Vou respigar alguns parágrafos de duas crónicas que Vasco Pulido Valente escreveu, em devido tempo, no jornal Público.
Em 13/07/2014 escrevia:
«Para a minha geração..., o 25 de Abril chegou a tempo. Andávamos pelos 30 anos, com uma profissão e uma longa vida à nossa frente. Íamos finalmente mudar Portugal. Fazer um novo cinema, um novo teatro, uma nova literatura, uma universidade exemplar e um Estado democrático. Íamos varrer a miséria atávica do país, que manifestamente nos seguiria.
Em vez disso... Infelizmente, a nossa "sorte" incluía também uma certa esterilidade pessoal e a amargura duma colectiva desilusão. E à nossa volta sucessivos governos criavam as ruínas da nossa velhice».
Em 04/03/2006 escrevia:
«De facto, cada vez mais releio os livros de antigamente, suponho que à procura de um pequeno canto de sossego e sanidade. O Estado também aflige. Por favor, não tomem isto como propaganda política. Imaginem o Estado durante Salazar e Caetano. Existia a PIDE e a censura: e mil tiranetes por aqui e por ali. Não vale a pena repetir o óbvio. Em compensação, o Estado não queria mandar na vida de ninguém. Não proibia que se fumasse. Deixava o trânsito largamente entregue a si próprio. Não andava obcecado com a saúde e a segurança. Não regulava, não fiscalizava, não espremia o imposto até ao último tostão. Um indivíduo, pelo menos da classe média, passava anos sem encontrar o Estado: em Portugal, em Inglaterra, em Itália, na Europa. Acreditam que nunca voltei a sentir o espaço e a liberdade desse tempo?»
Vasco Pulido Valente, sabedor que é de história universal e outras, explica-nos que o PCP há muito que perdeu relevância, surgida com ênfase na época do nacional-socialismo alemão, com as suas maldades e orientação capitalista e depuradora de raças pelo extermínio, além de ocupadora danosa de nações submetidas, que foi um autêntico regabofe para a raça eleita. E isso fez que as gentes da cultura enfileirassem em doutrinas que pareciam mais humanitárias, as tais do marxismo que atribuía igualdades e os mesmos direitos a toda a gente, sem distinções, e até recordo uma peça do Sartre – “La P. respectueuse” – sobre uma mulher da vida, mulher generosa que escondeu um preto perseguido pela polícia – aliás inutilmente, pois o cinismo dos poderosos prevaleceu, o que me impressionou muito, na altura. A aura marxista era, pois, valiosa no tempo da guerra, em oposição ao fascismo, e também nós tivemos o nosso Álvaro Cunhal que partiu para a Rússia, ido de Peniche, que é o sítio dos bons camaradas segundo o nosso aforisma. Na Rússia ele aprendeu melhor como era o humanitarismo comunista, embora houvesse sempre uma grande má vontade contra os russos, do lado de cá, e sobretudo contra Estaline, e a mim, que realmente os não amava, em obediência às normas do respeito pelos ditames que seguíamos (e que mantenho, velha anquilosada que me sinto), até me perguntaram, já depois do 25 de Abril se eu também era das que acreditava que os comunistas comiam meninos ao pequeno-almoço e eu confirmei. Mas foi porque estava danada com aquela movimentação tosca das nossas tropas de cravos nos canos que deitaram o governo e o país às urtigas, o que muito feriu o meu conceito de amor pátrio, embora agora já não saiba muito bem o que isso significa, depois de ter ouvido na Quadratura do Círculo desta semana José Magalhães e Pacheco Pereira apelidarem de ausência de patriotismo a satisfação dos ganha-perde eleitorais por o OE de A. Costa ter sido sujeito a questionário de explicitação por parte de Bruxelas.
Mas é bonita a valer essa defesa constante do PC e também do Bloco de Esquerda - que o exigem igualmente do PS - dos direitos dos trabalhadores com reposição de tudo o que lhes foi tirado e até me sinto aliviada agora, pensando que vou ter direito novamente ao meu vencimento antigo, embora já tenha ouvido que só será reposto um euro, não sei se é ironia, pois gostamos sempre das boas anedotas, valha-nos isso.
O certo é que Vasco Pulido Valente afirma que o PC perdeu dimensão e agora percebo porque é que o fosso – “décalage” é mais sofisticado, mas sou modesta no escrever - entre os ricos e os pobres, os com todos os direitos e os sem nenhuns, vai alargando mais e mais, que não há meio de chegarmos a um consenso de equilíbrio.
Não sei se isso acontece –“e isso acontece a tanta gente que não vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece”, diria Álvaro de Campos mas por diferentes ambições de prestígio, não sei, pois, se isso do fosso entre pobres e ricos acontece pela diminuição do prestígio do PC que refere Pulido Valente. O certo é que não penso isso, dada a influência inquisitorial com que os três partidos à esquerda do PS manietam António Costa no Parlamento, não só exigindo que ele cumpra o que lhes prometeu de reposição de fundos e normas antigas ao Zé Povo, que é hábil a mandar manguitos, como – e esta é da verde Heloísa Apolónia – exigindo que ele não seja subserviente para com a UE, como foi Passos Coelho, ou seja, que não tenha pressa de pagar a dívida que o Estado Português contraiu com Bruxelas, coisa pouca.
Contrariamente, pois, ao que Vasco Pulido Valente define como perda de relevo do PC, eu diria que cada vez este tem mais, pelo menos cá no país, sobretudo se se tiver em conta a tripla aliança Verdes, PC e BE, juntamente com os sindicatos das reivindicações, por via da governabilidade do PS.
Eu até dou uma forcinha, extraindo da Internet o Hino do PC que estive a escutar, não para libertar os antigos heróis das masmorras, mas para erradicar a fome do mundo. Ou pelo menos do nosso país. Que as promessas são para se cumprir. E a um euro – valemos pouco - Bruxelas não vai negar o Orçamento, ora essa!.
As desgraças do PCP
Vasco Pulido Valente
Público, 29/01/2016
O prestígio do Partido Comunista Português começou a diminuir depois da guerra, com as purgas de Estaline aos judeus da Rússia e aos “desviacionistas” da Hungria a da Checoslováquia. Sem a ameaça de Hitler, as barbaridades do Generalíssimo já não eram engolidas com a mesma credulidade. O PCP não percebeu isto e nem sequer seriamente notou como estava a ser tratado pelos seus próprios “simpatizantes”, que desprezavam a orientação dos funcionários e lhes chamavam batatulinas*. Claro que o “Partido” (só havia aquele) ainda exercia uma considerável influência sobre a vida cultural do país (pelo que ela valia) e pouco a pouco ia infiltrando e dominando o movimento estudantil. Mas já Cunhal tinha de protestar contra os movimentos “pequeno-burgueses” de “fachada socialista”, que apareciam na Universidade e um pouco fora dela.
