Foi algures no Sri Lanka que, ao deambular pelas cercanias duma plantação de chá, me chamaram a atenção para um certo ramo duma árvore por baixo da qual eu estivera pouco antes. Estava ali, com algumas gotas de humidade a tremeluzir, uma teia da maior aranha que eu alguma vez vi. Era seguramente do tamanho da mão de um homem se não mesmo maior. Patas, inclusivé, claro está. Até porque o corpo era relativamente pequeno quando comparado com o tamanho das patas. Mas, mais do que isso, a aranha tinha várias tonalidades de azul, direi mesmo que era bonita.
Foi já regressado a casa que procurei identifica-la. Pelas imagens que encontrei na Internet, não a reconheci mas, em compensação, fiquei a saber que no Sri Lanka há aranhas decorativas, tratadas como animais de estimação a quem os donos prodigalizam uma dieta da profusa mosquitada local.
Dá mesmo para nos perguntarmos se as ditas aranhas são de estimação porque são bonitas ou se o são como devoradoras da mosquitada. Ou por ambas as razões. Não encontrei por cá quem me esclarecesse. Talvez tenha que voltar ao Sri Lanka e fazer a pergunta localmente.
Com apenas dois terços do tamanho de Portugal, o Sri Lanka tem cerca de 21 milhões de habitantes e, ao contrário do que todos pensamos, a capital não é Colombo (700 mil hab.) mas sim um seu subúrbio chamado Kotte (130 mil hab.) que é onde se situa o Parlamento e a sede do Governo. Quero eu com isto dizer que em Portugal podemos crescer até aos 23 ou 24 milhões que o país não se afundará com tanta gente. Eles são uma ilha e não têm corrido esse perigo apesar dos tsunamis com que levam de vez em quando.
A propósito de tsunamis, o de 26 de Dezembro de 2004 embateu fortemente na costa leste e provocou enorme desgraça em Batticaloa, uma das cidades dos portugueses. Levadas pelas ondas, cerca de 100 famílias portuguesas apareceram mortas nas redondezas.
Foi então que a “nossa” AMI – Assistência Médica Internacional entrou em acção montando um hospital de campanha e prestando os socorros que a medicina sabe dispensar. A ajuda de emergência acabou por se prolongar no tempo e hoje essa presença portuguesa é um elemento fundamental para a população local. Para saber mais, ler em http://www.ami.org.pt/default.asp?id=p1p7p28p135p329&l=1
Cerca de 70% da população professa o Budismo, 15% o Hinduísmo, 8% o Cristianismo e 7% o Islamismo. Nada consta dos ateus e dos agnósticos.
(por Bernard Gagnon)
O chá, a borracha e o turismo são as principais exportações cingalesas mas a produção de arroz, elemento estrutural na alimentação da população, não é suficiente para o consumo. A Balança Comercial nacional é quase sempre negativa.
E como é que o país sobrevive importando quase tudo? Pois é evidente a resposta: à maneira de Portugal. E isso significa? Remessas dos emigrantes.
Mas se o leitor quiser saber mais coisas deste género, vá à Internet e há-de encontrar muito mais informação do que a que caberia aqui num texto que se pretende curto.
Pensando melhor, sempre junto mais uma: as grandes empresas são estatais e só em 1979 é que o Governo autorizou a implantação de Bancos estrangeiros com o objectivo de atrair o investimento externo. Portanto, todos os banqueiros portugueses que lerem este texto, fiquem sabendo que podem alargar as vossas actividades ao Sri Lanka. Não sabiam? Pois podem!
As auto-estradas são poucas e praticamente só na região de Colombo. Não têm Via Verde, o que agrava os engarrafamentos mas abre as portas à Brisa. Em compensação, as estradas normais, curvilíneas, têm um piso absolutamente impecável assim deixando os vizinhos indianos do Tamil Nadu sem a desculpa esfarrapada das monções para justificarem o desleixo em que as suas estradas estão.
