Permitam-me que comece por relatar uma experiência muito pessoal e muito preciosa: como sabem, é comum em lares cristãos que a criança seja introduzida à ideia de Deus com uma palavra: JESUS. Antes de saber quem é o Pai e o Espírito Santo, a criança sabe quem é Jesus e sabe que a Cruz vem ligada a Ele. Deu-se o mesmo comigo. A minha santa mãe falava-me de Jesus e sempre que via um crucifixo, levava-me a beijá-lo. O homem na cruz tinha de ter uma mãe, o ente mais próximo à criança. E assim, a segunda imagem ligada aos céus que ficou gravada na minha mente foi a imagem de Maria. Só que as nossas mães não costumam chamar Maria à Mãe de Jesus; dizem Nossa Senhora. Portanto, para mim, o nome da Mãe de Jesus era, simplesmente, Nossa Senhora. Ora, a minha mãe era devotíssima da Senhora de Fátima; por conseguinte, no meu entendimento infantil, fiquei por alguns anos na convicção de que Fátima era o apelido de Nossa Senhora: Nossa Senhora... de Fátima!
Foi, portanto, muito especial o relacionamento que tive com a Senhora de Fátima, já desde pequenino! E hoje, o meu coração transborda de alegria por me encontrar neste espaço bendito, a prestar pessoalmente a minha homenagem à Virgem Santíssima neste seu Santuário predilecto que, dia após dia, acolhe peregrinos, vindos de perto e de longe.
Queridos irmãos e irmãs, convosco sou também peregrino, vindo da Índia longínqua, mais especificamente daquele que foi, até meados do século XX, o Estado da Índia Portuguesa, quero dizer, Goa, Damão, Diu, Dadrá e Nagar Haveli. Hoje em dia, estes territórios estão dispersos pela vasta Índia e são constituídos por distritos administrativos separados, mas que continuam eclesiasticamente unidos sob uma só Diocese, a Arquidiocese de Goa e Damão.
Agradeço, muito cativado, o amabilíssimo convite que me foi dirigido por Sua Exª Reverendíssima o Bispo de Leiria-Fátima, o Senhor D. António Marto, para presidir às celebrações deste dia festivo aqui em Fátima. Este vosso convite deu-me imensa alegria, porque me proporcionou a rara oportunidade de vir até cá juntar-me a vós a cantar os louvores da Santíssima Trindade, guiados afectuosamente pela nossa Mãe Santíssima. Muito obrigado!
Saúdo de uma forma especial, in absentia, S.ª Ex.ª Reverendíssima o Patriarca de Lisboa, o Senhor D. Manuel Clemente, que é também o Presidente da Ilustríssima Conferência Episcopal Portuguesa. Uma saudação amiga aos meus queridos Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio – em especial ao Reverendíssimo Padre Carlos Cabecinhas, Reitor deste Santuário – Religiosos e Religiosas, fiéis comprometidos e ainda membros de outras confissões e crenças, aqui presentes, bem como a todos quantos nos estão unidos através da televisão e de outros meios de comunicação social.
Estamos no Santuário da nossa Mãe dos Céus. Somos seus filhos. E o Evangelho de hoje fala-nos de uma celebração de família, de uma festa de núpcias para a qual estão convidados Jesus e sua Mãe. Maria, como sempre, cheia de graça e caridade, está atenta à mais simples necessidade do próximo e sempre pronta a ajudar. Quando se apercebe que a família que os tinha convidado já não tinha vinho para servir e sabendo que tal situação expunha a pobre gente a um sério embaraço, ela, quase instintivamente, volve-se para Jesus. E apesar de o seu Filho manifestar total alheamento e parecer mesmo recusar o seu pedido de ajuda em prol da família angustiada, ela diz aos serventes: “Fazei tudo o que Ele disser.”
Caros amigos: a mensagem que Maria tem para nós, hoje... e sempre, é a mesma: “Fazei tudo o que Ele vos disser; obedecei-Lhe em tudo e sereis satisfeitos, até à abundância”.
O que é que Jesus nos diz para fazermos? O que é que Ele nos pede? Na primeira leitura, temos São Pedro fazendo a sua primeira pregação, no dia do Pentecostes. A mensagem principal de Pedro é a mesma da primeira pregação de Jesus, feita no início da sua vida pública: “Arrependei-vos!”… “Arrependei-vos!”.
Toda a família humana é convidada a esse encontro salvífico com Cristo. Para encontrar Cristo nas nossas vidas, para sermos banhados pela Sua luz, precisamos de nos arrepender dos nossos pecados, de rejeitar a Satanás e de abraçar a salvação; de rejeitar a morte e de abraçar a Vida, de ressuscitar! Aliás, este é o tema adoptado pelo Santuário durante todo este mês dedicado a Maria: “Arrependei-vos, porque Deus está perto”.
