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A bem da Nação

ANDA COMIGO – 25

Chegada a Toulouse à hora de um almoço tardio, assim como que à espanhola. E, já que em occitano (a língua do sul de França) esta cidade se chama Tolosa, que fique claro que nada tem ela a ver com Navas de Tolosa onde em 1212 se travou «a batalha» de que resultou o princípio do fim do Califado almóada. Muito interessante, sim, mas nada disto tem a ver com Toulouse. Adiante…

Foi aqui que me lembrei dos visigodos que assentaram nesta região durante muito tempo, do pastel (que foi o antepassado do índigo) e do Caravelle, o avião. Para além, claro está, do famoso Lautrec.

Eram horas de partida, seguiríamos pelo sopé francês dos Pirinéus, passaríamos à margem de Pau, a cidade onde nasceram os grandes prémios automobilísticos franceses mas para nós, gente de cavalos, aquela era a cidade do comerciante que enviou muitos trotadores para Portugal. Portanto, bem ou mal, para mim, Pau era a capital dos trotadores.  Vimo-la ao longe, pela nossa esquerda. ´Tomámos o caminho de Hendaye onde pernoitaríamos ao fim de uma jornada com 350 quilómetros.

Nas redondezas da fronteira, aproveitámos um camping em França pois não tínhamos visto nenhum do lado espanhol. Já nos sentíamos quase «em casa» e, como os cavalos, estávamos «com a crença na cocheira».

No dia seguinte, entrando pela Espanha dentro, esperavam-nos alguns esticões quilométricos pelo que havia que dividir as etapas tão bem quanto possível para que o nosso Conducător não se martirizasse muito.

Levantado arraial ao mesmo tempo que o Sol, passámos a fronteira e fizemo-nos à estrada por ali fora… San Sebastian ficou-nos à direita e vá de pormos Vitória  à frente do tablier. Chegámos cedo, eram só 180 quilómetros desde a fronteira. Mas como desta vez iríamos por Madrid, não era justo pedir mais 250 quilómetros. Ficámos em Burgos num local que, em princípio, não teria vacas por perto.  Contudo, o nosso Comandante já estava impaciente por chegar a casa e a meio da noite deu ordem de levantamento do arraial. Chegámos a Madrid pela alvorada e, sem pararmos, lembrei-me da «Alborada del Gracioso» de Ravel. Calei-me, não assobiei nem cantarolei, lembrei-me apenas. E assim foi que nos atirámos a mais 400 quilómetros até Badajoz. E, aí, faltavam 40 quilómetros para chegarmos ao fim da nossa viagem, Stª Eulália, herdade de Font’Alva.

Chegámos pela tardinha e quem mais mereceu louvores foi o fidelíssimo «pão de forma», essa formidável carrinha Volkswagen que ao longo de 7660 quilómetros apenas pediu que se lhe desse algum combustível.

E é chegado o momento de dizer que sempre que citei o «nosso Comandante», era ao meu saudoso tio Engenheiro Fernando Sommer d’Andrade que me referia. Depois desta viagem, foi ele que trouxe para o nosso hipismo o modelo de certificação desportiva que encontrámos na Alemanha, foi ele que fez construir o picadeiro coberto (que tem o seu nome) na Sociedade Hípica Portuguesa, em Lisboa, assim dando o arranque para a constituição do maior centro hípico português e foi ele que nos proporcionou, aos rapazes, uma visão inicial do mundo para além dos curtos horizontes que tínhamos até então.

Passados 59 anos, deste grupo de viajantes, também já nos falta o Nan, o mais novo de nós, os rapazes.

Aos dois Fernandos, pai e filho, eu digo: – Adeus, encontrar-nos-emos de novo, esta é a nossa fé.

FIM

Maio de 2020

Henrique Salles da Fonseca

Quilómetros na volta, de Ivrea a Stª Eulália (Elvas):

Ivrea– Grande São Bernardo ~ 120 kms

Grande São Bernardo – Montreux ~ 80 kms

Montreux – Genève ~ 80 kms

Genève – Grenoble ~ 145 kms

Grenoble – Avignon ~222 kms

Avignon – Cannes – Nice ~260 kms

Nice – Cannes  - Monpellier ~ 330 kms

Monpellier – Carcassonne ~ 150 kms (litorl)

