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A bem da Nação

SE A MINHA ILHA SOUBESSE…

 

Mar negro.jpg

 

 

Ó mar tão negro

Que negrura guardas

Em teu coração?

Que quimeras loucas

Partindo de ti

Se foram, mar fora

Sem dia nem hora

Sem tempo previsto?

Ó mar tão bravio

Tão negro e tão frio

Atlante medonho

Povoas meu sonho

Causando arrepio…

Que negros segredos

De lutos e medos

Tens no teu arfar?

Quem buscas, quem amas?

De rendas recamas

O leito que of’reces

Às ilhas, as damas

A quem estremeces!...

 

Maria Mamede - 3.jpgMaria Mamede

SE A MINHA ILHA SOUBESSE…

 

Mau tempo no canal.jpg

 

 

Todas as noites de tempestade

Me parece ouvir o mar…

E nos meus pesadelos

Ele rebenta os paredões

E sobe a montanha

Até á cratera do vulcão extinto.

Algum tempo depois, sossegando,

Esquece a fúria e regressa

Ao leito

Como se nada tivesse

Acontecido.

A prová-lo, ficam somente

Caminhos de coral, areias negras

E búzios

Fortemente azuis

À espera de mim!...

 

O mar do Pico é bravio

Tão bravio

Que parece engolir barcos

E homens

Que se aventuram na faina…

Pelo tanto que o temo

É cada vez mais difícil

Para mim

Partir e regressar!...

Maria Mamede.jpgMaria Mamede

UM REI PORTUGUÊS NOS AÇORES

Disturbios de Afonso VI em Lisboa.jpg

 «Distúrbios de D. Afonso VI em Lisboa» - quadro de Alfredo Roque Gameiro

 

Depois de ser considerado física e mentalmente incapaz para assumir a direcção do reino, após a morte do rei D. João IV, seu pai, e de Teodósio, seu irmão e herdeiro, D. Afonso VI, El-rei de Portugal, é afastado do Paço Real, onde passou a governar seu irmão o Príncipe D. Pedro.

 

Para evitar tentativas de recolocá-lo no trono, foi levado com todas as mordomias reais para o Castelo e Forte de São João Batista, em Angra, Ilha da Terceira, Açores.

 

Corria o ano de 1669. Em 17 de Julho, em pleno verão, chega ao Porto da Cidade de Angra uma armada composta de três fragatas e uma caravela, comandada pelo Marquez das Minas, D. Francisco de Sousa. Trazia o malfadado D. Afonso VI. Incapaz de dar herdeiros ao reino, vê seu casamento anulado e a rainha casar com seu irmão D. Pedro, o príncipe regente. No dia 21 de Julho, finalmente às 4h desembarca o rei amparado no braço do Marquez após a descarga de boas vindas da artilharia. Andava com dificuldade em razão do achaque de estupor que padecia desde a infância. Já em terra, subiu à liteira com o Marquez que o levou ao Castelo de São João Batista. À entrada, nova salva de 21 tiros, com festas e repiques de sinos, pelas igrejas e mosteiros da cidade de Angra. Aposentou-se El-rei na casa e galeria do governador. Nos alojamentos inferiores ficaram os capitães da guarda e alguns criados de maior foro. Concluídas as novas funções no Castelo, o Marquez volta para Lisboa e entrega à Corte as novas participações dos oficiais. A serviço da pessoa de El-rei ficou em Angra um provedor da casa (Manoel Nunes Leitão), 5 assistentes da guarda com ocupação da porta dia e noite. Cinco guarda-roupas, cinco moços de câmara, um escrivão de cozinha e tesoureiro, um médico, um cirurgião, dois capelães, dois moços de capela, um manteiro, um comprador, um mestre de cozinha, 6 reposteiros, 4 oficiais de cozinha, 4 moços de cozinha, 2 moços da prata, um varredor.