A segunda mensagem de Pedro é: “Sede baptizados”. O baptismo é o portal da salvação, o sacramento que nos torna filhos de Deus e irmãos de Jesus. E vem logo a terceira mensagem. Pedro promete: “Recebereis o dom do Espírito”. Na verdade, queridos irmãos e irmãs, não podemos viver a vida de Cristo sem recebermos o dom do Espírito. Qual é, então, a função do Espírito Santo nas nossas vidas?
Na segunda leitura de hoje, o Apóstolo João recorda-nos que aquele que recebeu o Espírito passou da morte para a vida. O Espírito, portanto, dá vida e livra-nos da morte do pecado!
Quando alguém ouve o chamamento de Cristo, converte-se a Ele, pede o baptismo e finalmente recebe o dom do Espírito Santo; nasce uma nova criação, nasce – ou renasce – um Cristão. A nova vida que ele recebe tem de ser nutrida, fortalecida. Esta missão cabe fundamentalmente à família. É na família que o compromisso da fé é energizado e encorajado – não há melhor lugar para que isso aconteça – porque a família é a base da sociedade e o lugar onde as pessoas aprendem, pela primeira vez, os valores que as guiam durante toda vida.
Por outro lado, no entanto, a instituição familiar, como sabemos, está em grande crise. As rápidas e profundas transformações a que estamos assistindo na sociedade vão provocando um certo enfraquecimento ou mesmo abandono da fé na santidade do matrimónio, pondo em causa o próprio conceito de família.
Consciente de que esta instituição básica da sociedade constitui um dos bens mais preciosos da humanidade, a Igreja está activamente envolvida na promoção dos valores perenes de família e procura ajudar os fiéis a descobrir a beleza e a grandeza do chamamento da família para o amor e para o serviço da vida.
Um sinal eloquente deste profundo interesse da Igreja pela família é a celebração que está a decorrer nestes dias em Roma, da Assembleia-Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, que Sua Santidade, o Papa Francisco, convocou. Bispos escolhidos de todas as partes do mundo, entre os quais o nosso Patriarca de Lisboa, estão a debruçar-se sobre a problemática pastoral da família, especialmente no contexto da evangelização. E a Igreja espalhada pelo mundo está a rezar por eles.
Acho, portanto, oportuno fazermos uma breve reflexão sobre a missão da família Cristã no mundo de hoje, nomeadamente, a missão de viver, de revelar e de comunicar o Amor de Deus na sociedade humana.
Em primeiro lugar, a tarefa principal da família Cristã é a de viver em comunhão num constante empenho por fazer crescer o amor: o amor entre o homem e a mulher e também entre os membros da família: entre pais e filhos, irmãos e irmãs, parentes e familiares. Mais fundamentalmente, a família está ao serviço da vida. Vimos na primeira leitura como é necessário recebermos o dom do Espírito para esse fim, porque sem Ele somos estéreis. Com Ele tornamo-nos fecundos e revelamos ao mundo a comunhão do amor, baseada no respeito pela vida e pela dignidade humana, que nos é doado pelo facto de termos sido criados à imagem de Deus. O casal Cristão, portanto, coopera na missão divina de dar e de proteger a vida e assim promove uma cultura da vida, colocando-se na contracorrente das actuais culturas da morte.
Em segundo lugar, a família tem uma certa ligação orgânica com a sociedade pois os cidadãos saem, com efeito, da família e nela encontram a primeira escola daquelas virtudes humanas e sociais que irão definir o seu contributo para o desenvolvimento da mesma sociedade. A família Cristã, portanto, colabora de um modo muito profundo na construção do mundo, transmitindo aqueles valores e virtudes que lhe são tão próprios.
Em terceiro lugar, como igreja doméstica, a família Cristã participa profundamente na vida e na missão da Igreja. Como uma comunidade crente e evangelizadora, a família permanece em religiosa escuta da Palavra de Deus e, ao mesmo tempo, proclama-a com firme confiança através dos acontecimentos diários e dos problemas, dificuldades e alegrias que eles contêm. Esta missão apostólica da família tem as suas raízes no baptismo e recebe da graça sacramental do matrimónio uma nova força para transmitir a fé, para santificar e transformar a sociedade. São Paulo, na sua epístola aos Gálatas, diz que “um pouco de fermento leveda toda a massa” (Gal 5:9). Basta a família Cristã ser ‘um pouco de fermento’ para ser um sinal luminoso da presença de Cristo e do Seu amor aqui na terra!
