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A bem da Nação

PASSAR A PASTA, NA CONFERÊNCIA

 

Cada cidadão é um actor político, diz Vasco Pulido Valente que disse o filósofo Jürgen Habermas, e que Varoufakis reproduziu por cá, em conferência a respeito da transformação da Europa numa democracia radical. Isto é que são termos sonoros, tais como os de rasgar compromissos, ou da falência portuguesa idêntica à grega, no que eu acredito porque nunca tivemos magnatas como Onassis que sempre trouxe prestígio e um poder de grande calibre à Grécia, embora, é certo, tudo acabe em poeira, a qual se iniciou já depois do Big Bang, nas nebulosas interestelares, de gases e poeiras (e estrelas), há milhares de milhões de anos de nós, que não lhes somos inferiores e por aqui andamos neste giro universal, de poeirada à mistura, pese embora outros sentidos que se lhes possam atribuir como se escreveu na Bíblia, com o seu pulvis es, ainda na ignorância do Big Bang.

 Varoufakis.jpg

E agora, para sermos diferentes, segundo nos conta Varoufakis, que não quer ser sozinho a arcar com a tal vileza de usufruir do alheio e não pagar, e porque o mandaram embora do seu governo, onde se fartou de largar “boutades” bastante desonestas, de que naturalmente a Europa discordou, vem cá, a um país que não admira, para passear a sua pose e a sua desonestidade para quem o quiser ouvir, difundir a sua tese da democracia radical, de exploração do suor de quem trabalha, que é quem empresta. Temos por cá muitos como ele. Poseurs, digo. Ou Varoufakis de um glu-glu tão ridículo como esses a quem vem largar os seus saberes. A ver se pega, que somos mansos no perceber, mas bravos num agir que aparente favorecer-nos.

 

De resto, Vasco Pulido Valente tem a razão toda a respeito das misérias a que vamos assistindo por cá, nesses partidos que tanto grugulejam, em infinito despudor, rãs nada entendendo, mas aspirando ao tamanho do boi.

 

Leiamo-lo:

 

E depois do recreio?

Vasco Pulido Valente.png Vasco Pulido Valente

Público, 25/10/2015

 

Depois de terem espremido tudo o que puderem de António Costa, ou seja, do Estado, ou seja, do contribuinte, onde ficarão o Bloco e o PC? Deixaram pelo caminho as causas e os símbolos que os distinguiam (a hostilidade à NATO e à Europa) a troco de alguns ridículos remendos na interminável miséria do país. Fizeram grandes discursos para desabafar. Insultaram o Presidente e a direita. Espalharam um bom saco de calúnias. E o resultado? O resultado não foi nenhuma espécie de libertação e eles, como os portugueses, continuarão presos ao mecanismo que tanto odeiam. A “esquerda” acabará por pagar este recreio que o dr. Costa inventou. Saíram das suas cavernas, respiraram fundo e conseguiram mesmo uma vaga impressão de poder, que de certeza os regalou muito.

 

Mas, fora isso, não chegaram a parte alguma e, entretanto, produziram um desastre, que imediatamente lhes baterá à porta. Não admira que não ligassem nenhuma a Yanis Varoufakis que por cá apareceu a pretexto de uma conferência. Mais sóbrio e sorridente, Varoufakis disse três coisas que, na sua actual excitação, a “esquerda” não queria ouvir. Primeira: que Portugal estava tão falido como a Grécia e que não se podia salvar com um pequeno conserto. Segunda: que é preciso uma “conversa” séria para eliminar esta “crise” e “acabar a austeridade”. E terceira: que Portugal deve rasgar os “compromissos” que não é capaz de cumprir. Para Varoufakis, o problema, no fundo, só se resolve com uma revolução europeia, mais precisamente com a “democratização” da Europa.

 

A ideia não é boa, mas não é tão má como a “interpretação inteligente” dos tratados, congeminada por António Costa (o Bloco e o PCP, que se saiba, não pensam). Varoufakis copia nesta matéria um dos gurus da “esquerda” o filósofo Jürgen Habermas. Habermas também acha que a sobrevivência da Europa está numa democracia radical, que transforme cada cidadão num actor político, desde a rua ou aldeia em que vive até aos soleníssimos píncaros do Estado. A privacidade sempre se dissolveu (e o terror prosperou) nessas fantasias, mas não me parece que o filósofo se importe muito. O que lhe falta, e é pena, é um povo europeu para “democratizar”; uma cidadania devota que sustente um “patriotismo constitucional”, como ele julga que sucede na América. De qualquer maneira, Varoufakis e Habermas fazem algum sentido. O Bloco e o PCP não fazem nenhum.

 

Berta Brás.jpg Berta Brás

 

 

OS CALOS DO NOSSO PATRIOTISMO

 

 

“Dói-me Portugal”: Um texto sombrio, socorrendo-se de referências a poesia de Espanha, poesia, segundo Pacheco Pereira, intraduzível noutras línguas em termos de musicalidade, embora ele tenha traduzido dois versos para a sua analogia não patriota, mas apenas pátria: “Uma das duas Espanhas há-de gelar-te o coração”: “Um dos dois Portugais há-de gelar-te o coração”.

 

E segue-se o tal aprofundamento das escrófulas sociais, de hoje como de ontem, é certo, mas por conveniência raivosa apenas responsabilizando os do governo que se pavoneia, os do empresariado em posição de vénia, todo o resto – “os de baixo” - no desemprego ou no emprego precário e, segundo a focalização dos empregadores, descritos como “feios, porcos e maus”, querendo receber sem trabalhar, à custa deles, dos patrões, em vez de “amocharem disciplinadamente”.

 

Já depois deste artigo despejando recalcamentos e ódios intemeratos, surgiu o tal esboço do rectângulo dividido em dois, na “Quadratura do Círculo” pelo mesmo Pacheco Pereira, antecipando – e sugerindo - a proposta pós-eleitoral de governação à esquerda, a qual esquerda cobre mais de metade do país, sem referir a quase metade populacional dos que se abstiveram de votar, o que faz propor a criação de um outro governo para estes, ou pondo-os a governar entre si, embora pelo seu desprezo em participar num acto importante de cidadania, me pareça que esses se estão nas tintas para quem quer que os governe – o que é amorfo.

 

E assim se fomenta o ódio, nestas generalizações de ataques raivosos de uma esquerda desejando ascender, tal como já o fizera anteriormente durante o Processo Revolucionário em Curso de má memória, e que Pacheco Pereira parece querer fazer renascer, com o seu historial sem ponta de equilíbrio, num radicalismo desafogado em mágoas e ódios, que não ressalva os tantos de uma população de facto “de brandos costumes”, não da hipocrisia de Salazar, mas da sua sabedoria e inteligência crítica. Mas Pacheco Pereira parece desejar mais os costumes jihadistas para expansão do seu Islão avassalador, ou mesmo apenas a garra combativa de uma Espanha dos idos de 36/38, atropelada em sangue fratricida, para expansão das suas teorias falsamente humanitárias e desprezadoras da sua pátria.