O “25 de Abril” permitiu que o PC se apoderasse de umas dúzias de oficiais, que ele catequizara a tempo na clandestinidade ou que genuinamente se julgavam “revolucionários”. Isto que naquele tempo serviu para envolver o país numa aventura sem sentido, no fim não chegou para mais do que para legar à democracia uma constituição programática e absurda. De 1975 em diante o PC arrastou uma existência mesquinha e acabou reduzido a umas Câmaras no Alentejo, com uma população envelhecida e sem qualquer importância estratégica e a uma dúzia de sindicatos do funcionalismo público e de companhias do Estado. A sua morte natural parecia próxima.
Só que o PCP é uma máquina financeiramente pesada e, para se sustentar, precisou de uma aliança tácita com o PS. Suponho que entre os velhos militantes ninguém desculpará a Jerónimo de Sousa essa cedência ao inimigo histórico do Partido e que a gente mais nova deixou de ter qualquer razão ideológica ou sentimental para morrer agarrada a um cadáver. Chamar, como Jerónimo, uma “rapariga engraçadinha” a uma adulta de 40 anos mostra que ele passou para lá da mais modesta compreensão do mundo real. Se o PC se vai esfumar sossegadinho no seu canto ou se vai arrastar o PS na sua queda (como os “duros” querem) é o que resta apurar. Seja como for, a agonia do comunismo irá com certeza produzir uma guerra na esquerda, que pode levar o regime à ruína.
* Infelizmente, não sei a origem desta palavra, mas sei que significava “fanático burro”.
Festa com Avante
https://www.youtube.com/watch?v=90TJ6geLBlY
Refrão: Avante, camarada, avante, Junta a tua à nossa voz! Avante, camarada, avante, camarada E o sol brilhará para todos nós!
Ergue da noite, clandestino, À luz do dia a felicidade, Que o novo sol vai nascendo Em nossas vozes vai crescendo Um novo hino à liberdade Que o novo sol vai nascendo Em nossas vozes vai crescendo Um novo hino à liberdade
Avante, camarada, avante, Junta a tua à nossa voz! Avante, camarada, avante, camarada E o sol brilhará para todos nós!
Cerrem os punhos, companheiros, Já vai tombando a muralha. Libertemos sem demora Os companheiros da masmorra Heróis supremos da batalha Libertemos sem demora Os companheiros da masmorra Heróis supremos da batalha
Avante, camarada, avante, Junta a tua à nossa voz! Avante, camarada, avante, camarada E o sol brilhará para todos nós!
Para um novo alvorecer Junta-te a nós, companheira, Que comigo vais levar A cada canto, a cada lar A nossa rubra bandeira Que comigo vais levar A cada canto, a cada lar A nossa rubra bandeira
Avante, camarada, avante, Junta a tua à nossa voz! Avante, camarada, avante, camarada E o sol brilhará para todos nós!
A propósito de tão vasta dimensão do PC português e satélites, extraio a seguinte notícia da Internet:
A Festa do Avante! é uma festa cultural e musical com a duração de 3 dias, realizada pelo Partido Comunista Português. É o maior evento político-cultural realizado em Portugal. Wikipédia
Datas: 4 de Set. – 6 de Set. de 2015
Local: Quinta da Atalaia
Devemos sentir orgulho patriótico, por muito que outros só encontrem gorgulho no evento cultural de três dias. Faz-me cá uma raiva! - expressão de Solnado, que também era a favor.
Parece que Marisa Martins andou na campanha a estender abraços e promessas de auxílio, pois no seu discurso triunfal de ganhadora relativamente aos do PC e mais uns tantos, incluindo a frágil Maria de Belém e o Tino de Rans, explicou que estas eleições serviram para o borbulhar ruidoso de uma nova feição no nosso mundo político, que vai repor, por seu intermédio, respeito humano, especialmente socorrendo os desrespeitados. E o povo da campanha, olha-a com devoção, rapariga modesta e bem bonitinha, ao nosso modo, que inclui inocência e muita simpatia, tal como a Joaninha do Garrett, ajudando a avó cega a enovelar os novelos, e mantendo o culto pelo primo Carlos, que pelas minhas contas até seria mais novo do que ela, mas que Garrett no reencontro dos dois aquando da guerra civil, atribui mais quinze anos, baralhando romanticamente os dados, para o fazer apaixonar-se pela prima, mulherengo que era e sentimentalão – refiro-me a Carlos, não a Garrett, embora este também não lhe ficasse atrás em propensão sentimental. Marisa Martins, uma nova “menina dos rouxinóis”, na bondade e no poder de sedução, que tudo promete, mesmo sabendo que o nosso tudo é nada, que temos de saber gerir, pois não nos pertence, mas isso mal lhe importa, amiga de refazer os novelos das avós ceguinhas do muito chorar.
Contrariamente à Joaninha, todavia, embora esta também tivesse tratado as tropas feridas, na casa da tal janela de que se enamorou Garrett na viagem a Santarém, Marisa é uma jovem valente, que não tendo olhos verdes, julgo, como tinha a menina pura do Garrett, leu a Constituição e fixou os direitos do povo e daí ninguém a tira, promete actuar, pois ficou por cima do PC em votos. E do Tino de Rans. Marcelo só terá, pois, que se precaver. Aliás, ele parece disposto a bem trabalhar com o Governo de Costa, que me pareceu satisfeito com a vitória de Marcelo, pois no seu discurso de felicitações ao novo presidente, o PM Costa pronunciou que “só no quadro democrático é que se encontram respostas para as necessidades”, vê-se que já aprendeu que os não democráticos e apenas demagogos com que formou governo são ossos bem duros de roer e Marcelo parece ser um elemento conciliador.
Quem não acredita em milagres é Vasco Pulido Valente, qualquer que seja o Presidente eleito. Mas pode ser que Marisa lá chegue, doce que é, e deixando antever, pois não vai desistir embora Tino de Rans também não, tal como a pulga saltitante "amestrada" pelo clown Chaplin nas suas Luzes da Ribalta, as nossas luzes.
Berta Brás
Desgraças
Vasco Pulido Valente
15/01/2016 - 00:05
Dia e noite a televisão e os jornais discutem a “ideologia” e o “posicionamento” dos candidatos presidenciais. É uma conversa fátua que despreza a realidade e obscurece a verdadeira situação do país. O futuro Presidente não contará muito na política do país. Se for uma das nove personagens da esquerda, não terá outro remédio senão seguir e apoiar o governo de Costa. Se for Marcelo, também não. Nenhum Presidente pode correr o risco de dissolver a Assembleia da República, sem a certeza de que o eleitorado lhe devolverá uma nova maioria. Marcelo não promete ajudar o inominável Costa porque gosta especialmente da criatura, mas porque se o mandasse embora ele voltaria uns meses depois mais sólido e mais forte; e Belém perderia toda a espécie de autoridade no regime e no país.
Marcelo precisa portanto para sobreviver de se dar bem com Costa. A direita, como de costume, não percebeu isto. Tirando Paulo Portas, que não só saiu da direcção do CDS, mas sibilinamente explicou aos restos da coligação a razão fundamental que o movia. Disse ele que para recuperar o poder a direita precisava de uma maioria absoluta, repito, absoluta. As manobras de Costa, que ofereceram de repente ao PC e ao Bloco meios de acção e de influência, dividiram Portugal ao meio; e numa época de crise, com a memória recente de Passos Coelho, a esquerda ganharia qualquer eleição contra o regresso da “austeridade”. Resta assim à direita esperar que o arranjo de Costa se dissolva por si próprio e, se conseguir, enquanto espera fazer uma tentativa para se reorganizar mental e materialmente.