Que Nossa Senhora de Fátima obtenha de Deus abundantes bênçãos para as nossas famílias e as torne fontes de vida, de concórdia e de uma fé sólida, alimentada pelo Evangelho. Três anos somente nos separam do Centenário das Aparições. Enquanto Portugal se prepara para este Grande Jubileu, peçamos à Virgem que abençoe esta grande nação, que tão importante papel exerceu na expansão da Boa-Nova, tanto no Oriente, de onde venho, como no Brasil. Grato pela fé que recebi devido a este povo, formulo sinceros votos para que esta nação, que um dos Papas apelidou de “cristianíssima”, continue a dar ao mundo um corajoso testemunho dos valores do Evangelho, sempre guiado pelo materno carinho da sua Celeste Padroeira.
D. Filipe Néri Ferrão
Arcebispo de Goa e Damão, Patriarca das Índias Orientais, Primaz da Índia
O grupo musical Keroncong Tugu actua em Díli durante a Cimeira da CPLP em Julho de 2014.
Não faltará quem pergunte de quem se trata. Pois bem, são dos tais que não sabem uma palavra de português e não têm já um único gene português mas que se dizem portugueses. Vivem nos arredores de Jakarta num bairro chamado Tugu (eu brinco dizendo que são os tugas lá do sítio) e descendem dos portugueses e seus escravos forros que há séculos por ali andaram.
Para já, tudo o que querem é um professor de português. Não tendo agora nós, Portugal, as finanças públicas em condições de satisfazermos esse pedido, sugeri-lhes que o pedissem ao Governo de Timor Leste durante uma das récitas que darão em Díli. E como dos tímidos não reza a História, enviei-lhes um escrito para o chefe do grupo, o meu amigo facebookiano Guido Quiko, ler aos microfones: «Os residentes no bairro Tugu, em Jakarta, pedem ao Governo de Timor Leste que lhes envie um professor de português». Vamos ver como ele se safa na leitura e na satisfação do pedido.
Mas é no livro “OS FILHOS ESQUECIDOS DO IMPÉRIO”, pág. 158 e seg., que o Joaquim Magalhães de Castro nos relata o que é este «fado» e quem são os seus intérpretes:
«(…) o kaparinyo, canção inicialmente popularizada na costa oeste de Samatra e posteriormente divulgada em todo o arquipélago (…) provém do lagu cafrinyo, tema de origem portuguesa ainda hoje cantado no bairro dos luso-descendentes de Tugu, nos subúrbios de Jacarta e que se insere num estilo musical denominado kroncong (…) caracterizado principalmente por um estilo vocal em que se canta de uma maneira sentimental em que são utilizadas harmonias europeias.
Na sua forma original, os tempos e contratempos do kroncong eram tocados em viola apropriada, com corpo de madeira ou casca de coco, hoje praticamente obsoleta. (…) Actualmente, os agrupamentos que mantêm vivo esse estilo musical substituíram as biolas kroncong pelos cavaquinhos e bandolins eléctricos podendo eventualmente integrar o violino, a flauta e vários tipos de percussões.
Mestiços e escravos africanos, indianos e malaios com carta de alforria, os denominados mardijkers ou “portugueses negros”, como também eram conhecidos, foram os primeiros intérpretes deste género musical que, de certa maneira, podemos associar ao fado. Durante o domínio holandês, essa gente entretanto classificada como portugi logrou obter um pedaço de terra fundando a colónia de Tugu, ainda hoje existente. Distingue-os o crioulo e o kroncong cujos intérpretes, em Java e no Sul de Samatra, são conhecidos como tanjidores.»
E como as modernices o permitem, aqui vai a ligação ao anúncio que o meu amigo Guido Quiko faz da ida a Díli, à Cimeira da CPLP:
Os bayingyis são os lusodescendentes da Birmânia que, tendo alguns traços fisionómicos caucasianos, são maioritariamente católicos. Descendem dos soldados, comerciantes, marinheiros e aventureiros portugueses que por ali deambularam e fixaram a partir do séc. XVI e que até meados do séc. XIX falavam um crioulo de português que chegou a ter grande importância naquela região do globo, desde o Sri Lanka até ao Golfo de Bengala passando por toda a costa indiana do Coromandel. Não há hoje quem o fale e apenas se mantêm nomes e religião. E mesmo os nomes vão desaparecendo sempre que uma bayingyi casa com um birmanês.
O Vaticano também não ajudou a nossa causa pois sempre substituiu os Padres portugueses por franceses em todo o sul da Ásia. Mas a partir de 1954, com a nomeação de John Joseph U Win, os Arcebispos de Mandalay passaram a ser bayingyis, ou seja, deixaram de ser franceses europeus oriundos da Sociedade para as Missões Estrangeiras de Paris (M.E.P.) e passaram a ser «portugueses» do Oriente. Não falam uma palavra de português, já poucos ou nenhuns genes portugueses devem ter mas dizem-se portugueses.