 

E o “niño que empieza a vivir” terá o coração gelado num desses dois Portugais, como já acontecera na Espanha, nos lamentos de musicalidade intraduzível de António Machado, donde a conclusão de Pacheco Pereira, ambicioso de um Portugal valiente, como a valiente España, desta vez imitando as mágoas de Unamuno: “me duele España”, dói-me Portugal».

 

Berta Brás.jpg Berta Brás

 

Dói-me Portugal

Pacheco Pereira.png José Pacheco Pereira

Público, 5/9/15

 

O poema de Antonio Machado intitulado Españolito é, como muitos poemas seus, intraduzível.

Eugénio de Andrade dava os poemas de Antonio Machado como exemplo da impossibilidade, no caso da poesia, de encontrar noutra língua, não as palavras certas, o que ainda era possível, mas a “música” do poema, o modo como fluía o som dessas palavras. Por isso, aqui vai no original:

Ya hay un español que quiere

vivir y a vivir empieza,

entre una España que muere

y otra España que bosteza.

Españolito que vienes

al mundo te guarde Dios.

una de las dos Españas

ha de helarte el corazón.

É um poema sinistro tanto quanto pode ser um poema. Estamos a caminho da ferocidade da guerra civil espanhola: “uma das duas Espanhas / há-de gelar-te o coração”. Não é hipotético, é certo. Morrerás em breve por uma ou por outra dessas “duas Espanhas”. Como Machado, enterrado junto da Espanha mas do lado francês, para onde fugiu quando a guerra estava perdida para a República.

O tema das “duas Espanhas” é muito antigo e não é alheio também ao pensamento português contemporâneo desde o século XIX. A ideia de que há “dois Portugais” também por cá circulou, mas sem a dramaticidade e a fronteira talhada à faca, com que existiu em Espanha. Houve sempre por cá mais mistura, mesmo nos momentos em que “um Portugal” defrontou o “outro”, nas lutas liberais, na República e na longa ditadura que preencheu metade do século XX português. A essa mistura Salazar chamava a “brandura dos nossos costumes”, uma enorme mentira em que os poderosos desejam acreditar e nem ele acreditava. Também ele era capaz de, com o seu enorme cinismo, agradecer aos portugueses terem sido tão “pacíficos” durante a crise.

Hoje, “dois Portugais” existem e vão a eleições. Um está à vista todos os dias, outro tornou-se invisível, mas está cá. Como é que é possível ele ter desaparecido de modo tão conveniente neste ano eleitoral? É conspiração dos media, é censura induzida, é habilidade de um dos “Portugais”, é apatia, resignação do outro “Portugal”, é incapacidade do sistema político representar ambos, ou só um, é o efeito daquilo que os marxistas chamavam “ideologia dominante”`? É, porque já não há dois, mas apenas um só, e este é o Portugal feliz, redimido dos seus vícios passados, empreendedor, cheio de esperança no futuro, deixando a “crise” para trás, virado para o “Portugal para a frente”? É tudo junto, menos a última razão.

Um dos “Portugais” está de facto invisível nestas eleições. Quem devia falar por ele, não fala e quem fala não é ouvido. Criou-se uma barreira de silêncio onde apenas se ouve a propaganda. Vejam-se as miraculosas estatísticas. Começa porque há as estatísticas de primeira e as de segunda, as que valem tudo e as que não valem nada. As “económicas” são de primeira, as “sociais” são de segunda. Das primeiras fala-se, as segundas ocultam-se.

As estatísticas “da recuperação económica”, escolhidas a dedo e trabalhadas a dedo, são comparadas com os anos que mais convém, umas vezes 2000, outras 2008, outras 2010, outras 2011, outras 2012, outras 2013, etc.. Todas a subir, pouco mas a subir, com “tendência” para subir. Os “do contra” ainda dizem que são tão milimétricas essas subidas e tão condicionadas pelo bater no fundo, tão longe do que seria necessário, tão dependentes de factores externos, que, ao mais pequeno abanão, o castelo de cartas ruirá. Como, para não ir mais longe, se vê com a venda do Novo Banco, o “bom”. (Embora suspeite que mesmo a pior das vendas vai ser apresentada como um excelente resultado, comparada com qualquer hipotética operação mais ruinosa, que “poderia ter acontecido”, mas nunca existiu. É uma das técnicas habituais apresentar sempre o mal como o mal menor.)

Quem é que quer saber, destes pequenos incidentes? Até às eleições servem bem, no dia seguinte, se os seus criativos autores ganharem, voltam a ler com toda a atenção os relatórios do FMI para justificar a continuação da austeridade. Ver-se-á como o défice vai subir, vai-se ver como as coisas são piores do que se apresentou neste ano eleitoral, mas já é passado, não conta.

Há mais de um milhão de desempregados, “desencorajados”, desempregados de longa duração que desapareceram das estatísticas, falsos estagiários, e pessoas que só não estão nas listas do desemprego porque emigraram. Porque queriam? Não. Porque não tinham alternativa e ainda faziam parte daqueles que podiam emigrar. Se estão felizes é por mérito da Suíça, da Grã-Bretanha, da Alemanha, da França e das competências e conhecimentos que ganharam em Portugal, imperfeitos que fossem, antes de 2008. O Portugal que lhe deu essas competências também já está a encolher, a acabar. Estamos a falar de várias centenas de milhares de pessoas. É muito português.

Voltemos aos desempregados que, ó céus!, também não deixaram de existir. São muitas centenas de milhares de pessoas, à volta de um milhão se somarmos, como devemos somar, várias parcelas de pessoas que não tem emprego. Não é sequer emprego sem direitos, é que não tem emprego. Ponto. Por muita imaginação que se possa ter, é suposto que não estejam felizes com a sua vida. Nem eles, nem as suas famílias. É muito português.

Depois, mais um número que se sobrepõe aos outros, uma em cada cinco pessoas é pobre, dois milhões de portugueses. Onde estão eles que não se vêem? Depois de uma overdose pontual de miséria nos anos mais agudos da crise, desapareceram as pessoas que vivem mal de Portugal. Não são boa televisão a não ser como “casos humanos” extremos – a idosa sem pleno uso das suas faculdades mentais que vive imersa na sujidade e na miséria mais extrema numa casa sem vidros, nem água, nem luz – e não é disso que estou a falar. Estou a falar da pobreza que é estrutural, da que recuou dez anos para trás, mas que, neste recuo enorme em termos sociais, perdeu qualquer esperança, aquela que ainda podiam ter no início da década de 2000.