De qualquer maneira, as coisas não serão fáceis, nem Marcelo estará em posição de ajudar. Qualquer gesto de Marcelo a favor do CDS e do PSD passaria inevitavelmente por uma intolerável provocação ao governo de Costa e dos seus sócios. E, por outro lado, a ambiguidade interna da direita, agora dividida e desorientada, e o desprestígio geral dos partidos tradicionais não prometem nada de bom. As queixas dos jornais da facção, com títulos berrantes, não transmitem uma sensação de força, muito pelo contrário, transmitem uma sensação de impotência. As “presidenciais” têm escondido o estado lamentável da direita, sob a capa da popularidade de Marcelo, mas quem olhar bem verá o apodrecimento e o desespero de metade de Portugal, temporariamente preso num beco sem saída.
De repente, a constatação de que nada nos distingue dos palhaços, nada mais podemos esperar a não ser palhaçadas. Tudo é impertinência e ousadia, e este artigo de Vasco Pulido Valente nos descreve na tristeza deste conjunto de pessoas, como já o fizera Fernando Pessoa mais abstractamente, na expressão de uma sensibilidade educada, de fleuma colidindo com o desespero, ainda apelando. Pulido Valente, apenas realista, desprezando.
Berta Brás
NEVOEIRO
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, Define com perfil e ser Este fulgor baço da terra Que é Portugal a entristecer — Brilho sem luz e sem arder Como o que o fogo-fátuo encerra. Ninguém sabe que coisa quer. Ninguém conhece que alma tem, Nem o que é mal nem o que é bem. (Que ânsia distante perto chora?) Tudo é incerto e derradeiro. Tudo é disperso, nada é inteiro. Ó Portugal, hoje és nevoeiro... É a hora!
Valete, Fratres.
Uma galeria de horrores
Vasco Pulido Valente
Público, 03/01/2016
Conheci ontem as dez criaturas que resolveram candidatar-se a Belém. Foi um espectáculo triste e vexatório. Marcelo Rebelo de Sousa anda por aí a gabar a singularidade desta desgraçada eleição: é mais barata, mais livre e os partidos não se metem na coisa. Marcelo talvez seja espertíssimo – um ponto discutível, apesar da propaganda – mas pelo menos não percebeu que esta palhaçada em que hoje participa o degrada a ele e diminui a autoridade do Presidente da República.
Nunca na história da política portuguesa (e sabe Deus que ela desceu a abismos de indignidade) se viu espectáculo assim. A galeria de horrores que ontem nos mostrou a televisão ultrapassa as piores cenas do Constitucionalismo e da República. E Marcelo participa nos festejos, abanando aprovativamente a cabeça, como um sacristão.
Tirando Marcelo, apareceram nove candidatos, sem currículo ou capacidade para guarda-portão, mas que pretendem guardar a República e o regime contra qualquer adversidade externa ou interna. Declaram todos que estão cheios de ideias, talvez porque ninguém ainda se deu ao trabalho, sem dúvida frustrante, de lhes comunicar o que são ideias. Sampaio da Nóvoa, hirto como uma vassoura, repete os lugares-comuns do folclore socialista. Marisa Matias, uma “passionária” de trazer por casa, distribui asneiras que só mostram a sua ignorância e a sua confusão. Maria de Belém é um poço vazio, com algumas “causas” sem pés nem cabeça. Paulo Morais, por baixo de uma luxuriante cabeleira, exibe a sua mania da corrupção, de uma maneira insultuosa e quase alucinada.
E há mais. Vitorino Silva, o Tino de Rans, que tirou a sua candidatura do fundo da “alma”; um senhor (Cândido Ferreira) que armou um pequeno distúrbio porque se imagina com direito a mais tempo de antena; um segundo senhor (Jorge Sequeira) que propõe a “meritocracia” para a salvação da Pátria (palavra de honra); um antigo padre, convertido ao PC, que se atrapalha com a nova teologia. Finalmente, há também Henrique Neto, um homem simpático, de quem se esperava um pouco mais de juízo.
Os despautérios que se ouviram numa noite chegam para uma vida. A Assembleia da República devia fabricar uma lei para decoro do regime e do país: uma lei que obrigasse cada candidato presidencial a depositar 200.000 euros a fundo perdido para adquirir o direito de exibir o seu cabotinismo e a sua estupidez. O que, pela amostra de 2016, não é muito.
Dois estudos que, divergindo, se complementam: o primeiro, de Vasco Pulido Valente, revelador do que há muito se sabe a respeito da nossa penúria intelectual e de princípios éticos, justificativa da eterna atrofia em que nos remexemos, sempre manipulados por circunstâncias e seus aproveitadores na condução dos destinos pátrios, pondo e dispondo de acordo com a doutrinação ou os interesses próprios das diferentes chefias. Mas se Vasco Pulido Valente o historia, desde os circunstancialismos que ditaram a mudança do regime absoluto em regime pretensamente liberal, e que resultaram na indignidade de uma irresponsabilidade contínua, o artigo de Alberto Gonçalves mais uma vez põe o dedo na ferida revelando um tal guia de acolhimento segregativo dos refugiados feito pela DGS – julgo que por ordem de comandos alheios – que apontam bem a abjecção e a indignidade de uma Europa a ser manipulada por um Islão de repugnantes leis rácicas, que pretendemos aplicar a esses, no respeito solidário pelos seus fundamentalismos que, todavia, reprovamos. O guia alternativo do sociólogo, de evidente exagero, é, todavia, uma lufada de ar fresco na hipocrisia do mundo – o oriental como o ocidental. Quanto à questão da TAP e os desígnios de António Costa e seus parceiros, é demasiado perigosa para este mísero país, para que possamos rir das graças de Alberto Gonçalves. Mas admiramos-lhe, como sempre, a coragem e a eficácia do seu humor.
Berta Brás
A educação de um povo
Vasco Pulido Valente Público, 12/12/2015
O primeiro regime supostamente “representativo” que houve em Portugal não foi o resultado de nenhum movimento interno. Foi resultado da guerra contra os franceses, do exílio de D. João VI no Rio e da perda do monopólio colonial. Um pronunciamento militar, o “24 de Agosto”, conseguiu impor aos portugueses uma Constituição “radical” e a burocracia, a Igreja e o exército escolheram os deputados, depois de um simulacro de eleições. Nem a “classe média”, nem evidentemente o povo que vivia da terra participaram no exercício. Entre tentativas de rebelião armada, as Cortes Soberanas duraram pouco tempo (um ano e uns meses) e não trouxeram a ninguém qualquer educação para a liberdade e o respeito da lei. Portugal voltou ao antigo regime até à morte de D. João em 1825.