 

Em Outubro chega ao Porto de Angra uma charrua, constante de um coche forrado de damasco vermelho, uma liteira do mesmo e outra de menor valor. Vieram também 6 cavalos que morreram em 3 anos e as pessoas que os deviam tratar. Todas as mesadas eram religiosamente pagas. O que sobrava era distribuído aos oficiais e pessoas que assistiam no Castelo. Abriram e aplanaram caminhos nas montanhas do Castelo de São João para dar divertimento ao rei que ali ia se entreter por várias tardes. Seja no Verão ou no Inverno, costumava levantar-se às onze horas para o meio-dia. Jantava das três às 4 horas da tarde. E todo o tempo que mediava até as 11 h procedia em travessuras de absoluta criação que tivera. E de tão inquieto, nenhum criado se considerava seguro em sua presença. Ninguém o suportava. Era incapaz de guardar menor segredo. Revelava até o nome do autor. Agastava-se com o fidalgo Luiz de Sá e Miranda só por lhe dizerem ser mais valente que ele. Por isso intentou certo dia acometê-lo sobre o Pico do Facho e o mataria às cutiladas se não fosse a humildade com que ele se portou e a presença de Manoel Nunes Leitão. Queixava-se de seus criados de tal maneira que excitava as lágrimas dos que o ouviam, chegando a dizer “... sua desgraça era tal que o príncipe, seu irmão, permitia que os criados o descompusessem, ali estava exposto a tudo! Era dotado de uma prodigiosa retentiva. Bastava que lhe dissessem o nome de qualquer sujeito uma vez para lhe ficar na lembrança para sempre. Compadecido da miserável pobreza, todos os dias a socorria de sua mesa, até com prodigalidade. A mesma roupa que usava no Verão usava no Inverno, mas sobre a camisa se ligava com toalhas, a poder de alinhavos, que por grandes movimentos que fizesse não caiam, sendo assim que dormia. Comia uma única vez, porém com tal avidez que repugnava. Duas a três vezes ficou doente com febre e uma delas, foi a pontos de dar bastante cuidado a sua vida. Ainda não passado um ano da sua chegada à Terceira, espalhou-se a notícia infundada que o príncipe D. Pedro estava mal de saúde. Coisa esclarecida com as novidades trazidas de Lisboa por uma caravela. O príncipe apenas havia caído de um cavalo e passava bem. Mesmo assim, os ciúmes e inimizades grassavam na casa de El-rei em Angra, a ponto de em 1670 vir até aquela ilha um corregedor natural de São Miguel, Manuel Bicudo Delgado de Mendonça, que ali começou a correição e mais tarde passou à corte como Desembargador. Por esse mesmo tempo os do partido do rei urdiram tramas a ponto de se supor que a Terceira havia levantado os povos pondo o rei em liberdade e restituindo-lhe a coroa. O príncipe mandou uma embarcação informar-se como estava a situação na ilha, mesmo depois das notícias sossegadoras do Provedor da Fazenda. Assim correram os anos com arrumadores de tumultos e supostas rebeliões que queriam restituir D. Afonso VI ao poder.

 

D Afonso VI preso em Sintra.jpg

 «D. Afonso VI preso em Sintra» - quadro de Alfredo Roque Gameiro

 

Em 1672, rebentaram nos Cedros, Ilha do Faial, junto ao Capelo, cinco ribeiras de lava ardente com destruição de moradas e campos. O tremor de terra foi sentido apenas levemente na Terceira. Em 1673 é eleito para Governador do Castelo São João Batista Manuel Nunes Leitão. Movimentos para restituir o poder ao rei seguiram-se sem efeito. Até que em 1674, D. Afonso é enviado de volta a Lisboa e é “aposentado” em Sintra, “guardado por soldados e pelos assistentes que o acompanhavam desde que estivera na Terceira. Morreu em 12 de Setembro de 1683 aos 40 anos, prisioneiro em Sintra.

 

Uberaba, 03/01/2017

 

Maria Eduarda Fagundes

Maria Eduarda Fagundes

 

Dados compilados dos ANAIS DA ILHA TERCEIRA (Volume II, pag.157 a 167)

Reimpressão Fac-similada da Edição de 1856

Governo Regional dos Açores (Secretaria Regional de Educação e cultura)

SE A MINHA ILHA SOUBESSE…

 

MM-gruta da Madalena, Açores.jpg

 

 

Sei das belezas incontornáveis

Das grutas da Madalena

Mas de grutas, já tenho a minha quota…

Por isso, comprei na Vila uns postais

Para enviar aos Amigos!

 

Já vi alguns ninhos dos canários da terra

É hora da procriação…

Pequenos e aguerridos

Defendem a bicadas

O que lhes pertence…

Será

Que eu deveria ter feito o mesmo?!...