E aqueles a quem cortaram a magra pensão na velhice e a reforma com que pensavam viver os últimos anos, também estão felizes, a aplaudir o PAF? E aqueles que não eram pobres ou tinham deixado de ser pobres depois do 25 de Abril e que agora estão a escorregar para esse “estado” de que já não vão sair até morrerem? Estão felizes e contentes, perdido o emprego, a pequena empresa, o carro, a casa? Sim, as estatísticas de segunda, as sociais, revelam as penhoras, as devoluções, as humilhações, o esconder de uma vida sem esperança, ou seja desesperança. É muito português.

O discurso oficial, o do “outro” Portugal, diz que tudo isto é “miserabilismo”. Diz-nos que apenas o crescimento da “economia”, daquilo que eles chamam “economia”, pode resolver as malditas estatísticas “sociais”. Outra conveniente ilusão, porque, a não haver mecanismos de distribuição, a não haver equilíbrio nas relações laborais, a não haver reforço dos mecanismos sociais do estado – tudo profundamente afectado pela parte do programa da troika que eles cumpriram com mais vigor e rapidez – o “crescimento” de que falam tem apenas um efeito: agravar as desigualdades sociais. Como se vê.

No grosso das notícias, ministros e secretários de estado pavoneiam-se com grupos de empresários em posição de vénia, por feiras, colóquios dos jornais económicos, encontros liofilizados para que não haja o mínimo risco e, quando abrem a boca, é apenas para fazer propaganda eleitoral, a mais enganadora da qual se faz falando do “estado” redentor do país que agora já “pode mudar”. Eles falam do lado do poder, do poder que aparece nas listas dos jornais económicos, os novos “donos disto tudo”, chineses, angolanos, profissionais das “jotas” alcandorados a governantes, advogados de negócios e facilitadores, gestores, empresários de sucesso, a nova elite que deve envergonhar a mais velha gente do dinheiro, que o fez de outra maneira. O “outro” Portugal, o que é tão visível que até cega, com todas as cores, luzes a laser, aplausos de casting, feérico e feliz.

Não é este o meu Portugal. Não lhes tenho respeito. Uns fazem por si, outros fazem pelos outros. Conheço-os bem de mais. Não gostam dos de “baixo”. Acham que eles são feios, porcos e maus. Querem receber sem trabalhar. Querem viver à custa dos outros, deles. Se estão pobres é porque a culpa é sua. Se estão desempregados é porque não sabem trabalhar. Se se lamentam da sua sorte, são piegas. Deviam amochar disciplinadamente para serem bons portugueses. Não. “Há-de gelar-te o coração”.

Direi pois, como o velho Unamuno, “me duele España”, dói-me Portugal.

LES UNS ET LES AUTRES

 

Quando o debate acabou, os da Quadratura falaram e Jorge Coelho não fez segredo da sua euforia pelo que apelidou de vitória do seu candidato. Até pediu, com certo pudor, não sei se sincero, desculpa da sua efusão tão manifesta, ciente de que essas manifestações de agrado, um tanto provocatórias, são mais compreensíveis entre as crianças, que até pulam, ou no caso de jogos desportivos, entre os adeptos, que já não pulam, por causa das articulações descarnadas. Pacheco Pereira também não fez segredo do seu agrado, com os seus motivos específicos de uma erudição que mal me custa acompanhar, por sábios e tortuosos, escondendo aquilo que ele não deseja revelar de reconhecimento dos muitos nós na malha governativa, dificultando a urdidura da teia que, para a sagaz Penélope era mais fácil de produzir, por se limitar a fazer e desfazer o que ela própria tecia, com os nós da sua fabricação, enquanto que os nós da teia governativa são de múltiplas e estranhas proveniências, por vezes inextricáveis, como Pacheco Pereira por certo conhece, o que lhe devia servir para desculpabilizar. Felizmente Lobo Xavier, no seu discurso de rigor, resultante de uma visão sem malícia mas de saber, estava ali para lançar um pouco de confiança nas almas adeptas dos desfazedores de nós, e readquirimos a esperança, que a maioria dos outros intervenientes em outros debates sucedâneos ao frente-a-frente, pretendeu tirar-nos, nos moldes de Jorge Coelho, embora menos efusivamente, por a empatia entre eles não ser tão de raiz familiar.

 

Mas os habituais articulistas do nosso enlevo literário não deixaram escapar o acontecimento. Eles disseram tudo o que devia ser dito, com a graça da sua justeza, e aqui estão. Muitos debates se vão seguir ainda, para palco dos muitos analistas, uns com mais rancor outros com mais amor. Apesar de tudo, o espectáculo do mundo que invade a Europa, com crianças pequenas nos braços ou a caminhar com rapidez aflitiva, é mais pungente. Mas as campanhas eleitorais servem sempre. Sobretudo aos humoristas. Que é o que nós somos, acima de tudo. Quer os da plateia quer os do palco. Pulido Valente e Alberto Gonçalves sabem-no bem.

 

Berta Brás.jpg Berta Brás

 

Um debate

Vasco Pulido Valente.png Vasco Pulido Valente

Público, 12/09/2015

 

Não se percebe por que razão o jornalismo português (profissional ou amador) resolveu achar que António Costa tinha ganho a Passos Coelho.

A ideia parece ser que um debate é uma espécie de altercação de taberna em que ganha quem der mais murros no adversário e se mostrar, de maneira geral, mais malcriado e belicoso. Se este modelo se aplica a uma discussão sobre o Estado e a vida dos portugueses nos próximos cinco anos, temos, de facto, razão para desesperar. António Costa gritou e esbracejou mais do que Passos Coelho. E Passos Coelho foi falando com uma certa serenidade e não permitiu que, da parte dele, a conversa degenerasse num chinfrim com o primeiro-ministro. Mas, dizem os peritos, perdeu. O público e os comentadores gostam de excitação e de alarido, como os pacóvios gostam de ver desastres.

Veio a seguir um coro geral de lamentações. Afinal, o debate não tinha esclarecido ninguém. Primeiro, porque se discutiu durante muito tempo a personagem de Sócrates (um argumento absurdo). Segundo, porque os portugueses não perceberam metade do que ouviram (a reforma da segurança social, a saúde, a troika, a dívida pública e por aí fora). Só que, se não perceberam, o único critério que lhes ficou foi a intensidade do barulho dos dois cavalheiros em presença. E isto para não entrar no capítulo das mentiras, que ferveram do princípio ao fim: sobre a bancarrota, sobre o pedido de resgate, sobre o “memorando”, sobre o melancólico facto de que, à mais pequena crise nos mercados financeiros, não haverá dinheiro para as salvíficas promessas de Costa ou para os sonhos sem sentido de Passos.