Em 1826 começou uma guerra civil que durou até D. Miguel desembarcar em Belém, vindo de Viena. A seguir a uma insurreição armada da gente de 1820, o Infante impôs com dureza as regras da Monarquia tradicional. E, em 1832, o “liberal” D. Pedro apareceu perto do Porto com uma expedição, paga pela Inglaterra e a França, e começou uma guerra que só acabou em 1834 com a derrota do “miguelismo”. A situação que saiu desta “vitória”, perante a indiferença do país, não passou de “uma balbúrdia sanguinolenta”, em que os regimes se sucederam até a uma nova guerra civil, a da “Patuleia”.
(para saber mais sobre a Guerra da Patuleia, ver p.ex. em https://pt.wikipedia.org/wiki/Patuleia)
Em 1851, surgiu por miséria e cansaço um arranjo chamado “Regeneração”, que domesticou o exército e os políticos, pedindo dinheiro no estrangeiro em grandes quantidades. Anos relativamente felizes, com que a crise financeira de 1892-1893 definitivamente acabou.
Ao fim de 70 anos de “liberdade legal”, como se dizia, os portugueses não sabiam ainda o que eram os seus direitos, nem os seus deveres, e o poder permanecia ilegítimo e arbitrário. A dívida custou a Portugal a relativa tolerância da “Regeneração”, a interferência inconstitucional do Rei na política partidária, 15 anos do corpo a corpo geral da República e a ditadura de Salazar e de Caetano. Um preço alto. Pior ainda, entrou na III República sem a mais vaga noção da espécie de cidadania que um Estado democrático implicava e requeria. Uma coisa dessas, para se aprender, precisa de uma longa tradição histórica, que por acaso ou por desgraça a nossa história não nos deu. Em 2015 não devemos esperar muito do futuro, porque nós próprios somos responsáveis pelo nosso destino e a nossa responsabilidade, talvez não por nossa exclusiva culpa, não é muita.
Como receber refugiados: um guia alternativo
AlbertoGonçalves DN, 20/12/15
A Direcção-Geral de Saúde (DGS) concebeu um guia de acolhimento das (aparentemente poucas) dúzias de refugiados que aceitaram mudar-se para cá. Com as melhores intenções, 112 páginas e a colaboração de "nutricionistas, dietistas, médicos, veterinários, psicólogos e especialistas em relações internacionais", o guia diz-se "inovador a nível nacional". Não admira, dado que é também uma das mais violentas manifestações de racismo, xenofobia e segregação que um Estado dito democrático é capaz de produzir.
Dominado por "imperativos de ordem cultural e religiosa", o curioso documento limita-se a reproduzir um pedacinho do fundamentalismo que afugentou os refugiados para a Europa, quer estes tenham ou não tenham consciência disso. Exemplos? Vamos a eles: nas consultas médicas, as mulheres só devem ser atendidas por mulheres. Os alimentos devem estar circunscritos à lei islâmica, leia-se nada de porco e derivados, álcool, sangue. O abate dos animais deve obedecer aos métodos considerados halal. O jejum do Ramadão deve ser equilibrado por uma dieta adequada (o guia inclui receitas e tudo). Etc. E isto versa apenas matéria clínica. Espera-se a qualquer momento que diversos organismos públicos publiquem códigos de vestuário, organização familiar, boas maneiras, hábitos sexuais e o que calhar, sempre com mil cautelas - ou as cautelas necessárias para impedir que os nossos convidados se possam ofender connosco. O guia da DGS, convém notar, destina-se aos indígenas.
Ouvi por aí que semelhante toleima é consequência natural do "multiculturalismo". É uma razão parcial. Sendo verdade que constitui um refúgio (sem trocadilho) de idiotas, é igualmente verdade que o problema do "multiculturalismo" passa pelo modo muito "unicultural" como é entendido: a regra obriga inevitavelmente à compreensão do "outro", mas nunca se lembra de obrigar o "outro" a compreender-nos a nós. Por vários motivos, era útil que o fizesse.
Aliás, já cumprimos a primeira parte do compromisso durante séculos. Portugal e o Ocidente em geral lembram-se perfeitamente do que é proteger por lei o tratamento discriminatório das mulheres. E perseguir criminalmente homossexuais. E legitimar a escravatura. E punir a ciência que questione a "realidade". E executar apóstatas no meio da praça. E, em suma, colocar a religião no centro da existência enquanto se castigavam os ínfimos vestígios de dissidência ou distracção. Experimentámos as actividades referidas e, salvo pelos raros tradicionalistas que terminam a falar sozinhos ou na cadeia, não gostámos particularmente delas e decidimos trocá-las por hobbies menos, digamos, radicais.
Sucede que a vasta maioria dos muçulmanos não beneficiou de oportunidade idêntica. Ao contrário do que acontece connosco, a "cultura" que a DGS exige que respeitemos é a única que eles conhecem. Em nome da hospitalidade, da abertura, da tolerância e de palavras assim lindas, importa ajudá-los a conhecer o resto. Julgo que foi o escritor francês Michel Houellebecq quem sugeriu o bombardeamento das nações islâmicas com minissaias, contraceptivos e pornografia. É um princípio, e cabe-nos garantir que não seja o fim.
Desde logo, a circunstância actual dos refugiados facilita imenso o processo: os muçulmanos encontram-se à mão de semear. Semeemos pois entre esses infelizes o exacto tipo de "licenciosidade" que tanto eriça o Prof. Freitas do Amaral. Há que iniciá-los no prazer da blasfémia, nas virtudes do deboche, nos meandros da pouca-vergonha, no gozo da excentricidade, nos apelos do vício e afinal no pleno exercício da liberdade terrena, que para a celestial não faltará tempo. Se coubesse um pingo de humanidade nas cabecinhas da administração pública, o guia de acolhimento recomendaria médicos de acordo com a especialidade e não com o género, piropos em vez de pudor, pândega em vez de Ramadão, risco em vez de medo, arte em vez de cartilha, Nabokov em vez de castigos, mundo em vez de gueto, século XXI em vez do XI, factos em vez de superstições, cabidela em vez de tofu. É dever de todos os portugueses e ocidentais responsáveis mostrar aos refugiados o que andam a perder. Até porque a alternativa é perdermos nós.
Sexta-feira, 18 de Dezembro
Pelos ares
António Costa, que a Providência colocou ao nosso serviço, garantiu que o Estado tomará posse da TAP a bem ou a mal. Será, naturalmente, a mal, o que além de permitir que possamos voltar a optar por viajar pelo triplo do preço para um vigésimo dos destinos disponíveis, terá o divertido bónus das indemnizações. É que os actuais proprietários, gente decerto mesquinha, não devem encarar o assalto - chamemos-lhe reivindicação patriótica - com bonomia, pelo que talvez recorram aos tribunais por pirraça. E a menos que o Dr. Costa a pague do seu bolso, ou do bolso dos companheiros de luta que o ampararam até ao poder, a despesa recairá sobre o fatal contribuinte. Por sorte, e a dádiva de 60 cêntimos na sobretaxa, não nos custará muito amealhar uns milhões adicionais para reaver a "companhia de bandeira" (sic) e, cito de novo, as caravelas do século XXI. De resto, precisaremos destas para rumar à Venezuela, o inevitável destino de um país entregue a alucinados e que, de futuro, o mundo civilizado tratará com nojo.
