A Cuca faria 10 anos de actividade (?) e decidiu convidar todos os seus clientes comerciantes, da cidade de Luanda e arredores, para uma visita à fábrica seguida dum... lanchezinho!

 

Tudo muito bem organizado, convites bonitos, impressos, encomenda a pasteleiros, confeiteiros e ao cozinheiro da companhia, uma imensa quantidade de pastéis de bacalhau, croquetes, pastéis de nata e outros doces, sanduíches diversos, camarão “tira-gosto” e mais um monte de outros petiscos, incluindo os indispensáveis tremoços e uma dobradinha que se ia petiscando com um palito, além de, o que seria de esperar, cerveja a copo – chope – a correr solta!

 

Aí pelas 3 ou 4 da tarde os convidados, incluindo o garoto “convidado especial”, foram chegando, a maioria gente humilde, relativamente poucos africanos, todos envergando a fatiota mais chique que puderam encontrar, apresentavam o convite na portaria onde eram recepcionados pelo Secretário da Administração, o meu querido amigo João Matos Chaves para, como bom dono de casa, ir cumprimentando todos os que apareciam.

 

Os convidados eram agrupados, talvez uma dúzia de cada vez e um funcionário dos serviços comerciais acompanhava-os na visita à fábrica, coisa que, praticamente todos, não tinham ideia do que seria! Faziam perguntas. Extasiavam-se ao ver tão “magníficas” instalações de onde saía aquela bebidinha gostosa, ‘a rainha das cervejas” de Angola.

 

Entre os convidados, surgiu o porteiro da Companhia, todo “bem posto”, convite na mão.

 

-“Tu aqui”? – “Sim Sr. Dr. Eu tenho um pequeno comércio, a minha mulher ficou a tomar conta da loja e eu vim aproveitar para conhecer a fábrica. Trabalho aqui há cinco anos e nunca passei desta portaria!”

 

Acabada a visita à fábrica dirigiam-se para o galpão onde normalmente ficavam estacionados os camiões de entrega, nessa tarde ocupado com inúmeras mesas cheias de apetitosas iguarias.

 

A primeira coisa que viam era um funcionário a oferecer-lhes um copo... bem geladinha.

 

Soltos em frente às mesas com os petiscos, era ver a velocidade como se saciavam e com que rapidez iam virando os copos, garganta abaixo!

 

Chegaram umas quantas dezenas de visitantes, que o tempo passado não permite já calcular quantos teriam sido e, por muito que o pessoal da Companhia quisesse dialogar com eles, as bocas entupidas de bacalhau e bolos não lhes permitia grandes conversas.

 

O dia chegava ao fim e ninguém arredava pé. Festa daquela, “boca livre” com cerveja na própria fábrica segurava a turma.

 

O sol-posto, as luzes da “garagem” acesas, uma boa percentagem dos convivas já mal se aguentava nas canelas, e ninguém atinava com a melhor maneira de os mandar embora.

 

Surgiu por fim uma ideia luminosa: apagar as luzes! Não todas mas as suficientes para lhes mostrar que a festa chegara ao fim.

 

Foi um Deus nos acuda. O povo decidiu que em cima das mesas não devia ficar nada e vá de encher os bolsos das calças, do casaco e das camisas, com pastéis, croquetes e até pastéis de nata. Houve alguns que cerimoniosamente vieram perguntar se não nos importávamos que levassem “uns bolinhos para a esposa e crianças”! “Podem levar tudo. Até facilita a limpeza que se seguirá.”

 

E foi o assalto final! Metia nojo ver aqueles selvagens a encherem os bolsos com doces, salgados e ainda a quererem beber o último copo de cerveja.

 

Alguns abriam a camisa e, em bom português enchiam o bandulho “externo”!

 

À medida que se iam despedindo, bolsos e camisas cheias, pensámos (eu estava lá!) que a melhor maneira de retribuir a simpática visita deles eram abraçá-los com “viva” emoção, esmagando o que pudéssemos nos seus bolsos e barrigas! E lá foi aquele bando de hienas, semi bêbedos, cheios de nódoas no corpo e na roupa, o que não os perturbou minimamente!