Não passou pela cabeça dos jornalistas que “presidiam” ao debate com a sua insuportável embófia perguntar às duas notabilidades que ali putativamente discursavam ao país onde tencionavam arranjar o dinheiro para a redenção da Pátria. Ao contrário do que um observador ingénuo talvez concluísse, em todo aquele espectáculo, digno de Las Vegas (e tirando uns 600 milhões que faltam à segurança social), não se ouviu a imunda palavra “dinheiro” uma única vez. Vivemos numa situação periclitante em que o menor abano pode deitar tudo abaixo. Mas naquela arena (não sei que outra coisa lhe devo chamar) não se mencionou a Europa, a América ou a China. Apesar da retórica sobre a “globalização”, Portugal acaba em Badajoz. E o dr. Costa e Passos Coelho, coitados, suspeito que também.

 

Depois do debate

Alberto Gonçalves.png

DN, 13 Setembro 2015

Ao longo da quarta-feira, as televisões trataram o programa do serão como tratam os desafios de futebol, incluindo (juro) os indispensáveis inquéritos a transeuntes sobre os "prognósticos" para o jogo, perdão, o debate. Só faltaram as célebres filmagens dos autocarros a caminho do estádio, perdão, do estúdio, de modo a envolver o espectador em pleno ambiente da bola. Não faltou o intervalo. Não faltou a flash interview. E não faltou António Costa, que à semelhança dos comentadores do ramo se fingiu frequentemente indignado, puxou de bonitos papéis e recorreu ao truque mais infantil das discussões do género: o não-vale-a-pena-exaltar-se, sobretudo quando Pedro Passos Coelho praticamente adormecera, é um artifício que só não envergonha os fanáticos.

E os fanáticos, ou os convertidos à partida, não têm vergonha nenhuma. Mal terminou o debate, correram a decretar a estrondosa vitória do Dr. Costa com o alívio de quem começava a perder a esperança nas "legislativas". Não é por acaso: durante hora e meia, o Tsipras indígena (a comparação é do Telegraph de Londres) conseguiu desfiar as suas extraordinárias patranhas quase sem contraditório do adversário, o qual, não sei se o referi, estava a dormir. Ao Dr. Passos Coelho, cujas limitações não são pequenas, bastava deixar claro o absurdo que é um destacado cúmplice da bancarrota regressar com promessas de novo desastre. Ou lembrar que a portentosa "gestão" da Câmara de Lisboa, salva à custa do Estado, é no mínimo uma mentira cabeluda. O resto ficaria por conta do próprio Dr. Costa, que louva imenso a "lusofonia" e fala um português assaz carenciado.

Contas feitas, o debate suscitou dois mistérios e um avanço civilizacional. O primeiro mistério é a apatia do Dr. Passos Coelho, que sempre possui meia dúzia de indicadores económicos amáveis, se bem que precários, para atirar ao currículo socialista de miséria e fraude. O segundo mistério é o facto de as desconchavadas lendas do menoríssimo Dr. Costa ainda convencerem muitos cidadãos que não os cidadãos que dele esperam uma nomeação, um emprego, um pratinho na extremidade da mesa do poder. O mérito do debate passa por José Sócrates.

No país invertido que habitamos, houve jornais e analistas que atribuíram ao ex-primeiro-ministro a grande vitória da noite. Falharam por pouco: José Sócrates foi evidentemente o maior derrotado. Viram o que eu vi? O Dr. Passos Coelho ocupou metade do tempo a associar, com legitimidade, o Dr. Costa ao "engenheiro". O Dr. Costa ocupou a metade restante a negar, sem legitimidade, as acusações. E não resistiu a uma graçola que no fundo achincalha menos o destinatário do que o sujeito: "Porque é que não vai lá a casa debater com ele? Tem tantas saudades..." Aliás, depois do debate, diversas "personalidades" socialistas - e conhecidos devotos "socráticos" - aderiram ao folguedo e usaram a insistência em José Sócrates para tentar diminuir o Dr. Passos Coelho. Na verdade, as chalaças plantadas nas ditas "redes sociais" diminuem José Sócrates, que devagarinho alcançou o prestígio da peçonha. Noventa minutos televisivos pareceram sugerir o que nove meses de cadeia e anos de trapalhadas prometiam: a morte política de um homem abaixo de qualquer suspeita. Veremos.

Por enquanto, vemos o Dr. Costa, que José Sócrates abomina em privado e "apoia" em público, dispor de um futuro radioso a trocar argumentos por conversa fiada no Tempo Extra, na Quadratura do Círculo, no Trio de Ataque ou em qualquer outro desses debates futebolísticos. Ou, se Deus Nosso Senhor for excessivamente sarcástico, no cargo de primeiro-ministro. Com sorte, já terá havido pior. E não é preciso citar o nome.

 

Quinta-feira, 10 de Setembro

Da liberdade ao Rato

Falou-se imenso do debate em que três "moderadores" amigos (e, até certo ponto, Pedro Passos Coelho) deixaram António Costa à vontade para vender bugigangas. Por motivos evidentes, falou-se muito menos da entrevista do dia seguinte, na RTP, em que o Dr. Costa passou o tempo a acusar o jornalista Vítor Gonçalves de estar ao serviço do PSD. O lendário humanismo dos socialistas, decerto inspirado pela bonomia do seu fundador, tem tendência a exasperar-se com perguntas a sério e com o contraditório em geral. Faz sentido: se a moda pegasse, qualquer dia o Dr. Costa seria obrigado a reconhecer que o universo feliz e copioso das suas propostas (?) não possui a mais vaga relação com a realidade - isto admitindo que ele consegue notar a diferença.

Depois do pedagógico sms a um director adjunto do Expresso, há meses, fica definitivamente estabelecido o estilo do Dr. Costa, e fica provado que as semelhanças com José Sócrates não se esgotam no "modelo económico" (eufemismo para ruína). Esqueçam as promessas de leite e mel: a acontecer, o regresso do PS será sobretudo o regresso a isto, à intimidação, à ameaça, à intolerância e em suma ao convívio complicado com os pressupostos da liberdade. O governo em vigor esfola-nos através do fisco? Prefiro que me aliviem o bolso do que me calem a boca, para cúmulo quando a segunda habilidade é opcional e, apesar dos pantomineiros que juram o contrário, a primeira não.

