«A WWIII é um episódio da guerra entre o império romano do ocidente que por mar foi a todo o mundo e o império romano do oriente que por terra foi até ao Pacífico»
Ricardo Nunes
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Merece glosa o mote acima que Ricardo Nunes me enviou.
Se na perspectiva militar, esta guerra por que passamos não pode (ainda) ser objectivamente considerada mundial, na perspectiva política, ela é-o tanto quanto foram as do Vietname e do nosso Ultramar. Cada uma com as suas particularidades, sim, mas todas elas tendo o ataque e a defesa do Ocidente como objectivo essencial.
As semelhanças e particularidades destas três guerras dariam para escrever o livro a que por agora não deito mãos. Mas a tese é clara: Vietname, Ultramar Português e Ucrânia, «é tudo farinha do mesmo saco», o do KGB.
Não espero por um pedido de desculpas dos americanos por não nos terem ajudado no esforço de guerra pois eles queriam o nosso petróleo de Angola e por isso «fizeram» a FNLA. Também disseram que em Moçambique cheirava a gás… Mas isto é outro livro.
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Mas, deixando-me de prolegómenos, avanço para o cerne da questão inicial, a bipolarização do Império Romano, Roma e Constantinopla/Istambul.
Passando pela História como cão por vinha vindimada, atenho-me a quatro megaprocessos que refiro cronologicamente:
A epopeia dos Descobrimentos Portugueses (seguida pela homóloga espanhola);
A Revolução Francesa («Liberdade, Igualdade, Fraternidade»);
A revolução industrial;
A Revolução Soviética.
Tenho para mim que, só por si, a bipolarização do Império Romano não teve grande influência na libertação das mentes, mas que o processo dos Descobrimentos gerou a primeira globalização que foi, essa sim, libertadora do tacanhísmo medieval.
A Revolução Francesa deu substrato político às mentes libertadas do fastidioso «Poder (descendente) de inspiração Divina» fazendo prevalecer a legitimidade ascendente do Poder e, com a evolução histórica, a prevalência das democracias parlamentares pluripartidárias na Europa Ocidental (a «reboque» da realidade britânica).
A Revolução Industrial inglesa que fundou o capitalismo e o seu crítico mais acérrimo, Karl Marx, que perdeu a razão logo que passou do diagnóstico à prescrição de terapêuticas drásticas.
E foi no tratamento dado a estas críticas que o fosso se aprofundou: no Ocidente, interpretámos as críticas e tomámos medidas humanistas correctoras dos problemas identificados e fizemo-lo por consenso pluripartidário; no Leste, não fizeram uma exegese liberal dos preceitos marxistas pelo que os boiardos foram substituídos por aparitchniks tão autocráticos como os seus próprios antecessores.
De tudo, para concluir que a abertura ao mundo das sociedades ocidentais resulta da tradição libertadora e liberal dos seus cidadãos livres; o enclausuramento das sociedades orientais – enquanto e sempre que sob o domínio autocrático de Moscovo – não tiveram autorização de sonharem e o mais que lhes foi permitido foi transumarem… até Vladivostok. Nós, ocidentais, sublimámos os nossos problemas pela libertação mental e geográfica; os lestianos só começaram a sublimar os seus problemas quando se livraram da «bota russa».
Num conflito entre uma sociedade livre e de tradição voluntarista e uma sociedade oprimida, é impensável que o joio domine o trigo.
Não nos temos cansado de dizer – com o êxito a que já estamos habituados – que tudo o que de importante se passa na nossa vizinha Espanha devia ser objecto do melhor estudo e atenção.
Mas como para a opinião pública se clama que entre nós e a Espanha já só há bom vento e melhor casamento – embora ali para o lado de lá de Jurumenha, haja quem não seja da mesma opinião … –, para quê perder tempo com preocupações que só têm cabimento em mentes obtusas que insistem em andar com o passo trocado com a História? Bom bom, é a gente derramar a vista numa lânguida praia mediterrânica bebendo uma caña e petiscando uma tapita.
A espanholada também vai nisto, mas entre eles há quem se preocupe em, por exemplo, ir reforçando o seu Poder Militar. Vamos tentar ilustrar com alguns exemplos.