«Ninguém aceita uma parcela de poder sem a condição de uma parcela de malvadeza», (Alain, pseudónimo literário de Émil-Auguste Chartier, 1868-1951, ensaísta e filósofo francês): pensamento do «Escrito na Pedra» que encima a última página do Público de 28/11/15, donde já extraí o “Acabou!!!! Acabou. Acabou?» de José Pacheco Pereira e a que os artigos que seguem – «Porque sim», de Vasco Pulido Valente e a “Editorial” –«A “agenda improvável” de Costa» podem servir de resposta, no seu conteúdo de responsabilidade feita de amadurecimento cultural e ético, que a idade ainda não trouxe a José Pacheco Pereira, envolto nas brumas venenosas de um muito saber destituído da necessária cordura e equilíbrio, impregnado dos resquícios da doutrinação marxista – necessária, sim, mas sem os radicalismos utópicos e falsos próprios de todos os radicalismos, tais os que a Revolução Francesa já igualmente difundira, com muita malvadez, de mistura com as belas teorias dos seus filósofos enciclopedistas, e ainda os radicalismos que os jihadistas nos tempos presentes pretendem impor hoje, no desregramento da sua vileza sem tabus, sob falsos pretextos religiosos.
Na verdade, se o governo de Passos Coelho, a que se refere o Tri “Acabou” de Pacheco Pereira, foi duro e austero e com muitas falhas, não podemos deixar de reconhecer que, na camisa de onze varas em que necessariamente se viu metido, não poderia actuar de uma forma muito diferente, se queria livrar-se dela honrosamente, como parece que fez. Vasco Pulido Valente traça o retrato de mais esta vergonha nacional de um Costa usurpando um lugar que lhe não pertence, com os seus satélites rindo felizes, sem lhe dar garantias de eficácia colaboracionista, e um país acomodado, alinhando na falcatrua, no cinismo e na comezaina eufórica. Também Paulo Portas o apontou no seu brilhante discurso, aquando da moção de rejeição do governo usurpado, como, aliás, todos os da direita que então se pronunciaram.
É certo que poucos querem saber de pagar dívidas, neste país em que se foi aumentado com dinheiro alheio, e a iniciativa do governo anterior de pagar a dívida, os senhores e as senhoras apoiantes de Costa, desdenham, nos velhos discursos com sabor aos dos reclamantes da nossa juventude, hippies, se lhes chamava, mas postos na boca de gente que nada tem de hippie hoje, porque lhe cobre a cabeça antes o véu da sua unção, e lhe enche as mãos antes o missal da sua devoção e do seu cinismo. Os hippies – e os existencialistas, que aqueles também eram – contestavam a burguesia endinheirada a que pertenciam, estes desejam massificar uma sociedade pela igualdade, no seu ódio à diferença, coisa que por cá, aliás, já conseguiram.
Foi no que se transformou a libertação da “ditadura”. A liberdade não formou homens, porque lhes faltaram os princípios. E a perversão veio, gradualmente, manchando o caminho, descambando na irracionalidade dos pensamentos, nisto, no “porque sim” de Pulido Valente, a que se aplica o axioma do Escrito na Pedra: «Ninguém aceita uma parcela de poder sem a condição de uma parcela de malvadeza».
Mas a reposição dos direitos dos “trabalhadores”, segundo Pulido Valente e a Editorial, parece mergulhar no vazio de uma utopia que o tempo talvez não tarde em demonstrar. Oxalá que não.
Berta Brás
Porque sim…
Vasco Pulido Valente
Público 28/11/2015
A esquerda manifestou ontem a sua alegria, embora misturada com uma certa raiva a Cavaco, agora absolutamente inútil. Se deixasse o cavalheiro espernear sozinho em Belém, não tinha estragado a sua festa. Até porque, como de costume, o conformismo do indígena entrou logo em cena e, tirando um ou outro caso de convicção e teimosia, os jornais, o Komentariado e a televisão começaram logo a louvar o inominável governo do sr. Costa e as felicidades que ele seguramente nos traria. Houve mesmo um originalíssimo grupo de beatos que resolveu promover um jantar na Casa do Alentejo para comungar na alegria colectiva da vitória, com o proverbial lombo de porco e batatas fritas. Deus lhes dê uma longa vida e muitos pretextos para se unirem assim na sua fé.
Cá de fora, não pareceu que os motivos dessa tão devota euforia merecessem uma grande confiança. Compreendo muito bem que um subsídio, uma encomenda ou uma ajudazinha no emprego alegrem a alma. Mas não parece que o “bodo aos pobres”, como a direita lhe chama, ou a “redistribuição”, como lhe chama a esquerda, venha a ser uma coisa por aí além. Num país com a dívida pública e privada de Portugal e uma economia pequena e frágil, em que se investe pouco e mal, não sobra muito para acabar com a miséria, o desemprego e a pobreza de uma “classe média” que nunca chegou verdadeiramente a existir. O óbolo que se pretende dar aos “mais desfavorecidos” não lhes devolverá o optimismo do tempo em que, à superfície, o mundo se mexia a seu favor e ninguém esperava um percalço ou uma catástrofe.
Hoje, o dr. Costa e as suas tropas contam, para nos livrar deste desgraçado destino, com o aumento do consumo interno da gente encalacrada a quem deram uns cêntimos, com uma extraordinária epopeia científica e cultural (?) e com os milhões do universo exterior que serão atraídos pelo PCP e o Bloco e pelo seu conhecido tacto para receber e regular a iniciativa privada. Quanto ao resto, 19 ministros, 41 secretários de Estado e, como certeza, umas centenas de assessores saídos direitinhos da América e da Inglaterra bastam para pôr em ordem a vida portuguesa e a administração, de acordo com os melhores preceitos da arte. Pena que o Partido Socialista falhe sempre com Soares, com Guterres, com Sócrates. Mas desta vez não falhará com Costa. Porquê? Porque sim.
A “agenda improvável” de Costa Direcção Editorial
Público, 28/11/2015
Não é preciso acompanhar de muito perto a política nacional para perceber que talvez o mais difícil para António Costa ainda esteja para chegar e que o novo primeiro-ministro vai ter de fazer a quadratura do círculo para conseguir ultrapassar os muitos desafios e obstáculos que tem pela frente. O longínquo The Times of India publicava esta quinta-feira, dia de tomada de posse do XXI Governo Constitucional, uma notícia em que, para além de se congratular com o facto de o novo primeiro-ministro ser “de origem goesa”, resumia de uma forma inteligente e informada os tempos “difíceis” que Costa tem pela frente: “Simultaneamente [terá de] assegurar os compromissos com a União Europeia e dialogar com partidos de esquerda que rejeitam o acordo desde o início, insistir num programa socialista que permita uma redução sustentável de défice e dívida, aumentar salários mínimos e descongelar pensões.” Um caderno de encargos que o jornal indiano classificava de “agenda improvável”.
No Parlamento, esta sexta-feira percebeu-se as dificuldades que o líder dos socialistas vai ter para tornar provável essa “agenda improvável”; a maior parte das propostas mais sensíveis de alterações às leis que subiram ao plenário acabaram por descer às respectivas comissões sem votação para serem discutidas na especialidade. Um adiamento que mostra que ainda há muito trabalho a fazer para que haja uma convergência à esquerda que seja consequente.