 

 

POR ANTÍFRASE

Prise_de_la_Bastille.jpg

 

Ouvi ontem e leio hoje, na Internet, que Alberto João Jardim chamará ao seu programa de concorrente provável à presidência da República ,«Tomada da Bastilha”:

«Alberto João Jardim ainda não anunciou se é ou não candidato à Presidência da República, mas já tem um programa para a corrida a Belém, a que deu o nome de "Tomada da Bastilha". No documento a que a SIC teve acesso, Jardim defende uma revisão da Constituição. Numa das alterações que propõe, o Presidente da República passa a ser o chefe do Governo e é eleito para um mandato de sete anos. O programa prevê também a proibição do direito à greve em quatro setores.»

Donde se segue que Alberto João Jardim, figura que confina em si o Zé Povinho da revolta contra as distinções entre as classes, ao arrasar a sua Bastilha, num simbolismo de sociedade igualitária, por outro lado aspira às altas categorias sociais, ao pretender comandar ditatorialmente todas essas classes, já liquidadas na amálgama que outros ditadores semearam, chefe supremo no cimo do triângulo distintivo, igual a Deus, igual a si próprio, omnipotente, omnisciente, omnipresente, homem modesto, vindo de baixo, chegando ao topo, os outros que sejam iguais, ele será diferente, a cereja cimeira na massa indistinta do bolo.

Figura caricata que provavelmente foi dos que condenaram os longos anos de governo de Salazar, não se importando, contudo, de lhe seguir as pisadas de veterania governativa, tal como, aliás, muitos sequazes das tradições imaculadas de Abril, apoderou-se da sua ilha por longos anos, a reboque dos dinheiros que lhe foram distribuídos, sem ter que prestar grandes contas aos Quixotes duma pátria que desprezou, Sancho Pança ambicioso da sua ilha da Barataria, onde aquele julgou salomonicamente, onde este revela a sua altaneira ausência de educação numa despudorada arrogância.

“Tomada da Bastilha?” Só por antífrase.

Berta Brás.jpgBerta Brás

SEM BOTE

BB-Três homens num bote.png

Lembrei-me do livro «Três Homens num bote”, a propósito da Quadratura do Círculo desta semana, não por analogia mas por oposição. Naturalmente. São totalmente diferentes os três homens que discutem na Quadratura para deslindar os meandros das políticas nacionais e estrangeiras. Também o seu público é diferente. O entrecho do livro de J. K. Jérôme, escritor inglês do século XIX, é destinado a divertir, numa leitura que nos faça esquecer agruras por meio da franca gargalhada de prazer. É certo que o tom sombrio de outras leituras já é antigo, tão antigo como o da franca risada, mas cada vez menos surgem motivos para esta, num mundo a desfazer-se em cenas apocalípticas de violência, dos homens e dos elementos.

 

Três homens com problemas de saúde, cujos sintomas os próprios panfletos médicos sobre novos tratamentos ajudam ao avolumar da preocupação hipocondríaca, decidem espairecer num bote ao longo do Tamisa, com o fox-terrier Montmorency provocador de alguns distúrbios, leader nos confrontos caninos, aquando dos desembarques pelas margens do belo rio. Um livro revelador do prazer pessoal pelas paisagens inglesas que ao longo dele se estendem e das situações picarescas resultantes da própria falta de destreza no remar ou da picardia na ronceirice com que o pequeno bote responde aos apelos de afastamento dos barcos mais velozes a motor, ou nos preparativos iniciais atabalhoados das próprias bagagens, desfeitas logo após terem sido fechadas, na busca atarantada de tal escova de dentes ou outro objecto imprescindível, cuja colocação se esqueceu se fora ou não realizada, ou nas desventuras sofridas nas partidas sem cerimónia pregadas pela sã e risonha camaradagem. E a par disso, as incursões jocosas pela História inglesa, no descritivo de sítios famosos desmistificadores, embora com o orgulho nacional subentendido. Caso da assinatura forçada da Magna Carta pelos barões ao Rei João (Sem Terra), fez este ano 800 anos (1215): «Lentamente sobem o rio e vão enfim tocar na pequena ilha que terá daí por diante o nome de “Ilha da Magna Carta”. O rei João desembarcou. Fica-se na expectativa, num silêncio absoluto. Depois eleva-se uma imensa aclamação que nos assegura que foi enfim colocada a pedra angular do templo da liberdade inglesa e, sabemo-lo hoje, com inabalável solidez!» (É certo que, a leitura de “Cartas de Inglaterra”, por exemplo, de Eça de Queirós, mostra que, tal como acontecera com o templo da democracia grega, exclusivo dos cidadãos, o templo da liberdade inglesa foi durante séculos muito centrado na aristocracia do poder, embora as bases definidoras se tenham mantido no orgulho rácico generalizado. Referências aos lugares onde desembarcavam e onde Montmorency tem os seus desaguisados bélicos, lembram o costume actual de propagandear os lugares pátrios, denunciando igual carinho na sobriedade descritiva, e no ritmo da aventura, a que não falta o sentido humanitário, por vezes expresso através da ironia.

 

Um simpático livro de férias. Três homens num bote – Jack, Harry, o narrador e o seu cão – que os três homens do debate – Pacheco Pereira, Jorge Coelho, Lobo Xavier – me fizeram lembrar, sem considerar o orquestrador dele, excelente moderador Carlos Andrade, na obscuridade do seu posto de autoria, embora capital.

 

Tiro no pé.jpg

 

Uma vez mais dois homens sem alegria e com arreganho acintoso, dispostos a tudo fazer para desancar no governo, apesar de um deles se definir actualmente como adepto desse governo, mas de doutrinação idêntica à dos tempos da mocidade intolerante, partidária, aparentemente, de um igualitarismo humanitário, falso como já fora nos tempos do rei João. Outro, o socialista bem posicionado na vida, no seu discurso de esperteza prosaica, de um partidarismo sem leviandades nem travessuras. Finalmente, o homem que sabe decifrar os valores do trabalho alheio ou próprio segundo a justa ponderação e avaliar os princípios de lisura nas boas contas do Governo, impondo naturais sacrifícios de devolução do alheio.

 

Três homens num espectáculo favorecedor não do riso mas indiscutivelmente de prazer, por este ou aquele motivo – o prazer do saber, embora ofuscado pela discordância, o prazer pela linguagem chã, à Zé Povinho finório, o prazer do discurso da hombridade e do bom senso, num raciocínio claro e elegante, sem pretensiosismo, mas sem amadorismo também.

Berta Brás.jpgBerta Brás

 

 

PREVISÕES

 

«Todos os homens têm os seus lamentos secretos que o mundo desconhece; e muitas vezes dizemos que ele é frio quando é apenas triste», lê-se em epígrafe, na última página do Público, frase do poeta estadunidense Henry Wadsworth Longfellow (1807-1882), que bem regista os desesperos solitários das almas, resultantes da incompreensão, da dúvida, do medo, do remorso, da cobardia, do sentir-se injustiçado, que o mundo secreto de cada um traz à tona em momentos de solidão e confronto isolado com os porquês sem resposta. Momentos que por vezes desabam em textos traduzindo esses estados de alma, quer em discursos líricos ou em prosa mordaz, quando não de uma serenidade esclarecedora.