 

Não deixaram uma só migalha para mais alguém aproveitar, o que facilitou imenso o serviço de limpeza!

 

Depois disto, o pessoal da Companhia, muito riu e muito se desgostou com a bestialidade de alguns, felizmente a minoria.

 

Reclamações de baratas... se não sumiram todas, ficaram reduzidas a muito vagas excepções.

 

Mas, é preciso confessar: eram muito mais simpáticas aquelas baratinhas do que a zika, o dengue, a chicungunha, a madama vaca, o sapo ladrão e outros bichos horrendos que infestam esta região, além da tristíssima microcefalia. Sem esquecer o total desgoverno, a desorganização na saúde, economia, educação, transportes... já chega, né?

 

Quem não tem saudades de Luanda do tempo do Kaparandanda?

 

08/04/2016

 

FGA-2OUT15.jpg

Francisco Gomes de Amorim

PRESENÇA AFRICANA

Angola, reino Maconge.jpg

 «Reino Maconge» - pintura de Neves e Sousa

 

Apesar de tudo,
Ainda sou a mesma!
Livre e esguia,
Filha eterna de quanta rebeldia
Me sagrou.
Mãe-África!
Mãe forte da floresta e do deserto,
Ainda sou,
A irmã-mulher
De tudo o que em ti vibra
Puro e incerto!...
 
- A dos coqueiros,
De cabeleiras verdes
E corpos arrojados
Sobre o azul...
A do dendém
Nascendo dos abraços
Das palmeiras...
A do sol bom,
Mordendo
O chão das Ingombotas...
A das acácias rubras,
salpicando de sangue as avenidas,
longas e floridas...
 
Sim!, ainda sou a mesma.
- A do amor transbordando
pelos carregadores do cais
suados e confusos,
pelos bairros imundos e dormentes
(Rua 11...Rua 11...)
pelos negros meninos
de barriga inchada
e olhos fundos...
 
Sem dores nem alegrias,
de tronco nu e musculoso,
a raça escreve a prumo,
a força destes dias...
 
E eu revendo ainda
e sempre, nela,
aquela
longa historia inconseqüente...
 
Terra!
Minha, eternamente...
Terra das acácias,
dos dongos,
dos cólios baloiçando,
mansamente... mansamente!...
Terra!
Ainda sou a mesma!
Ainda sou
a que num canto novo,
pura e livre,
me levanto,
ao aceno do teu Povo!...
 
Alda Lara.jpg Alda Lara

DOMINGO DE ANGOLA

 

No rio Kwanza-Neves e Sousa.jpg

 «No rio Kwanza» - pintura de Neves e Sousa

 

 

Para mim, Domingo de Angola é paraíso. É um Céu. Colorido. É moamba de peixe ou caril de galinha de Quilengues.

 

Domingo de Angola não tem rival no mundo. Começa na praia e acaba na sesta. Não tem Sporting-Benfica, nem linha de Sintra, não tem passeio a Vila Franca. Não tem touros, nem Cacilhas, nem caracóis no Ginjal.

 

Domingo de Angola, para mim, é o melhor domingo do mundo que eu conheço – e que já não é nada pequeno, benza-o Deus.

 

Moamba para mim é um ritual. Tem pirão de fuba de mandioca – que eu sou do Sul, usa-se de milho, mas eu prefiro de mandioca à moda do Norte, à moda de Malanje, tal qual no Uíje – mete farinha de pau e obrigado velha que está uma delícia. Tem de ser comido à sombra de um palmeira ou coqueiro, debaixo de uma mandioqueira ou mangueira quando é no interior. Porque coqueiro só no litoral. É por estas e por outras que eu gosto do Domingo em Angola. Domingo de Branco.

 

Domingo de Preto. Domingo de todos, domingo de missa, de padre, de Domingo.

 

A verdadeira moambada, aquela que é feita de galinha tenra, tão tenra que sabe a peito de virgem, a moamba verdadeira, tem de ser do cacho primeiro da palmeira do quintal. O molho será apurado pelo velho cozinheiro, que foi mestre dos pais, dos filhos e dos filhos dos filhos. Tem molho que é de “come e arrebenta e o que sobra vai no mar” como dizia o poeta patrício e mulato Viriato da Cruz, no “Sô Santo”. Moamba verdadeira, repito, só se come duas ou três vezes na vida. É preciso estar-se em estado de graça. Estar-se com Nosso Senhor e com os anjos.