O que poderemos nós fazer para a retoma de contacto com estes portugueses abandonados se nem um Arcebispo tem acesso à Internet sob o actual regime militar em Mianmar?
Aceitam-se sugestões.
Lisboa, Julho de 2014
Henrique Salles da Fonseca
FONTE: «OS FILHOS ESQUECIDOS DO IMPÉRIO», Joaquim Magalhães de Castro, ed. Parsifal, 1ª edição, Junho de 2014
Filipe de Brito e Nicote nasceu em Lisboa cerca de 1566 e morreu em 1613 na Birmânia onde chegou a ser Rei com o nome de Nga Zingar.
Filho do francês Jules de Nicot (naturalizado português como Júlio de Nicote) e de Marquesa de Brito ("Marquesa" sendo aqui apenas um nome e não um título de nobreza), Filipe era fidalgo da Casa Real de Filipe II de Portugal. Cavaleiro da Ordem de Cristo, serviu na Índia e, na Birmânia, na conquista dos Reinos do Pegu e da Fortaleza de Sirião que reconstruiu, defendeu e sustentou.
Já na Birmânia pelos anos de 1590, dedicou-se ao comércio do sal na ilha de Sundiva mas passou de seguida ao serviço do rei de Arracão nas lutas pela defesa da capital, Pegu, contra as investidas dos siameses (tailandeses, actualmente).
Desejando o Rei, em 1599, mostrar a sua gratidão aos portugueses Salvador Ribeiro de Sousa e Filipe de Brito e Nicote que o tinham assistido, deu-lhes o porto de Sirião para "receber dobaixo da sua protecção os fugitivos que tivessem vontade de voltar."
Filipe de Brito convenceu o Rei a construir uma Casa de Alfândega para aumentar os seus rendimentos no comércio de Pegu. O seu intento era que, levantada a feitoria, se levantassem os portugueses com ela e, «melhorando-se de Fortaleza», a partir dali conquistassem mais terras. Mas estava tal ideia bem longe da astúcia do Rei e acabada a obra entregou-a a um vassalo seu chamado Banhadala.
Banhadala, suspeitando das intenções de Nicote, fortificou o lugar e não permitiu que nenhum português pudesse entrar. Nicote, "vendo que não o segundava a esperança conforme à sua imaginação, quiz executá-la antes que, crescidas as fortificações, lhe impossibilitasse mais a Empresa”. Assim, com os capitães João de Oliva, Paulo do Rego e Salvador Ribeiro de Sousa bem como com mais cinquenta portugueses, fizeram um ataque súbito ao forte. Vitoriosos, “alcançaram o nome de Fundadores do Domínio Português naquele Reino."
Salvador Ribeiro de Sousa também obteve uma vitória sobre o Rei Massinga na província de Camelão, na qual “o Rei foi morto e grande dano feito ao seu país, tanto por terra como por mar”. Devido a essas vitórias, a reputação dos portugueses foi tão grande junto da gente do Pegu que rapidamente quis ser empregada por eles, até que dentro de um tempo curto puderam receber os serviços de 20 mil naturais. Esses, em consideração ao êxito alcançado por Filipe de Brito e Nicote e o seu bom temperamento (por causa do qual eles o chamaram "Changá", ou "Homem Bom "), proclamaram-no Rei. Como ele estava ainda ausente, Salvador Ribeiro de Sousa aceitou a coroa em seu nome. Mas logo que voltou, Nicote recebeu o reino. Corria o ano de 1600.
Nicote parece que teve muito sucesso com o Vice-rei da Índia que o casou com sua filha, Luísa de Saldanha, que tinha nascido em Goa de uma mulher javanesa. Também lhe concede os títulos de "Comandante de Siriam” e de “General das Conquistas do Pegu". Nicote voltou então a Siriam com reforços e seis navios. Chegado a Siriam, refez o forte, construiu uma igreja e enviou um presente rico ao Rei de Arracão que tinha enviado uma delegação para o cumprimentar. Emitiu então ordens quanto à Casa da Alfândega conforme as instruções que tinha recebido em Goa directamente do Vice-rei: todos os navios que comerciavam na costa de Pegu devendo fazer as suas entradas lá. Como certos navios da costa de Coromandel recusaram obedecer a essas ordens, Nicote enviou seis navios para forçar a obediência, o que foi realizado com eficiência. Além disso, foram capturados dois barcos de Asseh com rica carga a bordo.
Anaukpetlun, filho do Rei d Alta Birmânia, lançou ua invasão da Baixa Birmânia apoderando-se de Prome em 1607. Em 1610 sitiou a cidade de Taungû que estava então nas mãos de Filipe de Brito e Nicote mas de que só se conseguiu apoderar em Setembro de 1613. Consumada a conquista, fez empalar Brito e escravizar os sobreviventes portugueses e euro-asiáticos (chamados bayingyi) que foram transferidos para duas aldeias perto de Shwebo onde ficaram a formar um corpo hereditário de artilheiros ao serviço dos reis da Birmânia. Ainda hoje, os bayingyi continuam a viver à volta do vale do rio Mu.