Victor Hugo.png Victor Hugo, melhor que ninguém traduziu o amarfanhamento maior do homem, numa aparente submissão que não é mais que incapacidade de contrariar o destino. A morte – por afogamento – da sua filha Léopoldine, mereceu-lhe versos de uma expressão trágica, de aparente resignação que para sempre restarão como expressão da maior dor humana, de que ”À Villequier”, (recitado no YouTube), constitui exemplo que ninguém pode ler serenamente.

 

 https://www.youtube.com/watch?v=NWvMxzSbvmk

 

Maintenant, ô mon Dieu! que j'ai ce calme sombre

De pouvoir désormais

Voir de mes yeux la pierre où je sais que dans l'ombre

Elle dort pour jamais;

Maintenant qu'attendri par ces divins spectacles,

Plaines, forêts, rochers, vallons, fleuve argenté,

Voyant ma petitesse et voyant vos miracles,

Je reprends ma raison devant l'immensité;

Je viens à vous, Seigneur, père auquel il faut croire;

Je vous porte, apaisé,

Les morceaux de ce cœur tout plein de votre gloire

Que vous avez brisé;

Je viens à vous, Seigneur! confessant que vous êtes

Bon, clément, indulgent et doux, ô Dieu vivant!

Je conviens que vous seul savez ce que vous faites,

Et que l'homme n'est rien qu'un jonc qui tremble au vent;

Je sais que vous avez bien autre chose à faire

Que de nous plaindre tous,

Et qu'un enfant qui meurt, désespoir de sa mère,

Ne vous fait rien, à vous !

Voyez-vous, nos enfants nous sont bien nécessaires,

Seigneur quand on a vu dans sa vie, un matin,

Au milieu des ennuis, des peines, des misères,

Et de l'ombre que fait sur nous notre destin,

Apparaître un enfant, tête chère et sacrée,

Petit être joyeux,

Si beau, qu'on a cru voir s'ouvrir à son entrée

Une porte des cieux; 

Quand on a vu, seize ans, de cet autre soi-même

Croître la grâce aimable et la douce raison,

Lorsqu'on a reconnu que cet enfant qu'on aime

Fait le jour dans notre âme et dans notre maison,

Que c'est la seule joie ici-bas qui persiste

De tout ce qu'on rêva,

Considérez que c'est une chose bien triste

De le voir qui s'en va!

 

(in « LES CONTEMPLATIONS»)

 

Traduzo, embora ciente da desvalorização rítmica:

 

Agora, ó meu Deus! Que tenho esta calma sombria

De poder de hoje em diante

Olhar com os meus próprios olhos a pedra a cuja sombra

Sei que ela dorme para sempre;

Agora que enternecido por estes divinos espectáculos,

Planícies, florestas, rochedos, vales, rio prateado,

Olhando a minha pequenez e vendo os vossos milagres

Retomo a racionalidade perante a imensidão;

Venho junto de vós, Senhor, pai em quem se deve crer;

Trago-vos, apaziguado,

Os pedaços deste coração cheio da vossa glória

Que vós haveis quebrado;

Venho junto de vós, Senhor! Confessando que vós sois

Bom, clemente, indulgente e doce, ó Deus vivo!

Convenho que só vós sabeis o que fazeis,

E que o homem não é mais que um junco que treme ao vento;

Sei que vós tendes mais para fazer

Do que a todos lamentar

E que uma criança que morre, desespero da sua mãe,

Para vós nada pode querer dizer!

Olhai, os nossos filhos são-nos bem necessários,

Senhor; quando se teve na vida, uma manhã,

No meio dos males, das tristezas, das misérias

E da sombra que sobre nós faz o destino

Aparecer um filho, cabeça estremecida e sagrada,

Pequenino ser alegre,

Tão belo que se julgou entrever à sua entrada

Uma porta dos céus;

Quando se viu, dezasseis anos, desse outro nós-mesmos

Crescer a graça amável e a doce razão,

Quando se reconheceu que essa criança que se ama

É a luz da nossa alma e da nossa casa,

Que é a única alegria na Terra que persiste

De tudo o que se sonhou,

Considerai que é uma coisa bem triste,

Vê-la que partiu!

 

Tratava-se de uma dor pessoal, a dor que já Job exprimiu, a dor do ser humano, secreta, que ninguém pode desvanecer, salvo o tempo, no seu rolar e o despojamento humilde dos egoísmos próprios, pelo confronto com os males alheios.

 

Mas também nesse sentido trágico, embora global, aponta o artigo de João Miguel Tavares, publicado na mesma página – “Prosperidade sem crescimento” – parafraseando o livro de Tim Jackson com esse título, pondo a tónica sobre a frase assustadora aí citada «num mundo de recursos finitos, constrangido por limites ambientais rígidos ainda caracterizado por ilhas de prosperidade no meio de oceanos de pobreza, será legítimo que o crescimento perpétuo dos rendimentos daqueles que já são ricos sirva de apoio às nossas esperanças e expectativas?» Tal tese condena um mundo em que os recursos do planeta, que são finitos – a continuar a agir-se como se o não fossem, o capitalismo gerando uma riqueza cada vez mais em desproporção com os “oceanos de pobreza”, e contribuindo cada vez mais para a degradação do ambiente – só a catástrofe ecológica têm por horizonte, a não se arrepiar caminho, delimitando ecologicamente as actividades económicas.

 

Tal intróito de João Miguel Tavares serve para apontar severamente a inverdade dos cenários macroeconómicos optimistas propostos pelo PS, no documento “Uma década para Portugal” feitos num objectivo eleitoral que, a acontecerem, levarão o país definitivamente ao descalabro da bancarrota. Para mais, os crescimentos económicos prometidos não podem nem devem ser verdadeiros, os objectivos primordiais na nova disciplina económica devendo ser comedidos para evitar o desastre ecológico. Um texto para se reflectir no significado de genocídio que se pratica nos países industrializados:

 

Prosperidade sem crescimento

João Miguel Tavares.png João Miguel Tavares

Público, 26/5/15

O título desta crónica não é meu, mas de um livro de Tim Jackson, lançado pela editora Tinta da China há dois anos. Jackson é professor de Desenvolvimento Sustentável e o seu livro parte de uma tese que convém começarmos a levar a sério — a de que o crescimento não pode continuar a ser uma obsessão das sociedades ricas: “Num mundo de recursos finitos, constrangido por limites ambientais rígidos, ainda caracterizado por ilhas de prosperidade no meio de oceanos de pobreza, será legítimo que o crescimento perpétuo dos rendimentos daqueles que já são ricos sirva de apoio às nossas esperanças e expectativas?”