Carcassonne – Toulouse -~95 kms

Toulouse – Pau ~ 200 kms

Pau – Hendaye ~ 150 kms

Hendaye – San Sebastian ~ 30 kms

San Sebastian – Vitória – 100 kms

Vitória – Burgos - Madrid ~ 360 kms

Madrid – Badajoz ~ 410 kms

Badajoz – Stª Eulália ~ 35 kms

TOTAL DO REGRESSO ~ 2767 Kms

TOTAL DA IDA ~ 4893

TOTAL DA VIAGEM ~7660 Kms

ANDA COMIGO – 24

Passados que são 59 anos da viagem, há «coisas» que se me passaram e uma delas foi Grenoble. Que me perdoem os grenoblois. Mas, em compensação, lembro-me relativamente bem de Avignon cuja ponte procurei. Julgo tê-la visto à distância quando passámos por uma outra mais nova do que ela, a da cantiga. Dada uma vista exterior pelo maciço palácio papal, quase fortaleza, acampámos algures.  

E mesmo que fosse andar um pouco para trás, o nosso Comandante achou que se justificava darmos um salto a Nice onde, como não podia deixar de ser, passámos pela Promenade des Anglais onde vimos o célebre Negresco em que não pernoitámos mas que me levou a lembrar de Isadora Duncan, do Bugatti e do fatídico cachecol – história que sempre me pareceu inverosímil. E, por baixo da famosa balaustrada, vimos a praia de areia pedregosa que logo comparei com as nossas areias finas. De facto, não será pelas praias que se justifica que um português vá ao estrangeiro já que temos as melhores do mundo. E, ao fim de todos estes anos que decorreram entretanto, confirmo que as praias estrangeiras que aparentam ser melhores que as nossas, têm águas pejadas de crocodilos de água salgada, medusas letais e tubarões de voracidade criminosa. Em Nice não há nada disso mas também não há areia como as nossas. Mas há o resto e é isso que arrasta multidões. Nietzsche, um habitué de Nice que eu não imaginava num tal mundanismo. Mas sobreviveu miraculosamente a um tremor de terra que destruiu a pensão em que habitualmente se instalava. Saiu ileso do meio dos escombros fazendo humor com o facto de o tinteiro ter saltado para fora da mesa em que escrevia. Na dúvida, passou a ir para Turim onde o solo mexeu menos enquanto por lá andou.

E nós, seguindo para Cannes, decidimos não prosseguir até Saint Tropez fingindo que a Brigite Bardot não estava lá.  E, inflectindo para o interior, fomos ver as margaridas e outras espécies da típica flora regional da qual se fazem as essências de grande parte dos perfumes franceses. Ao todo, de Nice a Monpellier, foram 350 quilómetros que nos puseram no destino ao final da tarde. Com os 260 quilómetros que tínhamos feito de Avignon a Nice, este foi um dia de esticão para o nosso Conducător[i].

Procurámos assento, armámos a tenda e pernoitámos. Estávamos nas redondezas de Monpellier, num camping em que conseguimos encontrar lugar.     

 Se de Monpellier pouco retive, daí a 250 quilómetros não pude deixar de me encantar com Cascassonne, a cidade museu da História do Sul de França. Em qualquer esquina esperávamos cruzar-nos com os Mosqueteiros do Rei mas deviam estar em missão alhures. Foi aqui que cátaros e calvinistas ficaram manchados de sangue. Este, o cenário de episódios muito dramáticos da História de França e não só. Assim foi que me lembrei dos Berengários de Aragão e, logo, do irmão da nossa Rainha Santa Isabel que morreu pelos cátaros numa batalha travada naquelas paragens por onde andávamos. Lembrei-me dos franciscanos milenaristas que também por ali pregaram e que, expulsos, vieram para Alenquer por convite da mesma Rainha Santa e que por cá ficaram até os Açores serem descobertos e povoados para lá indo prestar culto ao Espírito Santo – fé que se mantém: no princípio, foi o tempo do Pai; seguiu-se o tempo do Filho e agora estamos no tempo do Espírito Santo.

E se de tanta coisa me lembrei, por certo que de muita me esqueci.

Sim, foi difícil consolidar esta parte de França pois por aqui passaram tempos de Teologias conflituantes. E a pergunta é: como seria hoje a nossa Civilização se os resultados das pelejas físicas de então tivessem sido outros?

Felizmente, era hora de rumar a Toulouse, la ville rose, ali à frente, a uma centena de quilómetros

(continua)

Maio de 2020

Henrique Salles da Fonseca

 

 

«lider», em romeno

ANDA COMIGO – 23

Um último olhar pelo pátio do castelo, um aceno a quem ficava e aí vamos nós na rota do Sol…

A subida do Vale d’Aosta de Ivrea ao Grande São Bernardo seriam 120 quilómetros. Voltámos a passar por Aosta propriamente dita, pelos castelos de apoio aos peregrinos e não tardou muito que a estrada começasse a subir e a temperatura a dar sinais de que os Alpes não são brincadeira nenhuma. E assim foi que o fidelíssimo «pão de forma» nos pôs na fronteira lá em cima, no Grande São Bernardo. Dali a Montreux seriam os tais 80 quilómetros que já percorrêramos em sentido inverso. Lá chegados, em vez de seguirmos em frente, cortaríamos à esquerda para percorrermos a margem sul do lago Léman até Genève.