Aliás, a “posição conjunta do PS e do PCP sobre a situação política”, um dos acordos que permitiram aos socialistas chegar ao poder, já alertava para uma lista de temas sensíveis em que, “apesar de não se ter verificado acordo quanto às condições para a sua concretização, se regista uma convergência quanto ao enunciado dos objectivos a alcançar”. Dois desses temas sensíveis, a extinção da sobretaxa do IRS e o fim dos cortes nos salários da função pública, chegaram ontem ao Parlamento, mas foram remetidos para discussão na especialidade nas respectivas comissões, sem votação. Aliás, todos os restantes dossiers levados pela esquerda à Assembleia da República, à excepção do fim dos exames do 4.º ano do ensino básico, tiveram o mesmo destino, ou seja, o adiamento. A direita, agora na oposição, não perdeu tempo e tentou transformar os adiamentos num caso político. “A decisão da esquerda ou das esquerdas é adiar, adiar, adiar”, comentava Cecília Meireles do CDS.
Os deputados têm agora 20 dias para fazer a discussão na especialidade para que as propostas possam voltar a ser votadas. Um tempo que António Costa terá de aproveitar para se sentar à mesma mesa com Jerónimo de Sousa e Catarina Martins e tentar chegar a um consenso, sobretudo quanto à velocidade com que se vai tirar o pé do acelerador da austeridade. A falta de entendimento sobre estes temas sensíveis numa altura tão precoce da legislatura equivaleria a uma sentença de morte para este Governo.
O Syriza – O Syriza ganha as legislativas na Grécia com o extraordinário programa de acabar com a “austeridade” contra a Europa e contra os mercados. Sai do chão um ministro das Finanças, chamado Varoufakis, com um sobretudo preto de cabedal, que entusiasma as “Passionárias” da esquerda portuguesa e o dr. António Costa, secretário-geral do PS.
A TAP – Há, como de costume, uma grande gritaria para impedir a privatização da TAP. Parece que, embora endividada e sem futuro, essa agremiação é um símbolo da Pátria e da “diáspora” de milhares de indígenas, amigos do bacalhau e de Ronaldo. Ou seja, que continua a ser o Império de que fomos corridos. Aviões com nomes ridículos como “Miguel Torga” e “Fernando Pessoa” parecem consolar a populaça.
A Cozinha – O país perdeu a cabeça com a cozinha. Aparece um chef em cada canto, abre um restaurante em cada dia, com “especialidades” que não se recomendam e não se comem. Os jornais publicam centenas de páginas de receitas e fotografias de pratos muito apetitosos no papel. Apesar do turismo, as falências não param.
A Televisão – Os noticiários são um espectáculo vexatório. Andam entre o jornal “O Crime”, de abençoada memória, e a crónica dos desastres que vão acontecendo pelo mundo inteiro. De política nada, ou quase nada, excepto grupos de gente furibunda que berra todo o tempo para seu gozo pessoal. Fora isso, uma nova estirpe de comentadores de futebol, que fala horas inutilmente sobre coisas que não existem.
As romarias a Sócrates – Sem especial sucesso, levaram a Évora cavalheiros que julgávamos com algum juízo.
Eleições – Ninguém ficou satisfeito com elas. A direita declarou que as tinha ganho; a esquerda foi para o governo com o dr. Costa à frente. Cavaco, escondido em Belém, torceu e retorceu as mãos para no fim fazer o que era inevitável. Não se percebe como um homem daqueles dominou 20 anos de democracia. Talvez porque aprendeu com Marcelo Caetano a exibir uma pose de estadista superior e com o Banco de Portugal a não discutir as contas. Consta que em Fevereiro volta para o Algarve.
António Costa – Já distribuiu umas migalhas da mesa do convento, rezou o Padre-Nosso à loucura da esquerda e gastou uma quantidade descomunal de dinheiro para exorcizar o fantasma de Passos Coelho. Daqui a uns meses começa a conversa a sério.
Figuras, figurões, figurantes, figurinos, modelos do nosso estar no mundo, representantes que surgem ao sabor das nossas mudanças de repasto, que vamos deglutindo com maior ou menor fruição, com maior ou menor sofreguidão. Mas Vasco Pulido Valente é dos que analisa a composição dos sabores de cada prato e os retratos aí ficam, exactos, a emparelhar com outros que a nossa literatura estilizou, sobretudo pela pena de Eça, e que na de Vasco Pulido Valente é igualmente perspicaz, mas mais ferozmente vexatória.
O primeiro artigo – «Uma história à portuguesa» – é sobre uma figura que passeou os seus ócios à sombra benfazeja de um pai igualmente ocioso – nunca, contudo, de palavras vagamente abstractas, com alguns actos concretos da sua figuração de arrogância optimista e egocêntrica. Mas o que assusta mesmo, mais do que a banalidade da personagem que Pulido Valente desarticula, são as promessas do seu programa: «O programa do Governo, num gesto de loucura, promete: a) descentralizar as decisões sobre o património cultural, o que é o melhor e o mais rápido caminho para o destruir; b) regular o “estatuto do artista”, com que ficarão armados os vigaristas do costume e uns milhares de novos vigaristas, que aparecem nas “revistas” de alguns jornais que se dedicam a atrair a juventude; c) criar um “cartão + cultura”, para o patronato atribuir aos trabalhadores e os trabalhadores poderem ir à ópera e lerem Proust com um confortável desconto; e finalmente d), estabelecer a gratuidade universal para o acesso aos museus (sejam eles quais foram) e aos monumentos nacionais. O patronato pagará esta caridosa campanha, a título de mecenato.» O vazio de um projecto cultural, a insignificância de propostas, o salientar do nosso useiro e vezeiro recurso a patrocínios ou apoios mecenáticos segundo os moldes habituais do compadrio, certamente, ou da saliência mediática. E assim vamos continuando, besteiros desafiantes, como os da lenda de S. Frei Gil, “cá por aqui é honra”. A nossa.
Quanto ao artigo sobre Jerónimo de Sousa - «Cretinismo parlamentar» - ele prova o desprezo de Pulido Valente por uma esquerda inepta que se alia ao PS numa fusão que nunca poderá efectivar-se, com um PCP parado no tempo, sociedade secreta que António Costa tentou penetrar a seu favor, e que olha de olhos esbugalhados provavelmente o atoleiro em que se meteu, habituada que está aos balbucios ou rugidos da sua discursata monocordicamente esmoler e acusatória. E um país que nada soube dessa junção de impenetrabilidade, e que tudo desconhece da penetrabilidade possível …
Riamos, então, disto tudo.