Comecemos pela Marinha: por alturas de Abril foi lançado à água em, Ferrol (Galiza), um novo Porta-aviões e plataforma marítima, o Juan Carlos I, que só tem paralelo nos Marines americanos. Vai juntar-se ao "Príncipe das Astúrias"… Construíram ainda nos mesmos estaleiros cinco fragatas da classe Álvaro de Bazan que incorporam a mais moderna tecnologia, incluindo a de defesa aérea "aegis". Construíram ainda dois modernos navios polivalentes logísticos, capazes de exercerem comando e controle, transportar tropas, navio hospital e reparação em alto mar.
Estão em vias de comprar ainda 20 mísseis de cruzeiro "Tomawak" aos EUA, para o que é necessário obter autorização do Congresso.
Quanto à Força Aérea procederam à modernização (MLU -midle life update), das três esquadras de F18 (Torrejon, Saragoça e Las Palmas); dos Mirage F1 que têm em Albacete e já está operacional a primeira esquadra de Eurofighter (caça de última geração) em Moron, cuja construção partilham com a Inglaterra, a Itália e a Alemanha. Num outro projecto em que participam, o avião de transporte estratégico Airbus 400M, verão a sua 1ª aeronave ser entregue em Junho, de um total de …17! O mesmo MLU foi também feito aos vários P3M (anti-submarina) que possuem. Em Madrid existem dois centros de satélites a funcionar, um a ser operado pelos países da UE, que integram o programa e outro só por eles…
O Exército está a ser equipado com a última versão do carro de combate "Leopard", que já é fabricado às dezenas em Sevilha. E já operam 30 UAVs – veículos armados não tripulados – de alta tecnologia fabricados também em Espanha e até produziram doutrina sobre o seu emprego.
Estamos a falar de exemplos…
Significativo é o facto de se registar um desenvolvimento exponencial das Indústrias de Defesa, que incorporam muita tecnologia de outras indústrias civis e que está apostada na exportação, como é o caso das fragatas. O governo espanhol tenta participar em tudo o que é projecto NATO e não só. Vai receber, em termos permanentes o TLP, Tactical Leadership Program, um importante centro de desenvolvimento de tácticas aéreas, que transitarão de Bélgica para a base de Albacete, já no próximo ano.
E tendo os EUA denunciado o acordo de Defesa com a Islândia, afirmando que cabe aos europeus garantir esse defesa, de imediato os espanhóis se ofereceram para tomarem conta da respectiva Defesa Aérea (a rodar entre outros países que também a querem fazer). No final deste esforço e neste momento possivelmente não haverá na Europa país que se lhe possa igualar em capacidade militar clássica. E isto, note-se, sendo público e notória a pouca simpatia que o PSOE e sobretudo o seu líder e Primeiro-ministro, José Luís Zapatero, nutrem pelas FAs; pelos graves problemas de recrutamento, da campanha anti militar existentes em muitos meios e ainda por em alguns pedaços da Espanha (sobretudo o País Basco e a Catalunha) serem francamente hostis à presença de unidades militares.
E no meio disto tudo não deixa de ser curioso verificar o contencioso político com os EUA desde que o PSOE é governo o que levou Zapatero a nunca visitar aquele país e à descortesia de ter proibido o desfile de uma Companhia de Marines, no dia da Hispanidad (12/10) logo a seguir à sua primeira tomada de posse condescendendo apenas à presença do embaixador. E terem sofrido, mais tarde, o amargo de boca de verem os EUA oporem-se a uma candidatura do seu representante no Comité Militar da NATO, ao cargo do respectivo "chairman" (concorreu ainda o polaco e o italiano, ganhando este).
O Estado Espanhol diz abertamente que quer afirmar a Espanha como uma grande potência na Europa e no Mundo e as FAs fazem parte desta estratégia de afirmação. O que está certo.
O que já parece menos certo é que as capacidades militares que se estão a construir, se destinam às missões de Paz e Humanitárias em que estão muito empenhados, como também afirmam. É que tal ultrapassa em muito tal desiderato. Convinha fazer algum estudo geo-estratégico sobre todos estes assuntos, quanto mais não fosse para exercitarmos o intelecto…
Por sorte nossa ou inspiração divina, o actual primeiro-ministro português elegeu o seu homólogo espanhol como o seu melhor amigo.