Foi nesta etapa muito turística de cerca de 80 quilómetros e rendilhada entre a Suíça e França que tive pela primeira vez a noção exacta do que é a convivência banal entre as populações que, mais ou menos por acaso, pertencem a um ou outro país. Fronteiras simbólicas, só íamos tendo uma ideia algo incerta sobre se estávamos em França ou na Suíça pelas fardas azuis dos guardas franceses ou cinzentas dos suíços. E, mesmo assim, estávamos a entrar ou a sair de que país? E, contudo, muitos anos mais tarde, numa festa num castelo medieval situado nessa mesma margem sul do Léman, um francês de Annemasse, católico de grande militância, apontou para a outra margem e referiu «aqueles protestantes»… Pois é, tempos houve menos laicos em que os cristãos se matavam por esse tipo de diferenças e Genève foi o berço do calvinismo. Mas os tempos amainaram e hoje há uma carreira de autocarros urbanos que começa na Praça de Cornavin, em Genève e acaba em Annemasse, em França. No entanto, aquele francês – aparentemente, um tipo normal – ainda vivia de algum modo acossado entre os italianos da Casa de Saboia que por ali tinha reinado e os calvinistas da outra margem.

Mas estas foram coisas que vim a saber muito mais tarde. Naquele dia íamos a caminho de acontecimentos hípicos que não esqueci.

Depois de marcarmos território com a tenda no camping mais apropriado às nossas conveniências geográficas, fomos a um concurso hípico em que participavam militares suíços cujos cavalos estavam à sua guarda individual e que obrigatoriamente tinham que exibir em certos eventos para demonstrarem o bom estado físico dos animais como também do respecyivo maneio e operacionalidade. Vimos bons exemplos e vimos outros exemplos. Para além do mais, tratava-se de importante evento social pois alguns dos militares eram Oficiais de patentes relativamente altas e os civis que participavam eram membros dos vários clubes hípicos daquela região e também os havia franceses. E foi nesse evento que, pela primeira vez, se apresentou no estrangeiro o nosso professor de equitação, o Mestre Nuno Oliveira que viria a ficar conhecido como o maior cavaleiro artístico do séc. XX. Mais particularmente, o Mestre apresentaria um cavalo da criação e propriedade do nosso Comandante, o «Euclides». Como nós adivinhávamos que aconteceria, quando a exibição começou, o tempo parou e deixou de se ouvir uma mosca como se estivéssemos a assistir a um acto religioso. Não, nada tinha de religião, era arte pura de equitação sublime e de música clássica portuguesa. Sentiu-se pudor em retomar as provas hípicas e aquele foi o momento estaminal do Mestre Nuno a nível mundial. Muitos anos mais tarde, viria a morrer em Perth, na Austrália, num curso que lá tinha ido ministrar.

O jantar de gala – nós não tínhamos vestimentas apropriadas mas o anfitrião, o nosso grande amigo Auguste Baumeister (apesar do nome, era francês) «exigiu» a nossa presença – foi servido em regime volante nos salões e jardins da mansão sobre o Léman e a anfitriã, ajaezada ao estilo das grandes écuyères, apresentou o «Mastoso Stornella» às rédeas longas. Mas a Senhora não tinha nascido para aquilo e, apesar de no outro lado do recinto, nos bastidores formados pelos arbustos, o Abel Carvalho (funcionário do Mestre Nuno) acenar com cenouras e torrões de açúcar, o cavalo esteve-se nas tintas para esses engodos e virou-se para trás ficando cara a cara com a Senhora Baumeister.  E nessa altura, a música, supostamente doce e suave, foi posta aos berros e nós iniciámos uma ovação que disfarçou o fiasco equestre da Madame. Mas o jantar foi um sucesso, toda a gente gostou imenso e o Senhor Baumeister foi um amigo de Portugal até ao fim dos seus dias.