Mas voltando à estrada no Sri Lanka, a densidade de tráfego e o assédio de gentes, galinhas, vacas e outros seres vivos é tão grande que não se consegue andar a muito mais que 50 kms à hora. E a Polícia multa mesmo quem ultrapasse os 60 kms/hora.
Assim, no final da viagem, metidos num engarrafamento enorme, quando nos preparávamos para dar uma volta por Colombo para vermos mais umas coisas e daí seguirmos para o aeroporto, tivemos que «fazer agulha» prescindindo dessa voltinha para não perdermos o avião.
E já que «quem canta seu mal espanta», para alívio das preocupações geradas pelo dito engarrafamento, cantarolemos à moda dos portugueses do Sri Lanka:
Anala de oru sathi padera juntu
O anel de ouro com sete pedras
Quem quera anal, avie casa minha juntu
Quem quiser o anel, venha casar-se comigo
Já foi todo partis, Ceilão per Japan
Já fui a toda a parte, do Ceilão para o Japão
Mais nunca trizé nada, for da firme coração
Mas nunca trouxe nada, excepto o fiel coração
Mas antes de entrarmos no avião, oremos como por lá se diz:
Pai nosse qui está ne céos,
Santificádo seja tua nomi,
Venho nós a tua Reyno,
Seja fêto a tua vontade,
Assi ne terra, como ne céos;
O pan nosse de cada dia nos dá ojo,
E perdová nós nosse dívidas
Assi como nós perdovamos nosse dividóris,
E nan nos desse caí em tentaçan,
Mas livra nós de mal.
Ámen.
E foi assim que, sob a égide do Altíssimo, seguimos para Goa, a dourada.
Acabara-se o tempo das luzidias fragatas e quando o último português regressava à pátria lambendo as feridas do Império liquidado, sobrevoou a antiga fortaleza de Nossa Senhora dos Milagres no Cabo de Jafanapatão e à sua frente viu o Sol pôr-se em terra por trás de Chennai e Pondicherry. Era o dia 21 de Dezembro de 1999 e às zero horas a Bandeira Portuguesa deixara de flutuar em Macau.
Lembrou-se então dos outros portugueses que por ali tinham andado vendo aquele belíssimo pôr-do-Sol nos recifes que dão para o Estreito das Pérolas que agora se chama de Palk.
Hoje, o cabo e a península de Jafanapatão regressaram ao seu nome mais antigo de Jaffna e muitas daquelas gentes já não falam português nem praticam o cristianismo; falam tamil e são um bastião hindu da ortodoxia saivita, adoradores de Shiva, ou são budistas que nesse ano de 1999 morriam às mãos dos tigres radicais. Eles, que chegaram a ser totalmente católicos, ensanguentavam-se como se nada tivessem aprendido com o passado.
E como foi possível que tanta coisa mudasse assim tão drasticamente?
Conversões em massa ao catolicismo, é bem de ver, à maneira de antigamente. Frei Paulo da Trindade refere que em 1634 havia por ali mais de 70 000 cristãos adultos e as crianças eram muitas mais a receberem a catequese nas 25 Paróquias franciscanas. Nas 17 Paróquias jesuítas andavam os demais fazendo com que Fernão de Queiroz, o grande cronista português do Ceilão, chegasse ao ponto de descrever Jaffna como “totalmente cristã”. Mas o que sucedeu então?
Então sucederam muitas coisas nessa terra a que Camões chamou de Taprobana e entretanto muitas outras mais...
... em 1543, os portugueses intervieram pela primeira vez em Jaffna quando o rei local, Sankili, sequestrou alguns mareantes portugueses que por ali haviam naufragado e logo de seguida começou a perseguir os seus súbditos de Mannar, cristãos recentemente convertidos por Francisco Xavier. Pertencentes a uma casta inferior de pescadores, tinham contudo um negócio – o da apanha de pérolas – muito cobiçado pelos comerciantes muçulmanos de Calecute que constantemente lhes roubavam as preciosas capturas. A conversão deu-lhes o estatuto de súbditos portugueses e a esperança da inerente protecção militar. Eis o que fez soar o alarme de Sankili como uma verdadeira ameaça à economia e segurança de Jaffna, com Mannar a servir de testa-de-ponte dos invasores portugueses. Foram 600 os cristãos então chacinados pelas tropas ao serviço de Sankili mas o apelo de retaliação que o Padre Francisco Xavier logo fez só teve resposta em 1558 quando Constantino de Bragança capturou Jaffna obrigando Sankili ao exílio em Trincomali.