Aquele “será legítimo” coloca a questão no domínio moral — é como se “crescer” ou “não crescer” fossem duas opções possíveis, e estivesse nas nossas mãos escolher uma delas. Contudo, essa dimensão moral interessa já muito pouco em 2015, por uma razão simples: a gigantesca crise em que estamos mergulhados está a tratar de impor uma travagem no crescimento nos países do Primeiro Mundo, quer os seus povos e os seus governos a queiram, quer não. Os furiosos opositores do TINA (“There Is No Alternative”) têm aqui mais um motivo para rasgar as vestes: “prosperidade sem crescimento” pode estar a deixar de ser uma de entre várias opções, para passar a ser a única opção possível.

Há no livro de Jackson uma frase do economista Kenneth Boulding que resume muito bem aquilo que está em causa: “Alguém que acredite que o crescimento exponencial pode continuar infinitamente num mundo finito ou é louco ou é economista.” Na verdade, há uma terceira hipótese: pode ser louco, pode ser economista ou pode ser um autor de cenários macroeconómicos do Partido Socialista. Recordem-se os números pressupostos pelo grupo de Mário Centeno no seu documento Uma década para Portugal: crescimento de 2,4% em 2016 e de 3,1% em 2017 (ano em que Bruxelas prevê um crescimento de 1,7% do PIB); desemprego a baixar em 2016 para 12,2%, até chegar aos 7,4% em 2019. Os números do Governo são muito mais modestos e — temo bem — mais realistas: 11,1% de desemprego em 2019 e crescimentos nunca acima de 2,4% (ainda assim, bem mais generosos do que as projecções da Comissão Europeia). Ou seja, é graças a estes números espantosamente optimistas que o PS arranja folga para voltar a aumentar a despesa do Estado nas áreas que considera estratégicas.

Copo meio cheio: que bom que é estarmos a discutir estratégias e programas a quatro meses das eleições. Copo meio vazio: que mau que é continuarmos a discutir estratégias e programas a partir de cenários irrealistas, só para fingir que o país pode voltar ao que já foi. Não pode. Como escrevia recentemente José Carlos Fernandes num ensaio para o Observador sobre o capitalismo, “entre a Antiguidade e a Idade Média, estima-se que as taxas de crescimento tivessem rondado 0,05 a 0,1% ao ano. Durante milénios, o destino mais provável de cada novo ser humano vindo ao mundo seria viver exactamente como viveram os seus pais.” O desenvolvimento do comércio e a revolução industrial vieram mudar tudo isto, e o progresso tecnológico, felizmente, continua. Mas os crescimentos hercúleos no Primeiro Mundo já eram. Dêem-me programas de governo com crescimentos anémicos e as contas a baterem certo, se faz favor: não quero que metade das promessas eleitorais tenha de ir borda fora assim que a realidade começar a desmentir o optimismo destes números. Porque vai desmentir. E toda a gente o sabe.

 

Berta Brás.jpg Berta Brás

 

 

ELE É UM BOM COMPANHEIRO

 

Espírito superior.jpg

 

 É Alberto Gonçalves que o dá a entender ao analisar os princípios do candidato Sampaio da Nóvoa para Presidente da República, segundo o ponto de vista de muitos seus (de S. N) proponentes, tais como Ramalho Eanes, que o define como “espírito superior”, como já se definia no tempo do Eça da Queirós da nossa memória, embora “talento” fosse a moda na época dele, até mesmo na opinião do banqueiro Cohen - já nessa altura um caso de sucesso na questão bancária - o qual achava - contra a opinião exagerada de Ega, no Jantar do Hotel Central,  tratando “de grotescos, de bestas, os homens de ordem que fazem prosperar os Bancos” - que havia neles talento e saber : -«Há talento, há saber, dizia ele com um tom de experiência. Você deve reconhecê-lo, Ega... Você é muito exagerado! Não senhor, há talento, há saber.»

 

No encalço, pois, dessa opinião tão positiva de Ramalho Eanes - Alberto Gonçalves, por carência de comprovativos académicos, foi procurar dados ao discurso de Nóvoa às massas, e contámos nove os verbos da sua actuação futura (de Sampaio da Nóvoa) que o ajudaram (a Alberto Gonçalves) nessa tarefa, tarefa que concluiu (A. G.) “fascinado”.

 

Assim: o professor Nóvoa promete, exigirá, não aceitará, deseja, prestará, propõe, defende, assume, admite. Estes os verbos.

 

Seguem-se os complementos directos (alguns indirectos ou puramente oblíquos, seguidos de uns modificadorzitos verbais esclarecedores), dos grupos verbais respectivos: “abraçar o legado dos predecessores”, “à Europa, o fim da austeridade”, “da Europa, falta de respeito pela soberania portuguesa”, “amplo debate sobre a Europa”, “atenção especial à corrupção e à promiscuidade”, “um compromisso contra pobreza e desigualdades”, “caminhar ao lado das pessoas”, “ser poeta e não comerciante”, “impedir a emigração da juventude bem formada”, “incomodar, enfim, muita gente”, tal como o elefante em progressão de cadeia.

 

Eis, pois, os motivos do fascínio de Alberto Gonçalves – e do nosso, por acréscimo - captados nas provas discursivas do professor Nóvoa, por falta dos comprovativos académicos que levaram à definição do general Eanes e o obrigaram - (A. G.) - a tirar as respectivas ilações, que fazemos igualmente nossas, em analogia de parecer:

 

O homem que caminha ao lado das pessoas

Alberto Gonçalves.png  31 maio 2015

 

Ramalho Eanes apurou que Sampaio da Nóvoa é uma "inteligência superior". Sem acesso aos estudos científicos que decerto fundamentaram a opinião do general, analisei com cuidado os princípios da candidatura presidencial do citado génio, apresentados há dias no Porto. Terminei fascinado.

O prof. da Nóvoa promete abraçar o "legado" dos ex-presidentes que o apoiam, na medida em que um chefe de Estado "não deve agir nem contra nem a favor dos governos ou oposições". É bem visto: Jorge Sampaio usou Santana para sossegar o PS e patrocinar a ascensão do lendário Sócrates. Soares passou o segundo mandato em campanha contra Cavaco. Eanes cozinhou um partido privativo.

O prof. da Nóvoa exigirá que a Europa abandone as "políticas de austeridade". Embora pareça impossível, há mesmo indivíduos convencidos de que a abundância se estabelece por decreto.