No dia seguinte demos mais umas voltas, fomos a Lausanne mais não sei onde, visitámos o campeão brasileiro Nelson Pessoa que então vivia por lá e fomos a um centro hípico assistir a uma lição dada por um grande Mestre suíço cujo nome me passou. E quando lá entrámos, vimos 5 ou 6 alunos cujos cavalos estavam todos de rédea alemã. Perante o nosso espanto, o professor logo disse que estava a ensinar os alunos de como usar aquela martingala que ainda hoje considero perniciosa. Muito bem, continuo a pensar que a rédea alemã só deve ser usada por quem a sabe usar mas quem a sabe usar não precisa dela para nada.

E assim foi que nos fizemos companheiros do Ródano à saída de Genève…

(continua)

Maio de 2020

Henrique Salles da Fonseca

ANDA COMIGO – 22

Antes de iniciarmos o percurso do Sol, um breve resumo geográfico do que fizemos até aqui:

  • São Martinho do Porto, o ponto mais ocidental desta viagem;
  • Kiel, o ponto mais setentrional;
  • Berlim, o ponto mais oriental;
  • Turim, o ponto mais meridional.

Sem contar com as voltas e voltinhas do vai p’ra lá e vem p’ra cá, o Google Maps diz-nos que, com as estradas actuais (menos quilómetros do que as que percorremos ainda sem as autoestradas de hoje) a quilometragem foi assim:

  • Martinho do Porto – Mealhada - Vilar Formoso = 320 quilómetros
  • Vilar Formoso – Hendaye = 610 quilómetros
  • Hendaye – Saumur – Paris = 850 quilómetros
  • Paris – Bruxelas – Amesterdão – Alkmaar – Zurich – Bremen – Verden = 960 quilómetros
  • Verden – Hamburgo – Kiel = 210 quilómetros
  • Kiel - Hamburgo – Hannover – Berlim = 540 quilómetros
  • Berlim – Braunschweig – Frankfurt – Karlsruhe – Freiburg = 840 quilómetros
  • Freiburg – Basel – Montreux – Grande São Bernardo = 340 quilómetros
  • Grande São Bernardo - Aosta – Turim = 170 quilómetros
  • Turim – Ivrea = 50 quilómetros

Total até aqui = 4890 quilómetros

No percurso entre Basel e Montreux, o Google insistiu na passagem por Berne mas eu não me lembro de ter por lá passado. Ou fomos por uma estrada anterior à actual autoestrada ou simplesmente fui eu que passei pelas brasas.

A partir de Ivrea, o regresso pausado.

Por montes e vales, continuemos…

Maio de 2020

Henrique Salles da Fonseca

ANDA COMIGO – 21

Foi no séc. XIX que Júlio d’Andrade comprou as ruínas que tinham sido o Castello di Pavone, em Ivrea, a meio caminho entre Aosta e Turim. Era esse o nosso destino onde nos aguardava toda a família dos meus companheiros de viagem, os proprietários do castelo. Para além da família restrita, estavam também uns primos italianos que ocupavam o quarto que tinha sido imaginado para mim. Daí, fiquei na «sala de armas» numa confortável cama de campanha colocada aos pés de uma armadura de corpo inteiro que os anfitriões, no meio de grande galhofa, cuidaram de me demonstrar que estava vazia, sem vivo nem vestígios de fantasmas.

Ficaríamos, sem prazo certo, o tempo suficiente para descansarmos e visitarmos os pontos de interesse na região subalpina.

Assentados e descontraídos, visitámos a fábrica da Olivetti cuja sede ainda era naquela cidadezinha. Num dos dias seguintes, fomos a Turim (a cerca de 50 quilómetros), sede da Fiat (que não visitámos) e, como nas outras cidades por que já passáramos, demos uma volta de carro para ficarmos com uma ideia genérica daquela que me pareceu uma magnífica cidade. À semelhança da Praça do Giraldo de Évora, vi muitas arcadas e deu-me para pensar se esta solução corresponde ao abuso do espaço público, o passeio, a entrar pelos prédios dentro ou se, pelo contrário, são os prédios que se voluntariam na protecção do espaço público. Há 75 anos que não chego a uma conclusão mas também digo que não estou muito  nem pouco preocupado.

Daí a uns dias foi o próprio Dr. Ruy D’Andrade que nos levou a visitar uns quantos castelos ao longo do Vale d’Aosta que, à semelhança do seu aquando da compra pelo seu pai, estavam em ruínas e foram reconstruídos. No caso do castelo dele, a expensas exclusivas do seu pai, nestes outros, por uma parceria entre uma Associação (dos amigos dos castelos?) e o Estado Italiano. Uma particularidade a merecer nota: o castelo dele está situado num morro com domínio visual duma grande extensão do vale, tinha uma vocação militar e administrativa; estes que agora visitávamos tinham uma missão administrativa, sim, mas sobretudo de apoio aos peregrinos a caminho de Roma ou de outros locais de romagem e, por isso, se situam na planície, no caminho mais natural dos romeiros. Abertos ao público, todos tinham um guarda residente com a missão de cicerones e de «sinaleiros» de alguma obra de conservação necessária. Todos velhotes, reformados de uma qualquer outra função, acolhiam o Dr. Ruy como um patrão amigo que saudavam à moda antiga na região, três beijinhos cerimoniosos.