Foi já sob a tutela dos portugueses que Sankili regressou ao poder. Contudo, isso ocorreu sem que lhe fosse reconhecida a soberania sobre a região de Mannar nem sobre a navegação e comércio no estreito de Palk, o que significava uma drástica redução nas suas antigas receitas. Imagine-se quem ficou com tais prebendas...
Jaffna acentuou deste modo a instabilidade política por que vinha passando e, à semelhança do que era habitual no resto da ilha de Ceilão, os opositores do rei foram sempre pressionando os portugueses – verdadeiros detentores do poder – para verem as suas reivindicações atendidas. E tanto esses opositores fizeram que em 1570 pusemos o nosso protegido Periyapulle no trono. Só que em 1582 o filho de Sankili, Puviraja Pandaram, derrubou Periyapulle e deu de imediato início a uma política anti-portuguesa aliando-se com o Samorim de Calecute e atacando Mannar. Só que esta expedição militar falhou e Mannar manteve-se-nos fiel. Assim fomos aguentando a situação mas em 1591 avançámos sobre Jaffna, derrubámos o rei que tanto nos incomodava e substituímo-lo por um amigo nosso, Edirmanasingham, que reinou até à morte natural em 1617. Mas o seu sucessor foi assassinado e quem subiu ao trono foi Sankili Kumaran que pediu o nosso reconhecimento. À falta de resposta, voltou-se contra nós e em 1619 tivemos que tomar Jaffna passando a assumir a governação sem mais reis, quer fantoches quer inimigos. Entretanto, na dúvida, o rei deposto e toda a família foram deportados para Goa.
Filipe de Oliveira, o comandante das tropas portuguesas, classificou os habitantes de Jaffna como “pacíficos e fracos” e um seu oficial de alta patente, Lançarote de Freitas, descreveu-os como “sossegados, calmos e sem experiência militar” pelo que qualquer rebelião só poderia ser consequência da instigação externa. Essas pressões vinham sempre da Índia e, mais concretamente, de Madras (Chennai) e de Calecute cujo domínio sobre Jaffna cessara com a nossa chegada à região.
Esta conquista abriu as portas às conversões em massa pela prática do baptismo colectivo. Segundo testemunhos da época, a chegada dos missionários às aldeias era anunciada por tan-tans, os aldeões reuniam-se e os missionários “perguntavam” se queriam rejeitar os seus falsos deuses e se queriam aceitar o “único Deus verdadeiro”. Evidentemente, estas cerimónias eram “testemunhadas” pelas tropas portuguesas.
E assim foi que por ali ficámos até Junho de 1658 quando os holandeses nos expulsaram sem que opuséssemos resistência. Mais: os portugueses que lá estavam tiveram que ser evacuados pois estavam todos doentes ou já a morrer com as febres que por ali grassavam. Hoje sabemos que era paludismo, razão mais do que suficiente para explicar o característico sossego dos habitantes de Jaffna. Afinal, eles não eram pacíficos nem sossegados nem indolentes: eram doentes.
A tradição dos reis de Jaffna de se servirem dos mercenários de Tamil Nadu terá feito com que estes se habituassem a considerar aquela região como um feudo inalienável: o mercenário transformou-se em patrão, senhor da guerra, a ponto de a guerra civil cingalesa que recentemente foi ganha pelo General Sarat Fonseka colocar a questão da secessão política da península que se afirma hindu enquanto o resto da ilha se mantém budista. E, afinal, tudo isto por causa dumas febres que assolavam os ditos indolentes.