 

Além da sombra

Que o fim do dia projecta

Pairou no ar deste Sol-pôr

O voar dum milhafre…

Com ele me vou

Esfaimada

Em busca de alento!...

 

Há dentro de mim

Um incêndio maior

Do que aqueles

Que tanta vez grassam

Por essas encostas…

E meu coração

É perigosa labareda

Sem fim à vista!...

 

Sempre que passeio

Prás bandas do mar

Lamento a minha falta de habilidade

Para a pintura…

As suas cores

Mudando hora a hora

Vão dos tons negros

Aos claros vibrantes

Num piscar de olhos…

Como a vida!

 

Maria Mamede.jpgMaria Mamede

SE A MINHA ILHA SOUBESSE…

 

acores-ilha-do-pico-sao-roque-do-pico.jpg

 

Sempre que vou à Ponta do Espigão

Olho intensamente o mar

E vem-me um imenso desejo

De fugir…

Embora ame tanto esta ilha

Meu coração habituado

À planura

Sente-se aprisionado!...

 

Na lagoa do Capitão

Relembrei amores antigos

E a saudade voltou…

Esta imensidão de água doce

Fez-me recordar

A doçura duma boca

Que um dia beijei por cá!...

 

Nos meus encontros com o mar

Há sempre algo de olá e de adeus…

E dentro de mim tudo é cais,

Lenço branco, despedida

E vontade de um regresso

Que o não foi!...

 

Um dia

Um amor ‘inda promessa

Foi pelo mar fora

Jurando voltar…

E passadas tantas vidas

Ainda o espero!...

 

Terra negra, negro cais

Areia negra no mar

Amor partiste e não mais

Viste meu cais pra voltar?!

 

Maria Mamede.jpgMaria Mamede

SE A MINHA ILHA SOUBESSE…

 

 

Ontem, quando fui à cidade,

Já ouvi por lá grasnar os patos bravos.

Na subida de regresso

Vi que as galinholas

Também tinham voltado!

 

O chão das cumeadas

Atapetado de urze e queiró

Tem cá de longe o encanto

Do rasteiro colorido

Como num quadro!

 

Pelos rigores do Verão

Sou hortênsia que desmaia

Nas encostas do Pico!

 

Faz muitos anos que não ia às piscinas de S. Roque…

Com o tempo sereno e quente

Hoje levantei-me mais cedo e fui até lá.

Levei comigo o bloco, a bic,

Os óculos escuros e o chapéu.

E quedei-me

Algumas horas,

Esquecida do tempo

Escrevendo, sonhando

E recordando…

Há tanto que não sonhava!...

 

Maria Mamede.jpg

 Maria Mamede

PREMUNIÇÃO DE UM FACTO HISTÓRICO

 

 

O relativo isolamento a que ficou submetido o ilhéu açoriano por alguns séculos, mesmo tendo diferentes composições étnicas na sua formação, dependendo da ilha, fez com que, exposto às mesmas intempéries, encontrasse na fé ao Divino a resposta às suas angústias e necessidades de protecção. Povo pouco diferenciado na questão socio-económica, trouxe consigo marcas e tradições religiosas, fundeadas numa raiz hebraica antiga, ocultada por motivos religiosos e políticos em Portugal Continental, mas que se manteve sublimada na religiosidade dos ilhéus, através de práticas e rituais em louvor ao Espírito Santo, na fundação de Confrarias e Irmandades que relembram os primeiros tempos da cristandade, em que cada um, dentro das dádivas que recebeu, se une e colabora com os demais procurando o bem comum.

 

A fome, as pestes, as misérias, as calamidades temporais sofridas uniram, na desgraça e na fé, os ilhéus. Foi através da devoção ao Divino que o açoriano encontrou nesses séculos de existência forças para vencer toda a sorte de adversidades que a vida lhe trouxe dentro e fora do arquipélago.