Passado mais um dia ou dois e o nosso Comandante começou a dar sinais de que estava na hora de seguir caminho rumo a Genève, a cidade do repuxo.

(continua)

Maio de 2020

Henrique Salles da Fonse

ANDA COMIGO - 20

Agora que a cidade está no retrovisor e antes que me esqueça, devo dizer que prefiro Basel a Basileia porque esta versão aportuguesada do nome desta cidade suíça me faz lembrar uma geleia de um qualquer fruto ou mistela gordurosa feita com o pó do basilisco moído fino. E não vá isso fazer mal aos meus leitores que possam estar a contas com os diabetes, opto pelo nome original alemão, Basel, foneticamente mais agradável para o interior das minhas orelhas.

De Basel a Montreux são 165 quilómetros e isso fez-me lembrar que a Suíça não é assim tão estreita como nos possa parecer num relance sobre o mapa que a Senhor Professora lá tinha pendurado na sala das aulas. E porque desta vez íamos com mais pressa do que com vagar, de Montreux vi o lago Léman que se estendia a perder de vista à minha direita e à minha esquerda uma mansão pintada de creme com varandas convidativas para um drink ao pôr do Sol sobre as águas ali em frente, do outro lado da estrada. Lembrei-me também de que devia andar por ali o Festival de Música da cidade mas àquela hora não vimos ninguém nesses preparos festivos. Era cedo, o Sol ainda não passara por cima das montanhas por trás da mansão creme.

A estrada começou a ameaçar subir pouco depois de sairmos da cidade. Não faltou muito para que fosse mesmo estrada de montanha e o nosso destino era o Grande São Bernardo, dali a 80 quilómetros, para passarmos os Alpes e descermos para Itália. Tínhamos que chegar ao cume no pino do Sol para termos mais probabilidades de não apanharmos alguma borrasca que nos deixasse em aflições. Ainda faltavam umas décadas para que passassem a funcionar túneis pelas entranhas dos Alpes. E o nosso fidelíssimo «pão de forma» lá nos pôs nos píncaros dos monges da regra de S. Bernardo e donos do cão «Barry» que nos inícios do séc. XIX salvou, durante a dúzia de anos que trabalhou, cerca de 40 peregrinos em apuros na rota de Roma.

Lembro-me de termos parado lá no cimo para deixarmos algumas marcas territoriais mas não procurámos o mosteiro. A passagem da fronteira deve ter sido fácil pois não me lembro sequer dos Carabinieri que por ali estivessem.

A descida ao longo do Vale d’Aosta seria de 53 quilómetros até chegarmos à cidade de Aosta propriamente dita. Mas o nosso destino era o Castello di Pavone em Ivrea, propriedade do Dr. Ruy d’Andrade, pai do nosso Comandante, a 68 quilómetros depois da capital do vale, a meio caminho para Turim.

A parte baixa do vale é relativamente aprazível mas pergunto-me como é que há quem viva lá para cima. Deve ser para guardarem algum afluente do Pó enquanto menino. Só pode.

Fiquei cansado da subida suíça e da descida italiana. Hoje, fico-me por aqui, amanhã conto mais…

Maio de 2020

Henrique Salles da Fonseca

ANDA COMIGO – 19

 

De Braunschweig a Frankfurt seriam cerca de 350 kms. O dia tinha começado muito cedo, não íamos salvar ninguém da forca e o nosso Comandante, sempre ao volante, merecia descansar. Ninguém se preocupou com a decisão de ficarmos um dia e uma noite no camping local, já na estrada para Hannover se a memória não me atraiçoa muito.

Descansados do stress anterior, lá fomos pelo mapa a baixo sem grande vontade de dar voltas e voltinhas turísticas pelas cidades por que íamos passando até que chegámos a Frankfurt pelo meio da tarde. Demos, aí sim, uma volta pela capital da finança para, como de costume, ficarmos com uma ideia geral e vá de procurar local de pernoita. Sem história.

No dia seguinte esperava-nos uma etapa de 280 quilómetros até Freiburg, já quase na fronteira com a Suíça mas, antes disso, uma volta genérica pelo centro de Karlsruhe – literalmente, «o descanso de Carlos».