Eis como um português foi Rei da Birmânia entre c. 1600 e 1613 e ainda hoje por lá existem «portugueses abandonados» que bem poderíamos tentar contactar.
Há uns quantos – muitos – anos, ainda o nosso querido amigo, hoje embaixador, António Pinto da França, estava longe de ir como cônsul de Portugal para a Indonésia, em Luanda, um jornalista cujo nome esqueci já, contou-me uma história, que sempre supus autêntica, sobre uma aventura por ele vivida.
Estávamos no meio da II Guerra Mundial. Os japoneses haviam invadido Timor, e os soldados portugueses que ali estavam juntaram-se às tropas australianas. Discretamente, como tudo que Salazar fazia, mandou-se de Portugal um navio, um “steamer ship”, a carvão, levar mais um contingente de tropas para aquela longínqua colónia, aliás para a Austrália. A acompanhar esse contingente, e para relatar a viagem, um jovem jornalista, esse que bem mais tarde conheci em Angola.
O navio, não tinha capacidade para fazer a viagem directa até ao destino. Tinha que ir parando pelo caminho para se abastecer de alimentos e sobretudo de combustível, carvão.
Com a guerra em plena força, as esquadras japonesas e americanas no Pacífico, encontrar carvão era um problema grave.
Pelo rádio ia-se tomando conhecimento que em tal porto ainda havia carvão, mas ao ali chegarem eram informados que tinham acabado de passar os navios de um dos beligerantes e rapado tudo. O navio português começava a ver que seria difícil chegar ao destino, andando “de Herodes para Pilatos”. Navegaram por vários portos e o problema ficava cada dia mais complicado.
Uma das paragens foi em Batávia, Jacarta, onde o jornalista teve oportunidade de descer em terra. Quando souberam que ele era português, foi rodeado de simpatia, e uma das coisas que lhe quiseram logo mostrar é o que escreve mais tarde o embaixador Pinto da França no seu livro, primeiramente editado em inglês em 1970, “Portuguese Influence in Indonésia”;
“No mesmo Museu (Arquivo Nacional de Jacarta), levaram-me a uma arrecadação para me mostrarem o famoso canhão português, conhecido por "Si Djagur", que foi transferido para Batávia pelos holandeses, após a queda de Malaca (para os ingleses, em 1825). É realmente enorme e muito bonito. Tendo a culatra a forma invulgar dum punho fechado, para os indonésios símbolo de relações sexuais — tem em Java a reputação de ser uma fonte de fertilidade. Por muitas gerações as mulheres estéreis vinham, de perto ou de muito longe, trazer flores a "Si Djagur", nome dado pelos javaneses ao canhão. Depois, sentavam-se no canhão, acreditando que assim se tornariam férteis. Alguns anos após a independência, no empenho de combater a superstição, o governo ordenou que o canhão fosse transferido da entrada para um armazém do Museu Nacional. De nada serviu. Numerosos grupos de mulheres juntavam-se diariamente à porta do Museu, protestando, pedindo com grande alarido que lhes franqueassem o armazém e as deixassem sentar-se sobre o canhão. Como esta crença parecesse haver esmorecido, o canhão saiu posteriormente da arrecadação onde estivera escondido e passou a estar exposto à entrada do museu de Kota, no centro histórico de Jacarta. Porém, segundo me dizem, as mulheres estéreis voltaram a visitá-lo para lhe trazerem flores e nele se sentarem.”
Contou-me ainda o tal jornalista que as mulheres, e não só as estéreis, além de se sentarem no canhão, esfregavam nele as mãos e as passavam depois na cabeça, no coração e nos órgãos sexuais dos filhos e filhas, porque os homens que tinham feito aquele canhão, além de prolíferos eram bondosos!
A seguir o nosso jornalista foi levado a encontrar outra marcante presença dos portugueses naquela terra. Meteram-no num carro e diziam-lhe que ele haveria de descobrir por si o que lhe queriam mostrar. O carro seguiu por uma estrada à beira da costa, o mar de um lado a encosta do outro. Uns quantos quilómetros percorridos e de repente surge a meia altura um espigueiro! Isso mesmo: um espigueiro como os que se vêm no norte de Portugal.
Espigueiros no Soajo, Serra da Peneda, Gerêz, norte de Portugal
Rezava a lenda que um dia fora encontrado na praia o corpo dum homem, de pele clara, forte. Ainda respirava, levaram-no para cuidarem dele, e como nunca tinham visto nenhum semelhante acreditavam, que tinha sido enviado pelos deuses.
