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A bem da Nação

OS EFEITOS DE GASPAR


 

A prestação de Vítor Gaspar é bastante boa quando comparada com Sousa Franco, Ferreira Leite ou Teixeira dos Santos
 
Na enorme confusão (...), uma coisa parece ser certa: Vítor Gaspar acabou o seu serviço como ministro das Finanças. Nos últimos tempos, ele foi um ministro impopular, mas em Portugal passa-se rapidamente de besta a bestial. Com a distância do tempo, não faltam pessoas que já foram odiadas mas são hoje veneradas.
 
CAPACIDADE-NECESSIDADE LÍQUIDA DE FINANCIAMENTO
 

 
O ministro das Finanças é, acima de tudo, responsável pelas contas do Estado. Por isso, o melhor indicador do seu desempenho é talvez o défice público primário, excluindo juros. Em 2011, o Estado gastou 0,4% do PIB mais do que aquilo que recebeu; em 2012 o défice foi 2%. Estes valores estão longe ser brilhantes, mas uma avaliação tem de ter um ponto de referência. Em relação ao equilíbrio de que Portugal precisa, e ao que estava previsto nos acordos com a troika, o défice público foi muito alto nos últimos dois anos. Já em relação aos dois anteriores (défices de 7,3% e 7% em 2009 e 2010), as melhorias são significativas. Para além disso, Portugal está em recessão, e nestas alturas é natural e salutar que os défices aumentem. Olhando antes para o défice estrutural, que remove os efeitos do ciclo económico, a prestação de Gaspar é mesmo bastante boa quando comparada com Sousa Franco, Ferreira Leite ou Teixeira dos Santos.
 
A fonte dos nossos problemas orçamentais é o crescimento imparável da despesa pública. Cavaco Silva bem falou do "monstro" em 2000, mas nos dez anos seguintes a despesa e os impostos que a suportam continuaram a crescer. Há dois anos muitos diziam que em democracia era impossível baixar a despesa pública. Vítor Gaspar fez o impossível. Em 2011 e 2012, a despesa pública do Estado caiu, quer em euros quer em percentagem do PIB, e caiu mais do que alguma vez nas últimas três décadas.
 
Saindo do perímetro orçamental, podemos olhar para indicadores mais abrangentes que por um lado são mais importantes para o país mas por outro estão bem longe do controlo do ministro das Finanças. Num dos lados da balança a taxa de juro da dívida pública a dez anos desceu 4,6% entre a tomada de posse de Vítor Gaspar e a sua renúncia, e Portugal voltou a conseguir financiamento privado. No outro lado, o desemprego subiu uns assustadores 5,6%, ainda mais do que nos dois anos anteriores (3%).
 
Uma comparação final é talvez a mais reveladora. Ernâni Lopes é hoje um dos mais elogiados ex-ministros das Finanças da nossa democracia. Esteve no poder quase exatamente o mesmo tempo que Vítor Gaspar, numa altura em que Portugal também tinha um empréstimo do FMI. Em relação a 1983-1985, o desemprego subiu muito mais entre 2011 e 2013, mas desta vez não tivemos a enorme inflação dessa altura. O empobrecimento real das famílias é semelhante; a descida no défice também. Mas, ao contrário de Lopes, suspeito que Gaspar não vai ter a sorte de nos próximos anos ver o país dar um salto em frente: agora, os ventos da Europa não empurram o barco, atrasam o progresso. Daqui a 25 anos veremos como nos lembramos de Vítor Gaspar.
 
06/07/2013
 
Ricardo Reis
Professor de Economia na Universidade de Columbia, Nova Iorque

A TROIKA É AGIOTA?

 

 

 

Mais de metade do nosso défice público vai para pagar juros? Sim. A Polónia não paga cerca de metade do que nós pagamos em juros em percentagem do PIB? Sim. Se pagássemos menos juros, podíamos cancelar todos os aumentos de impostos dos últimos dois anos? Provavelmente. Logo, a taxa de juro que os "amigos" da troika nos cobram é abusiva e um fardo pesado sobre o nosso orçamento? Nem pensar.

 

Os juros que pagamos são o produto da taxa de juro vezes a dívida que temos. A Polónia vai pagar aproximadamente a mesma taxa de juro do que nós em 2012, cerca de 4,1%. Só que a dívida deles é metade da nossa.

 

O nosso problema não é a taxa, que até está abaixo da média em democracia antes de entrarmos no euro. O problema está na dívida que é enorme. O grande obstáculo orçamental não está nos termos do acordo com a troika, está antes nos défices que acumulámos durante anos a fio. Se o dinheiro vai hoje para pagar juros e não sobra para pagar pensões e salários, não é por causa da taxa de juro, mas das pensões e salários a mais que pagámos no passado.

 

Para além disso, a taxa de juro que pagamos à troika são só cerca de 3,2%. Os credores privados é que cobram muito mais, resultando numa média de 4,1%. A troika é o nosso credor mais generoso.

 

O ataque aos juros não pára aqui. Então, se a França está a pedir emprestado a uma taxa de 2,1%, e a Alemanha a 1,4%, não estão a lucrar à nossa custa? Porque é que os alemães não pedem dinheiro emprestado a 1,4% e o emprestam aos portugueses a uns 2%, ficando todos mais ricos? Não, não, não.

 

A Alemanha já faz isto, todos os meses. Criou-se uma agência, o EFSF, que pede emprestado para poder emprestar aos portugueses. Crucialmente, ela faz isto em nome dos alemães, franceses e outros europeus, e com o seu explícito aval e garantia. Qual é a taxa de juro que os mercados cobram ao EFSF? 3,2%, precisamente o mesmo que o EFSF nos cobra a nós. Ninguém na Europa está a lucrar à custa do empréstimo a Portugal.

 

Então, porque é que a taxa cobrada ao EFSF é maior do que a cobrada à Alemanha? Essencialmente por duas razões. Primeiro, porque o EFSF pede emprestado não só em nome da Alemanha, mas também da Bélgica, de Itália ou de Espanha. Espanha neste momento paga 5,3% de taxa de juro pelos seus empréstimos e Itália 4,6%. A taxa de juro de 3,2% é a taxa europeia e é a Europa, não a Alemanha, quem nos empresta fundos através da troika. Segundo, porque quando eu empresto dinheiro à Alemanha, sei com o que conto. Já a política europeia tem sido tão inconstante que o que é hoje verdade sobre o EFSF pode mudar amanhã.

 

Se nem a troika nem os países são os agiotas, os culpados devem ser os bancos. Então o BCE não empresta a 0,75% aos bancos? Porque é que eles não emprestam a Portugal a essa taxa? Se tivéssemos um banco central que pudesse imprimir escudos, como Inglaterra tem hoje, não teríamos juros mais baixos? Não, disparate outra vez. Mas a explicação fica para a próxima semana.

 

 Ricardo Reis

Professor de Economia na Universidade de Columbia, Nova Iorque

 

Dinheiro Vivo, 01/12/2012

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