Depois dos portugueses, os seguintes a receber a morte pela via das febres foram os holandeses a que se seguiram os ingleses mas é no dialecto português que ainda hoje em Mannar, Trincomali e Batticaloa se diz:
Avé Maria, cheya de gracia O Sinhor tem contigo Bento es tu anter as mulhers, E bento tem o froite de tua venter, Jesus.
Sante Maria, mãi de Déos, Rogá per nós pecadors, Agora en ne hora de nosse morti, Amen.
Assim se reza no «português do Sri Lanka». Sim, afinal foram aqueles frades que acompanharam os navegadores para lhes tratarem das moléstias que deixaram a palavra, aquela que ainda hoje se pronuncia tanto tempo depois de se ter calado o fragor das batalhas que por tão longínquas paragens travámos.
O ferro das armas fundiu-se; vingou a palavra da Fé e o patrono católico do Sri Lanka, canonizado há pouco pelo Papa Francisco, é o português S. José Vaz.
Mas as nossas agências de viagens dão estas «coisas» de barato e organizam as passeatas turísticas por outras paragens. Pois é: nós também não fomos a Mannar nem a Jaffna, no norte da ilha, nem a Trincomali ou a Batticaloa na costa leste. Mas é lá que se situam belas páginas da História de Portugal e vivem os «portugueses abandonados» que lá deixámos e que ainda hoje se dizem portugueses.
Sim, tudo começou por não existir e assim foi que também o Budismo começou por ser apenas uma filosofia e hoje é uma das mais importantes religiões neste mundo dos homens.
O Senhor Buda sempre afirmou ser um homem totalmente terreno, não divino. Como Cristo, nada escreveu: pensou por si próprio e ensinou os contemporâneos deixando aos discípulos a missão de escreverem os seus ensinamentos. E são estes ensinamentos que constituem a base do budismo como filosofia e que mais tarde se transformou em religião.
Santuário de Dambulla
O que distingue a filosofia budista da religião budista são a característica terrena da filosofia e o carácter divinal da religião. Assim, pode-se ser filosoficamente budista sem se ter a fé budista mas não se pode ser crente budista sem se abraçar a filosofia budista. Mas é claro que, na prática, há muita fé que existe por si própria sem a específica base filosófica. Lá, como em toda a parte, como em todas as religiões.
Não será aqui que abordarei o Budismo e a sua exegese mas posso sugerir que os interessados consultem, por exemplo, https://pt.wikipedia.org/wiki/Budismo
Um dos ensinamentos budistas que mais prezo é o da práctica da compaixão, o mesmo comportamento a que os cristãos chamam amor: a preocupação com o próximo, o desapego do egocentrismo.
Como assim?
Muito bem, passo a explicar contando uma pequena história que em tempos li sobre um monge seguidor do Dalai Lama: perguntado sobre o que é a compaixão budista, o monge pediu a quem o escutava que imaginasse entrar numa sala e ver uma flor num vaso.
- Todos pensaremos em primeiro lugar se gostamos ou não daquela flor, se ela é bonita, enfim, se de algum modo nossatisfaz. Ou seja, todos teremos raciocínios ego centristas, egoístas, no limite. Todo o nosso raciocínio habitualmente se desenvolve em torno denóspróprios, dosnossosparâmetros e interesses. Mas se ao vermos a flor naquele vaso pensarmos que ela estaria muito melhor se pudesse apanhar directamente a luz do Sol e o ar fresco, se pudesse estar entre as outras da sua espécie...Então nós abdicávamos do nosso egoísmo, do egocentrismo e focávamos o nosso raciocínio no interesse da flor. Ou seja, interessávamo-nos pelo outro e não mais apenas por nós. Esta motivação pelo bem alheio é a compaixão budista.
Este, pois, um código de conduta totalmente terreno. Mas ao longo dos séculos as multidões divinizaram Buda a quem reconhecem muitos milagres e grande intercepção com o Ser Supremo a que nós, nas outras religiões, chamamos Deus ou Alá.
