DESFORRA
É a vingança do velho do Restelo:
Cavar a terra junto à Torre de Belém.
Andámos séculos a montar a história em pêlo
E o que tivemos, deixámos já de tê-lo.
Não digas a ninguém.
Nem Império, nem nada, a terra com minhocas
(se ainda as tiver) é boa para o cultivo
De legumes, tais favas ou feijocas,
Que a Europa aceitar nas suas trocas.
Ser português, ó miss, não foi nunca excessivo.
Ondula a terra revolvida. Caravelas
São apenas metáforas, disfarce.
Bem melhor é a couve-de-bruxelas
Com batata e unto nas panelas.
Viva a catarse.
Resta falar a Freud do Adamastor profundo.
A sua sombra densa encolhe, mas distingo-a,
Humana, universal, e me corcundo:
Dizem que vamos reconquistar o mundo.
Bastam a beldroega e a lusa língua.
In «giraldomachias», 1999