 

Moamba para mim, é saudade, hoje que estou longe, hoje que estou perto. Estou perto de estar tão longe. Não compreendem leitores? A gente está longe e tem saudades. Antes de adormecer, pela noite, vem a lembrança, da pitangueira do quintal, da Rosa Lavadeira, do amo-seco Canivete que falava “axim” à moda de Viseu e tudo isso aparece nítido, cada vez mais claro e puro como certas horas da madrugada da Serra do Lépi.

 

A primeira vez que comi moamba, dela me lembro como da primeira vez que beijei mulher, do primeiro desafio de futebol, do primeiro amor nocturno na areia da praia, com mulher de verdade. A primeira moamba, lembra-se como se lembra a primeira ida à escola.

 

O travo nativo do cacho de déndém, que leva meses a fazer-se, até os frutos terem a tonalidade da queimada. Metade o clarão no céu da noite, a outra metade, escuro, um escuro de breu. Tudo isso, o sabor tropical junta naquele fruto, que tem brisa do mar, sol de praia, frescura de casuarina, amor de mulata.

 

O coconote e as influências indianas nadando no molho. Tem jindungo, a moamba genuína, aquela que cheira a sândalo, que escorre do canto da boca, do patrício apaixonado, de olho rútilo e lábio trémulo. Mas a galinha, essa tem de ser de Quilengues, magra e criada no mato, quase sem penas, galinha de sanzala, galinha de preto, que é como quem diz, de pobre. Isto está divinal, velha, eu um dia volto. Se entra a erva-doce, zumba que zumba e farinha de pau, oh, céus, oh, Mãe, isto não é moamba, isto é poesia. Literatura.

 

Mas tem de ser comida no terreiro da casa de adobe do bairro velho. Tem de ser comida em ritual, na casa de adobe com telhado de zinco da estrada da escola da Liga, ou num dos Muceques de Luanda, por sobre as areias avermelhadas do Prenda ou do Burity.

 

Depois, a altura do peito de mulher na moleza da carne ou do peixe. Se é “roncador”, aka, é peixe da costa e sabe que sabe tão bem. Mas de galinha é melhor. Galinha de Quilengues escanifrada, repito. Galinha de pobre.

 

Fico por momentos em êxtase, as mãos sobre o estômago, lembrando o terreiro da família Gamboa lá de Luanda onde comi uma coisa dessas uma vez há muitos anos. Num bairro velho de Benguela, eu estarei ainda um dia com meus companheiros dos tempos de eu menino, comendo moamba e bebendo quissângua à sombra do bambu do Edelfride – na casa do Edelfride.

 

Moamba é riqueza de pobre e fraqueza de rico. Entra em palácios sem pedir licença, com o mesmo à vontade com que se senta nos quintais com sombra de mangueira e entra em terrina de esmalte, prato de esmalte, caneca de esmalte, garfo de alumínio. Velho sonho de poeta, lembrança de castimbala, moambada para mim é saudade e sonho, recordação e batuque, história de amor.

 

Um dia, quando eu voltar, hei-de comer uma moambada de peixe ou de carne, à sombra de um cajueiro, num Muceque de Luanda, moamba do cacho primeiro da palmeira do quintal, não é velha? Depois de muito beber dormirei a sesta. E hei-de gostar de ouvir um desses rapazes do meu tempo, feito velho de cabelos brancos, recitar baixinho enquanto adormeço, a balada do Viriato:

“… Kitoto e batuque pró povo lá fora champanha, ngaieta tocando lá dentro…

 

Garganta cantando:

“Come e arrebenta

E o que sobra vai no mar…”

 

Para mim, Domingo de Angola é isso tudo. Um Céu colorido. Uma moamba de peixe. Uma noite de luar.

 

… não tem Sporting-Benfica, não tem touros nem caracóis no Ginjal…

 

FGA-Ernesto Lara Filho.jpg

Ernesto Lara Filho

(aqui retratado por Francisco Gomes de Amorim)

in Jornal de Notícias, 1957

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