Julgava eu que a etimologia do nome tivesse alguma coisa a ver com Carlos Magno e imaginava que ele ali fosse a banhos já que a cidade, entretanto, está integrada no Estado federado de Baden-Wurttemberg. Fantasia pura. A cidade foi fundada em 1715 e quando eu percebi que o nome também nada tinha a ver com Carlos V, tive que passar a lidar com o enigma das bandeirinhas espanholas nos eléctricos da cidade.

Vista a cidade-leque, seguimos caminho…´

Lembro-me perfeitamente de termos subido o Alto Reno pela sua margem direita vendo aqui e ali castelos ribeirinhos para a cobrança de taxas mas já não me lembro de onde a onde foi esse percurso lindíssimo. E não faltará quem diga que esses Senhores feudais só pensavam enriquecer à custa de quem passava mas eu lembro a Teologia Luterana que então era novidade mas que já pugnava pelo bem-comum. E havia que financiar tais acções dos ditos Senhores ao quererem dar bem-estar às populações que governavam.

De Freiburgo retive um centro verdadeiramente antigo em torno da catedral católica e lembro-me de uma envolvente urbana com edifícios de bela traça renascentista (?). Vai daí, não procurámos afanosamente a Universidade que não encontrámos. Mas diz-se que estava lá.

Passámos a fronteira quase sem darmos por ela.

Já na Suíça, Basel (Basileia, em português) esperava-nos a 70 quilómetros. E aí deu para recordar Nietzsche que durante anos ocupou uma cátedra na Universidade local sem sequer ser licenciado. Não, não foi por falsificações nem outras imposturas ao estilo das nossas conhecidas cá na «Santa terrinha», toda a gente sabia que ele não tinha concluído o curso em Bonn nem em Leipzig, mas a Universidade de Basel achou que ele era quem mais sabia do tema cuja cátedra queria preencher e por isso lha ofereceu. Mas há mais: o filósofo estivera na guerra franco-prussiana como maqueiro e fora contagiado por graves moléstias que os grandes «sábios» da época tratavam com clisteres de nitrato de prata. Claro está que ia morrendo da «cura» e ficou avariado da barriga para o resto da vida. Assim, para não correr o risco de novas mobilizações pelo Exército da belicosa Prússia, a Universidade sugeriu-lhe que renunciasse à nacionalidade alemã e disponibilizou-se para lhe tratar da obtenção da nacionalidade suíça. Tudo bem, deixou de ser alemão mas o processo burocrático embrulhou-se e nunca obteve a nova nacionalidade. Resultado: ficou apátrida até ao fim dos seus dias.

Não era tarde mas tínhamos tido um dia muito cheio de vistas pelo que pernoitámos num camping qualquer nas redondezas da cidade, já na estrada para Montreux, a 165 quilómetros.

(continua)

Maio de 2020

Henrique Salles da Fonseca

ANDA COMIGO – 18

Unter den Linden, Ópera, Kurfürstendamm (ou apenas Kudamm), Porta de Brandenburgo… e aquilo tudo cheio de obras…

E de quem havia eu de me lembrar? De Herbert von Karajan que devia andar por ali, algures e de Gustav Steinbrecht – dois tipos tão diferentes e, contudo, foi em Berlim que ambos se notabilizaram: um, como intérprete da música erudita; o outro, como autor consagrado de um método de equitação ainda hoje louvado apesar de menos seguido do que o desejável.

… e aquilo tudo cheio de obras…

- Deixem estar. Temos muito que ver deste lado, não vale a pena irmos a Pankow que é o Sector Soviético. Se os alemães de leste só pensam em vir para cá, que vamos nós lá fazer? Já vimos o suficiente ao longo da autoestrada. – assim falava o nosso Comandante. E não fomos.

Até que já estávamos cansados de voltas e mais voltas, já tínhamos uma ideia do que era Berlim ocidental, não nos importámos nada de rumar ao camping, armar a tenda e descansar um pouco debaixo daquelas árvores até que fossem horas de jantar. E assim foi. Até que foram horas de silêncio em todo o parque.

Seriam umas 4 da manhã quando fomos acordados por uma voz portuguesa junto do «pão de forma». Era um funcionário do nosso Consulado (se a memória não me atraiçoa muito) que andava à procura de portugueses nos campings da cidade para nos mandar embora imediatamente.

- Mas…?

- O Senhor desculpe mas as perguntas deve-as fazer quando chegarem à Alemanha Federal. Por onde vieram?

- Por Braunschweig.