Não há dúvida que era português, um náufrago, que ali ficou, criou família, ensinou aos nativos como conservar as suas produções ao abrigo de predadores e deixou essa indelével marca da sua origem e a memória de homem bondoso, forte e prolífero, e assim também venerado.
Ainda há pouco tempo, e nalguns lugares, segundo Pinto da França, quando nascia uma menina de pele mais clara diziam logo que era descendente de portugueses, e se fosse rapaz, mas forte, era também de origem “portuguis”!
Belas sementes espalharam os portugueses de então.
Na Índia, Mascate, Malaca, um grande centro de irradiação da influência portuguesa, Indonésia, Macau e até Japão.
Em muitos lados ainda se fala um “papia kristang”, ou qualquer outro “crioulo” com as raízes portuguesas. O que será que Portugal tem feito, ou está a fazer, para preservar essa cultura, tão bonita e tão venerada, nessas longínquas terras?
Ou abandonou tudo como fez com o Gabão onde grande parte da população, que sabe que o primeiro contacto com europeus foi com os portugueses, que deram nome ao seu país, sempre quis estudar a língua portuguesa e a história dos descobrimentos para melhor compreenderem a criação do seu país, e Portugal nem se dignou enviar para lá um professor!
Em Malaca, Singapura, e outras cidades há uma imensidão que não quer perder um valor cultural que lhes deixámos: a língua, o kristang. Em nem um destes países Portugal tem sequer um consulado!
Morreram Afonso de Albuquerque, Francisco Serrão e outros que deram portugueses de valor aos povos que encontraram e promoveram a sua aproximação e integração.
E assim, lá nos confins, se mantém tão vivo o culto do “Meninu”.
Já Bandarra previa esse culto do Menino Imperador.
E hoje Portugal espera por quê?Milagre?Milagres são os homens de fé e vontade que os fazem acontecer.
PÁSCOA deriva do hebreu Pasch'ah = passagem, para o Povo de Israel significando a fuga do Egipto paraaTerra Prometida com passagem pelo Mar Vermelho, e depois, para os cristãos, celebrando a ressurreição de Jesus Cristo, enquantopassagem da Terra para a Eternidade ou da Morte para a Vida.
É, pois, rememorando essasduas passagens que hebreus e cristãos celebram a PÁSCOA SACRA, datas grandes de suas religiões, eventos maiores de suas crenças, reuniões importantes de suas tradições, mas, infelizmente, também fontes de desavenças, porquanto, desde essas remotas épocas, guerras de índole religiosa vêm ceifando muitas vidas e destruindo muitos bens, prática absolutamente contrária, oposta e ofensiva dessas mesmas religiões, agressão às ideias e aos ideais de seus fundadores, de seus patriarcas, de seus apóstolos e de seus seguidores mais sinceros, mais honestos, mais cumpridores, mais idealistas!!!
Na Ilha das Flores Indonésia Uma Páscoa Muito Antiga
Em Larantuca, na ponta oeste da ilha das Flores, Indonésia, as celebrações pascais assemelham-se às nossas. Perpetuam a tradição, luso-descendentes que a diáspora levou de Malaca a Macassar e que nas Flores se radicaram no século XVI. Com eles trouxeram a língua, um tesouro e o culto a Nossa Senhora do Rosário. A Tuan Ma, como lhe chamam em dialecto local.
Hilarius Benediktu César da Silva descende directamente de Alfredo da Silva, representante dos reis de Portugal na ilha das Flores. Um dos sersan buran (sargentos brancos) que acompanhavam e protegiam os padres que lideravam a comunidade reino residente em Macassar, nas Celebes, e que, perseguida pelo poder islâmico, viria a estabelecer-se definitivamente nas Flores. Consta que Hilarius está a escrever a história dos seus antepassados. Não o podemos confirmar, mas ele tem todo o gosto em mostrar-nos os retratos de família, e permite que o fotografemos com a sua senhora e um dos filhos. As feições de Hilarius são claramente caucasianas. Tão pouco enganam os olhos verde-oliva do seu vizinho, o senhor Da Gomes, cuja casa faz paredes-meias com a capela Trewa (Treva), um dos inúmeros nichos de religiosidade local. Famílias de Larantuca - Da Gomes, Cesar da Silva, Monteiro - todas elas ligadas as sersan buran de outrora. Aconselham-nos a procurar a estirpe do DVG - ou seja, Dom Dias Vieira Godinho, rei de Larantuca - a quem cabe a honra de abrir as portas da capela de Tuan Ma, Virgem do Rosário, padroeira local. Tuan Ma é exibida em público uma só vez por ano. Precisamente na Sexta-Feira Santa.