Portanto, com pontos de pura bondade tão fundamentais em comum, muita razão teve o Arcebispo de Goa quando se insurgiu violentamente contra o Padre que há uns quantos séculos queria destruir o dente de Buda roubado do templo de Kangy não descansando enquanto não assegurou a devolução da relíquia à origem.
Impressionou-me o fervor que vi nos crentes a rezarem num ofício religioso a que me deixaram assistir próximo de Polonnaruwa e se eu tinha a mania de que o Budismo era apenas uma filosofia, aqui fiquei sem quaisquer dúvidas de que é mesmo uma religião. E muito importante!
Foi à porta desse templo que pela primeira vez um homem me ofereceu uma flor. Era para eu depositar na base da estátua de Buda dentro do templo, o que fiz. Será uma das que se vêem na foto sobre a mesa do altar. À saída, o fulano esperava-me para eu lhe dar uma moeda, o que também fiz.
Deixando Cochim para trás, voámos até Colombo, capital do Sri Lanka, num voo suave de pouco mais que uma hora.
E qual não foi o meu espanto quando vi ruas limpas, gente asseada, jardins públicos e mesmo faixas separadoras do trânsito ajardinadas. Ainda admiti que isto fosse para turista ver à chegada e que daí a pouco voltaria ao lixo, ao desmazelo público, à miséria. Mas não foi isso que aconteceu e o asseio manteve-se em todos os locais que visitámos durante os quatro dias que por lá andámos. E as pessoas são diferentes: dignas e não servis, orgulhosas mas não arrogantes.
Dada uma volta curta de autocarro por Colombo para ficarmos com uma ideia geral da parte baixa da cidade, almoço num hotel fronteiro ao porto marítimo cujo hall de entrada se chama «Taprobana» e eis-nos de volta à estrada a caminho de Kandy onde haveríamos de pernoitar depois de vermos o dente de Buda.
A fé não se discute, respeita-se!
Oração no Templo do Dente de Buda em Kandy
Dizem os budistas que dentro do relicário guardado no templo de Kandy se encontra o dente de Buda. E mais dizem que, no tempo dos portugueses, um Padre católico roubou o dente, o levou para Goa, o desfez num almofariz, soprou o pó e que o dente se refez miraculosamente regressando a Kandy.
Para um não budista, a viagem do dente de Buda de Kandy a Goa e regresso à origem tem outros contornos conforme li algures que já não identifico (mas que na época me inspirou confiança a ponto de recordar os traços gerais).
Assim, a relíquia terá sido efectivamente roubada do templo de Kandy por um Padre (espanhol?) que ali vivia em missão apostólica no séc. XVI (ou XVII?) transportando-o para Goa. O Arcebispo de Goa, português, terá ficado furioso com o roubo e intenção de destruição em almofariz pelo que determinadamente tomou posse da relíquia verdadeira fazendo-a substituir por um dente qualquer. Devolvendo a relíquia verdadeira ao templo budista de Kandy, fez destruir publicamente em Goa o dente substituto para que os crédulos cristãos acreditassem que assim se destruía o Budismo.
A ser verdadeira a minha versão citada de memória, os budistas podem confirmar a sua fé na relíquia que está fervorosamente guardada no templo de Kandy e nós, os não budistas, não temos nada que nos preocupar pelo facto de os budistas terem aquela relíquia como milagrosa.
Mais recentemente, os tigres tamil, ferozes independentistas do norte do Sri Lanka, fizeram explodir um carro-bomba à porta do templo de Kandy mas o relicário não foi beliscado no que foi considerado mais um milagre do Senhor Buda. Para esta salvação não tenho explicação mas felizmente a guerra civil acabou graças ao valor do General Sarat Fonseka e a vida continua...
O Papa vai presidir a 14 de Janeiro de 2015, no Sri Lanka, à cerimónia de canonização do Padre José Vaz, nascido na Goa portuguesa a 21 de Abril de 1651.