- Muito bem, é por lá que devem voltar e despachem-se para não perderem muito tempo na fila aqui à saída. Quanto mais rápidos, melhor.

Percebemos que a hora não era de perguntas mas sim de marcha.

Marchámos mesmo dali para fora. Chegámos à entrada do corredor com destino a Braunschweig e, contra as expectativas, o expediente foi rápido: não eramos alemães de leste em fuga, podíamos sair e quanto mais rápido, melhor.

No regresso, com o dia a nascer no retrovisor, a viagem pareceu mais rápida e quando chegámos à liberdade, perguntámos e ficámos a saber que poderíamos contar aos netos que tínhamos visto a construção do Muro de Berlim.

Nem Zaratustra falara com tanta sabedoria como o nosso Comandante quando decidira não irmos a Pankow.

 Parámos o «pão de forma» à entrada de Braunschweig ainda à vista da «cortina de ferro», apeámo-nos, olhámos para trás, respirámos fundo, pensámos coisas horríveis contra o regime esclavagista e pisgámo-nos para longe da porta do Inferno Vermelho.

Como se chama a um pensamento votivo em que se formulam ideias medonhas? Não por certo uma oração.

Ainda faltavam 28 anos e 3 meses para que aquele Inferno se desmoronasse. Em vez de pensamentos horríveis contra os algozes, devíamos ter pedido pelas suas vítimas. Claramente, não é pela negativa que se salva a Humanidade.

(continua)

Maio de 2020

Henrique Salles da Fonseca

ANDA COMIGO – 17

Próximo destino, Braunschweig. Seriam 300 quilómetros no sentido Sul passando novamente por Hamburgo e por Hannover, a dos nossos cavalos mas também sede dos pneus alemães e da Casa estaminal da «Senhora de Hannover» que, entretanto, se senta no trono da Velha Albion.

Sim, a Casa de Hannover é de uma família nobre alemã que foi escolhida para dar uma nova dinastia à Grã-Bretanha em 1714[i] e, daí, eu chamar à Rainha Isabel II de Inglaterra «a Senhora de Hannover». E, já não ela mas um seu antepassado não muito longínquo, Duque de Braunschweig.

Fomos à sede desse ex-Ducado visitar uma antiga professora de alemão dos meus companheiros de viagem que nos conseguiu receber para jantar no seu «vasto» apartamento T1. Mas íamos lá também porque era ali que começava o corredor de passagem terrestre através da Alemanha soviética em direcção a Berlim. E, dando uma curta volta de carro, fomos ao longo da medonha «cortina de ferro» que, vista do nosso lado, era um muro em placas de cimento com torres de vigia espaçadas de modo a que cada torre pudesse cobrir de metralha a distância até à torre seguinte. E eu pensei como é que aqueles Vopo’s (Volks Polzei - «Polícia do Povo» ou «Polícia Popular»), vendo-nos do lado de cá tão satisfeitos da vida, não aspirariam o mesmo para si próprios. Foi então que comecei a imaginar o significado de «lavagem ao cérebro». Com base nesta deturpação do sentido da vida, olhei para aquele muro, para aquelas torres, seus ninhos de metralhadoras e seus fanatizados polícias e temi que algum deles tivesse um inesperado espasmo neuro-muscular no respectivo dedo a postos no gatilho. Eu não sabia – e continuo sem saber – quais as instruções que aqueles desgraçados tinham – se era para estarem sempre com o dedo a postos no gatilho durante todo o tempo de serviço ou se podiam descansar de tantos em tantos minutos. É que se as ordens fossem de engatilharem permanentemente, os tais espasmos poderiam acontecer inesperadamente com as mais trágicas consequências. Nada aconteceu, passámos por dentro do campo de fogo sem ocorrências de nota, os Vopo’s deviam ter entrado ao serviço pouco tempo antes.

Vamos, não vamos…?

Vamos, não vamos…?

Fomos!

Na manhã seguinte metemo-nos no «pão de forma» quando o Sol se levantou e pedimos entrada no corredor para Berlim. Depois de muito morosas verificações, lá fomos finalmente autorizados a passar. Esperavam-nos 230 quilómetros por uma autoestrada hitleriana com registo de hora de entrada e marcação de hora máxima de chegada. Vedações laterais ao longo de toda a autoestrada não fosse – segundo a propaganda do Camarada Walter Ulbricht - algum ocidental tentar-se pelo «paraíso» socialista e entrar clandestinamente por ali dentro… Mas as tentações eram refreadas pelo que pudemos ver no trabalho rural. Afinal, as vedações eram para os refrear a eles e não a nós. Sim, estou a ser irónico porque seria de muito mau gosto tentar fazer humor com aqueles cenários de escravatura. E isto passava-se em 1961, não em 1691. Camaradas, não tentem fazer dislexia à minha frente para não passarem por um vexame.