Linhagens e Mordomos Pascais A capela Maria, ou de Tuan Ma, situa-se em frente à antiga praia onde - diz a lenda - terá sido encontrada a estátua da Virgem. Documentos históricos fidedignos, porém, asseguram que ela foi trazida de Malaca, juntamente com outros ícones de matriz religiosa, que hoje são encarados pela comunidade local como um tesouro sem preço. Xavier da Costa, tesoureiro da Confreria Reinha Rozari, autêntica guardiã da divindade, não esconde o seu desagrado pelo aspecto mais vistoso do templo. Preferia a capela antiga, era mais autêntica. O senhor Costa abre-nos as portas, mas as relíquias não as pode mostrar antes de sexta-feira. Sesta Vera, como dizem em Larantuca. A Reinha Rozari tem ali o seu secretariado. Em tudo se assemelha às confrarias portuguesas. Para além do cargo de tesoreiro, conta ainda com o de prokurador, tjamador e ouvedor. Mas a função que mais nos interessa neste período pascal é a de mordomo - entidade encarregue de alimentar os homens que erguem estacas de bambú nas ruas pequenas e apertadas por onde progredirão milhares de pessoas na procissão das velas de sexta-feira à noite, ponto alto da festividade pascal. Em Abril, esta povoação plantada no sopé do Ili Mandari, um vulcão inactivo, acolhe dezenas de milhar de pessoas. Larantuca é - pode dizer-se - o mais relevante local de peregrinação para os católicos da Indonésia e países limítrofes. O almoço tem lugar em casa dos Fernandes, a quem este ano coube o título (e a honra) de mordomo. Carne de cão (sinal de distinção) é um dos pratos servidos. O peixe, reservam-no para os da casa, acompanhado com banana, inhame e coco ralado. De forma natural, com a ajuda do arak de palma, aguardente local de forte teor alcoólico, entramos no jogo de palavras. Admiram-se, alguns, de muitos dos termos e expressões do seu dialecto local (e do bahasa) terem origem no português. Outros sabem disso e até acham normal. Surpreendidos ficam ao saber que em Portugal é idêntica a tradição dos mordomos pascais. As famílias católicas raramente casam fora da comunidade. Os Fernandes, por exemplo, estão cruzados com os Ribeiros.
As Mães da Música À entrada da capela de Tuan Ma amontoam-se sandálias e chinelos. No interior só é permitido andar descalço. Depois de lavada, no maior dos segredos, por elementos escolhidos da Confraria, a estátua de Tuan Ma está à vista de todos. Aos pés dela prostram-se os mordomos da capela para este ano - chineses endinheirados de Jacarta. Seguem-se alguns dos notáveis, os membros da Confraria, e só depois os devotos em geral. O ritual prolonga-se durante todo o dia e pela noite dentro. Em redor, mulheres vestidas de preto acendem constantemente velas e círios. E quando não cantam, rezam. Outras mulheres, também de preto, as Mama Mudji (mães da música) apenas rezam. Avé-marias, pai-nossos, salvé-rainhas. Sempre em língua portuguesa, socorrendo-se de pequenos cadernos onde as ladaínhas foram passando de punho em punho, de geração em geração. É óbvio que não entendem o que dizem, embora o digam correctamente. Uma celebração litúrgica marca a noite, na catedral do Postoh (posto). A Lamentação de Jeremias é, sobretudo, feita de música, a cargo dos coristas da Confraria, e do som das matracas e do gongo chinês, que substituem a tradicional sineta nos momentos mais sagrados da cerimónia. À entrada, a polícia controla as bagagens. Larantuca pode muito bem ser alvo de um atentado. É reconfortante ver, contudo, que muitos dos que fazem segurança são elementos da comunidade islâmica local. Cristãos e muçulmanos, ao contrário do que se passa noutras províncias indonésias, vivem aqui em perfeita harmonia. Muitos deles partilham até laços familiares.