O sacerdote missionário no Sri Lanka, onde morreu a 16 de Janeiro de 1711, foi proclamado como Santo contando com os votos favoráveis da sessão ordinária da Congregação para as Causas dos Santos sem exigir um novo milagre.
A data de canonização foi decidida durante o consistório que decorreu no Vaticano, sob a presidência do Papa.
José Vaz, sacerdote da Congregação do Oratório, foi beatificado por São João Paulo II em Janeiro de 1995, também durante uma viagem ao Sri Lanka.
O futuro Santo foi recordado, na sua beatificação, como "um grande Padre missionário", tendo vivido de forma pobre numa época de perseguição aos cristãos, apesar de ter nascido numa família da casta dos brâmanes.
O sacerdote foi preso e ajudou clandestinamente as comunidades católicas, celebrando Missa de noite, para além de ter traduzido o Evangelho para as línguas tâmil e cingalês.
A comunidade católica em Goa está a dialogar com as Autoridades da Igreja no Sri Lanka sobre a possibilidade de organizar um encontro de cerca mil fiéis com o Papa.
A viagem de Francisco ao Sri Lanka vai decorrer entre os dias 13 e 15 de Janeiro de 2015, seguindo-se uma passagem de quatro dias pelas Filipinas.
No início de Outubro de 2014, o Papa recebeu no Vaticano o Presidente do Sri Lanka em audiência privada após a qual expressaram votos de que a viagem pontifícia "possa ser acolhida como sinal de proximidade à população" e como "encorajamento aos que trabalham pelo bem comum, a reconciliação, a justiça e a paz".
Acabara-se o tempo das luzidas fragatas e quando o último português regressava à pátria lambendo as feridas do Império perdido, sobrevoou a antiga fortaleza de Nossa Senhora dos Milagres no Cabo de Jafanapatão e à sua frente viu o Sol pôr-se em terra por trás de Madurai e Pondicherry.
Nesse momento lembrou-se dos outros portugueses que por ali tinham andado vendo aquele belíssimo pôr-do-Sol nos recifes que dão para o estreito que agora se chama de Palk.
Hoje, o cabo e a península de Jafanapatão regressaram ao seu nome mais antigo de Jaffna e aquelas gentes já não falam português nem praticam o cristianismo; falam tamil e são um bastião hindu da ortodoxia saivita, adoradores de Shiva, ou são budistas que morrem às mãos dos tigres radicais. Eles, que chegaram a ser totalmente católicos . . . hoje ensanguentam-se como se nada tivessem aprendido com o passado.
E como foi possível que tanta coisa mudasse assim tão drasticamente?
Conversões em massa ao catolicismo, é bem de ver, à maneira de antigamente. Frei Paulo da Trindade refere que em 1634 havia por ali mais de 70 000 cristãos adultos e as crianças eram muitas mais a receberem a catequese nas 25 Paróquias franciscanas. Nas 17 Paróquias jesuítas andavam os demais fazendo com que Fernão de Queiroz, o grande cronista português do Ceilão, chegasse ao ponto de descrever Jaffna como “totalmente cristã”. Mas o que sucedeu então?
Então sucederam muitas coisas nessa terra a que Camões chamou de Taprobana e entretanto muitas outras mais . . .
. . . em 1543, os portugueses intervieram pela primeira vez em Jaffna quando o rei local, Sankili, sequestrou alguns mareantes portugueses que por ali haviam naufragado e logo de seguida começou a perseguir os seus súbditos de Mannar, cristãos recentemente convertidos por Francisco Xavier. Pertencentes a uma casta inferior de pescadores, tinham contudo um negócio – o da apanha de pérolas – muito cobiçado pelos comerciantes muçulmanos de Calicute que constantemente lhes roubavam as preciosas capturas. A conversão deu-lhes o estatuto de súbditos portugueses e a esperança da inerente protecção militar. Eis o que fez soar o alarme de Sankili como uma verdadeira ameaça à economia e segurança de Jaffna, com Mannar a servir de testa-de-ponte dos invasores portugueses. Foram 600 os cristãos convertidos chacinados pelas tropas ao serviço de Sankili mas o apelo de retaliação que o Padre Francisco Xavier logo fez só teve resposta em 1558 quando Constantino de Bragança capturou Jaffna obrigando Sankili ao exílio em Trincomali.