Berta Brás
Uma história à portuguesa
Vasco Pulido Valente
Público, 05/12/2015
Não gosto muito de João Soares, nem como homem, nem como político. Mas, de qualquer maneira, reconheço que, já perto da reforma, ele merecia uma recompensa pela sua constante fidelidade ao PS e pelo recato em que viveu à sombra protectora do pai. Feito finalmente ministro da Cultura, um cargo insignificante e sem futuro, os jornais descobriram que ele era também um rival menor de Miguel Sousa Tavares e de José Rodrigues dos Santos. Enquanto andava por aí a perorar na televisão e em S. Bento, Soares aproveitava os tempos livres para escrever romances de que não sei nada, excepto que são assinados por pseudónimos, Hans Nurlufts e John Sowinds, duas cómicas traduções do seu próprio nome. Quem os leu, diz que tratam do submundo da intriga internacional e que, de quando em quando, para espevitar o leitor, têm algumas cenas que roçam o pornográfico.
O programa do Governo, num gesto de loucura, promete: a) descentralizar as decisões sobre o património cultural, o que é o melhor e o mais rápido caminho para o destruir; b) regular o “estatuto do artista”, com que ficarão armados os vigaristas do costume e uns milhares de novos vigaristas, que aparecem nas “revistas” de alguns jornais que se dedicam a atrair a juventude; c) criar um “cartão + cultura”, para o patronato atribuir aos trabalhadores e os trabalhadores poderem ir à ópera e lerem Proust com um confortável desconto; e finalmente d), estabelecer a gratuidade universal para o acesso aos museus (sejam eles quais foram) e aos monumentos nacionais. O patronato pagará esta caridosa campanha, a título de mecenato.
No meio disto tudo, o dr. João Soares declarou que o “seu objectivo”, muito pessoal, é “transformar a cultura num factor de desenvolvimento”, embora por enquanto não se desse ao trabalho de explicar a mecânica desse extraordinário e nunca visto milagre. Mas não se deve esperar dele o que ninguém até hoje conseguiu: uma visão clara do papel do Estado numa área que vai da gravação da música clássica portuguesa até à reabilitação do centro histórico de algumas dezenas de cidades, a começar por Lisboa. Apesar das generosas palavras do programa do Governo, João Soares não irá com certeza contar com muito dinheiro. O que fatalmente o reduzirá a distribuir subsídios para frivolidades sem sentido e a pagar um ou outro favor eleitoral. Uma penúria que, no fundo, não prejudica o país. Quando mais depressa se perceber a inutilidade do Ministério da Cultura, mais depressa ele acabará.
“Cretinismo parlamentar”
Vasco Pulido Valente
Público ,6/12/2015
É triste dar esta notícia ao Partido Comunista, mas Lenine passou a vida a desaprovar o que ele está a fazer agora. Claro que o Partido Comunista já não sabe quem foi Lenine e naturalmente não leu uma palavra dele. De qualquer maneira, não deve ser agradável descobrir que o homem, com a sua proverbial delicadeza, achava que alianças como as de agora com o PS eram puro “cretinismo parlamentar”. Claro que Estaline e alguns sucessores o permitiram meia dúzia de vezes (e tarde de mais), com o fim altruísta de fortalecer a posição interna da URSS, coisa que, infelizmente, não se aplica ao Portugal de 2015. Só que nenhuma autoridade se atreveu a abolir o princípio, e Jerónimo de Sousa deve olhar hoje com melancolia para as bancadas da extrema-esquerda cheias dos seus queridos cretinos votando no PS.
Entretanto, os portugueses que não pertencem à seita ficaram na simpática situação de não saber quem os governa. O dr. António Costa não, porque depende do PC, e o PC também não, porque é uma organização semi-secreta. Ninguém conhece o nome ou viu a cara dos membros da Comissão Central ou do Secretariado. Ninguém tem a mais remota ideia sobre as finanças do partido, sobre quem verdadeiramente manda lá dentro ou sobre o que ele quer e para onde vai. E menos se ainda vive em 1952 ou 1989 ou se, por acaso, conseguiu com esforço descobrir que está noutro século e noutro mundo, facto que o deixará maravilhado. Mesmo quando se chocalha, o PC não dá sinais de agitação. Continua quieto e calado, sem mostrar vestígio de uma ideia ou de uma simples comoção.
Deus, se puder, lhe perdoará. Mas sucede que, neste momento, e esperemos que por pouco tempo, nós somos governados por uns senhores sem cara, que decidem o que lhes convém à nossa revelia, por razões que não nos comunicam. Ora, por enquanto, nós não somos mujiques da Grande Rússia, nem o Exército Vermelho resolveu acampar no Terreiro do Paço. O dr. António Costa, que usa o título de primeiro-ministro, tinha a obrigação de informar o público sobre o que anda ou não anda a negociar (não é ele um homem de negócios?) com o PCP. A maioria dos portugueses com certeza que se interessa pela conversa e, por uma vez, Costa cumpriria as regras de um velho e desusado regime que se chama democracia. Mas Costa adoptou os costumes dos seus presentes patrões e não abre a boca. “Cretinismo parlamentar”, mas muito útil.
É tempo da jihad, entre nós também, na virulência com que se pretende difundir uma fé contrária à que se seguira. A moda do piercing, a moda da burka, a moda de Alá. Eles aí estão todos, os nossos e as nossas jihadistas de trazer por casa, de olhos febris, forcejando por penetrar numa nova aventura governativa, com o apoio dos de cá, dos eternamente amigos da diferença. Não serve para Cavaco Silva que, arrais com mais ou menos competência, foi um dos que fez o que pôde por aguentar a barca, cheia de muitos protestantes, entre os quais os eternamente em busca de um ideal de perfeição que, porque jamais o encontram, têm sempre pano para as mangas da sua contínua mordacidade, incapazes, contudo, de pôr à prova essas suas competências governativas, mais seguros no seu antro especulador.
Cavaco Silva envelheceu e isso é condenável. Pela teimosia em protelar o veredicto, que as donzelas de olhos febris, na sua fé monocordicamente e ficticiamente construtiva, desejam apressar, certas de que não vale a pena adiar, no seu arranjinho governativo que acima de tudo preza o desastre, a destruição dos alicerces, como há quarenta anos fizeram, e que parte do país, calcando respeitos pela verdade e pela justiça, favorece com a sua adesão, Vasco Pulido Valente com eles, já a afiar as garras para os desancar também, ao virar da esquina…
Berta Brás
As desventuras do Dr. Cavaco
Vasco Pulido Valente
Público, 21/11/2015
O Dr. Cavaco tem tido um comportamento que se compreende com dificuldade. Foi à Madeira por causa de um “roteiro” qualquer, que não perdia nada em ser adiado. Consultou representantes do patronato e dos sindicatos, consultou os directores da banca e também um grupo de economistas, de autoridade pelo menos duvidosa, que não se percebe como foi escolhido. Ontem consultou os partidos e consta que se prepara para consultar o Conselho de Estado. Mais de 50 e tal peritos para o iluminarem, embora ele já soubesse tudo, como garantiu ao país, para o acalmar, antes de 4 de Outubro; e na Madeira não se coibisse de insinuar que os governos de gestão não eram assim tão maus. Ele – ele mesmo, o genial Dr. Cavaco – dirigira um Governo desses em 1987, para maior felicidade dos portugueses, como é público e notório.