A Procissão Marítima São traiçoeiras as águas do Estreito de Gonçalo, que divide as Flores das ilhas de Solor e Adonara. Em linha com a praia de Kota, onde se situa a capela do Tuan Meninu, assiste-se a um verdadeiro ajuntamento de barcos de pesca a transbordar de pessoas. Sentadas à proa, à popa, a bombordo, a estibordo, no convés. Todos se preparam para acompanhar o Deus-menino, numa procissão marítima que tem origem numa tradição similar ainda hoje praticada em certas povoações costeiras de Portugal continental e insular. Na margem, transferem agora a estatueta da capela para uma barcaça movida por dois homens com varas de bambu. O percurso é de cerca de mil metros, sempre a escassos metros da margem onde uma multidão de crentes assiste ao cortejo. Indivíduos com motos de água funcionam como controladores de tráfego, assegurando que nenhuma das embarcações ultrapasse aquela que leva a estátua. A entrega do Meninu dá-se num local que já foi praia, em frente à igreja de Santo António. Enquanto isso, outros participantes preparam-se para a marcha que conduzirá Tuan Ma à catedral. O ritmo é marcado por um tambor de caixilho (de origem portuguesa) e os ornamentos pascais são transportados por crianças trajadas a rigor. A catedral, essa noite, é pequena para tanta gente. Sentada, de pé. Dentro e fora de portas. Gente de diferentes comunidades. Destacam-se os irmãos da Confraria, na nave principal. Atrás deles, as carpideiras, Mulheres de Jerusalém, camufladas sob um pano negro. Entre os mais bizarros, os nikodemus, encapuçados que transportam o andor do Cristo morto, e Verónica, portadora do lenço com o rosto ensanguentado de Cristo. Todos eles integram a gigantesca procissão que em passo lento percorre as ruas de Larantuca transformadas em Via Sacra. A entrada das ermidas e de muitas das casas estão alumiadas com centenas de velas. Apenas o som das matracas e o rufar do tambor interrompem o murmurar das ladainhas. No final, todos confluem para a catedral, numa manifestação de fé impressionante. A maioria logo regressa a casa. Muitos outros, integram a fila dos que vão beijar os pés da Senhora que na igreja permanece toda a noite. Sábado de manhã cedo Tuan Ma regressa à capela. As velas são retiradas das estruturas de bambu. Resta no chão a cera derretida, com a qual muitos aproveitaram para escrever mensagens ou simplesmente os seus nomes. Está lá o do Figo, quiçá a única referência que estes nossos patrícios longínquos têm do Portugal de hoje. Joaquim Magalhães de Castro [texto e fotos]
Título original: "DE CHAUL A BATTICALOA - As marcas do Império marítimo português na Índia e no Sri Lanka"
Autor: K. David Jackson (americano)
Editor: MAR DE LETRAS EDITORA
1ª edição: Novembro de 2005
Dos heróis que cantaste, que restou
Senão a melodia do teu canto?
As armas em ferrugem se desfazem,
Os barões nos jazigos nada dizem.
(Carlos Drummond de Andrade, in "A Paixão Medida")
Escritos em caracteres tamil
Por quem mal sabe a língua em que soavam . . .
Estes versos emergem com uma tranquilidade
Terrível de língua morta a desfazer-se
E cujos ossos restam dispersos num e de um rimance
Cantado há quatro séculos numa terra alheia.
Distâncias de oceanos os conduziram como hábito
De serões e vigílias. Solidões do longe
Os ensinaram a quem partilhou tédios e saudades . . .
Ficaram nas memórias teimosas de abandonada gente . . .
Presa por um fio a um país esquecido . . .
Não os ouve nada nem ninguém.
(Jorge de Sena)
Eis a sina dos "portugueses abandonados" cantada por dois poetas da Lusofonia. Extractos que retive: Depois de 500 anos, a presença portuguesa na Ásia é mais visível, paradoxalmente, através de uma ausência sensível: nas ruínas das cidades e fortalezas costeiras que transformaram a história em arqueologia. Tal é a fortuna da cidade-fortaleza de Chaul, na costa ocidental da Índia, porto de grande antiguidade que no século XVI foi uma das praças portuguesas mais importantes, muito antes de Bombaim existir. Em estado de ruína desde o século XVIII, Chaul representa um grande número de fortalezas, monumentos, construções e inscrições que testemunham a ausência sensível desse império marítimo português. De Damão, transcrevo apenas dois versos duma cantiga actual:
Papegaai ne gaiola,
batté azas quer curre,
Menina ne janela,
batté peto quer morre
Batticaloa é a mais rica fonte de português no Ceilão. Nada menos que trezentas famílias ainda falam português. A União Católica "Burgher" reúne estas pessoas que falam português na Reunião Geral Anual dessa União mas as minutas são escritas em inglês porque não sabem escrever em português. Mas têm muito orgulho na sua cultura e estão interessados em preservar a sua língua. Do folclore português do Sri Lanka, basta transcrever duas pequenas peças para se ver o que ainda temos que fazer no apoio a estes "portugueses abandonados" para que mantenham a sua cultura e retomem o contacto com o país que invocam como seu, Portugal:
Anala de oru sathi padera juntu
Quem quera anal avie casa minha juntu
(O anel de ouro com sete pedras
Quem quiser o anel, venha casar-se comigo)
Jafoi todo partis, Ceilão per Japan
Mais nunca trizé nada, for da firme coração
(Já fui a toda a parte, do Ceilão para o Japão
Mas nunca trouxe nada, excepto o fiel coração)
Onde se localiza o Instituto Camõesnaquelas paragens?