Foi já sob a tutela dos portugueses que Sankili regressou ao poder. Contudo, isso ocorreu sem que lhe fosse reconhecida a soberania sobre a região de Mannar nem sobre a navegação e comércio no estreito de Palk, o que significava uma drástica redução nas suas antigas receitas. Imagine-se quem ficou com tais prebendas . . .
Jaffna acentuou deste modo a instabilidade política por que vinha passando e, à semelhança do que era habitual no resto da ilha de Ceilão, os opositores do rei foram sempre pressionando os portugueses – verdadeiros detentores do poder – para verem as suas reivindicações atendidas. E tanto esses opositores fizeram que em 1570 pusemos o nosso protegido Periyapulle no trono. Só que em 1582 o filho de Sankili, Puviraja Pandaram, derrubou Periyapulle e deu de imediato início a uma política anti-portuguesa aliando-se com o Samorim de Calicute e atacando Mannar. Só que esta expedição militar falhou e Mannar manteve-se-nos fiel. Assim fomos aguentando a situação mas em 1591 avançámos sobre Jaffna, derrubámos o rei que tanto nos incomodava e substituímo-lo por um amigo nosso, Edirmanasingham, que reinou até à morte natural em 1617. Mas o seu sucessor foi assassinado e quem subiu ao trono foi Sankili Kumaran que pediu o nosso reconhecimento. À falta de resposta, voltou-se contra nós e em 1619 tivemos que tomar Jaffna passando a assumir a governação sem mais reis, quer fantoches quer inimigos. Entretanto, na dúvida, o rei deposto e toda a família foram deportados para Goa.
Filipe de Oliveira, o comandante das tropas portuguesas, classificou os habitantes de Jaffna como “pacíficos e fracos” e um seu oficial de alta patente, Lançarote de Freitas, descreveu-os como “sossegados, calmos e sem experiência militar” pelo que qualquer rebelião só poderia ser consequência da instigação externa. Essas pressões vinham sempre da Índia e, mais concretamente, de Tamil Nadu e de Kerala cujo domínio sobre Jaffna cessara com a nossa chegada à região.
Esta conquista abriu as portas às conversões em massa pela prática do baptismo colectivo. Segundo testemunhos da época, a chegada dos missionários às aldeias era anunciada por tan-tans, os aldeões reuniam-se e os missionários “perguntavam” se queriam rejeitar os seus falsos deuses e se queriam aceitar o “único Deus verdadeiro”. Evidentemente, estas cerimónias eram testemunhadas pelas tropas portuguesas . . .
E assim foi que por ali ficámos até Junho de 1658 quando os holandeses nos expulsaram sem que opuséssemos resistência. Mais: os portugueses que lá estavam tiveram que ser evacuados pois estavam todos doentes ou já a morrer com as febres que por ali grassavam. Hoje sabemos que era paludismo, razão mais do que suficiente para explicar o característico sossego dos habitantes de Jaffna. Afinal, eles não eram pacíficos nem sossegados nem indolentes: eram doentes.
A tradição dos reis de Jaffna de se servirem dos mercenários de Tamil Nadu, terá feito com que estes se habituassem a considerar aquela região como um feudo inalienável: o mercenário transformou-se em patrão, senhor da guerra, a ponto de hoje a guerra civil cingalesa colocar a questão da secessão política da península que se afirma hindu enquanto o resto da ilha se mantém budista. E, afinal, tudo isto por causa dumas febres que assolavam os ditos indolentes . . .
Depois dos portugueses, os seguintes a receber a morte pela via das febres foram os holandeses a que se seguiram os ingleses mas é no dialecto português que ainda hoje em Mannar, Trincomali e Batticaloa se diz:
«Ave Maria, cheya de gracia o Sinhor tem contigo bento es tu anter as mulhers, e bento tem o froite de tua venter, Jesus.