A Câmara Corporativa pessoal e aleatória que nestes dias passou por Belém parece substituir, para o Presidente da República, os representantes do povo que estão em S. Bento, no pleno uso dos seus poderes. Mas S. Exa. não se incomoda. Seria interessante saber o que aprendeu com tanta conversa. Que devia conservar Passos Coelho, doesse a quem doesse, incluindo ao próprio Passos Coelho, para que não se metesse na cabeça da Guarda Vermelha ir assaltar o Dr. Vítor Bento? Ou que devia indigitar Costa para formar Governo e deixar que a vida política democrática tal como existe em Portugal o limitasse e o substituísse? Ou ainda que impusesse a Costa as suas condições, para garantir que o país continuaria a andar a seu gosto ou que a aliança da esquerda acabaria antes de começar?
Como as bruxas (dos dois sexos, claro) voltaram a opinar por Portugal inteiro, não me repugna esclarecer o que perturba o espírito do outrora vidente Dr. Cavaco Silva. Em primeiro lugar, com o tacto que o caracteriza, condenou liminarmente um Governo António Costa e o entendimento em que ele assentaria. Em segundo lugar, como uma grande quantidade de portugueses, detesta a personagem, a sua manha e a sua brutalidade. E, em terceiro lugar, duvida, e com razão, que o PS consiga conservar um mínimo de equilíbrio nas finanças, na economia e na frágil sociedade que nos deixaram 40 anos de incapacidade e corrupção. Talvez não se engane. Mas nada justifica que em 2015 arrisque cegamente o pouco que por enquanto continua em pé. O Dr. António Costa não se recomenda. Muito bem. Tarde ou cedo, nós trataremos dele, sem a ajuda vexatória e inútil do Dr. Cavaco.
Houve tempos em que a Terra ocupava o centro do Universo e este girava à volta dela, mas o Copérnico e o Galileu mostraram, através das mudanças ou fases de Vénus, em relação à Terra, e os seus diferentes tamanho aparente e brilho, que Vénus se movia em volta do Sol, e daí que também a Terra fazia o mesmo, que era, como aquela, um planeta, perdendo esta o seu protagonismo geocêntrico. Ou direi antes, antropocêntrico, que ainda se não descobriram outros exemplares habitacionais nas esferas do mundo, apesar dos selenitas e marcianos de que se chegou a falar, antes desta revolução tecnológica que cada vez nos tira mais do sério, na questão dos conceitos, e bem fez o Einstein em lhes chamar relativos, embora tudo isso nos deixe muito desconcertados.
Já não há certezas de nada, a não ser dos ódios que opõem os seres e dos amores que os unem momentaneamente. É certo que quando recebo e-mails com fotos das maravilhas da Terra, não só as naturais como as construídas pelo Homem, a minha gratidão a um centro criador disso, porque um centro deve haver criador disso, encrusta-se-me, suponho, no coração, que é um órgão, ao que dizem, central da vida, e aí estou eu a agradecer a esse centro criador. Por outro lado, cada ser da natureza é ele próprio criador, não só de filhos como de tantas outras coisas, e também isso é milagre que nos arrebata, se for bom, ou irrita, se for mau.
Não tinha reparado que o centro desaparecera, como explica Vasco Pulido Valente no seu artigo de 13/11, para mim o centro polarizador do melhor possível na questão política sendo os defensores do que eu própria achava justo, ainda que tivesse que pagar por isso.
Mas realmente, desde que se tentou aplainar a sociedade, segundo o falso conceito da igualdade, encontramo-nos mais perdidos e entregues às disputas e ódios e atropelos.
E retomamos Sá de Miranda, que observou como se fazia no mundo animal, o que os programas do National Geographic explicitam ainda melhor:
A cabeça os membros manda;
Seu rei seguem as abelhas.
A seu tempo o rei perdoa;
A tempo o ferro é mezinha:
Forças e condição boa
Deram ao leão coroa
De sua grei montesinha.
Às aves, tamanho bando,
Doutra liga e doutra lei,
Por vencer todas voando,
A águia foi dada por rei,
Que o Sol claro atura olhando.
Essas normas do bom convívio entre os homens são interpretadas como de carneirada, mais indisciplinados e pretensiosos aqueles do que os animais ditos irracionais. Até se falava de rebanho, no tempo de Salazar. E no entanto, não era assim. As pessoas cumpriam – melhor ou pior – mas dentro de regras que as valorizavam como seres humanos. Os excessos de liberdade, que não se praticam assim, noutros países mais cumpridores e ordeiros, conduzem uma juventude universitária, por exemplo, entre nós, a puras desvergonhas que raiam o grotesco e a infâmia e o próprio crime. E as Universidades permitem e os Governos não actuam e a justiça ignora.
Era mesmo preciso um centro.
Berta Brás
A misteriosa desaparição do centro
Vasco Pulido Valente
Público, 13/11/2015
Lamento dizer, mas não me preocupa muito a desaparição do “centro”. As forças muito bem arrumadinhas na Assembleia da República entre a esquerda e a direita são um bom retrato do que Portugal sempre foi, desde 1820 e principalmente desde a lamentada morte do Senhor D. João VI, em que a legitimidade (hoje tão discutida) se perdeu para sempre. Em França, nosso exemplo e guia, aconteceu o mesmo. Depois de 1789, esteve perpetuamente dividida em vários corrilhos que se queriam matar (e muitas vezes se mataram). O que nunca conseguiu foi criar um “consenso” sobre o que era indispensável e básico, ou seja, um regime liberal digno desse nome. Apesar de Tocqueville ou de Guizot, os franceses continuam a achar o “liberalismo” uma ideia inglesa e uma palavra porca. Tal qual como cá.
Entre 1829 e 1910, a Monarquia não passou de uma sucessão de guerras civis, insurreições, pronunciamentos, golpes de Estado ou golpes de palácio. Verdade que a partir de 1851-52 houve uma certa tranquilidade, embora descontínua e precária. A crise de 1890-1893 acabou com esse efémero intervalo de civilização. Dali em diante, o rei, os partidos do regime e o partido republicano entraram num conflito aberto que levou, como devia levar, ao assassinato do rei e à revolução. Da I República quase não vale a pena falar. Excepto para especialistas, as balbúrdias de um regime terrorista, em que um décimo de Portugal insistia em sufocar os nove décimos que sobravam, não merece nem grande atenção, nem grande interesse. No fim do “regabofe”, como lhe chamavam, veio Salazar. Os portugueses, como os franceses, não gostam de liberalismo, mas suportam bem uma boa dose de despotismo.
O partido comunista inaugurou a III República com a tentativa de transformar Portugal numa espécie de Cuba da Europa. Perdeu, mas nunca se arrependeu e não deixou ainda de intimidar a direita, que se proclama muito “social-democrata” e amiga dos pobres; por interesse, claro, e também por medo. No meio desta “hipocrisia institucional”, como dizia Sá Carneiro, o ódio persistiu e, agora, com a “austeridade” e a corrupção, voltou à superfície. Nada sairá daqui, a não ser uma tirania qualquer, com o nome ou sem ele. O Dr. Cavaco não percebeu um ponto básico: em Portugal não é o consenso que produz prosperidade; é a prosperidade que produz consenso. Se houver evidentemente quem nos dê dinheiro.