 

Premunição de um facto histórico

 

Corria o ano de 1755. A 8 de Outubro a Câmara da Horta, na Ilha do Faial, recebia uma carta (documentada) da abadessa do Convento de São João, da mesma ilha, comunicando que uma religiosa daquele convento tivera uma “revelação”. Um grande castigo estaria por acontecer de modo eminente sobre a nação. E, em virtude disso, um grande temor se abateu sobre aquela congregação religiosa, que logo realizou preces por três dias consecutivos e uma pequena procissão no convento. A carta participava à Câmara o facto e pedia que esta resolvesse o que fazer, como melhor lhe parecesse. Ao Ouvidor eclesiástico enviaram uma cópia oficial da mesma, consultando–o a respeito. Após uma averiguação sobre o caso, respondeu o Ouvidor que, mesmo convencido da “boa” vida da freira, contudo, não reconhecia naquele aviso uma revelação divina! Por isso, não podia recomendar preces públicas, mas não dissuadiria quem as fizesse particularmente.

 

Porém, ao chegar o dia 1 de Novembro, Sábado, às 10 e trinta da manhã, algo assustador aconteceu. Apesar de o tempo estar muito sereno, o mar, antes calmo, de repente cresceu além do costume e avançou sobre a terra. O movimento repetiu-se mais duas vezes num vai e vem cada vez mais crescente, atingindo até 8 palmos os moinhos d’água da ribeira da Conceição, aterrorizando as gentes, inundando a ilha. Depois retraiu-se, vazando tanto que os navios quase tocaram com a quilha no fundo do mar. Pouco a pouco voltou a ficar manso como antes, mas já havia levado da área vários barcos e um bergantim. Felizmente não houve mortes.

 

MADUFA-Igreja_de_Nossa_Senhora_da_Graça,_faxada,_

 

Espavorido, o povo acorreu às Igrejas buscando nas orações consolação e salvação. E como acontecia toda a vez que os devotados faialenses sofriam com os desastres da natureza, iam com as congregações religiosas e os “Principais“ da ilha buscar a venerada imagem do Senhor Santo Cristo na Igreja da Praia do Almoxarife, para trazê-la em contrita procissão para a Igreja da Misericórdia da Horta. Ali, foi exposta por três dias, em “laus perenne” concorrendo o povo com pedidos e orações. Depois, a sacrossanta imagem foi levada até às demais igrejas das freguesias para o exercício de devoção e piedade das comunidades da ilha. A peregrinação da imagem foi realizada até o dia 25 de Janeiro de 1756, quando se soube então, através do padre carmelita Francisco de Souza, desembarcado de um navio que chegara de Lisboa, que naquele fatídico dia um grande terramoto arrasara a maior parte da cidade de Lisboa, num prazo de 8 minutos, perecendo na ocasião mais de 40 mil pessoas!

 

 

Uberaba, 20/11/2016

 

Maria Eduarda Fagundes

Maria Eduarda Fagundes

 

 

Nota:

Dados compilados do livro de Antonio Lourenço da Silva, História das Quatro Ilhas que formam o Distrito da Horta (volume I, págs. 230 e 231) edição 1981- fac-similada de 1871 - da Secretaria Regional da Educação e Cultura (Região Autónoma dos Açores).

 

 

SE A MINHA ILHA SOUBESSE…

 

Uma quase homenagem a Vitorino Nemésio

 

 

Vitorino Nemésio.jpg

 

 

Digo dos mares e do vento

Das grutas e de montanhas

Deste Atlântico, alimento

De alma a ferir entranhas…

Digo do negro, as mil cores

E das neblinas sem fim

De sofrimentos e amores

Que sempre choram em mim.

E se a noite é promessa

Dum inquieto desvario,

Não há Verão que impeça

De o corpo morrer de frio!...

 

Maria Mamede - 2

Maria Mamede

FAIAL

 

MADUFA-FAIAL.jpg

 

 

Esta é a Ilha Azul, o Faial (Açores), a terra onde eu nasci. Aqui as vacas pastam em canteiros de hortênsias, como disse uma turista americana!

 

Do Faial e de outras Ilhas açorianas vieram alguns antepassados de... Getulio Vargas, João Goulart, Carlos Lacerda, Eurico Gaspar Dutra, BENTO GONÇALVES da Silva, Francisco Pereira de Macedo, Anita Garibaldi, JULIO PRESTES de Castilho, José António FLORES DA CUNHA, Fafá de Belém, Lilian Cabral, Katty Perry (Pereira), Joe Perry (Pereira), Nelly Furtado, Tom Hanks, Daniella Steel (escritora), Craig Mello (Nobel de Medicina/1996), Filipe de Oliveira Batista (director criativo de LACOSTE),…

 

A lista é grande para ilhas tão pequenas…

Maria Eduarda Fagundes

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