Sante Maria, mãi de Déos, rogá per nós pecadors, agora en ne hora de nosse morti, Amen.»
Afinal, foram aqueles frades que acompanharam os navegadores para lhes tratarem das moléstias que deixaram a palavra, aquela que ainda hoje se pronuncia tanto tempo depois de se ter calado o fragor das batalhas que por tão longínquas paragens travámos.
Estes, afinal, alguns dos portugueses que abandonámos por esse mundo fora e que tardamos a resgatar do nosso esquecimento. O ferro das armas fundiu-se; vingou a palavra da Fé.
Lisboa, 16 de Abril de 2006
Henrique Salles da Fonseca
BIBLIOGRAFIA
v“Jaffna under the Portuguese”, Prof. Tikiri Abeyasinghe, Departamento de História Moderna da Universidade de Colombo, Sri Lanka, 1986
Título original: "DE CHAUL A BATTICALOA - As marcas do Império marítimo português na Índia e no Sri Lanka"
Autor: K. David Jackson (americano)
Editor: MAR DE LETRAS EDITORA
1ª edição: Novembro de 2005
Dos heróis que cantaste, que restou
Senão a melodia do teu canto?
As armas em ferrugem se desfazem,
Os barões nos jazigos nada dizem.
(Carlos Drummond de Andrade, in "A Paixão Medida")
Escritos em caracteres tamil
Por quem mal sabe a língua em que soavam . . .
Estes versos emergem com uma tranquilidade
Terrível de língua morta a desfazer-se
E cujos ossos restam dispersos num e de um rimance
Cantado há quatro séculos numa terra alheia.
Distâncias de oceanos os conduziram como hábito
De serões e vigílias. Solidões do longe
Os ensinaram a quem partilhou tédios e saudades . . .
Ficaram nas memórias teimosas de abandonada gente . . .
Presa por um fio a um país esquecido . . .
Não os ouve nada nem ninguém.
(Jorge de Sena)
Eis a sina dos "portugueses abandonados" cantada por dois poetas da Lusofonia. Extractos que retive: Depois de 500 anos, a presença portuguesa na Ásia é mais visível, paradoxalmente, através de uma ausência sensível: nas ruínas das cidades e fortalezas costeiras que transformaram a história em arqueologia. Tal é a fortuna da cidade-fortaleza de Chaul, na costa ocidental da Índia, porto de grande antiguidade que no século XVI foi uma das praças portuguesas mais importantes, muito antes de Bombaim existir. Em estado de ruína desde o século XVIII, Chaul representa um grande número de fortalezas, monumentos, construções e inscrições que testemunham a ausência sensível desse império marítimo português. De Damão, transcrevo apenas dois versos duma cantiga actual:
Papegaai ne gaiola,
batté azas quer curre,
Menina ne janela,
batté peto quer morre
Batticaloa é a mais rica fonte de português no Ceilão. Nada menos que trezentas famílias ainda falam português. A União Católica "Burgher" reúne estas pessoas que falam português na Reunião Geral Anual dessa União mas as minutas são escritas em inglês porque não sabem escrever em português. Mas têm muito orgulho na sua cultura e estão interessados em preservar a sua língua. Do folclore português do Sri Lanka, basta transcrever duas pequenas peças para se ver o que ainda temos que fazer no apoio a estes "portugueses abandonados" para que mantenham a sua cultura e retomem o contacto com o país que invocam como seu, Portugal:
Anala de oru sathi padera juntu
Quem quera anal avie casa minha juntu
(O anel de ouro com sete pedras
Quem quiser o anel, venha casar-se comigo)
Jafoi todo partis, Ceilão per Japan
Mais nunca trizé nada, for da firme coração
(Já fui a toda a parte, do Ceilão para o Japão
Mas nunca trouxe nada, excepto o fiel coração)
Onde se localiza o Instituto Camõesnaquelas paragens?