O prof. da Nóvoa não aceitará sem referendo "mais medidas que retirem soberania a Portugal". A ideia subjacente é a de que temos escolha, ou uma escolha que não conduz à bancarrota num ápice.

O prof. da Nóvoa deseja que os portugueses travem "um amplo debate" sobre a Europa. É igual a discutir a FIFA na assembleia geral do Olhanense: não se espera que a Europa trema.

O prof. da Nóvoa prestará "atenção especial ao combate à corrupção e à promiscuidade entre a política e os negócios". Presumivelmente, ainda não acredita que será o candidato do PS.

O prof. da Nóvoa propõe um "compromisso claro na luta contra a pobreza e contra o aumento das desigualdades". É o modelo grego ou, na versão tropical, "bolivariano", que em geral acaba com a classe média de rastos e a igualdade obtida na partilha da miséria.

O prof. da Nóvoa defende que "um presidente pode ser muito mais do que tem sido, (...) pode ser alguém que junta, que une, que abre o futuro quando caminha ao lado das pessoas". Curioso: se alinharmos umas palavras a seguir às outras forma-se qualquer coisa semelhante a uma frase.

O prof. da Nóvoa assume que "ser poeta também é essa inabilidade para o mundo do lucro". Tradução: de lirismo em lirismo até ao prejuízo final.

O prof. da Nóvoa acha que "não podemos continuar a forçar a emigração dos nossos jovens mais qualificados". Evidentemente, muitos dos idosos sem qualificação perceptível ficaram por cá.

O prof. da Nóvoa admite ser um candidato que "incomoda muita gente". O termo adequado é embaraça. Embaraça.

A conclusão a que cheguei é que o prof. da Nóvoa é de facto uma inteligência superior. A quem? No mínimo, aos espécimes que o levam a sério -os que fingem levá-lo a sério por estratégia ou gozo não contam.

 

Berta Brás.jpg Berta Brás

 

TERRA DE NINGUÉM

 

Realidade virtual.png

Para sentirmos a realidade virtual? 

 

 

Sampaio da Nóvoa não existe politicamente e provavelmente terminará a sua candidatura presidencial sem ter chegado a existir.

 

Alguns, por lealdade ideológica, fingirão acreditar que o estimável professor de História da Educação tem alguma coisa que ver com os problemas do país, mas é claro que não tem e, pior, nem sequer parece ter.

 

Candidaturas há muitas, mas poucas manifestam tal distância entre realidade e aparato. Como pode o Partido Socialista considerar seriamente um candidato assim? No século do Twitter e Syriza, nem a esquerda mais romântica se compadece com ingenuidades destas. Mas a escolha não foi por engano, incúria ou falta de alternativas. Constitui uma consequência lateral da estranha situação de impasse nacional que se vive há anos. A decadência já é antiga, mas dois mandatos de captura de 2014 proclamaram inequivocamente o fim definitivo do segundo Portugal europeu.

 

A esquerda tinha um líder natural, que dominou a cena durante mais de dez anos. Por isso a detenção de José Sócrates, a 21 de Novembro de 2014, um dos maiores choques políticos da história recente, criou um vazio esmagador, anulando não apenas o próprio mas outros pretendentes plausíveis. A grande vantagem de Sampaio da Nóvoa é precisamente nada ter que ver com a governação dos últimos anos, agora salpicada pelos milhões do Grupo Lena. Este episódio pessoal e partidário estão ligados à questão mais decisiva da sociedade portuguesa contemporânea: vivemos nos escombros do segundo modelo europeu.

 

O nosso Portugal nasceu a 25 de Abril de 1974 e teve de encontrar uma identidade num mundo em intensa mudança. Passados os furores revolucionários, a resposta surgiu evidente: o país precisava de ser membro da Europa. Este foi o teorema formulado por Mário Soares em 1976 e concretizado por Cavaco a partir de 1986. Assim nasceu o primeiro Portugal europeu, conhecido como «bom aluno», atento, humilde e cumpridor. Falava-se muito de desafios e da necessidade de trabalhar. O resultado surpreendeu todos: a democracia foi estabilizada, a economia cresceu e a integração europeia concretizou-se. No início da década de 1990, quando em Maastricht nascia a União, o país já se sentia à vontade como membro: a Europa deixara de meter respeito inquieto.

 

Daqui surgiu o segundo Portugal europeu, atrevido, ambicioso e perdulário. Debaixo das facilidades financeiras permitidas pela participação no euro, iniciou-se um crescimento baseado em dívida externa. Foram os tempos de vida fácil, obras públicas e planos tecnológicos que levaram o endividamento bruto a explodir de 28% do PIB em 1992 para 253% em 2012. O delírio foi nacional e todos os sectores e classes nele participámos alegremente; mas alguns estiveram mais ligados à orientação do processo.

 

Dos vinte anos que medeiam entre as assinaturas do Tratado de Maastricht, a 7 de Fevereiro de 1992, e da carta de intenções à troika, a 17 de Maio de 2011, o PS governou 66% do tempo, atingindo com Sócrates a maioria absoluta. Essa foi precisamente a época em que Ricardo Salgado se tornava o «dono disto tudo». Por isso as duas detenções de 2014, de Salgado, a 24 de Julho, e de Sócrates em Novembro, simbolizam a derrocada final do modelo. Falhada a proposta, Portugal vive o impasse. Demorará anos até conhecer o seu futuro na evolução mundial, o terceiro modelo de participação credível e sustentada como país comunitário. Até lá, vivemos na terra de ninguém, indefinida e desolada, nas ruínas do paradigma anterior e sob a ameaça de réplicas que atinjam antigos dirigentes e das sequelas que condicionam o futuro.

 

Hesitante no caminho a tomar, a cena política pós-Sócrates é dominado por duas propostas principais. A primeira, do campo anti austeridade onde se move Sampaio da Nóvoa, propõe o recuo para o segundo Portugal europeu. A hipótese implícita é que os credores não só aceitam a anulação da dívida gigantesca, mas continuam a emprestar. Paradoxalmente, reúne consensos do Bloco de Esquerda às ex-administrações do BES e PT.

 

A alternativa, esboçada no Programa de Estabilidade 2015-2019 do governo e no relatório "Uma Década para Portugal" do PS, assume a travessia do deserto. A austeridade continua em anos de esforço, dureza e ajustamento. A dívida deve ser digerida e os destroços precisam de ser removidos, antes de se começar a construir o terceiro Portugal europeu, provavelmente nos finais da década. Por muito realista que seja esta avaliação, não admira que alguns prefiram a ficção política da generosa candidatura do professor Sampaio da Nóvoa.

 

13 de Maio de 2015

 

João César das Neves.png

JOÃO CÉSAR DAS NEVES

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