Vimos Magdeburgo à distância e imaginámos Potsdam já quase no destino. Verificada a hora, passámos em liberdade para Berlim livre. Antes de tudo o mais, procurar um parque de campismo. Ficámos num que não era muito afastado do Tiergarten que é como se diz «jardim zoológico» em alemão.

(continua)

Maio de 2020

Henrique Salles da Fonseca

 

[i] - https://pt.wikipedia.org/wiki/Casa_de_Han%C3%B4ver

 

ANDA COMIGO – 16

Com tanta andança, o curso passou como um «augenblick»[i] e, mal demos por nós, já era hora de emalar a trouxa.

E aqui vamos nós…

De Verden rumámos a Norte para darmos uma volta por Hamburgo já que das vezes em que fôramos a Holstein   e ali ao lado à procura do «leiteiro», tínhamos passado por lá como raposa por vinha vindimada. E nesta volta vi o mesmo que já tinha visto em Bremen: as ruínas da guerra que ainda vira dois anos antes, tinham desaparecido completamente e a cidade vibrava de energia como se nada tivesse acontecido tão pouco tempo antes. Sim, uma cidade da famosa «Liga Hanseática» que nas matrículas dos seus carros continuava a ostentar «HH» - «Hansastadt Hamburg» significando «cidade hanseática». O mesmo em relação a Bremen com as matrículas «HB»[ii]. E, na falta do famoso «Derby» que naquele ano já se realizara, limitámo-nos a passar no recinto que se situa no meio de um parque enorme no Langnese que é uma zona chique ao longo da margem direita do Elba que, apesar de todas as sarrafuscas, continua a passa por ali a caminho do Mar do Norte.

Retomando o caminho do Norte, o destino era no Mar Báltico, Kiel, a uma centena de quilómetros.

Fomos a casa do Capitão do Porto que era primo da cunhada da tia não sei de quem… Lembro-me de ter visto uns navios atracados na margem oposta do porto e lembro-me duma salada de batata que foi servida ao jantar e de que gostei muito - a ponto de me lembrar dela 59 anos depois de a ter comido. Não tive lata de me servir segunda vez mas vontade não faltou. Mais que isto, olhei para o Báltico ali mesmo à nossa frente, cinzento e encrespado e pensei na tragédia do «Wilhelm Gustloff», navio de cruzeiros alemão torpedeado já em 1945 por um submarino soviético durante a evacuação dos alemães residente em Königsberg na Prússia Oriental entretanto tomada pelo Exército Vermelho. Morreram mais de nove mil pessoas, tantas quantas assim não chegaram a Kiel[iii], precisamente àquele sítio onde eu estava naquele momento - o cais das almas.

E, a propósito de Königsberg, lá ao fundo longínquo deste mar, lembrei-me de dois que lá ficaram enterrados: Immanuel Kant e o nosso Marquês de Alorna, D. Pedro Almeida Portugal, que partira para França desgostoso por o Duque de Lafões, membro da Junta Governativa que funcionou entre a partida da Família Real para o Brasil e a primeira invasão francesa, não o ter deixado defender Olivença das tropas franco-espanholas e que, numa reviravolta, decidira aderir à causa napoleónica e acompanhar o Imperador na acção de sacudir as teias de aranha da velha realeza europeia. Mas a desmedida ambição de Bonaparte levou-o a «esticar a corda» e a ser batido pelo General Inverno russo. E assim foi que o nosso Marquês, arrastando-se na retirada, acabou em Königsberg. E lá está. E se Kant lá pode ficar porque em vida nunca de lá saiu, o nosso Marquês bem podia ser trasladado para Almeirim já que é tempo de fazermos as pazes com a História.

Arrumados os talheres nos pratos a dizer que chegáramos ao fim, dados os dedos de conversa protocolar para que não fosse «comida feita, companhia desfeita», foi a hora da despedida e dos agradecimentos.

Fomos pernoitar num qualquer camping que esqueci e no dia seguinte começaríamos nova grande aventura…

(continua)

Maio de 2020

Henrique Salles da Fonseca

[i] - literalmente, «piscar de olhos» significando «instante»

[ii] - O mesmo relativamente a Hannover que já não sou capaz de recordar como eram. Aguardo que um leitor me ajude – no modelo do pós-guerra, não as matrículas actuais.

[iii] - https://pt.wikipedia.org/wiki/MV_Wilhelm_Gustloff

 

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